Literatura e História em "A Harpa e Sombra - (RE)descobrindo a América"





UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
CÍNTIA SOARES DE SOUZA ALBINO
DÉBORA PORTO DOS SANTOS
THAISY PEREIRA GONÇALVES









LITERATURA E HISTÓRIA EM A HARPA E A SOMBRA:
(RE)DESCOBRINDO A AMÉRICA













Imbituba
2009
CÍNTIA SOARES DE SOUZA ALBINO
DÉBORA PORTO DOS SANTOS
THAISY PEREIRA GONÇALVES









LITERATURA E HISTÓRIA EM A HARPA E A SOMBRA:
(RE)DESCOBRINDO A AMÉRICA


Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Letras ? Português/Espanhol, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de licenciado.


Orientadora: Profª Gabriela C. Hardtke Böhm, Msc.











Imbituba
2009
CÍNTIA SOARES DE SOUZA ALBINO
DÉBORA PORTO DOS SANTOS
THAISY PEREIRA GONÇALVE





LITERATURA E HISTÓRIA EM A HARPA E A SOMBRA:
(RE)DESCOBRINDO A AMÉRICA


Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de licenciado em Letras ? Português/Espanhol e aprovado em sua forma final pelo Curso de Letras ? Português/Espanhol da Universidade do Sul de Santa Catarina.


Imbituba, 14 de dezembro de 2009.


__________________________________________
Profª e orientadora Gabriela C. Hardtke Böhm, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina


__________________________________________
Profa Marizete Farias da Rocha, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina.


__________________________________________
Prof. Felipe Felisbino
Universidade do Sul de Santa Catarina.





























Dedicamos este trabalho primeiramente a Deus, que nos deu todas as condições necessárias para chegarmos até aqui, e a nossa família, que esteve presente em todos os momentos dessa longa caminhada.

AGRADECIMENTOS

A nossa Orientadora, Profº. Gabriela C. Hardtke Böhm, pelo incentivo, apoio e boa vontade em nos servir com seus conhecimentos, auxiliando-nos em pesquisas e discussões sobre o andamento e normatização deste Trabalho de Conclusão de Curso.
Em especial, ao Professor José Luis Piñerua Cernada, que despertou a nossa paixão pela Língua Espanhola, bem como pela Literatura Hispano-Americana.
A todos os professores pelo carinho e dedicação demonstrado ao longo do curso e, particularmente, a Professora Marilane Mendes Cascaes, pela interatividade de suas aulas, ensinando-nos a verdadeira prática do ensinar e aconselhando-nos sempre que necessário.
Aos coordenadores e funcionários da Universidade do Sul de Santa Catarina ? UNISUL, especialmente aos da Unidade de Imbituba.
Aos colegas de classe pelos quatro anos de companheirismo e compreensão.
Às nossas famílias pela paciência em tolerar nossa ausência, ajudando-nos a construir, a cada dia, um futuro promissor.
E, indubitavelmente, a Deus pela oportunidade, pelo privilégio que nos foi dado em compartilhar tamanha experiência, mantendo-nos fortes e encorajadas para seguir em frente com contínuos propósitos em nossas vidas.


"O Senhor dos exércitos formou este desígnio para denegrir a soberba de todo o ornamento, e envilecer os mais nobres da terra." (Isaías 23:9)


RESUMO

Os romances históricos, atualmente, fazem um grande sucesso devido ao desejo dos leitores, ou telespectadores, de conhecer o passado. Partindo desse fato, desenvolve-se, no presente trabalho, uma análise da obra A harpa e a sombra, de Alejo Carpentier (1904 ? 1980), com o objetivo de examinar as relações entre história e literatura, respondendo questões como: o tratamento que recebe a história no romance escolhido; os recursos utilizados por Carpentier para narrar os fatos históricos e os novos fatos engendrados, pelo autor, que poderiam ou não compor a história. Para responder tais questionamentos, tem-se uma fundamentação teórica embasada em autores como: Burke (1997), Casaroto (2003), Chaves (1991), que discutem as relações entre história e ficção; Chiampi (1980) e Ianni (1991), os quais citam um novo estilo literário, o Realismo Mágico; Saguier (1979) e Moreno (1979), que abordam a literatura na América Latina; Mahn Lot (1960) e Persson (1984), que relatam a história da Descoberta da América, etc. Desse modo, chega-se a conclusão que o autor recria o fato histórico utilizando-se de recursos como a polifonia e a intertextualidade, sem deixar de lado a preocupação com a literatura.


Palavras-chave: História. Literatura Hispano-americana. Intertextualidade.


