O sonho escorre pelo arame enferrujado. Parte III



O sonho escorre pelo arame enferrujado
Parte III



Clemente, por meses a fio, repetiu a rotina de ficar horas na frente do sobrado.
Notou que o velho já o havia percebido e que parecia arredio. Fechava a janela tão logo percebia a presença do intruso curioso.

Com o passar do tempo, viu que Clemente não era um pretenso comprador do sobrado e permanecia mais horas na janela conversando com seu amigo arbusto.

Numa das visitas Clemente encontrou o portão semi-aberto e o senhor sentado em um dos degraus que levava a porta principal.

Estava barbeado e vestido como um autêntico gerente de vendas, daquela época em que se vestia com terno e gravata.

O terno fora de moda, a camisa quase branca mal passada, a gravata e o sapatos, foram guardados para serem usados em algum dia especial.

Ao seu lado a maleta que o acompanhou por muitas reuniões de pré, pós e ciclo de vendas.

Vendo que Clemente estava em pé convidou-o a sentar-se ao seu lado.

Clemente sem ação frente ao encontro inesperado ficou sentado imóvel.

Clemente estremeceu quando o velho lhe dirigiu a palavra. Deu a impressão de que até o arbusto se alegrou ao ouvir aquelas palavras sem que suas lágrimas escorressem pelos arames enferrujados da tabuleta, antes de umedecer a terra.
Contou que morava sozinho. Os filhos casaram, vieram os netos. Quando pequenos enchiam a casa de alegria e vida. Hoje crescidos tem suas obrigações e o tempo é curto.

Construiu esta casa com muito esforço. Sempre foi o seu sonho desde criança. Mandou desenhar cada detalhe como sonhado.
Entre sorrisos tristes, com dentes mal cuidados afirmou que o que se sonha acontece. Acontecem também coisas que não se sonham. A casa esta sim, um grande e bonito sonho.
Sem condições de mantê-la com a aposentadoria os filhos colocaram-na a venda.
Não gostaria de sair da casa.
Cada pessoa que demonstrava intenção de compra, ele procurava afastá-las de todas as maneiras possíveis.
Falava de problemas como: Vazamentos nos telhados, paredes úmidas, janelas com vidros quebrados, encanamentos entupidos e a fossa cheia.
Estes detalhes enfatizados desiludiam compradores incautos, que pensando nisto não observavam sua excelente localização e o tamanho do terreno, coisa rara nesta região.

Ultimamente recebeu pessoas interessadas na compra para construir um prédio de apartamentos.

Neste momento franziu a testa, olhou para o céu como que fazendo algum pedido silencioso.

Abriu a pasta, tirou uma folha com os dizeres:
Sr. Luiz Carlos, a empresa agradece os bons serviços prestados, mas informa que a partir desta data não necessitará mais de seus préstimos.
Boa sorte na sua nova empreitada.
Seja feliz, tenha êxito.
Atenciosamente

Roberto
Gerente Geral
Guardou sua carta de demissão, fechou a pasta, entrou, trancou portas e janelas.

Clemente levantou-se caminhou até a saída, fechou o portão e voltou para o colégio pensando na quantidade de pessoas que passam por isto diariamente.

Autor: Antonio Ribeiro


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