BREVE PANORAMA DO TEATRO DE GRUPO NO BRASIL




Quando pensamos em teatro é preciso buscar, historicamente, as origens de um "fazer teatral" que visa preservar a integridade de um coletivo que deseja expressar-se, valorizando as aptidões encontradas em cada um dos membros e fomentando todas as questões pertinentes à ideologia do grupo. Esse tipo de teatro, muitas vezes classificado como "NOVO TEATRO", surgiu como uma necessidade de mudança da maneira arcaica e elitista que predominou a cena teatral até meados do século XX.
A necessidade da formação de um grupo solidificado e que tivesse uma preocupação maior com a qualidade artística, deixando de lado apenas o caráter comercial foi o estopim para esse novo teatro:

O processo de modernização da cena brasileira teve como elemento decisivo a formação de elencos estáveis e buscaram um teatro que fosse diferente da cena romântica que predominava nos nossos palcos. Este movimento surgiu a partir da atividade dos grupos amadores que, despreocupados, com o negócio do espetáculo criticaram as formas espetaculares baseadas nos elencos chefiados pelos atores "divos". (CARREIRA, 2007 ? p. 01)

Tânia Brandão (2001) caracteriza este modo de trabalho comercial ao afirmar que este sistema teatral brasileiro, cujos alicerces remontavam ao século XIX e o motor era a força bruta do ator em sintonia com as paixões do público, estava longe de ser uma engrenagem simples. Autêntica máquina de repetir, (...) este fazer teatral era reproduzido por gerações sucessivas de atores.
Combater esse modo hegemônico de teatro estimulou diversos dramaturgos, encenadores e atores amadores a procurarem novas maneiras de fazer um teatro diferenciado, pautado em fazer arte, deixando para trás a espetacularização de figuras famosas com o intuído de apenas e tão somente arrecadar bilheterias. Para tanto, era necessário quebrar a herança da "pièce-bien-faite", arriscando deixar de cair no gosto popular, excluindo-se assim da esfera comercial.
A história do Teatro de Grupo no Brasil mostra como o trabalho de um coletivo a partir de sua própria unidade artística e filosófica, ainda que composto por amadores é vital para a construção de um moderno sistema de teatro. Diante da busca por um teatro mais independente, artística e comercialmente, os artistas amadores conseguiram, a princípio, apresentar relações estreitas com novas propostas de encenação. Focando na realidade social, esse novo teatro deixa de lado o discurso das relações interpessoais, ou melhor, parte das relações interpessoais para a discussão de algo mais amplo.
Um dos primeiros grupos a surgir com tal proposta foi o Teatro de Brinquedo em 1927, cuja proposta não encontrou funcionalidade prática. A falta de um coletivo melhor articulado e as disparidades técnicas existentes entre os atores fizeram com que o grupo, apesar de uma montagem inicial bem sucedida, não tivesse longevidade em sua carreira.

O TB tem importância histórica como um gesto rebelde contra a velha escola e uma tentativa de encontrar novos caminhos. Um gesto que seria um tanto mitificado, mas permaneceria como exemplo de transgressão. (MILARÉ, 2005).

Em 1944, outro grupo representou uma significativa inovação no cenário teatral brasileiro: o TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO. Esse grupo cumpriu um relevante papel político, apresentando pela primeira vez as reivindicações dos negros no teatro. Abdias do Nascimento trouxe atores amadores e compôs um grupo de pensadores teatrais, desenvolvendo uma formação político-pedagógica com suas encenações, aprimorando os conhecimentos técnicos de seus membros. Em seguida, grupos como Os Comediantes, GUT ? Grupo Universitário de Teatro da USP, Grupo de Teatro Experimental, Teatro Universitário, Caverna Mágica e etc., foram fundamentais na disseminação desse movimento do teatro amador, independente da duração de seus projetos, que foi bem curta.
Com isso, nos anos 50, deu-se um surgimento crescente de grupos independentes, culminando na aparição de dois grupos que se tornaram modelo desse novo teatro: o ARENA, em 1953 e o OFICINA, em 1958.
Reginaldo Nascimento (2007) indica a proximidade das revoluções políticas e sociais ao redor do mundo com a realidade brasileira do período, retratando a verdadeira revolução na cena teatral brasileira:


