Feira do Major Prates Espaço de Identidade e Geração de Renda 2005 a 2010.




Introdução

No inicio do século XX, em 1929 surge a Escola dos Analles, fundada pelos historiadores franceses Lucien Frebve e Marc Bloch com intuito de construir um novo olhar sobre a história. Assim, novas abordagens constituíram uma nova faze da história como: história das cidades, história dos grupos populares e a história das práticas culturais. A partir destas inovações, é possível tomar a feira do Major Prates como objeto de pesquisa histórica, visto que a mesma é uma manifestação social que conjuga interesses econômicos, políticos e culturais.
Nesta perspectiva, a presente pesquisa se ocupará em analisar os hábitos culturais populares e regionais, constituída na feira de rua que ocorre aos domingos no bairro do Major Prates, na cidade de Montes Claros-MG, desde 1985, tendo como fundadores os produtores rurais que, migram para a cidade aos domingos, no intuito de comercializar os produtos rurais típicos da região. Estabelecemos como recorte temporal o período de 2005 a 2010.
Aos domingos os agricultores, artesãos e pequenos comerciantes se deslocam para a cidade em busca de uma renda alternativa, através dos produtos regionais comercializados, como por exemplo: produtos agrícolas, frutos do cerrado, comidas e bebidas típicas e o artesanato, revelam a identidade regional.
O problema que norteou a investigação consiste em entender quais são os benefícios, provenientes da feira do Bairro Major Prates para com o meio urbano e rural da cidade de Montes Claros. Este artigo tem como objetivo, analisar a feira como um espaço de trocas econômicas e culturais, lugar onde se constrói cotidianamente a memória dos sujeitos nela envolvidos, feirantes e frequentadores. Analisando-a como um espaço de ligação entre o rural e urbano.
É importante a feira do Major Prates, pois com o passar do tempo a mesma vem melhorando a economia da população rural, evitando assim o êxodo rural, e no que corresponde ao setor urbano, contribui com a geração de renda aos comerciantes de quitutes e artesanato. Esta renda alternativa, evita o surgimento de problemas sociais para o município e preserva a memória social constituindo assim a identidade local.
A feira de rua, objeto desta pesquisa, passou por transformações legislativas municipais, com o objetivo de fortalecer o comércio informal, pois ela promove a sociabilidade, favorecendo a coesão social e a prática da economia sustentável. Através da descrição e análise da mesma, compreendemos as formas de construção da memória social ligados ao espaço urbano.
Quanto aos procedimentos técnicos para concretizar este trabalho foi utilizada uma pesquisa oral, tendo como instrumento um gravador para coleta de dados. Contei com a colaboração de: oito comerciantes, cinco frequentadores e dois membros da associação de feirantes. Através da oralidade e da memória foi possível identificar as transformações e adaptações pelas quais a feira passou ao longo do tempo. É importante destacar que os entrevistados presentes neste artigo, tiveram os nomes preservados desta forma, foram utilizados nomes fictícios. Para sustentar as minhas análises contei com o auxílio de obras e artigos científicos que contribuíram com o desenvolvimento do projeto.

Oralidade e Memória

Ao iniciar este trabalho é primordial lançar os alicerces que o sustentaram no que se trata de Cultura e Memória. Sobre o conceito de memória Le Goff explica que:
O conceito de memória é crucial. Embora o presente ensaio seja exclusivamente dedicado á memória tal como ela surge nas ciências humanas, e se ocupe mais da memória coletiva que das memórias individuais, é importante descrever sumariamente a nebulosa memória no campo cientifico global. A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças ás quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (LE GOFF, 1990, pag419).
Assim o estudo da memória é um dos meios fundamentais para abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais estão ligados a feira do Major Prates.
Visto que, embasados na história oral, buscamos a historicidade da feira através dos discursos dos feirantes e frequentadores. Ao utilizar as entrevistas realizadas na feira, foi possível analisar as lembranças, a construção social e cultural presente na prática popular. Segundo Pinsky:
Ao mesmo tempo o trabalho com a história oral, pode mostrar como a constituição da memória é essencial a um grupo, porque está atrelada a construção de sua identidade. Ela [a memória] é resultado de continuidade de coerência, isto é, de identidade. (PINSKY, 2006, p.167).
Dentro da pesquisa oral é permitido o conhecimento de experiências e relatos diferenciados pela memória de cada narrador. O feirante João narra:

