MÃE E FILHA: CONFLITO FAMILIAR E ENSINO EM DÔRA, DORALINA DE RACHEL DE QUEIROZ



MÃE E FILHA: CONFLITO FAMILIAR E ENSINO EM DÔRA, DORALINA, DE RACHEL DE QUEIROZ
Luciana de Queiroz
Faculdades Integradas de Patos


As relações entre mãe e filha são representadas, nas artes e até mesmo na mitologia grega, como a relação de Deméter e Perséfone exemplifica bem. Falar sobre mãe e filha, na cultura ocidental cristã, nos leva a formar, a imagem de uma relação íntima, única e verdadeira. São dois corpos ligados biologicamente em que um presenteou o outro com a vida. Mãe e filha se completam: a mãe se vê perpetuada na filha e a filha se vê refletida na mãe. Assim a mulher está envolvida com o ser mãe e/ou filha continuamente. "Intimidade e continuidade revelam que mãe e filha são dois pólos do mesmo ser: mulher. Criativa e destrutivamente, a filha busca na mãe sua identidade; a mãe realiza-se com a existência da filha. Uma presença dá sentido à outra, as duas completam-se dialeticamente para compor um todo: o feminino". (SEABRA & MUSZKAT, 1985, p.47)
Quando, porém, o relacionamento entre mãe e filha não é harmonioso? Quando, por um motivo ou por outro, ambas são adversárias? Isso acontece com as principais personagens do romance Dôra, Doralina. Unidas biologicamente e desejando refletir-se uma na outra, mas lutando contra isso, Dôra e sua mãe Senhora medem-se como pessoas independentes, iniciando um processo de disputa que, dependendo da intensidade, gera conflitos tortuosos entre as duas. O amor sublime e recíproco se transforma em raiva, em ódio. A própria Dôra confessa o sentimento que alimenta por sua mãe:

Senhora. Passo ás vezes um mês, mês e meio - e se ninguém falar nela passo muitos meses, ah, passaria até anos sem me lembrar de Senhora. Mas teve um tempo em que ela me doía e me feria e ardia como uma caniveta aberta.(DD, p.10).

Dor, ardência, sofrimento, é o que causava Senhora à sua filha única. Por estarem sempre juntas os pontos negativos de cada uma tornam-se evidentes. Uma reconhece na outra sua própria fraqueza. O poder e a postura altiva da mãe reflete a inferioridade de Dôra e toda a fragilidade da filha reflete a falha materna. Repudiando seus próprios defeitos e sem querer admiti-los, mãe e filha se agridem, sabendo cada uma como atingir a outra.
Dôra se sente uma filha odiada pela mãe. Não só acredita no rancor que sua mãe sente por ela como atribui à causa disso a seu nascimento. Dôra se pune. Derrama em si mesma toda a culpa da desarmonia que existe entre ela e sua mãe. Muitas vezes, Dôra não tem coragem de revidar e, covardemente, vinga-se de outras maneiras. Em momento nenhum da narrativa o nome de Senhora é citado. Dôra, como narrador, recusa-se a pronunciar o nome próprio da mãe; como forma de vingança pelo desprezo, pela altivez, pelo poder e pela perseguição de que julga ser alvo. Dôra se nega a tomar a benção e a lhe falar o nome. Dôra está sempre provocando e como sua mãe reage sempre com rigor, a protagonista não se harmoniza com ela:

Pensei nele tomando benção à Senhora. Eu por mim já deixara isso muito tempo antes; uma vez dormi e acordei, quando passei por Senhora dei bom-dia e ela não reclamou e quando fui dormir dei boa-noite; só no dia seguinte, na mesa, mexendo o café, foi que ela disse: __ Que história é essa de bom-dia? Cadê a benção? (...) __ Maria Milagre conta que negro cativo era que tomava bênção de manhã, de noite, senão levava peia. __ E você se regula pelo que lhe conta a negra velha? __ Também nos livros. Em livro nenhum que li nunca vi as moças tomando bênção. (...) Xavinha quis fazer graça e perguntou se também não davam boa-tarde. Mas Senhora não escutou e respondeu naquele jeito dela. (...) __ O meu mal foi ter gasto o dinheiro que gastei botando você em colégio, pra só aprender essas besteiras. Eu tive vontade de dizer: "O seu mal é um só: foi eu ter nascido; e, depois de nascer, me criar". Mas tive medo. Por esse tempo eu já tinha deixado de chamar Senhora de "mamãe". Ainda não tomara coragem pra dizer "Senhora" como nome próprio, na vista dela ? dizia "a senhora" o que era diferente. Mas de mãe não a chamava. Se ela percebeu, não sei. Nas ausências, quando dava um recado para os outros ou contava um caso em que Senhora comparecia, eu dizia "Ela". (DD, p.16)

