ESPUMAS FLUTUANTES: a síntese de contrários



Castro Alves foi um dos maiores expoentes do Romantismo brasileiro. A assimilação de sua poesia depende em grande parte da maneira de compreender ou acompanhar suas antíteses em todas as suas ramificações. A verdade é que a antítese, segundo Eugênio Gomes (1971), "dominava o pensamento romântico, com efeitos propícios à oratória que se caracterizavam pela prontidão do enunciado, a surpresa, o imprevisto, o insólito" (GOMES, 1971, p. 28).

O poema "Sub Tegmine Fagi" constitui um de seus melhores flagrantes, porque é a antítese que lhe preside à ideação, cuja síntese está configurada na segunda estrofe:
"Vem comigo cismar risonho e grave...
A poesia ? é uma luz... e a alma ? uma ave...
Querem ? trevas e ar.
A andorinha, que é a alma ? pede o campo,
A poesia ? é uma luz ? é o pirilampo...
P`ra voar... p`ra brilhar." (p. 81)

As transfigurações que o poema produz e desenvolve têm por base o terreno oscilante dessa antítese, que é essencial à compreensão de certas ambigüidades do contexto.

No poema, "Mocidade e Morte", o poeta sofreu cruel rebate de um mal traiçoeiro, cuja impressão explica o tom alarmado e melancólico do poema. (GOMES, 1971, p. 12). Através das metáforas de vida e de morte, vimos, de acordo com o contexto do poema, que o autor realiza um processo de individuação, chegando, através das metáforas de vida, a realizar a figura liberdade, e das metáforas de morte a figura escravidão. A partir da 7ª estrofe, observamos que essas ideias não ficam estanques, e há como que um complemento da vida com a morte e da morte com a vida. (HILL, 1978, p. 42).

Podemos comprovar a ideia de vida associada à liberdade através das expressões: quero viver, beber perfumes, flor silvestre, branca vela, o futuro dentre outras. Em contraposição, associamos à morte as expressões: voz sombria, sono, lájea fria, voz terrível, voz funerária e outras como podemos verificar nos trechos que se seguem:
"Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares." (p. 72).

Em contraposição com o seguinte:
"Morrer ? ó ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nas guia na tormenta:
Condenado ? escutar dobres de sino,
- Voz da morte, que a morte lhe lamenta." (p. 73).

A poesia de Castro Alves, assim, caracteriza-se pelo movimento que comunica a tudo, numa dinamização da vida que não exclui os mortos, de onde em "Quando eu morrer" compará-los a:
"Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo." (p. 131).

Assim, percebemos nesse tema a problemática existencial, implicando, principalmente, a morte e o questionamento do ser do poeta.

Ainda com referência à temática castroalvina, convém destacar a temática do lirismo gracioso das paixões, dos amores. Nessas composições e em outras da mesma época notar-se-á que Castro Alves tinha evoluído para uma forma mais límpida e algumas vezes mesmo "mais leve e delicada" (GOMES, 1971, p.16).

O amor se envolve, muitas vezes, de sensualidade, apagando-se a imagem da mulher pura e etérea, tão decantada no romantismo. A figura da mulher que aparece na primeira sombra de "Os anjos da meia noite", é sensual. Nesse poema, o autor realiza esteticamente um descortino dos amores que teve. Seguindo as ideias de Moisés (1984, p. 238), notamos que esse poema leva por subtítulo a palavra "fotografias", sugerindo o impacto dessa arte sobre a poesia do poeta, desfilam sombras de mulheres, Bárbara, Marieta, Éster, Fabíola, Cândida, Laura, Dulce, em idêntico clima de voluptuosidade, ainda que discreta.

O poeta trata, ainda, a mulher com sutileza de uma devoção religiosa, numa luta entre Eros (amor) contra Tánatos (morte) (MOISÉS, 1984, p. 240). Assim, ocorre em "Adormecida", como se estivesse perante uma cena imaginária, e a personagem fosse a virgem sonhada e não a mulher que verdadeiramente se deixa observar:
"Uma noite eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente (...)

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
?Ó flor! ? tu és a virgem das Campinas!
Virgem! ? tu és a flor da minha vida!..." (p. 96).