Estou na feira desde 2000, quando mudei para a Fazenda Atoleiro eu e minha esposa trabalhamos com a agricultura e com uma pequena criação de porcos e galinhas, que comercializamos aos domingos na feira. Quando chegamos á feira iniciamos as vendas em caixotes, pois não havia bancas para todos e assim dificultava a comercialização dos produtos. Em 2005 melhorou bastante, pois a feira recebeu várias bancas com lonas para auxiliar nas vendas, melhorando a estética da feira (entrevistado Sr.João).
Analisando o depoimento do feirante agricultor, percebemos que no ano de 2005, a feira passa por transformações. Que ocorreram por causa do surgimento da Associação dos Feirantes, ocorreram importantes transformações que contribuíram com a ampliação e organização da feira levando a satisfação dos feirantes e frequentadores.
Refletir acerca da nossa experiência enquanto historiador que tem utilizado as evidências orais como um recurso imprescindível na reconstituição das práticas e representações culturais e sociais do mundo ruralizado no norte de Minas Gerais. Machado afirma que:
A história oral tem como pressuposto a produção de um documento. Ela é também uma maneira de dar voz àqueles que, enquanto sujeito da história, atores sociais de seu tempo, não tiveram acesso ás formas de impressão, de marcas, sejam elas quais forem de suas experiências de vida (MACHADO, 1996, p.25).
Ainda sob este aspecto, a autora explicita que a oralidade pode ser utilizada como um dispositivo de elementos que estrutura coerentemente a transmissão de conhecimentos, obviamente, de forma diferente do que se considera legítimo na linguagem do discurso acadêmico.
A história oral possibilita o registro de memória por meio de depoimentos orais. E essa metodologia ganhou relevância, pois revela novos campos e temas recuperam a memória local comunitária.
Convém destacar que a oralidade é fundamental importância, pois a mesma faz parte das redefinições metodológicas pela qual tem passado atualmente a história da cultura, para o historiador Le Goff:
memória permite a construção de uma identidade coletiva, visto que esta tem como objetivo preservar a memória social. A recordação do passado seria parte importante do processo de rememoração enquanto ato de evocação dessas lembranças (LE GOFF, 1990, p.443).
Ainda sob a observação do autor pode-se afirmar que o estudo da memória coletiva passou por consideráveis transformações, nas quais a sociologia e a psicologia social tiveram destaques na exploração deste novo conceito que também se tornou alvo do interesse da Nova História. Le Goff: "Algumas ciências foram, assim, levados a aproximar a memória de fenômenos diretamente ligados á esfera das ciências humanas e sociais" (LE GOFF, 1990, p.419).
E necessário esclarecer que são quase nulas as fontes escritas sobre o objeto de estudo desta pesquisa. Portanto, o uso da oralidade e da memória e de fundamental importância para apreendermos a história da feira, através da narração dos feirantes e frequentadores. A Srª. Francisca feirante narra:
A feira além, de contribuir com a minha economia, proporcionou conhecer e fazer muitos amigos, lembro de muita gente, que já faleceu e que foi muito importante para a história da feira guardo boas lembranças dos velhos tempos (entrevistada Sr. Francisca).
Ao narrar sobre suas vivências na feira, os narradores constroem uma memória compartilhada sobre um espaço comum, que carregada nas lembranças de cada colaborador, seja ele feirante ou frequentador, revela através do seu passado a construção de uma memória coletiva.
Vale dizer que a importância da oralidade e da memória é fundamental para o entendimento da cultura popular definida por Chartier: "A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objetivo identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social." (CHARTIER, 1988, p.16). Entendemos que a feira faz parte desta cultura popular, pois nela estão preservadas os hábitos e costumes regionais que caracterizam o cotidiano de um grupo.

