ANOTAÇÕES SOBRE O CRIME DE FURTO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE CHAVE FALSA



ANOTAÇÕES SOBRE O CRIME DE FURTO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE CHAVE FALSA

O furto qualificado nada mais é que a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel, mediante "particularidades que representem maior gravidade na violação do patrimônio alheio, produzindo maior alarma sócia, tornando a conduta mais censurável, e por isso mesmo, merecedora de maior punibilidade, quer pelo maior desvalor da ação, quer pelo maior desvalor do resultado" . No caso, será tratado o crime de furto qualificado pelo emprego de chave falsa.
Assim, "qualifica-se também o delito de furto quando o agente se utiliza de instrumento falso, com ou sem a forma de chave para fazer funcionar o mecanismo de uma fechadura ou dispositivo análogo, possibilitando ou facilitando a execução do furto" . Em outras palavras, ante a particularidade do uso de uma chave falsa, seja qual for sua forma, o delito de furto é qualificado, diante do modus operandi utilizado que facilitou a prática do crime.
Por chave falsa entende-se qualquer instrumento ? que não o verdadeiro ? utilizado para abrir fechaduras. Desnecessário ter o formato característico de chave, bastando que faças as vezes desta. Nelson Hungria considera a chave falsa "a) a chave imitada da verdadeira; b) a chave diversa da verdadeira, mas alterada de modo a poder abrir a fechadura; c) a gazua, isto é, qualquer dispositivo (gancho, grampo, chave de feitio especial) usualmente empregado pelos gatunos, para abertura de tal ou qualquer espécie de fechadura ou de fechaduras em geral" .
No mesmo sentido, é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça: "o conceito de chave falsa abrange todo o instrumento, com ou sem forma de chave, utilizado como dispositivo para abrir fechadura, incluindo mixas, tal como se dá na espécie" .
A doutrina majoritária tem-se posicionado no sentido de que a utilização de chave verdadeira não qualifica o crime de furto. Nesse sentido, CELSO DELMANTO E OUTROS esclarecem que "Apesar de alguns julgados em contrário, é pacífico, na doutrina que a chave verdadeira não pode ser considerada ?chave falsa?" . Corroborando com esse entendimento, CEZAR ROBERTO BITENCOURT acrescenta que "Na verdade, se a chave verdadeira for obtida ardilosamente conseguida pelo agente, a qualificadora será pelo emprego de fraude (art. 155, § 4º, II, 2ª figura); contudo, se aquela for esquecida na fechadura ou encontrada, normalmente, em algum lugar, pelo agente ou por terceiro, indiferentemente, o furto será simples, ao contrário do que sustentava Noronha" . Ainda, "A chave verdadeira encontrada na fechadura ou em local de fácil acesso por descuido do proprietário não configura a qualificadora" .
Com relação à perícia, a regra geral é de que, havendo vestígios, é necessário o exame de corpo de delito direto ou indireto, com a finalidade de reconhecer a sua eficiência. FERNANDO CAPEZ adverte que "O STF já teve a oportunidade de se manifestar acerca da necessidade de exame do corpo de delito, direto ou indireto, do instrumento empregado para a execução do crime" . Todavia, em sentido contrário, é o posicionamento do STJ, in verbis: "Despicienda, na espécie, a realização de perícia da chave, visto que devidamente apreendida, depois de encontrada na ignição do automóvel, que somente parou em virtude da interceptação policial" .
Tem-se julgado também que incide a qualificadora do emprego de chave falsa ao furto quando utilizado no exterior do carro para abri-lo, mas não configura quando a chave for empregada apenas para movimentar o veículo. Deste modo, pode-se concluir que "Nos casos em que a utilização da chave falsa não é para o acesso a res furtiva mas integra o resultado final do crime, a incidência da norma estará excluída" .
O simples fato de o agente estar possuindo/portando a chave falsa não caracteriza a qualificadora do crime de furto, sequer em sua forma tentada. Pode vir a caracterizar contravenção penal , mas nunca a qualificadora, pois, no caso, trata-se de um "ato preparatório, teoricamente, impunível" .
Por fim, é possível a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela nos delitos de furto qualificado pelo emprego de chave falsa. Contudo, deve-se verificar seus requisitos para a aplicação . Sobre o tema, eis o precedente jurisprudencial: "HABEAS CORPUS. FURTOS (CONSUMADO E TENTADO). OBJETOS QUE SE ENCONTRAVAM NO INTERIOR DE DOIS VEÍCULOS. BENS AVALIADOS EM DUZENTOS E QUARENTA E CINCO REAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. Para a incidência do princípio da insignificância, são necessários a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedente do STF. 2. A atitude do paciente revela lesividade suficiente para justificar uma condenação, havendo que se reconhecer a ofensividade do seu comportamento, até porque furtou e tentou furtar (foram dois crimes, em continuidade delitiva), mediante o uso de uma chave falsa, vários objetos existentes em dois veículos, avaliados em R$ 245,00 (duzentos e quarenta e cinco reais), valor este acima de meio salário-mínimo e que, portanto, não pode ser considerado ínfimo. 3. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio previsto no § 2º do art. 155 do Código Penal" .
Assim, pode-se concluir que a chave falsa é aquele instrumento utilizado para abrir fechaduras, independentemente de seu formato. Faz as vezes da chave verdadeira e com essa não se confunde. A chave verdadeira nunca poderá qualificar o crime de furto pela incidência do inciso III do parágrafo 4º do artigo 155 do Código Penal, no entanto, dependendo das circunstâncias em que foi utilizada, pode-se qualificar o crime por um dos elementos do inciso II (abuso de confiança, fraude ou destreza). Embora entendimentos diversos, a perícia é imprescindível, caso haja vestígios, porém, excepcionalmente, pode ser suprida por qualquer meio de prova.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial 3. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. vol. 3.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. vol. 2.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal: parte especial. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

CUNHA, Rogério Sanches. CP Para Concursos. 3. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.

DELMANTO, Celso. ET AL. Código Penal Comentado. 8. Ed São Paulo: Saraiva, 2010.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Coleção Direito e Ciências Afins Vol. 1. Coord. Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes e William Terra de Oliveira. São Paulo: RT, 2009.

HUNGRIA, Nelson. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentário ao Código Penal. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. Vol.VII.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: parte especial. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Vol. 2.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010.

SILVA, Cesar Dario Mariano da. Manual de Direito Penal.: Parte especial arts. 121 a 234. São Paulo: Edipro. Vol. 2.

Autor: Irving Nagima


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