RESUMEN

Las novelas históricas, actualmente, hacen un gran éxito devido al deseo de los lectores, o televidentes, de conocer el pasado. Partiendo de ese hecho, se desenvuelve, en el presente trabajo, una análise de la obra El Harpa y la Sombra, de Alejo Carpentier (1904 ? 1980), con el objetivo de examinar las relaciones entre la historia y la literatura, respondiendo cuestiones como: el tratamiento que recibe la historia en la novela eligida; los recursos utilizados por Carpentier para narrar los hechos históricos y los nuevos hechos inventados, por el autor, que podrían o no componer la historia. Para responder a los cuestionamentos, se tiene una fundamentación teórica embasada en autores como: Burke (1997), Casaroto (2003), Chaves (1991), que discuten las relaciones entre historia y ficción; Chiampi (1980) e Ianni (1991), los cuales citan un nuevo estilo literário, o Realismo Mágico; Saguier (1979) y Moreno (1979), que abordan la literatura en América Latina; Mahn Lot (1960) y Persson (1984), que relatan la historia de la Descubierta de América, etc. De ese modo, se llega a la conclusión de que el autor recria el hecho historico se utilizando de recursos como la polifonia y la intertextualidade, sin dejar de lado la preocupación con la literatura.


Palabras clabe: Historia. Literatura Hispanoamericana. Intertextualidade.



SUMÁRIO


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10
2 ROMANCE HISTÓRICO: FUNDAMENTOS DE UM GÊNERO................................12
2.1 RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E FICÇÃO...................................................................12
2.2 A NATUREZA DO ROMANCE HISTÓRICO.................................................................14
2.3 ESTÁGIO ATUAL DO ROMANCE HISTÓRICO NO BRASIL.....................................23
2.4 O REALISMO MARAVILHOSO E O MÁGICO: ALGUNS CONCEITOS...................28
3 AMÉRICA LATINA: CULTURA, LITERATURA E HISTÓRIA................................31
3.1 O ELEMENTO LATINO-AMERICANO EM OUTRAS LITERATURAS.....................35
3.2 O ROMANCE CONTEMPORÂNEO NA AMÉRICA LATINA......................................36
3.2.1 Rupturas da tradição.....................................................................................................38
3.3 DA AMÉRICA LATINA PARA CUBA: A FICÇÃO DE ALEJO CARPENTIER..........38
3.4 A HISTÓRIA DA DESCOBERTA DA AMÉRICA..........................................................41
3.4.1 Contexto do descobrimento...........................................................................................41
3.4.2 Cristóvão Colombo ? o descobridor no Novo Mundo................................................44
3.4.3 A viagem..........................................................................................................................57
3.4.4 O Novo Mundo...............................................................................................................59
4 HISTÓRIA E LITERATURA EM A HARPA E A SOMBRA: (RE)DESCOBRINDO A AMÉRICA...........................................................................................................................62
4.1 AS NARRATIVAS.............................................................................................................62
4.1.1 A harpa............................................................................................................................62
4.1.1.1 Enredo...........................................................................................................................62
4.1.1.2 Personagens...................................................................................................................63
4.1.1.3 Espaço...........................................................................................................................65
4.1.1.4 Tempo...........................................................................................................................67
4.1.2 A mão..............................................................................................................................68
4.1.2.1 Enredo...........................................................................................................................68
4.1.2.2 Personagens...................................................................................................................70
4.1.2.3 Espaço...........................................................................................................................72
4.1.2.4 Tempo...........................................................................................................................73
4.1.3 A sombra.........................................................................................................................74
4.1.3.1 Enredo...........................................................................................................................74
4.1.3.2 Personagens...................................................................................................................76
4.1.3.3 Espaço...........................................................................................................................79
4.1.3.4 Tempo...........................................................................................................................80
4.2 A HARPA E A SOMBRA: UM ROMANCE HISTÓRICO..............................................81
4.2.1 O papel da intertextualidade: Contribuições para um conceito de história.............82
4.2.2 A polifonia: uma história, várias vozes........................................................................84
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................88
REFERÊNCIAS......................................................................................................................90