Breve História da feira

Através das entrevistas utilizadas neste trabalho foi possível chegar a história do surgimento da feira. Em 1985, a feira de rua era realizada no bairro Santo Expedito próximo ao centro urbano do município. Pela necessidade de atender os bairros da região periférica, ela se desloca para o bairro do Major Prates facilitando o percurso do pequeno produtor até o seu ponto comercial, pois o bairro se localiza na região Sul da cidade sentido Montes Claros a Belo Horizonte. A maioria dos agricultores pertencem a comunidades rurais ligados a este trajeto, por exemplo: Fazenda Santa Bárbara, Fazenda Atoleiro, Fazenda Trasadal, comunidade do Palmito etc.
Com a sua mudança física a feira passa a fazer parte da Associação de Moradores do Bairro Major Prates, desta forma, se torna responsabilidade da associação. Mesmo tendo um papel significativo para o município, gerando economia social e preservando a identidade, ela não é favorecida por verbas e nem por incentivos governamentais. Todas as suas conquistas foram alcançadas pelas pessoas que entendem o sentido da feira para a sociedade, pessoas estas presente na Associação de Moradores do bairro.
Com o passar dos anos, o bairro obtém um grande aumento populacional e os problemas da feira surgem com mais frequências, levando assim em 2005 o surgimento da Associação de Feirantes, que buscam pela permanência e melhoria para a feira. Sr. Carlos membro da Associação dos Feirantes diz:
Vimos à necessidade de cria a Associação dos feirantes, porque os problemas da feira mereciam uma atenção especial. E ao separa a feira da Associação de moradores daríamos a atenção aos problemas da feira. ( entrevistado Sr. Carlos).
Através de patrocinadores políticos, e muito trabalho dos associados, a feira vem conquistando melhorias nos aspectos físicos atendendo as necessidades dos feirantes. Ela por muito tempo passou por grande problema, como a ausência de bancas que dificultavam o escoamento da produção. Sendo que as mercadorias eram armazenadas em caixotes, prejudicando assim o comércio.
No ano de 2005 com muito trabalho do coordenador da Associação de Feirantes, a mesma recebeu como doação algumas bancas que melhoram seu aspecto físico, desta maneira surgem mais feirantes, que ao passar dos anos multiplica o numero de bancas. Relatado pelo Sr. Pedro membro da associação:
Quando o mercado central passou por reformas, aproveitamos a oportunidade e pedimos os responsáveis pela a reforma que nos doassem as bancas que não iria ser mais útil para aquele lugar e assim conseguimos aumentar o numero de bancas dentro da feira. (entrevistado Sr. Pedro).