Nascida de um parto difícil, em que quase faleciam as duas, mãe e filha, Dôra recebe o nome do primeiro sentimento que causa à mãe. Sentimento este capaz de as separar para sempre: a dor do parto. Senhora sofreu de eclampsia e rogou por Nossa Senhora das Dores para salvar-se. Conseguiu que também a criança se salvasse e, por este motivo, nomeia a filha com o nome da santa: Maria das Dores.
Dôra ficou órfã, quando ainda era criança, de sua perda maior, a figura paterna. Por ser carente da presença do pai em quase toda a sua vida, e vendo-se rival da mãe, Dôra sublima a imagem paterna através das poucas referências que tem a seu respeito. Ela não narra nenhuma demonstração de afeto da mãe, diz que até mesmo os seus cabelos quem os penteava eram as "cunhãs?. Desta forma idealiza o pai, achando que era a única pessoa que a poderia amar de verdade. Procura sempre obter informações sobre ele, mas Senhora nada informa à filha. Só através de Xavinha Dôra obtém pequenos fragmentos sobre o pai. E estas poucas informações são necessárias para que ela idealize a figura paterna. Porém podemos nos indagar sobre o verdadeiro motivo pelo qual Senhora não conta nada sobre o seu marido. Será que ela era realmente feliz com esse homem? Ou o amava tanto que prefere não falar sobre o assunto para não estar constantemente relembrando de momentos felizes que viveu? O fato é que ela não compreende a curiosidade de Dôra, seu interesse pelo pai que pouco tivera contato e que não lembrava desse reduzido tempo em que estiveram juntos. Porém Senhora procura não caluniar seu marido falecido, e sente falta da ajuda dele na administração da fazenda e na educação da filha:

O que mais me doía era que os casos e as lembranças de meu pai eu só apanhava assim atirados aos retalhos, que eu pedisse e rogasse quando pequena, me sentasse aos pés dela no chão, suplicando ?me conta coisas de papai?, Senhora se recusava e o mais que concedia era assim: __?Seu pai era um homem muito bom, mas morreu muito moço e me deixou uma carga por demais pesada às costas. Não tem nada que contar, a vida de todo mundo é igual?. Crescendo é que aprendi a ficar de orelha arrebitada pronta para apanhar e esconder comigo, como quem furta, algum pequeno sucedido, recordação, palavra dele, a cor dos olhos, um ar de riso, o número do sapato... (DD, p.45-6)

Senhora e Dôra viviam em constante disputa: pela herança das terras da fazenda Soledade, pela beleza e pelo amor dos homens.
Aos olhos de Dôra, Senhora possuía um corpo exuberante, "colo macio e dentes brancos". Como era magra e reprimida pela mãe, Dôra não se sentia uma mulher bonita e sedutora. Até mesmo a "aduladeira da Xavinha, quando ia provar os meus (vestidos) reclamava com a boca cheia de alfinetes: __ Bota enchimento nesse peito, menina, como é que eu posso assentar uma blusa numa coisa batida assim? E eu a dizer furiosa: __ Não sou vaca amojada pra ter úbere". (DD, p.17). Apesar do corpo magro, Dôra casa-se com o agrimensor Laurindo. Este fato desencadeia uma série de problemas na fazenda Soledade. No interdito, Laurindo será o responsável pela separação definitiva entre mãe e filha.
Aos poucos, ele começa a ocupar o lugar do pai de Dôra na fazenda. Depois da morte do pai de Dôra, outro homem não ocupou o lugar dele antes da chegada de Laurindo. Dôra não se manifesta em momento algum para presentear seu marido com os objetos que pertenceram a seu pai. Ela procura apenas cumprir o seu papel de esposa com o mínimo de liberdade que possui em sua casa. Por outro lado, Senhora e as empregadas realizam todos os caprichos de Laurindo, principalmente à mesa:

Laurindo na mesa, vinham os peixes de forno, as cabidelas de galinha, as caças que ele matava, as buchadas de carneiro que eu detestava. E cerveja refrescando à janela na meia molhada, e uma garrafa de vinho que ficava aberta de um dia para o outro, azedando no aparador. Era outro movimento. Era o senhor macho naquela casa de mulheres, parecia até que os ares mudavam". (DD, p.17)