1 INTRODUÇÃO


Encontra-se, atualmente, divulgado na mídia, um extenso número de filmes e documentários que se preocupam em desvendar o passado, sendo baseados, portanto, em histórias verídicas. Dentre os mais conhecidos temos O nome da Rosa, de Umberto Eco, que trata da história ocorrida no ano de 1327 ? século XIV ? num Mosteiro Beneditino Italiano, Pearl Harbor ? de Michael Bay e Jerry Bruckheimer ? que retrata o ataque do Japão ao EUA na Segunda Guerra Mundial, dentre outros. Seja pelo desejo de reviver a história para buscar respostas ao presente, seja por pura curiosidade dos leitores, ou telespectadores, em conhecer outra versão dos fatos, esses produtos culturais cuja base são fatos históricos fazem um grande sucesso.
Na literatura não tem sido diferente. O número de romances históricos que alcançam sucesso é cada vez maior. Estes vêm se juntando a um segmento também muito difundido, que é o de obras cujo objetivo é popularizar a história. As sucessivas edições de 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil, de Laurentino Gomes, são prova desse fato.
Desse modo, tendo em vista a popularidade do gênero, elegeu-se como tema do presente trabalho as relações entre a história e a literatura presentes no romance A harpa e a sombra, de Alejo Carpentier.
O presente estudo justifica-se pela identificação das acadêmicas com a literatura de língua espanhola e com os estudos sobre as relações entre a ficção e a história, empreendidos no 6º semestre do curso de Letras. Assim, a escolha do tema recaiu sobre um autor até então desconhecido nos meios acadêmicos mais próximos.
A partir das motivações apresentadas e do tema escolhido, tem-se como objetivos examinar as relações entre literatura e história no romance de Alejo Carpentier, ou seja, procura-se responder a questões como: a) que tratamento recebe a história no romance escolhido?; b) que recurso utilizou o autor para narrar a sua visão dos fatos históricos?; c) que novos fatos, que podiam ou não compor a história, Carpentier engendra?
A fim de cumprir os objetivos propostos, lança-se mão de autores que versam sobre as relações entre o ficcional e o histórico, isto é, a origem da fronteira existente entre os gêneros e os problemas apresentados pelos estudiosos. Além disso, como a temática do romance escolhido para análise gira em torno da descoberta da América, foi necessário recuperar os estudos historiográficos sobre esse acontecimento.
Assim, o capítulo 2 tem como preocupação a fundamentação teórica sobre as relações entre história e ficção, bem como uma abordagem sobre o estágio do romance histórico no Brasil. Para tanto, são citados autores como Burke (1997), Esteves (2008), Casaroto (2003), etc. A parte seguinte, capítulo 3, retoma os documentos históricos sobre a descoberta da América e, também, fatos biográficos de Cristóvão Colombo.
No capítulo 4 inicia-se a análise das narrativas que compõem A harpa e a sombra, de Alejo Carpentier, fazendo um levantamento do enredo, personagens, tempo e espaço. Em seguida, o resultado das discussões teóricas pode ser visto no capítulo 5, no qual se analisa alguns dos recursos utilizados pelo autor para recontar a história: a intertextualidade e a polifonia.
A conclusão, parte final deste estudo, procura sintetizar as principais ideias que emergiram da análise. Espera-se, com este trabalho, reconhecer o talento e o valor do escritor cubano, assim como desvendar sua contribuição para o questionamento da história.


2 ROMANCE HISTÓRICO: FUNDAMENTOS DE UM GÊNERO


2.1 RELAÇÕES ENTRE HISTÓRIA E FICÇÃO


Atualmente, historiadores sociais e da cultura se preocupam com fronteiras, se interessam pelas fronteiras entre línguas, religiões e outros campos do saber, ou os separam em opostos complementares tais como: o sagrado e o profano, o público e o privado ou história e ficção. Embora cada um faça parte do processo pelo qual o outro é constituído, essa interdependência não impede que ocorram mudanças.
Para ampliar nossos conhecimentos, Peter Burke (1997) oferece algumas reflexões sobre a distinção entre história e ficção a partir de diferentes períodos, desde a antiguidade clássica até os dias de hoje. Começando com os gregos, que acreditavam em seus mitos, Burke (1997) acentua que na antiguidade clássica era comum historiadores inventarem seus discursos e afirmarem estar dizendo a verdade. Assim, escritores gregos e seus públicos não colocavam a linha divisória entre história e ficção no mesmo lugar que os historiadores a colocam hoje.
Na Idade Média, essa fronteira era extremamente aberta, pois textos que poderíamos colocar no lado "ficção" da fronteira eram "história" para leitores medievais. No Renascimento, mais adiante, observamos um falso retorno aos padrões clássicos, juntamente com algumas modificações menos óbvias, porém importantes. Seguindo Aristóteles, humanistas e outros pensadores fizeram distinções explícitas entre história e ficção, assim "chamamos uma narrativa inventada de ?fábula? e uma verdadeira de "história" (FACIO apud BURKE, 1997, p. 109). O Relox de príncipes (1528), de Antonio de Guerra, é um caso famoso de transgressão de fronteiras. Ele nos conta a vida do imperador Marco Aurélio e mistura história e ficção, a fim de apresentar o herói como um exemplo moral.
Sabe-se que o final do século XVII e o início do século XVIII foram de fundamental importância para o desenvolvimento do romance. Esse período testemunhou o maior debate sobre a possibilidade de se conhecer o passado, fazendo-se regularmente referências à relação entre história e ficção. O Discurso sobre o método (1637), de Descartes, não fala muito sobre história mas o que relata é influente e destruidor. A ideia principal de sua crítica é que o conhecimento que os historiadores têm da honestidade da história leva-os a omitir detalhes notórios, com o infeliz resultado de que é provável que aqueles que modelam sua conduta nas histórias que lêem estimem muito seus poderes e ajam tão insensatamente quanto os herois dos romances de cavalaria. Dessa forma, Descartes minou o pensamento tradicional do heroi exemplar.
Assim, no final do século XVIII, Burke (1997) nos revela não ser exagero falar de uma "crise da consciência histórica". Nessa época, alguns autores famosos tentavam passar aos seus leitores a impressão de que suas obras eram fontes históricas, incluindo notas de rodapé e afirmando estar contando a verdade e não escrevendo um romance. Apesar disso, a fronteira entre os gêneros começou a se fechar na metade desse século, havendo um divórcio entre história e ficção.
Outro período crucial para a relação entre essas duas áreas foi o século XIX, a era do romance clássico, no qual autores como Scott, Manzoni, Hugo, Dumas, Jókae, Tolstoi e Pérez Galdós tentaram reconstruir o espírito de uma época e suas convenções culturais entre outros. Nesse período a fronteira entre história e ficção era relativamente nítida. Romances históricos e histórias narrativas eram opostos complementares, com uma divisão clara de trabalho entre os autores.
Apesar de todo o ocorrido, foi apenas em nossa própria época que a fronteira entre história e ficção se reabriu. Hayden White (apud BURKE, 1997) ressuscitou a discussão humanista da retórica da história, e a indignação que sua obra provoca em algumas paragens sugere que ele quebrou um tabu e que a fronteira entre história e ficção é sagrada. Hoje, se poderia dizer que os historiadores contemporâneos demonstram mais respeito pela imaginação do nos tempos, não muito distantes, em que afirmavam simplesmente descobrir os fatos. Além disso, grupos de historiadores se dedicam aos estudos da história, do que eles chamam de "representações".
Burke (1997) nos diz que se história e ficção parecem gêneros borrados hoje, deveríamos, então, procurar explicações para esse borramento não apenas em termos de um vago espírito pós-moderno de nossa época, mas também em termos das preocupações internas das duas comunidades: ficcionistas e historiadores. "Do meu lado da cerca, parece claro que é o desejo de uma história como uma face humana em reação contra a macro-histórica, a história quantitativa e o determinismo, que atirou os historiadores nos braços dos romancistas" (BURKE, 1997, p. 114)
Por fim, Burke (1994) considera a escrita da história um gênero literário ou um feixe de gêneros. Assim, como o épico, o lírico e o dramático, a história têm sua própria retórica, suas próprias convenções de apresentação. Segundo o autor, existe uma grande diferença entre história e ficção. A história se permite fazer apenas certos tipos de afirmação, enquanto ficção tem mais liberdade. Do mesmo modo como os autores de ficção, os historiadores frequentemente contam histórias, não as inventam, mas descobrem-nas, embora sua escolha de temas brote de seu próprio tempo.