Percebemos que nas duas últimas estrofes, Castro Alves imprime à natureza, conforme observa Hill (1978), "um antropomorfismo sensual, caracterizando-a como um ente feminino" (HILL, 1978, p.34).

No antropomorfismo sensual de Castro Alves, a natureza apresenta constantes formas e seduções de mulher, como quando mostra, naquele poema citado. Era, enfim, no espaço à vista que o poeta encontrava as sugestões que melhor satisfaziam à sua felicidade de vida e de amor.

A natureza desempenha um grande papel em todas as situações em que a antítese é chamada a sublimar contrastes reveladores de um conflito moral ou sentimental. E, como a viu e sentiu Castro Alves, sem afastar-se nisto de uma tendência geral entre os românticos, a natureza assume vários aspectos e representações. O poeta refere-se a essa natureza que, em seus versos, se torna vibrante e concreta, emoldurada por um sistema dinâmico de imagens que geralmente são tomadas de aspectos grandiosos do universo - o mar, os astros, a imensidão ou o infinito.

Em "O Adeus de Teresa", por sua vez, Castro Alves se inclina para o estilo dramático, ressaltando a afetividade da linguagem como ocorre com a palavra "adeus", que se torna polissêmica:
"E amamos juntos... e depois na sala
?Adeus?eu lhe disse a tremer co?a fala...
E ela, corando, murmurou-me: ?adeus?." (p. 84).

Como frisado no prólogo, Espumas Flutuantes, é o símbolo de transitoriedade, no qual recorda que: "como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos da musa ? este sopro do alto; do coração ? este pélago da alma."

Assim, o livro Espumas Flutuantes é, pelo visto, o de um moço que, náufrago de todas as ilusões, angustiadamente lança-se a seus versos para não soçobrar de vez ante a posteridade. O sentimento do abismo final à vista influiu evidentemente sobre a precipitada organização dessa coletânea, na qual Castro Alves quis deixar uma ideia de todas as virtualidades de sua poética, com os olhos ainda fitos no futuro.

A palavra é o instrumento de que se vale o poeta. Assim, vários artifícios são utilizados no ato da escrita para realçar a grandiosidade de sentimentos. Um desses artifícios muito utilizados por Castro Alves são as interjeições. Estas estariam como raios entre as estrofes candentes de seus cantos (Gomes, 1971, p. 36), por vezes com reduplicações do exclamativo, mas, na parte lírica de sua obra, contribuem harmonicamente para um efeito poético inalienável como no poema "É tarde!":
"É tarde! É muito tarde! O templo é negro...
O fogo santo já no altar não arde.
É tarde! É muito tarde!" (p. 129).

Como diz Sodré (1995, p. 309), em Castro Alves existe tudo o que o romantismo podia apresentar de grande. A sua poesia salva a escola de perder-se na monotonia superficial e amorosa, sem profundidade e sem grandeza.

É, portanto, um grande poeta, quiçá o maior do Romantismo. Encontramos pela primeira vez, na poesia romântica, uma obra onde a dor não se traduz em lamúria, onde não há lubricidade nem devaneio etéreo dissociando a integridade da paixão.

Concluímos tal estudo, certos da imensa contribuição que Castro Alves delegou à literatura brasileira. Diante, assim, de todos os seus poemas, selecionamos alguns que poderiam nos ajudar a construir a ideia do amor e da morte nas suas poesias. Esperamos, com isso, ter confirmado esse jogo de antíteses que tanto enriquece a sua obra. A verdade é que a antítese dominava o pensamento romântico e a assimilação da poesia de Castro Alves depende em grande parte da maneira de compreender ou acompanhar essas antíteses em todas as suas ramificações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVES, Castro. Espumas Flutuantes. São Paulo: Ed. Martin Claret, s/d.

GOMES, Eugênio (estudo crítico, fixação de textos, cronologia e bibliografia). Castro Alves: Antologia Poética. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora, 1971.

HILL, Telenia. Castro Alves e o poema lírico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro em convênio com o Instituto Nacional do Livro (MEC), Brasília, 1978.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Volume II. São Paulo: Cultrix, 1984.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira. 9ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.



Autor: Cristiane Diniz Barbosa


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