Enquanto todas as outras mulheres da casa procuravam agradar Laurindo, Dôra tenta não bajulá-lo, pois como mesmo afirma "não era negra de ninguém". (DD, p.49). Seria sua forma de contestação. Ela se recusa a cumprir o papel de "mulher" de Laurindo. Percebe-se que o que há é um casamento de conveniências, por ambos os lados. Assim como os moradores das Aroeiras comentavam, Laurindo casa-se com Dôra por interesses financeiros. Dôra, por sua vez, casa-se com ele para provar à mãe que seria capaz de seduzir um homem. Não há amor entre os dois, porém tentam manter aparentemente um matrimônio feliz.
Com a gravidez frustrada sua tristeza aumenta. A perda indesejada de um filho ainda no ventre simboliza um dos maiores traumas para a mulher. A expulsão invita é acompanhada por uma tremenda dor e pela sensação de impotência. A sensação de não poder governar seu próprio corpo. Mente, corpo e espírito se embatem, o que leva a mulher a um estado de perturbação emocional. Algo que ela deseja muito está partindo, morrendo, saindo de si. O que fica é o imenso vazio físico e existencial. Em seu ventre não há mais criança. Em sua vida não há mais o ser-mãe. Até mesmo o nome da filha Dôra já tinha escolhido: Alegria. A criança para ela acenava o avesso da sua experiência com a mãe. Tudo em sua vida foi dor e tristeza, por isso desejava que sua filha já nascesse alegre. Alegria! Através do nome do nome filha Dôra tenta desconstruir o seu estado de tristeza:

Mais de uma vez eu disse que se tivesse uma filha punha nela o nome de Alegria. Mas não tive a filha. (...) Afinal, nem filha nem filho. Um que veio foi achado morto; me dormiram, me cortaram, me tiraram, estava morto lá dentro, ninguém o viu. (DD, p.9)

Dôra sofre a dor da perda de um filho que ela não chegou a ver. Ela, sem jamais esquecer, carregará essa angústia durante a vida inteira. Não conseguirá engravidar de novo, não será mãe durante o período narrativo. O ciclo familiar não encontra continuidade, estanca em Dôra, na sua dor de não ser mãe, nem esposa, nem, propriamente, filha.
Dôra, portanto, torna-se uma mulher incompleta pela maternidade interrompida. E seu corpo reage a esse recalque. A reação iniciou-se com "uma dorzinha de lado" e resultou em inflamação na vesícula. Laurindo não se preocupava muito com sua mulher e, mesmo sabendo que ela não estava se sentindo bem física e emocionalmente, a procurava sexualmente. Dôra, porém, negava-se ao sexo. "Ele também não insistiu, deu boa-noite e foi para a rede dele".
Dôra ainda não conhecia o motivo pelo qual ele tentava, mas não persistia. Procurava apenas cumprir o seu papel de marido, pois o seu desejo estava direcionado para outra mulher ? Senhora, a mãe de Dôra. Na mesma noite em que Dôra nega-se a fazer sexo com Laurindo, escuta

um raspar de leve de chinela no quarto ao lado, como se Laurindo estivesse se levantando. Esperei, esperei me pareceram horas e ele não voltava. Fiquei inquieta (...) Me levantei e cheguei à porta ? ele vinha de volta. No escuro não o vi, só escutei os passos. E, coisa maluca, a impressão que eu tinha é que ele vinha do lado oposto, da frente da casa e não do fundo do corredor, onde o banheiro ficava. Senti aquele arrepio esquisito, que é que Laurindo andaria fazendo pela casa de noite no escuro? E corri para a cama sem querer que ele me pressentisse. (DD, p.51)