2.2 A NATUREZA DO ROMANCE HISTÓRICO


Em pleno século XXI, nos deparamos com uma intensa profusão de objetos culturais que se tornam grandes sucessos da literatura e do cinema, como O código de Vinci (que aborda os mistérios e segredos que envolvem a Igreja Católica), além da obra 1808 (que conta a história da fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil), filmes como Mauá (que fala da vida do Barão de Mauá, pioneiro da industrialização brasileira, durante o Segundo Império), dentre muitos outros que tem como tema central um fato histórico. Não obstante, sabe-se que a relação entre história e ficção é complexa e, por isso, inúmeros autores e historiadores buscam intensificar as pesquisas sobre esses dois campos do saber.
Valéria De Marco (1997) reflete sobre a questão do romance histórico a partir da obra "La novela histórica", escrita por Georg Lukács em 1936. Ao retomar essa obra, De Marco (1997) expõe duas afirmações que estabelecem o ponto de partida do autor: a primeira refere-se ao nascimento do romance histórico no início do século XIX, e a segunda consiste em extrair da singularidade histórica de sua época o caráter excepcional na atuação de cada personagem.
Lukács justifica sua tese de que o romance histórico nasce no começo do século XIX, no momento da queda de Napoleão. Para ele, a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas constituem as bases do processo social no qual foi elaborada a sensibilidade histórica que se expressa nesse tipo de narrativa. Nesse contexto, o surgimento do romance histórico teria sido propiciado por três fatores básicos: a historiografia da ilustração, a qual teria oferecido a base ideológica para a preparação da Revolução Francesa; o romance social inglês - concreto e histórico ? como uma forma de expressão e, como terceiro fator, a própria Revolução Francesa, que teria oferecido uma nova sensibilidade histórica, caracterizada pelo fato de que cada homem se vê e se sente partícipe da história presente.
Fazendo uma análise do percurso histórico do gênero, Esteves (2008) observa ainda que apenas no século XIX é que houve, de fato, separação entre história e ficção. Sinteticamente, podemos dizer que à história cabia relatar o que realmente aconteceu, e ao literato, o que poderia ter acontecido ? fronteira que não foi enfaticamente esclarecida nem duradoura.
Atribui-se a Sir Walter Scott o nascimento do gênero ? pela publicação de Ivanhoé, no início do século XIX ? e a criação do esquema básico de romance histórico que obedecia a dois princípios básicos:


O primeiro deles é que a ação ocorre num passado anterior ao presente do escritor, tendo como pano de fundo um ambiente histórico rigorosamente reconstruído, onde figuras históricas ajudam a fixar a época. [...] Uma importante preocupação do romance histórico romântico era conseguir um equilíbrio entre fantasia e realidade, onde os jogos inventivos do escritor, aplicados aos dados históricos produzissem composições que oferecessem aos leitores, ao mesmo tempo ilusão de realismo e oportunidade de escapar de uma realidade não satisfatória. (ESTEVES, 2008, p. 58).