Muitos dos frequentadores procuram este espaço de comercio aos domingos por causa do baixo custo dos produtos. Mas com a queda dos preços acaba por afeta a renda do produtor rural que sobrevive deste trabalho. Conforme o narrado pelo Sr Luiz:
Para não voltar para casa com metade da produção, procuro abaixar os preços da mercadoria para não haver prejuízo, mas não é bom, porque conto com a renda para o uso doméstico e investimento na produção, e quando a renda semanal não e satisfatória, tenho que procurar outras maneiras de trabalho para complementar a renda. (entrevistado Sr. Luiz).
Utilizando técnicas rudimentares, os agricultores buscam estratégias que visam fortalecer a estabilidade da produção agropecuária, devendo manter o sistema de produção e preservar o ciclo de vida no campo. A feira fortalece os fatores que exercem uma influência integradora na unidade de produção e na situação familiar e que promovem um desenvolvimento equilibrado e sustentável.
Apesar das dificuldades que eles enfrentam as famílias rurais conseguem, com os seus próprios esforços e recursos, promover-se e alimentar-se com produtos de boa qualidade, em quantidade suficiente durante todo ano. A feirante Gracielle narrou:
Na minha casa não passamos fome. Não plantamos só para o comércio mas também para alimentar a minha família. Mas precisamos da renda da feira para pagar as despesas que temos com água e luz e para compra os produtos industrializados (entrevistada Sr. Gracielle).
Mesmo com tantos problemas, estas pessoas aprendem que o sentido é comercializar e não se deve retornar com sobras. E desta forma esta economia informal abre as portas para demais formas de comercialização, os vendedores de quitutes e o artesanato ao som de cantores regionais da famosa (moda caipira) alegram o evento.
Em outubro de 2009, todas as feiras de Montes Claros passam a ser legalizadas através da lei Nº 4.158, que foi sancionada pelo município. Tendo como objetivo fortalecer o comércio, que ajuda a construir o progresso e o desenvolvimento do município através da geração de emprego e renda.
Esta legislação reforçou a permanência das feiras e regulamentou o trabalho dos feirantes que colaboram com economia municipal diminuindo a taxa de desemprego na região, permitindo á feira estabelecer compromissos fiscais, como a emissão de notas dos produtos comercializados dentro da mesma, desta forma dando mais credibilidade aos produtos regionais.
No aspecto econômico a feira contribui com a geração de renda para o comércio local; Com o seu crescimento, uma grande parte do comércio formal do bairro se adaptou ao dia e horário do seu funcionamento. Segundo o Sr. Pedro membro da associação, revela:
Os produtores não têm tempo e condições suficientes para deslocar a cidade diariamente, através da sua vinda comercial ele aproveita para efetuar as suas compras (entrevistado Sr. Pedro).
Grande parte dos estabelecimentos comerciais do bairro como: drogaria, autopeças, padaria, lojas de roupas, sapatos e utensílios domésticos abrem as suas portas aos domingos para atender o pequeno produtor, que é habituado a fazer suas compras naquela região.
Esta relação entre comerciantes urbanos e feirantes rurais revela a importância da feira no universo social unindo urbano e o rural por meio de trocas comerciais e culturais. Pereira diz: "A busca do lugar no passado remete assim á história da cidade reconhecida no seu passado, pois nela é construída a materialização do trabalho de um grupo e como tal reflete a sua imagem." (PEREIRA, 2007, p.3).
A necessidade de manter as suas origens remete à formação e transformação social da população montesclarense, que busca preservar o passado no ser humano para a construção da identidade e a valorização da sua origem.
Com o passar do tempo, a feira do Major Prates ganhou novas adaptações, mas sem perder o seu significado tradicional. E as lembranças do passado são ressignificadas e transmitidas no presente, como demonstra Bosi: "todo homem tem uma raiz pela sua participação numa coletividade que conserva vivos alguns tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro. Novos tempos que preservam a viva e a origem da cultura humana" (BOSI, 2003, p.23). Assim, a memória individual é reconstruída no espaço da feira onde cada um carrega as suas recordações que fazem parti da sua história Sr. Julio diz:
Trabalhei por muitos anos na feira, mas hoje eu sou um fiel frequentador. Estou aqui todos os domingos para ver os meus amigos e relembra o meu tempo de feirante que por sinal não era fácil mais deixou saudades (entrevistado Sr. Julio).
Através deste relato nota-se, o que move o publico na feira do Major Prates não é só a pratica do comércio, mas também a necessidade de esta em convívio social em um determinado lugar, onde reacenda as suas lembranças e o conduz a reviver através da memória individual, o passado que quando compartilhada desperta a lembrança do grupo em meio às conversas havendo uma troca de memória.
O estudo da memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos qual a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento. No estudo histórico da memória histórica é necessária dar uma importância especial ás diferenças entre sociedades de memória essencialmente oral e sociedades de memória (Le Goff, 1990, p.423).
É comum acabamos por expandir nossa percepção do passado que tem como interesse investigar os mecanismos de reprodução e de preservação da memória social. Obedecendo, sobretudo à necessidade vital de preservar e transmitir experiências plurais e únicas, em momentos proporcionados pela a memória.