Dôra pressente algo estranho acontecendo. Senhora deseja satisfazer seu corpo traindo a própria filha. Dessa forma ela novamente rompe os padrões sociais da figura maternal. Rompe no momento em que não desencoraja a filha, quando a tem como rival, quando negligencia dados sobre o pai de Dôra, quando trai sua filha com o genro. O molde tradicional do ser-mãe está sendo desconstruído pela literatura. Mãe nem sempre é sinônimo de carinho, amor e compreensão tão veiculado nos contos de fadas. O mito da madrasta má, ou seja, aquela que substitui a mãe geralmente devido à morte desta, está sendo desconstruído.
Dôra descobre a traição, mas nada fala, não consegue censurar nem injuriar a mãe. Dôra novamente se defende com o silêncio e o choro. Sua revolta e mágoa são manifestadas através do silêncio. "No dia seguinte amanheci de cama. Ninguém estranhou. (...) Dois dias fiquei assim, sem me levantar nem comer, tomando chá na cama e sem responder a ninguém". (DD, p.57).
Todo o desenvolvimento da narrativa se fundamenta neste fato: a traição mútua da mãe e do marido. Dôra percebe que a rivalidade com sua mãe chega ao limite máximo. Sente todo o desprezo que sua mãe tem por ela. E, a partir do dia da descoberta, Dôra torna-se mais madura, e passa a preocupar-se mais consigo mesma. A partir deste dia jamais dirigirá à mãe uma única palavra.
Vemos, então, que o jogo do calar e do dizer é uma constante na narrativa de Dôra, Doralina. A mulher que narra sua própria história sente-se pouco à vontade para falar diretamente com outros personagens. Isso é percebido em sua relação com Senhora, Laurindo, Xavinha, e as pessoas da companhia de teatro. Sua postura muda um pouco com o Comandante, Belmiro e com Maria Milagres, a qual Dôra se sentia a vontade para se expressar. Maria Milagres representava sua mãe e amiga, era a única pessoa que conseguia desafiar Senhora para defender Dôra. Justificando todo o bem querer que Dôra sentia por ela. O narrador silencia-se na presença de outros personagens ou quando o momento é realmente grave, porém, ao narrar Dôra fala sua própria história. Todas as suas falas, gritos e opiniões são evidenciados na construção narrativa. Ela fala para o leitor e antes de tudo para si mesma. Juntamente com sua saída de casa, o ato de escrever representa sua terapia, sua catarse.
É possível ao feminino ir além dos limites da personagem e alcançar a narração. Esse feminino narrador fala não só com outras personagens, bem como com o leitor e consigo mesmo. Nesse caso, o feminino possui mais voz, e com mais liberdade para se expressar, constata ou contesta o que deseja. De personagem a narrador, o feminino, agora, passa a elaborar e dar origem às suas significações. O feminino narrando em primeira pessoa, então, utiliza a linguagem escrita para poder circular pelos caminhos da permissão e da censura.

O eu da narração em primeira pessoa não quer ser um eu lírico, mas histórico, razão por que não assume as formas do enunciado lírico. Narra a vivência pessoal, mas não com a tendência de reproduzi-la como uma verdade apenas subjetiva, como seu campo de experiência no sentido expressivo deste fenômeno, mas visa, como todo eu histórico, à verdade objetiva do narrado. (HAMBURGER, 1975, p.224)

Por isso o que precisamos indagar é qual caminho determinada narradora em 1ª pessoa escolheu? O caminho das contradições ou o caminho da clareza? Mesmo dotada de voz, a narradora pode adquirir traços que ainda a mantêm no universo do implícito. Em alguns momentos, como fora visto, ela utiliza o silêncio como recurso para alcançar significados outros. Dôra opta pelo caminho das contradições, porque, como se tornaria um ser histórico se confessasse sua divergência imatura em relação à sua mãe?
Apesar de silenciar-se como personagem, Dôra fala livremente como narrador. Contando a história, a personagem denuncia suas angústias, seu relacionamento com outras pessoas e o que pensava delas e de sua vida. Narrando, condena sua mãe, confessa o crime do assassinato de Laurindo, evidencia seu amor pelo Comandante. Dôra, narrando, fala como quer, para si e para quem quiser ouvi-la. Assim, Rachel de Queiroz dá voz às suas personagens femininas. Em As Três Marias, Dôra, Doralina e em alguns capítulos de Memorial de Maria Moura , a narração se efetiva em 1ª pessoa. Guta, Dôra e Maria Moura narram suas histórias segundo seus pontos de vista. Dessa forma, estas histórias são contadas através da ótica feminina. Através da visão de uma mulher que "vivenciou", e agora conta, sua própria história, seja ela escamoteada ou não.
No caso de Dôra, Doralina, a escrita permite ao narrador expressar seus pensamentos, fato que não pode ocorrer em sua relação interlocutória com outros personagens enquanto "vivia" a ação. Essa liberdade favorecida pelo ato de escrever faz com que o ser feminino se sinta livre para relatar suas experiências com os outros. É o momento de encontro consigo mesmo e, ao mesmo tempo, com o leitor. Na narrativa em 1ª pessoa, o feminino é ele mesmo, falando ou calando, mostrando ou escondendo, mas utilizando a linguagem como recurso para expressar-se. Evidenciando suas angústias, dilaceramentos, sonhos, alegrias ou vitórias.