O modelo romântico de Walter Scott foi sofrendo modificações ao longo dos tempos, sendo que uma, ocorrida ainda no século XIX, na obra Cinq-Mars, de Vigny, consistiu na presença de personagens históricos como protagonistas. Outros autores, como Victor Hugo, também fundamentam suas obras na ação individual, exaltando heróis reais e contrariando o modelo scottiano. Assim, no século XX, com as transformações do discurso histórico e da concepção da própria história, o romance histórico ganha uma nova feição, na qual o autor não se sente mais obrigado a copiar e refletir o mundo externo, mas criar seus próprios mundos, sem se preocupar em dizer sempre a verdade ? papel do discurso histórico ? nem com a verossimilhança que mantinha o discurso ficcional tradicional. Em suma, o autor se sente mais livre para transitar entre um e outro lado da "barreira" que separa o discurso ficcional do histórico.
Lukács, para desenvolver seu estudo acerca do modelo scottiano, detém-se a analisar o processo de construção do personagem. Diferente de muitas obras do Romantismo, o romance de Scott tem sempre como figura central o "herói mediano e prosaico". Lukács faz uso da concepção de herói da epopéia formulada pelo filósofo Hegel e a contrapõe ao perfil do herói do romance histórico. Enquanto naquela o herói compreende em si o que geralmente encontra-se disseminado no caráter nacional e por isso ele ocupa o centro do texto e vincula sua individualidade aos seus principais acontecimentos, no romance histórico os protagonistas adquirem representatividade por suas características tipicamente nacionais, não no sentido de eminências compreensivas, mas sim por representarem a média. Portanto, enquanto na epopéia estão "os heróis nacionais da concepção poética da vida", no romance histórico estão os "heróis prosaicos", ou seja, para Scott o personagem heróico é apenas representante de uma importante e significativa corrente que compreende amplas camadas da população ? é um herói vulgar, trivial.
Um outro fator de grande importância para a construção desse herói deriva da estruturação do enredo que, ao sintetizar a dramaticidade dos fatos que resumem uma crise social na qual se movimentam todos os personagens, leva o leitor a acompanhar a formação histórica do herói. Nesse sentido, tudo é atravessado pela crise social, pois ela intervém nas mais íntimas relações humanas.
A partir dessas observações, Lukács amplia sua definição e formula a concepção acerca do romance histórico baseado na obra de Scott. Em suas definições, o autor de "La novela histórica" propõe o romance como uma descoberta do passado ? como já citado acima ?, transformando-o em pré-história do presente.
Na concepção de De Marco (1997), Lukács encaminha sua reflexão sobre romance histórico com o objetivo de ressaltar a possível intervenção da Revolução Francesa na luta ideológica travada entre as classes sociais. Esse dado, certamente, é o que leva a convidar os escritores a relerem o romance histórico ? clássico e tradicional - de Scott e a negarem a configuração dada à forma por alguns escritores do início do século XX. Este contexto pode ser talvez explicado na seguinte afirmação de Lukács:


A grande missão do romance histórico consiste, justamente, na intervenção poética de figuras de um povo que personalizem com vitalidade sua vida íntima, as principais correntes que nela fluem [...]. O romance histórico, poderosa arma artística de defesa da vida popular, tem precisamente aqui uma tarefa magna a cumprir: a de restabelecer em sua realidade estes autênticos motores da história humana e despertá-la para o presente. (LUKÁCS apud DE MARCO, 1997, p. 195).