A Feira como uma expressão cultural

Ao pensarmos a feira do Major Prates como uma expressão cultural, devemos buscar o conceito de cultura. Ginzburg define a cultura como: "o conjunto de atividades, crenças, códigos de comportamento próprio das classes." (GINZBURG, 1939, p.12). Desta maneira a cultura e relacionada com a totalidade que caracteriza uma determinada realidade social, expressa nos hábito de um povo em determinada região.
Assim o próprio desenvolvimento é marcado por contatos, conflitos e diferentes modos de conceber e expressar a realidade esta chamada de cultura, definida por Burke:
Cultura é um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados. A cultura nesta acepção faz parte de todo um modo de vida (BURKE, 2005, p.25).
A feira torna-se parte da cultura, pois mantém o comércio informal ativo e preservado, conservando as práticas populares e a identidade norte mineira com seus costumes e hábitos. Alem de contribuir com a economia do bairro, ela preserva a memória social através das suas trocas comerciais. Relatado pelo Sr. Mario:
Trabalho na feira com ervas medicinais, tenho bons clientes que me procura para tratar de dores como exemplo: no estomago, cabeças, nas pernas e etc. Utilizo as plantas da região, hábitos que aprendi com minha família indígena da tribo Xavante. Aqui na feira ajudo as pessoas a se cura comercializando as plantas e repassando os meus conhecimentos (entrevistado Sr. Mario).
Os hábitos culturais são repassados na feira através dos produtos comercializados e também pela oralidade, permitindo a troca de conhecimentos. Segundo Ginzurges: "portanto, temos a circularidade, influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica" (GINZURGES, 1939, p.15). Pois através da troca de saberes, a cultura e compartilhada em todo o conjunto social formando uma identificação cultural.
Ribeiro revela que:
A feira não abastece a população urbana apenas de alimentos, mas também dessa parte essencial da nutrição que é a soberania alimentar, a alimentação associada á cultura. Ela alimenta essa cultura territorializada e se transformam no espaço por excelência de manifestação de identidade local (RIBEIRO, 2006, p.100).
Dentro desta visão de cultura, podemos dizer que a feira e o local onde as práticas, costumes e hábitos de um grupo são transmitidos, tornando presente na vida das pessoas que a frequentam, vendo nela uma parte de sua identidade, traduzido em permanência da sua história. Esta manifestação perpetua os valores que aprendemos em contato com a sociedade na qual vivemos. Burke diz: "hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o termo muito mais amplamente para referi-se a quase tudo que pode ser apreendido em dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante" (BURKE, 1800, p.57).
As práticas estudadas pela história cultural estão representadas na feira através dos hábitos alimentares e no artesanato na qual revela a sociedade regional. É importante entender de que maneira a sociedade se organiza no seu mundo cotidiano, analisando no universo da feira a aplicabilidade do conceito de cultura popular, Conforme Certeau:
A cultura a título das semelhanças entre os procedimentos que articulam intervenções seja no campo da língua seja na rede das práticas sociais. Ela se distingue dos estudos, de corte mais tradicional de modo mais amplo e objetiva visando, construir a história cultural (Certeau, 1980, p. 80).
A cultura popular, vista como uma produção desindividualizada e natural torna-se o meio expresso de anseios e desejos de uma coletividade para que haja uma identificação popular entre diferentes classes sociais. A feira existe dentro de uma organização social que interage e contribui para a manutenção de traços característicos que favorecem a identificação desta organização com a sociedade. Ribeiro fala:
As feiras são mais que pontos de comercialização da agricultura familiar. Nelas circulam bens, culturas e pessoas; além de pontos de vendas, são retratos totalidades da sociedade rural, lugar de encontro e articulação política, são espaços vitais para a interação de diferentes mundos (RIBEIRO, 2006, p.101)
A feira proporciona uma troca de conhecimento em pequenos estantes sobre, valores sociais, políticos e gastronômicos entre feirantes e frequentadores. Vejamos o relato de Jorge, frequentador da feira:
Frequento feira á cinco anos desde quando mudei para o bairro. Gosto de participar da feira por que os produtos não contem agrotóxicos, são produtos fresquinhos e o preço e muito bom. As pessoas aqui são simples e amigas. As conversas são produtivas, pois possibilitam a troca de experiências, falamos dos políticos, da família, contamos piadas, recebo dicas de remédio caseiro para acabar com a minha gastrite (entrevistado Jorge).
A Feira do Major Prates é resultante do hábito e da necessidade do homem de interagir e de manter relações sociais e econômicas. A feira vive a constante ebulição das sociedades globalizada e dinâmica vive e convive com tradições e inovações, pois ela e um importante meio cultural, eclético, sem restrições e preconceitos, é aberto a todos, mesmo que, indiretamente, apreciam e convivem com este emaranhado de transformações e funções.

