A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA URBANA



A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA POLÍTICA URBANA

No final do século XX, o notável crescimento populacional ocorrido no âmbito dos centros urbanos, implicou em um agravamento das desigualdades sociais e econômicas nas cidades, gerando a massificação da pobreza e da exclusão. Diante desse cenário, a questão urbana e os processos de exclusão social se constituíram em temas de discussões, através das quais se propõe uma reflexão acerca do futuro da humanidade no que se refere às condições de vida nas cidades. Trazendo ao foco do debate a Política Urbana, este texto apresenta a atuação do Estado frente às sequelas do grande crescimento urbano, assim como sua resposta à pressão exercida pela sociedade civil, que, paulatinamente, ganha lugar junto ao palco da luta de classes, desempenhando um papel fundamental para a conquista do acesso a cidade. Nesse contexto, evidencia-se o Serviço Social como um dos atores principais desse processo, trabalhando articulado à sociedade civil e ao Estado, no sentido de promover a inclusão à cidade. Tais considerações proporcionam uma visão macro da Política Urbana apresentada na realidade brasileira, discutindo ainda a necessidade da participação popular, do posicionamento do Estado, e da luta do assistente social quanto à transformação da sociedade.

1. Introdução

A Política Urbana pode ser concebida "como produto de contradições urbanas, de relações entre diversas forças sociais opostas quanto ao modo de ocupação ou de produção do espaço urbano". Nessa perspectiva, esta representa uma ação estatal, com foco na organização e no ordenamento territorial, para assegurar as condições necessárias à contínua "reprodução das forças produtivas e das relações de trabalho". (LOJKINE, 1997, p. 202 apud LIMA, 2007, p. 55).
Segundo Hochman, Arretche e Marques (2008), a Política Urbana em geral é uma política social que atua em campos multidisciplinares, com demandas especificas em focos diferentes. Nesse sentido, ela pode ser então definida como sendo o campo do conhecimento que busca ao mesmo tempo colocar o governo em ação, e, quando necessário, propor mudanças no rumo dessas ações, ela ainda permite ao sistema político-decisório processar as questões de forma paralela, ou seja, impulsiona a realização de mudanças a partir da experiência de implementação e de avaliação, e somente em períodos de instabilidade ocorre uma transformação real, de natureza mais profunda (HOCHMAN; ARRETCHE; MARQUES, 2008).
Como legitimado pelos Art. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, compete ao Poder Público municipal, zelar pelas políticas de desenvolvimento urbano, que, "conforme diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes" (BRASIL, 1988). Contudo, diante de tantos direitos constitucionais fundamentais positivados, o Direito Urbanístico na visão de Faleiros (2007), deve pautar-se pela necessidade de sua implementação devido à carência notável de gestão eficaz habitualmente vivido no meio social, haja vista que o mercado é um mecanismo que mantém a desigualdade de condições. A falta de aplicação e qualificação administrativa são pilares de uma política urbana frágil e falha, tornando-se uma utopia frente aos direitos fundamentais a serem observados.