De Marco (1997) afirma ainda que as seis décadas que nos separam da obra de Lukács talvez possam nos dar o distanciamento e a possibilidade de uma outra avaliação, uma apreciação que dela extraia perspectivas profícuas para considerar as relações entre romance e história. Nesse propósito, cabe ressaltar que esse livro de Lukács está inserido em um contexto demarcado pela ideia de revolução e, portanto, a ideia nada tem de abstrata e utópica.
No entanto, algumas advertências e certos pontos de Lukács podem ser recuperados e problematizados na leitura de romances que se apresentam como históricos. Uma primeira advertência seria a de que, para julgar o acerto do romance, não cabe utilizar como critério o grau de fidelidade histórica. Adverte Lukács, também, que muitas narrativas revelam um tipo de autor amargo e ressentido pelo fracasso das revoluções burguesas, o que leva a literatura a reduzir-se à visão centrada nas elites. Com isso, durante o processo histórico, alguns escritores começam a representar o herói separado da vida popular; a vida cotidiana do povo aparece então como prosa banal desvinculada de um estatuto histórico.
Finalmente, vale recuperar a mais relevante advertência feita por Lukács. Para ele, na visão de De Marco (1997), não pode haver separação entre romance e romance histórico. Já para Edgar De Decca (1997), do ponto de vista histórico, a historiografia e o romance nasceram juntos, no século XVIII, pelo viés do pensamento iluminista. No entanto, ao longo do século XIX é que a história e o romance se distanciaram, estabelecendo assim a separação entre verdade e ficção.
As pesquisas históricas, suas teorias e metodologias, e a emancipação do homem como sujeito, colocam-no como protagonista de sua própria história. Nessas mesmas bases, surge também o romance, com a ideia de que o homem, somente ele, é o dono de seu próprio destino. Assim, tanto a historiografia como o romance têm, desde o seu surgimento, o mesmo ideal.
No entanto, segundo De Decca (1997), a diferença entre historiografia e romance não está naquilo que eles perseguem, mas no modo de investigar tais objetivos. A historiografia direcionou-se para o campo das ciências e, durante o século XIX, acabou firmando um compromisso com o positivismo e a verdade científica, acreditando na objetividade do método e da teoria para a apreensão do mundo real. O romance, diferentemente, na busca da apreensão do mundo real, acabou percorrendo outro caminho, acreditando mais na força da imaginação e da subjetividade.
Para a história, a apreensão dos eventos só pode se realizar através da análise minuciosa das pistas e sinais deixados por tais eventos. Para ela o documento ? que pode ser qualquer vestígio deixado pelas ações humanas - é a pista para se poder reconstruir eventos humanos.
Entretanto, o conhecimento histórico organiza os eventos humanos não através da linguagem formalizada das matemáticas, mas na forma de uma narração. Os eventos só adquirem sentido e só são compreensíveis no interior de uma trama, de um enredo, de uma intriga. Deste ponto, a historiografia não se diferencia do romance, pois ambos são narrativas onde os eventos só fazem sentido no interior de um enredo. A historiografia e o romance são modos de narrar eventos humanos com o objetivo de extrair os seus significados.
De Decca (1997) afirma que a oposição entre verdade e ficção, ou entre história e romance, que se estabelece na modernidade é a de que a forma do narrar histórico, ou o enredo histórico, vem todo ele respaldado com provas documentais, opiniões de outros historiadores sobre os eventos narrados, o que cria um efeito de real. Elas produzem a sensação de que o que está sendo narrado, de algum modo, aconteceu. Essa preocupação com a verdade científica é completamente estranha ao romance e aos eventos dentro das tramas, pois os enredos não precisam de provas documentais para adquirirem significado.
De Decca (1997) propõe a questão sobre como analisar o romance histórico e, para isso, elenca algumas modalidades desse gênero literário. Para a primeira modalidade cita, como exemplo, Alan Poe no romance policial. Ao utilizar como plano de fundo cidades distantes do leitor americano (Londres, Paris), Poe faz com que o leitor, por não ser conhecedor desses lugares, prenda sua atenção muito mais nos aspectos ficcionais do enredo, no desenvolvimento lógico e intelectual dos personagens, do que nos detalhes realistas. Essa mesma estratégia, acredita De Decca, também foi utilizada em O nome da Rosa, por Umberto Eco. Ao desprender-se, portanto, dos elementos realistas, o leitor passa toda a sua atenção ao desenvolvimento lógico, intelectual e ficcional da trama. Com isso, a base historiográfica presente na narrativa, ao contrário de funcionar como critério de verdade, funciona como base ficcional. Assim, o gênero romance policial deve ser julgado como tal e não como um romance histórico. Sendo assim, o fato de um romance ser ambientado em épocas históricas passadas não indica pretensões realistas.
Uma outra dessas modalidades são os romances que pretendem ser testemunhos de sua própria época, como os romances sociais Tempos difíceis, de Dickens, e Mistérios de Paris, de Eugène Sue. São obras que se pretendem históricos ao denunciar as duras realidades vividas por vastos setores da sociedade, procurando alertar setores sociais privilegiados para as injustiças sociais. Eles fazem a história do tempo presente preenchendo uma lacuna deixada pela pesquisa histórica, construindo enredos de sujeitos sociais aos quais a história ainda não deu atenção. Também antecipam mudanças significativas que ocorrerão na história muito tempo depois.
Segundo De Decca,


a atenção dos historiadores atuais para os pequenos eventos, deixando de lado a grande história, acompanha a tradição destes romances que transformaram o indivíduo comum das ruas em herói ou vítima da história. A diferença desta historiografia com o romance social do século XIX é que ela reconstrói pequenos eventos ocorridos em um passado remoto onde a crítica é decisiva para a construção do enredo. (DE DECCA, 1997, p. 202).