Agricultura Familiar

Sobre a agricultura familiar sabemos que ela dá todo o sentido a manifestação econômica e cultural que enfeita a avenida aos domingos pela amanhã colorindo-a com verduras e frutos fresquinhos da região colhidos pelas mãos dos agricultores que sobrevivem deste comércio. Ribeiro diz: "A feira livre é uma das instituições mais sólidas de Minas Gerais; principalmente do Norte, Nordeste e Noroeste do Estado. Ela faz parte da economia e da cultura" (RIBEIRO, 2006, p.97). Por ser uma pratica cultural regional, a feira do Major Prates mantém a sua permanência a vinte e cinco anos, sem ajuda governamental, ela e coordenada pela associação de feirantes que cuida de toda estrutura organizacional. Um membro da associação diz:
Em 1985 surge a feira do Major Prates obtendo um numero considerável de feirante, havendo a necessidade de expandir a feira. Em 2005 cria-se associação de feirantes que busca por melhorias na mesma e cuida de toda organização abrindo oportunidades a todos que desejam comercializar. A Associação tem consciência da importância comercial, pois a feira contribui com a economia da agricultura familiar e também com á pratica cultural regional.
Mas esta comercialização é uma realidade e uma necessidade para as famílias rurais, pois os que eles obtêm como lucro ajuda na despesa familiar, complementando a renda junto com o benefício governamental (bolsa família). Relato de Maria feirante:
Moro em Santa Barbara zona rural próximo a Montes Claros. Eu e minha família vivemos da agricultura manual e temos uma pequena criação de animais (galinhas e porcos). Fazemos parte da agricultura familiar as únicas rendas que temos e o auxílio da bolsa família e das vendas que obtemos aos domingos na feira (entrevistada Sr. Maria).
As famílias rurais dispõem de pouca terra, a maioria delas pratica uma agricultura manual tendo como ferramentas enxadas e facões para o manuseio agrícola. Por causa da simplicidade de cultivo, muitos produtos perdem no plantio, por não terem acesso a recursos técnicos e financeiros os agricultores encontram dificuldades para produzir e organizar a comercialização. Vejamos o relato do feirante João:

Passei por dificuldades na metade do mês de junho pois resolvi fazer o plantio da batata e acabou não dando certo, este cultivo requer muita água e o rio que abastece a fazenda estava com pouca água não dava para irriga muitas vez ao dia, veio as pragas para piora e não conseguimos vender nada e só tivemos prejuízo (entrevistado Sr. João).