A vontade renovadora, estimulada pelas condições do pós-guerra, imperou nos anos 50. No Brasil havia um clima pré-revolucionário incrementado pela revolução cubana. Os avanços dos rebeldes em Sierra Maestra soavam como clarins anunciando novos tempos e o teatro incorporava a utopia da libertação. E foi nessa atmosfera que, em janeiro de 1950, estreou no Teatro de Arena, em São Paulo, sob a direção de José Renato, a peça de Gianfrancesco Guarnieri Eles não usam Black Tie, sobre greve de operários. O sucesso do espetáculo evidenciou que o público queria a discussão dos problemas nacionais em cena. Por outro lado, o estilo despojado da encenação e o falar cotidiano, ainda raro no palco, colocavam abaixo a impostação vocal e o formalismo praticado pelos diretores europeus no TBC. Isso propiciou a tomada do poder pelos jovens encenadores locais, contra os estrangeiros, colocando em cena os principais agentes da revolução teatral brasileira. Os acontecimentos estimulavam também a nova dramaturgia [...] (NASCIMENTO, 2007, p. 23).

Esses grupos, demonstrando grande preocupação com as questões sociais e políticas do país, buscaram através de suas propostas teatrais levar o homem do povo à cena, como afirma Luciana Magiolo, mestre em Teoria Teatral pela USP:

O Novo Teatro vem com uma perspectiva popular, como um espaço cultural que permite a expressão de temas e conteúdos que não haviam sido representados anteriormente, esmera-se em recolher na história e na exigência dos diferentes grupos documentos que depois são trabalhados dramaticamente e devolvidos ao povo na forma teatral. Insere-se no teatro latino americano e mergulha na história, nos mitos e na consciência coletiva com o intuito de averiguar os elementos que fazem parte do patrimônio do povo. O objetivo é resgatar a memória cultural e política do isolamento em que se encontrava por carecer de meios adequados de expressão. (REVISTA CAMARIM nº 37, 2006 ? p. 37)


Com uma articulação precisa de seus discursos ideológicos, estes grupos estabeleceram uma linha de trabalho e pesquisa que unia a busca por novas propostas de arte com uma gritante manifestação política, servindo de referência para grande parte dos grupos que surgiriam nas décadas de 60 e 70. Seu desejo de alcançar um público que até então se mantinha distante do evento teatral, como os operários e estudantes, fez com que o trabalho coletivo se fizesse presente, introduzindo à esse novo teatro outros colaboradores, profissionais em áreas distintas, porém amadores na esfera do teatro, como historiadores, sociólogos, psiquiatras e operários. É a partir desse processo de colaboração que se forma um discurso que atente para o lado oposto da burguesia brasileira, aumentando ainda mais a preocupação na formação de uma classe consciente.

E para atingir esse espectador que não era frequentador das salas de espetáculo, produz obras que se deslocam até os locais mais inusitados, como praças, sindicatos, escolas, acampamentos e entre camponeses. Enfim, um teatro que literalmente vai aonde o povo, seu público, está. (REVISTA CAMARIM nº 37, 2006 ? p. 37).

Durante os dolorosos anos de ditadura militar no país, os grupos fizeram dos discursos políticos o mote de sua obra. Em São Paulo, os grupos que mantiveram um trabalho de intervenção na vida cultural dos trabalhadores, estabelecendo-se em bairros operários, foram: o União e Olho Vivo, Briga de Galo e Forja. Grupos como o Tá na Rua (RJ), o Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), o Imbuaça (SE), entre outros, mantiveram uma postura de ação perante a política do país, manifestando-se, abertamente e levando para a cena as discussões acerca da insatisfação do povo.
Nos anos 80, a mudança do foco, que antes era político, para um campo especificamente artístico, não deixou de propagar os ativistas teatrais, comprometidos com o cenário político do país. Surgiram então grupos como Asdrúbal Trouxe o Trombone e o Pad Minoga que, mesmo apresentando um enfoque total no discurso político, abordava uma crítica à ditadura através da análise do modo de vida do povo e das próprias transformações nos novos grupos de teatro que foram surgindo no final da década anterior. Como era de se esperar, esse novo formato trouxe grupos como o Teatro dos Artistas Plásticos (DF), Do Jeito Que Dá (RS), Galpão (BH), Fora do Sério (SP) e Oikoveva (RJ).
Porém, foi no final da década de 80, com a instauração de um discurso neoliberalista no cenário político brasileiro, que o estreitamento das relações entre os grupos nacionais e companhias estrangeiras teve seu ápice, que pode ser traduzido como crise de identidade no processo criativo do teatro brasileiro. Para entender melhor essa crise, alguns grupos se propuseram a entender a própria estrutura de grupo, surgindo assim uma nova metodologia dentro do "fazer teatral" ? O PROCESSO COLABORATIVO.

Autor: Alan Paes


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