SEGREGAÇÃO ESPACIAL NO ESPAÇO PÚBLICO: CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS VERSUS PERIFERIAS ESPOLIADAS DA SOCIEDADE CAPITALISTA



INTRODUÇÃO

A desigualdade é inerente ao próprio sistema capitalista. Sob esta égide, tem-se daí um enorme flanco que assevera o fosso abissal entre as diferentes camadas sociais. Uma vez matizados e desprivilegiados, alguns desses sujeitos convivem em áreas residenciais segregadas, muitas vezes afastadas das cidades (região central) e reduzidas a descaminhos de cidadania, direitos e participação na esfera pública.

Nesse sentido, o espaço urbano é espaço das lutas, das reivindicações por participação, pelos direitos à cidade, aos mínimos exequíveis e à cidadania plena e satisfatória.

Em relação à pesquisa empírica, essa apresenta rigor documental/bibliográfico; e objetiva elucidar os principais caminhos interpretativos a respeito do tema referenciado.

SEGREGAÇÃO ESPACIAL NO ESPAÇO PÚBLICO: breves apontamentos

À luz desses apontamentos, situamos a concepção de espaço público em termos cronológicos, na Grécia, como nos relembra Bobbio (2000): "o povo se reunia na ágora e tomava livremente, à luz do sol, suas próprias decisões, após ter ouvido os oradores que ilustravam os diversos pontos de vista" (BOBBIO, 2000, p. 41-42). Desde então, a discussão referente ao espaço público tem sido objeto de estudos de diversos pensadores, dentre eles, autoras como Hannah Arendt (2005).

A supracitada autora pontua que a esfera pública é a esfera do comum (Koinon) na vida política da polis. Baseia-se no uso da palavra, na ação e na capacidade de pensar e agir dos indivíduos. Perder o acesso à esfera pública significa perder o acesso à igualdade. Aquele que se vê destituído da cidadania, ao ver-se limitado à esfera do privado fica privado de direitos, pois estes só existem em função da pluralidade dos homens.

Diante disso, as ilações acima perpassam por uma contrariedade, pois ainda que se denomine pública, apenas uma minoria faz jus de fato aos espaços realmente públicos, enquanto domínio da vida política. Privados material e politicamente, esses sujeitos são excluídos do mundo comum e incluídos de algum modo, nem sempre de forma digna e decente, em um universo de insuficiências e precariedades.

Para Corrêa (1995, p. 8), nas cidades acontecem as "relações espaciais de natureza social, tendo como matriz a própria sociedade de classes e seus processos". A própria acessibilidade e localização nos espaços urbanos designa um processo pelo qual denomina-se o outro como um ser "à parte", a apartação social proposta por Cristóvão Buarque¹ (1993), (apartar é um termo utilizado para separar o gado), ou seja, o fenômeno de separar o outro, não apenas como um desigual, mas como um "não semelhante". (WANDERLEY, 2001, p. 22).

Os vários segmentos sem cidadania são separados freneticamente nos espaços, sem escolhas são conduzidos a áreas periféricas, muitas vezes sem acesso à moradia, à saúde, à alimentação, à educação e ao saneamento básico, para se citar somente os mais necessários. Por sua vez, a classe potencializada da sociedade tem a escolha livre de afastar-se da cidade e adentrar em condomínios verticalizados, "seguros", onde as forças externas não invadem e os crimes e seus coadjuvantes mantêm-se distantes.

A esse respeito, L. Kowarick² (1975, 1979) citado por Veras (2001, p. 30) volta-se aos contingentes espoliados na cidade capitalista (favelados) como despojados dos direitos mínimos de vida digna, sem cidadania, porém, excluídos dos benefícios urbanos.

Podemos, assim, reforçar que os seres humanos são medidos pelo lugar que ocupam no espaço urbano, "o seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende da sua localização no território (...) A possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está" (SANTOS³ , 1987, p. 81 apud VERAS, 2001, p. 32).

A expansão dos condomínios residenciais, por exemplo, foi intensamente difundida a partir do aumento da violência nas grandes cidades. Atrás de muros, redes de proteção, esses espaços transformam-se em refúgios e autoisolamento; representando, assim, a retirada dos espaços públicos e conseqüente encarceramento das famílias em locais que já possuem diversão própria, serviços básicos. Esse "pseudo-refúgio da classe média virou um ?habitus? que passou a ganhar status social" (SOUZA, 2003).

Nesses "microcosmos espaciais" formam-se minicidades, grupos de preferências que autossegregam o restante dos indivíduos. Estes, por sua vez, comporiam "a parcela da população que não dispõe de condições para se transferir da casa onde mora, isto é, para mudar de bairro". (SANTOS 4 , 1987, p. 85 apud VERAS, 2001, p. 33).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destarte, esses sujeitos não reivindicam e não protestam em face dessas privações, injustiças e carências. Quando privados de tudo o que lhes é essencial, é como se o homem não se desse a conhecer e como se não existisse, nas próprias palavras de Arendt (2005). A exclusão aparece como não acesso, como esvaziamento do espaço público, como segregação física, espacial, material, social e política.

Como mostramos alhures, a irresponsabilidade do Poder Público e o seu não interesse em concretizar direitos, ficando estes apenas na "cultura do possibilismo" (expressão de Carlos Montaño) 5 , associa-se a apropriação irregular de moradias em áreas de risco e a intensa expansão das periferias autossegregadas e espoliadas da sociedade capitalista.

PALAVRAS-CHAVE: Segregação espacial; espaço público; condomínios; periferias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.
SOUZA, Luiz Alberto. Condomínios residências e loteamentos "fechados". Revista Vivercidades, 2003. Disponível em: http://www.vivercidades.org.br, acesso dia 09/04/2010.
VERAS, Maura Pardini Bicudo. Exclusão Social: um problema de 500 anos notas preliminares. In: SAWAIA, Bader (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
WANDERLEY, Mariângela Belfiore. Refletindo sobre a noção de exclusão. In: SAWAIA, Bader (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

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¹ BUARQUE, Cristóvão. A revolução das prioridades. Instituto de Estudos Econômicos (INESC), 1993.
² KOWARICK, L. Capitalismo e marginalidade na América Latina. (1975) Rio de Janeiro: Paz e Terra e A Espoliação Urbana. (1979) Rio de Janeiro: Paz e Terra.
3 SANTOS, Milton (1987). O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel.
4 Ibid., 1987, p. 85.
5 A expressão é de Carlos Montaño. In: Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez editora, 2002.

Autor: Cristiane Diniz Barbosa


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