Grande parte do ano o norte de Minas Gerais, passa sem as chuvas que e de importância para abastecer os poços e nascentes. A escassez de água só atrapalha na produção agrícola, pois não dispõem das tecnologias modernas para melhorarem o cultivo. Sabemos que até nos dias atuais uma grande parte das zonas rurais não possui estações hidráulicas. Segundo Ribeiro,
A maioria das famílias de agricultores não dispõe de energia elétrica e nem de água tratada na sua unidade de produção. Isto é critico, principalmente considerando que a produção dessas famílias tende a ser muito dependente desse insumo: na irrigação das hortas e frutas, na força motriz dos engenhos e moendas, no trabalho de moagem nas madrugadas, na torra da farinha que entra pelas noites, na embalagem dos produtos (RIBEIRO, 2006, p.116).
Em uma situação que não e diferente de muitas famílias rurais da nossa região acontece como a família do senhor João, que renuncia ao consumo regular de água para trato de animais e lavagem de roupa. A ausência da chuva diminui o fluxo do rio que abastece o sítio, desta forma ele precisa economizar para utilizar na irrigação. A prática da irrigação é ministrada à noite para diminuir a evaporação, mas, estas dificuldades não o impedem de expor a sua produção nas feiras aos domingos.
Os problemas enfrentados na produção afetam também o setor econômico dos agricultores, pois uma grande maioria não sabe lidar com o aumento e queda de preço Marschall diz: "Esta relação entre excesso de oferta e queda de preços na produção de alimentos impõe estreitos limites ás estratégias baseadas exclusivamente num aumento da produção" (MARSCHALL, 2008, p.11).
Os agricultores comerciantes deveriam ter procedimentos técnicos, para não levarem tantos prejuízos, ainda há uma dificuldade quanto às regras de mercado econômico. Quando ocorre de não conseguirem escoar toda mercadoria, cria-se um acúmulo de produtos, ocasionado a perda de mantimentos perecíveis e não havendo retorno financeiro. Marschall diz: "quanto mais longe do mercado, maior a dificuldade para os agricultores ficarem a par ou até de influenciarem no desenvolvimento do mercado" (MARSCHALL, 2008, p.11).
Refletindo sobre a pratica econômica, e de fundamental importância que os agricultores tenham conhecimentos sobre as estratégias de mercado, para que não ocorra a perda de produtos e nem de lucros. Esta e a única fonte econômica que a família rural encontra para sobreviver, sendo assim e preciso que o agriculto e feirante se encontra no mercado econômico para que a sua produção desenvolva no mercado consumidor.

Considerações Finais

A feira do Major Prates, vem mostrando o valor e a criatividade do ser humano, pois sem eles esta não teria sentido.
O feirante é o agente desta história que favorece a cultura local presente na feira, onde se comercializa produtos regionais, havendo interação social e principalmente mantendo-se hábitos que compõem a cultura local.
Percebemos que há uma identificação entre os feirantes e frequentadores em meio às bancas de frutas, verduras, hortaliças, comidas típicas e artigos artesanais, que criam ao longo do tempo um sentido de identidade, levando à formação de memória relacionada ao espaço da feira.
O estudo da feira do Major Prates visa mostrar a importância do reconhecimento da mesma como pratica cultural. Ao mostrar as práticas culturais, econômicas e sociais que compõem a feira, espera-se que este trabalho tenha destacado as contribuições que a feira tem dado ao município ao longo de todos estes anos.
Acreditamos que, através deste artigo, tenhamos cumprido com as metas iniciais, de oferecer uma nova interpretação da feira do Major Prates, não apenas como uma prática cultural regional, mas também como espaço de luta para os trabalhadores rurais que ali trabalham pela sua sobrevivência. Não pretendemos com esta abordagem esgotar o tema, mas abrir a possibilidade de novas pesquisas sobre o mesmo.

Referencia Bibliográfica

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Autor: Nayara Antunes


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