UMA RELAÇÃO ERÓTICA EM 'O PRIMO BASÍLIO', DE EÇA DE QUEIRÓS



Este estudo pretende analisar o relacionamento erótico que envolve os amantes na obra ?O Primo Basílio? (1997), de Eça de Queirós. O romance faz parte da segunda fase do autor, onde sua produção é marcada pela influência realista-naturalista, compondo um vasto quadro da sociedade portuguesa da época; ele analisa e critica as instituições, a aristocracia decadente e a família burguesa lisboeta.

É possível constatar a existência de um amor verdadeiro entre Luísa, a personagem adúltera, e, Basílio, o amante dissimulado e cínico? O amor e o sexo compartilhavam o mesmo corpo? Ou a relação erótica que envolve os amantes nada diz daquilo que poderia ser chamado de amor?

Certamente seguindo o exemplo de Balzac, e aproveitando a experiência de Flaubert, Eça intenta oferecer um painel tão variado quanto possível da sociedade portuguesa contemporânea: com ?O Primo Basílio?, ele trata o adultério na sociedade lisboeta, buscando as causas que teriam levado Luísa, a personagem principal, a cometê-lo. Essa personagem representa a mulher romântica sonhadora; suas características apresentadas no texto e criticadas ao longo do romance são a ociosidade, o tédio e o gosto pela leitura de romances, com seus feitos sentimentais e seus cenários elegantes. Tanto a ociosidade de Luísa quanto o seu gosto por romances românticos colocam-na no romance em disponibilidade para fantasiar a imagem do primo Basílio, entregando-se a ele com paixão inocente e inconsequente. Segundo Massaud Moisés (1987), Luísa é "uma adolescente tonta de todo e cheia duma vida imaginativa e vegetativa, que se revela frágil com o afastamento do marido Jorge" (MOISÉS, 1987, p. 241).

O narrador, na obra, é onisciente e se pretende objetivo, imparcial, de acordo com as postulações teóricas do estilo realista.

Percebemos que no século XIX, a mulher era excluída de uma participação efetiva na sociedade. Por isso, o seu papel era ficar em casa, cuidar da família, dos filhos e do marido. A mulher, assim, não tinha destaque na vida cultural e profissional, o seu destino era tão somente o casamento: "(Luísa) ? Casou no ar! Casou um bocado no ar! (...) e saiu muito boa dona de casa: tinha cuidados muito simpáticos nos seus arranjos (...)" (QUEIRÓS, 1997, p. 8).

Luísa casou e tinha uma enorme admiração e afeição por seu marido Jorge:
"Mas era o seu marido; era novo, era forte, era alegre; pôs-se a adorá-lo. Tinha uma curiosidade constante da sua pessoa e das suas cousas; mexia-lhe no cabelo, na roupa, nas pistolas, nos papéis. Olhava muito para os maridos das outras, comparava, tinha orgulho nele (...) Ele era o seu tudo, - a sua força, o seu fim, o seu destino, a sua religião, o seu homem!" (QUEIRÓS, 1997, p. 13).

Segundo Oliva (2001, p. 190), é Jorge o seu ideal de beleza, o homem de quem se orgulha e de quem deseja ter um filho, além da satisfação da vida burguesa que ele lhe oferecia, diferente das outras famílias que moravam ao seu redor, ou do destino incerto da sua amiga Leopoldina.

Mas após a viagem de Jorge, Luísa, solitária, aborrece-se com a ausência do marido até a chegada de Basílio. Luísa é a "burguesinha da Baixa (Lisboa, Cidade Baixa)": uma senhora sentimental, sem valores espirituais ou senso de justiça. É lírica e romântica, ociosa e nervosa pela falta de exercício e disciplina moral. Nessa ausência do companheiro, torna-se adúltera. Basílio de Brito, primo de Luísa, altera a sua rotina tranqüila, e ela entrega-se a "aventura" amorosa.

Em ?O Primo Basílio?, a relação erótica que envolve os amantes nada diz daquilo que poderia ser chamado de amor. Luísa ama Jorge, ela não sente uma paixão desenfreada por Basílio, apenas o considera mais interessante agora que retorna do Brasil.

Luísa não ama Basílio, mas quando o viu diante de si, ficou nervosa, ele lhe fala das viagens; diz-lhe que estimara ter vindo justamente na ocasião de estar o marido ausente. Assim, Luísa ora pensava no marido, ora pensava no primo.