2. O Serviço Social na Política Urbana

Compreendendo então que a urbanização traz consigo vários aspectos contraditórios, entre eles destaca-se os seguintes: ao gerar riquezas, desenvolvimento e inovação, também produz pobreza e exclusão social. Como reflexo, a grande maioria da população vive em meio à situação caótica dos grandes centros urbanos, e nesse sentido, a Política Urbana visa assistir as vítimas do desordenado processo de urbanização e industrialização; pessoas marcadas por habitações precárias, pela falta de acesso à infra-estrutura básica, emprego, transporte, saúde, entre outros, ou seja, aqueles que se encontram dentro do processo desigual instaurado nos centros urbanos e, sucessivamente são excluídos do acesso igualitário aos bens que a cidade oferece (NAKANO, 2010).
De acordo com Nakano (2010), para incluir os que hoje vivem nesse contexto é necessário mais do que ampliar as suas capacidades de consumo. Nesse sentido, nas palavras de Koga (2002) o grande desafio para a Política Urbana é trabalhar a complexidade da exclusão social, trazendo respostas igualmente complexas para o seu enfrentamento. Dentro desse universo, é tanto necessária quanto significativa a participação do assistente social frente à luta pelo direito à cidade. Ao considerar como objeto de estudo da profissão a questão social, observa-se que este objeto está vinculado à luta contra as desigualdades sociais, e, portanto, trabalha atrelado às Políticas Urbanas. Contudo, nem sempre foi assim, pois foi somente a partir da segunda metade da década de 1960, que, timidamente, a profissão se voltou para estas questões. Iamamoto (2008) entende que ao buscar a ruptura com a herança conservadora, o Serviço Social identifica-se com a classe trabalhadora, inclusive frente às expressões da questão social.
Visando uma sociedade mais inclusiva, a luta pelo direito a acessibilidade ao meio físico, encabeça a lista de lutas da categoria, ampliando então seu exercício frente à execução das políticas, e sucessivamente contribuindo para o exercício de cidadania da população, ou seja, o acesso ao direito à cidade. (SASSAKI, 1999)
Mas será realmente possível unir o urbano dividido? Vários autores acreditam que sim, desde que haja ações transformadoras nessas realidades urbanas, e para isso o Estado deve se posicionar fortemente empenhando-se em acabar com as violações do direito à cidade, eliminando a insuficiência e a baixa qualidade na oferta dos serviços públicos ofertados, inclusive o de assistência social, e deve ainda preservar os direitos até então conquistados. Mas o foco principal, de acordo com Koga (2002) está na formulação e implementação de políticas públicas descentralizadoras que considerem os sujeitos locais, ou seja, que leve em conta a particularidade de cada local; sua cultura, economia, história e contexto social. Sendo assim, na concepção de Nakano (2010) há que se experimentar mudá-las nos marcos de um amplo projeto social e político, promovendo uma reconfiguração estrutural dos seus territórios integrando-os a todas as esferas.
Dessa forma, a cidadania constitui uma conquista democrática, permitindo a construção de cidades mais justas, entretanto, para que as reais transformações sociais possam acontecer, são requeridas rupturas e implementação de novas políticas, processo que se inicia pela via de amplas mobilizações sociais e por uma ativa e contínua presença das representações coletivas da cidadania nos espaços públicos, pressionando diretamente os governos e atuando nos mecanismos de participação, para então ir rumo a uma nova ordem, conforme proposto pelo projeto ético profissional (NETTO, 2004).

3. Considerações finais

Como se buscou ressaltar por meio deste texto, a Política Urbana é um mecanismo importante na efetivação de direitos, tendo como referência a Constituição Federal de 1988, e surgindo como um esforço do Estado em trazer uma resposta satisfatória, frente às mudanças urbanas ocorridas em decorrência da crescente migração. Nesse sentido, converte-se em um instrumento estatal, representando também, contudo, a reação deste perante as demandas e pressões da sociedade. E, portanto, constata-se que, a política pública sintetiza interesses contrários que agem dialeticamente.
Abordar a Política Urbana relacionada ao Direito à cidade é, em primeiro lugar, repensar o papel social do sujeito e sua relação com o espaço onde habita, e, nessa perspectiva, ir além do seu papel enquanto reprodutor do capital. Em se tratando de uma política tão complexa e do interesse da própria sociedade civil, a participação popular é extremamente necessária, pois nessa condição os sujeitos sociais serão capazes de reivindicar e controlar o Estado. Sendo assim, através de suas estratégias, o Serviço Social crítico desempenha a função essencial de intervir junto às políticas públicas, ampliando a cidadania em busca da universalização dos direitos. Todavia, diante de toda a análise ora apresentada, conclui-se que, por mais que ocorram inúmeras discussões sobre o tema, observa-se ainda a necessidade de que estas saiam do papel e se concretizem, amenizando assim às várias seqüelas da questão social que encabeçam o foco das Políticas Urbanas.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: MEC, 1988.
FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do Estado capitalista: as funções da previdência e da assistência sociais. São Paulo: Cortez, 1980.
HOCHMAN, Gilberto. ARRETCHE, Marta. MARQUES, Eduardo. Políticas Públicas no Brasil. 20º ed. Ed Fiocruz 2008.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Ensaios críticos. 10ª Edição. Editora. Cortez, 2008.
KOGA, Dirce. Cidades entre territórios de vida e territórios vividos. VER. Serviço Social & Sociedade. São Paulo Nr. 72, pag. 22-52, Nov. 2002
LOJKINE, Jean. O Estado capitalista e a questão urbana. Trad. de Estela dos Santos Abreu. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
NAKANO, Kazuo. O futuro das cidades. Para unir o urbano dividido. Revista LE MOND Diplomatic Brasil. Ano 3 ? Número 32 ? Pg. 4-5 - Março 2010
NETTO, José Paulo. Serviço Social e Ditadura: Uma Análise do Serviço Social no Brasil. 7º Edição ? São Paulo; Cortez, 2004.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão ? Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1999.

Autor: Keila Almeida Gonçalves


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