Nesses romances, os elementos ficcionais do enredo, apesar de imprescindíveis, estão subordinados à marca do real histórico, funcionando como tomada de consciência histórica. Neste caso, o romance histórico mobiliza a consciência e exige que o leitor tome uma posição a partir de uma denúncia, diante de uma indignação moral, diferente da primeira modalidade em que o romance histórico aguça a capacidade racional do leitor.
Enquanto no primeiro caso existe a capacidade objetiva de raciocínio do leitor, viajando por um mundo irreal, no segundo a subjetividade é evidenciada, envolvendo sentimentos e emoções a partir de um choque com a realidade. O romance Guerra e Paz, sobre as guerras napoleônicas, escrito por Leon Tolstoi no século XIX, representa mais uma modalidade do romance histórico: os que são estruturados a partir de um grande evento histórico, assim como no historicismo. O grande evento é o sinal indicativo da própria história como resultado das ações humanas. Ele é a referência a partir da qual toda a vida se organiza e se transforma. Na historiografia, como também nos romances históricos dos grandes eventos o destino do indivíduo está determinado por forças que ele não consegue controlar, dando condições ao indivíduo moderno de visualizar o panorama universal no qual eles têm que representar o seu drama pessoal.
De Decca (1997) cita também obras nacionais exemplares dessa tradição, A guerra dos mascates, de José de Alencar; A retirada de Laguna, de Taunay e, ainda, Os sertões, de Euclides da Cunha, todos eles romances históricos cujas referências são os grandes eventos da história nacional. No entanto, na historiografia e no romance histórico, o grande evento, como guerras e revoluções, não é afirmação do real, e sim a percepção de que as ações humanas se movem por forças desconhecidas e incontroláveis, fora do alcance racional.
O autor ainda explicita outras modalidades de romance histórico. São aqueles que trabalham com os mitos de origem e com questões de identidade nacional, étnica ou de outros grupos sociais. Aliás, eles não só trabalham com os mitos como também inventam esses mitos. São considerados, muitas vezes, romances fundadores da própria história e completamente contrários aos princípios da historiografia moderna nascida com o iluminismo, os quais definem o homem como ser universal dotado de razão. Nesses romances, prevalecem os particularismos, as especificidades do meio ambiente cultural. Romance nacional, regional ou étnico também são expressões dessa outra modalidade do romance histórico, que pretende se instituir como marca de diferenciação, como uma identidade que se diferencia de outras. Participa do mesmo tempo histórico de surgimento das histórias nacionais do século XIX, buscando criar os mitos da identidade nacional.
Cabe ressaltar, ainda, a opinião do escritor Luiz Antônio de Assis Brasil sobre a questão do romance histórico. Assis Brasil (1997) diferencia história e literatura como sendo aquela, a que descreve e analisa criticamente, e esta, onde a verdade restringe-se ao campo estético e cultural. Ele ainda afirma que nem a história faz literatura, nem a literatura deve pretender a escritura da história, sob pena de comprometer sua identidade. No entanto, é comum o leitor da história, quase sempre, lê-la como se lesse literatura.
Assis Brasil (1997) afirma que a história, ao limitar-se com a literatura no âmbito estético, não pode ser exigido desta qualquer comparação com a narração e a interpretação do fato histórico. Por isso, a literatura joga com a ambiguidade, a qual dá margem de manobra ao leitor. Este fator jamais poderá ser aceito pela história, pois esta tem o documento, oposto ao fenômeno literário. A partir dessa constatação, surge a expressão "romance histórico". Todavia, essa expressão é usada indiscriminadamente para qualquer forma narrativa que se situe no passado ou que envolva personagens históricos.
Posto isso, Assis Brasil (1997) indica um primeiro problema: quando começa a história? Ontem? Há uma semana? E ainda, o que é história? Romances cujo tempo é passado em plena Idade Média, como O nome da Rosa, de Umberto Eco, Do amor e outros demônios, de García Márquez, cuja ação acontece no século XVIII, seriam considerados romances históricos? Então, o que dizer de Agosto, de Rubem Fonseca, que tem sua trama passada em 1945? Se um romance se situasse à volta da ascensão e queda do presidente Collor na década de 90 e, ainda mais além, um texto que envolvesse as várias coligações que levaram à vitória Fernando Henrique Cardoso, como estas obras seriam classificadas? Pensando por esse viés, todo e qualquer romance seria histórico, afinal, sempre está situado em um determinado tempo e espaço.
Um segundo problema está presente nos romances em que há um fato histórico, porém, desfigurado pela licença da ficção. Na obra A cidade dos padres, de Deonísio da Silva, os personagens misturam-se de modo tumultuado, desenvolvendo assincronias fascinantes. Em A jangada de pedra, de José Saramago, temos a história cruzando-se com o real maravilhoso. Poderiam ser considerados históricos estes romances com tamanhas ambiguidades?
Assis Brasil (1997) para não ficar apenas em interrogações, gera uma ideia bastante híbrida na tentativa de conceituar o romance histórico, admitindo que exista esse gênero e aceitando que se trate de uma narrativa que tenha sua ação num certo passado com personagens mais ou menos históricas: o escritor afirma ser romance histórico tradicional, o texto narrativo no qual o autor renuncia de seu tempo e tenta reconstruir, através da ficção, o episódio histórico, detalhe por detalhe. Como exemplo desse romance histórico tradicional temos Walter Scott, Alexandre Herculano, Paulo Setúbal. Quando ele diz que o autor renuncia o seu tempo, quer dizer que ele é apenas uma testemunha dos fatos, procurando pensar e agir como as personagens históricas pensariam e agiriam, tendo um papel absolutamente passivo, pois escreve à luz do documento.