Basílio é um personagem caricatural porque personifica um vilão que só se ocupa em seduzir, em enganar, em usar as mulheres como "macho" que nada vê além de seu desejo, de seus instintos e de sua vaidade, a qual precisa satisfazer a qualquer preço. Ao rever a prima, ele passa a desejá-la para uma aventura que diminua o tédio de sua permanência na cidade, cujo provincianismo despreza, mas na qual tem negócios a resolver.

Para Oliva (2001, p. 190), o que desperta a atenção de Luísa não é a beleza de Basílio, não é o amor que ele porventura poderia lhe oferecer, mas as impressões que ele traz da vida fora de Lisboa, que ela conhecia somente através dos romances que lia e que Jorge não se preocuparia em lhe oferecer, já que era tão provinciano.

A relação que envolve os amantes está longe de ser comparada com o amor. Basílio pretende uma aventura e um ?amor grátis?. Basílio apenas não queria ficar sozinho em Lisboa e "não se dava ao incômodo de se constranger; usava dela, como se a pagasse!" (QUEIRÓS, 1997, p. 117), comparando, assim, o relacionamento deles a uma relação que poderia ter com qualquer prostituta.

Luísa como muitas mulheres da época, queria experimentar o novo, o proibido, seu corpo "ardia" por prazeres sexuais, porém a sociedade recriminava as mulheres que não zelavam pela família e pelo matrimônio. Ela tinha desejos, fantasias; ela admirava a nova vida do primo, encanta-se com suas aventuras e viagens. Tudo o que ele fala serve para excitar a sua imaginação; ouvindo-o, ela vive como em um romance: "Perguntou-lhe então pelas viagens (...) Fora sempre o seu desejo viajar ? dizia (Luísa) ? ir ao Oriente. Quererias andar em caravanas, balouçada no dorso dos camelos, e não teria medo, nem do deserto, nem das feras..." (QUEIRÓS, 1997, p. 36).

Jorge estando distante permite a aproximação de Basílio e a consumação do adultério. Segundo Oliva (2001),
"Não há sedução. Não há paixão. Não há amor. Basílio vê em Luísa nada mais que a satisfação sexual dos seus desejos, aproveitando-se da solidão em
que se encontra a prima. O relacionamento erótico de Luísa e Basílio se desenvolve num lugar ironicamente batizado de Paraíso" (OLIVA, 2001,p. 191).

O erotismo em ?O Primo Basílio? é efêmero, passageiro e não vai além do desejo carnal. Logo que se apossa de Luísa, Basílio não se interessa mais por ela, não vê mais aventura, pois já conseguira o que queria. O desejo só existe enquanto é proibido, interdito. Só desejamos aquilo que não possuímos. Tudo no princípio é novidade, entusiasmo:

"(Luísa) Todo o prazer que sentia ao princípio, que lhe parecera amor ? vinha da novidade, do saborzinho delicioso de comer a maçã proibida, das condições do mistério do Paraíso, de outras circunstâncias talvez que ela queria confessar a si mesma, que faziam corar por dentro!" (QUEIRÓS, 1997, p. 123).

Mas depois, para Basílio, ele poderia achar outra amante que lhe proporcionaria outra aventura, até mesmo melhor.

Assim, essa ligação de algumas semanas entre os amantes, que é o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar.

Mas após a morte de Juliana e o perdão de Jorge, Luísa tem a possibilidade do recomeço, mas não consegue, entrega-se à morte, como solução para o conflito em que vivia. O amor foi interdito pela morte da protagonista adúltera. (OLIVA, 2001, p. 192).

Podemos concluir que o amor só tem um princípio e um inevitável fim, por isso Luísa não pode recomeçar sua vida com Jorge. O amor foi interdito pela morte da protagonista adúltera. A interdição do amor é muito marcante nas obras queirosianas. Um amor estéril que está, normalmente, ligado à morte, como acontece em ?O Primo Basílio?, que tem na impossibilidade da realização amorosa de Basílio e Luísa, a interdição do amor, através da chantagem da criada Juliana e da morte da protagonista. Fica claro a submissão feminina no século XIX e a decadência dos costumes da sociedade lisboeta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 23. ed. São Paulo: Cultrix, 1987.

OLIVA, Osmar Pereira. Essas Interdições de Eros. In: JORGE, Silvio Renato & ALVES, Ida Maria Santos Ferreira. A Palavra silenciada: estudos de literatura Portuguesa e Africana. Sobrado: Vício de Leitura, 2001.

QUEIRÓS, Eça. O Primo Basílio. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

Autor: Cristiane Diniz Barbosa


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