Mas isso (o aborto) eu falo depois, numa hora em que doer menos ou não doer tanto. Felizmente já faz tempo. Pensei que ia contar com raiva no reviver das coisas, mas errei. Dor se gasta. E raiva também, e até ódio. Aliás, também se gasta a alegria, eu já não disse? (DD, p.9)

Depois desta breve análise do conflito entre mãe e filha e da narração em primeira pessoa como veículo catártico da protagonista, podemos sugerir a leitura do romance Dôra, Doralina como recurso didático dentro e fora da sala de aula. O conflito entre os pais e jovens é comum na sociedade contemporânea, por isso o texto literário pode ser um excelente recurso para trabalhar esse assunto com jovens na idade escolar. Como enfatiza COELHO (1993,18-19), ao escrever sobre o enriquecimento existencial pela literatura:

No encontro com a literatura (ou com a arte em geral) os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida, em um grau de intensidade não igualada por nenhuma outra atividade. (...) Acreditamos que a Literatura precisa ser urgentemente descoberta (...) como uma aventura espiritual que engaje o eu em uma experiência rica de Vida, Inteligências e Emoções.

O ensino da literatura, ou melhor, o incentivo à apreciação do texto literário de valor realmente artístico precisa ser libertado das correntes tradicionalistas de valorização exacerbada dos títulos clássicos. Merecem um pouco de atenção pelo menos as obras desconhecidas de autores renomados, pois as obras escolhidas para serem trabalhadas na escola devem despertar interesse nos jovens leitores e possuir assuntos que se assemelhem às suas experiências de vida, que retratem vivências existenciais e conflitos psicológicos ou sociais. O caráter da escolha dos títulos pelos professores não deveria ser baseado na tradição, mas no conteúdo semântico e artístico da obra literária. Daí se justifica a eleição de um título como Dôra, Doralina, pois, embora escrito por uma autora conhecida do público como Rachel de Queiroz, se caracteriza como uma obra pouco - ou quase nunca - lida nas aulas de leitura ou literatura.
Um outro ponto que merece destaque refere-se à importância da narração em primeira pessoa. Depois de trabalhar, a partir da leitura do romance, o conflito existente entre Senhora e Dôra é interessante observar, junto com os alunos, o processo de narração em primeira como recurso de "alívio" existencial. O tom confessional da narração em primeira pessoa é um estilo freqüentemente escolhido pelos adolescentes, o diário é prova disso. Dessa forma a atividade do leitor se exprimirá pela reconstrução de um universo simbólico concretizado pela escrita e baseado nas vivências pessoais do sujeito. O texto literário contribui para a reconstrução da identidade desse sujeito.




BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Laura Beatriz Fonseca de. A literatura e o manual didático: uma convivência possível? Revista Presença Pedagógica. V.5, nº28, jul/ago.1999.p.41-47.
BAKHTIN, Mikhail. O autor e a personagem na atividade estética. In: ____. Estética da criação verbal. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.3-193.
_____. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 4ed. São Paulo: Editora UNESP, 1998.
COELHO, Nelly N. Literatura infantil: teoria, análise, didática. 6ed. São Paulo: Àtica, 1993.
BARBOSA, Maria de Lourdes Dias Leite. Protagonistas de Rachel de Queiroz: caminhos e descaminhos. Campinas, SP: Pontes, 1999.
BRAIT, Beth. A personagem. 5 ed. São Paulo: Ática, 1993.
CANDIDO, Antonio et alli. A personagem de ficção. São Paulo Perspectiva, 1970.
FARIA, Maria Alice. Parâmetros curriculares: as personagens de que os alunos realmente gostam. São Paulo: Contexto,1999.
HAMBURGER, Käte. A lógica da criação verbal. São Paulo: Perspectiva, 1975.
HOLLANDA, Heloísa Buarque. O éthos de Rachel. In: Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo: Instituto Moreira Sales, nº 4, janeiro, 2002. p.103.
QUEIROZ, Rachel de. Dôra, Doralina. 4ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
SEABRA, Zelita e MUSZKAT, Malvina. Identidade feminina. Petrópolis:Vozes, 1985.

Autor: Luciana Queiroz


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