Já o autor do romance histórico de hoje tem uma atitude completamente diferente resultando em um texto também diverso ao anterior. O compromisso do autor de hoje é com o estético e com o cultural e, com isso, não renuncia o seu tempo. É alguém que olha para trás, rememora o episódio histórico, mas sem desviar de sua condição de intelectual de hoje, com critérios, valores, estética de hoje, e com profunda intencionalidade. Ele não interpreta e, sim, reinterpreta o fato histórico, habilitando-se a comentar, deformar, fazer projeções. Pode até criar ou eliminar fatos, já que não tem compromisso com o fato material, sem deixar seduzir-se pela documentalidade. O romancista não faz história, mas o texto resulta em literatura.
Concluindo, Assis Brasil (1997) diz que tratar a história pelo imaginário é de uma atitude que estimula a fantasia e integra diversas áreas do conhecimento, estimulando, assim, a emoção estética e o entendimento da cultura, que é o objetivo do texto literário. Não há como pretender que o romancista de hoje seja fiel ao documento.
Casaroto (2003), a partir das ideias de Bakhtin, afirma que todo texto verbal apresenta, na sua constituição, múltiplas relações dialógicas com outros textos. A significação da palavra só é possível quando o enunciado leva em conta a palavra do outro. Considerando esses princípios dialógicos, confirma-se o texto não mais como uma estrutura isolada, e sim como uma estrutura que permite o diálogo com diversas escrituras - do narrador, do leitor, do contexto atual ou anterior ? passando a ser o resultado de todos os outros textos, concretizando-se com a participação do leitor, que interfere na construção do seu sentido. O texto é, em essência, uma unidade dialógica e uma produção resultante das relações sociais de quem o concebe e de quem o lê. É um lugar de conflito, de confronto ideológico, não podendo ser estudado fora da sociedade, uma vez que os processos que constituem são históricos sociais.
No que se refere à história, tem-se, em primeira análise, como sendo uma narração de fatos significativos na vida de um povo ou da humanidade, os quais alguns são apresentados, outros não, porém não deixam de ter existido porque ninguém os relatou. A história tradicional desconsidera os espaços vazios, sem reflexões e questionamentos. Para ela, não pode haver qualquer tentativa de outra história. Casaroto (2003) cita, em oposição às concepções de história tradicional, Walter Benjamin, que desenvolveu uma teoria diferenciada, a qual consiste em ver a história como uma história aberta e sujeita a transformações. Dessa forma, possibilita que historiadores apresentem outras representações. A historiografia não deve distanciar o historiador do seu "objeto" de estudo e, sim, permitir que ele, como também o romancista, deixem as suas marcas. Dessa forma, a história deixa de ser um lugar onde prevalece o passado, instituindo-se como um lugar de criação no presente e no futuro.
O romance, então, pode ser um ensaio da história, da mesma maneira que a história pode ser um ensaio dela mesma, ou seja, o romance, ao recuperar um fato do passado, como por exemplo a Guerra do Contestado, apresenta o que poderia ter sido e não foi ? é um indício de que existiu um passado que possibilitou sua representação. Como um romance, a história passa a circular livremente na temporalidade, sem considerar as amarras da cronologia. Assim, o romance histórico é uma possibilidade de se apropriar das recordações que surgem do passado.
Reescrever o passado na ficção e na história é revelá-lo ao presente, impedi-lo de ser conclusivo, provocando novas discussões em relação ao tempo passado e presente. Um mesmo fato que é enunciado em espaço e períodos diferentes, por variar o contexto, implicará na alteração de seu significado. Observa-se, então, a relação entre história e literatura: a narrativa histórica seleciona uma parte do fato, que se apresenta sempre incompleto e embasado em documentos ou testemunhos ? indícios que passam a ser o todo do historiador -; o escritor da ficção recria o fato histórico através de uma estrutura artística ou, a partir do relato ficcional, provoca uma escritura que ainda não havia sido apresentada pela história. A literatura age como um produto de manifestação cultural, pois registra os anseios e dúvidas do homem em relação à sua época e espaço, trazendo consigo outros textos relacionados.
Casaroto (2003) conclui sua tese afirmando que o romance não para de transformar-se profundamente na sua estrutura, juntamente com a inquietude dos homens, e estes, estão sempre rodeados por fatos históricos. O romance moderno é uma historização da sua época. Os discursos históricos e ficcionais não são mais entendidos como formas de acertar o passado, mas de considerar o presente para o futuro. O romance e a história são resultantes de um processo cultural, duas formas de narrar que se encontram e se distanciam, possibilitando o conhecimento do homem enquanto ser social.


2.3 ESTÁGIO ATUAL DO ROMANCE HISTÓRICO NO BRASIL


O romance que se apropria de fatos históricos passou, no final do século XX, a ter um lugar de destaque na sociedade brasileira. Ao se valer de fatos e personagens da história, transformou-se em fonte de pesquisa para o leitor, provocando outras reflexões sobre o tema, uma vez que, ao associar fantasia e imaginação, estimula o leitor a questionar aquilo que, até o momento, já é consagrado pelos relatos históricos. O romance histórico utiliza fatos históricos e personagens, estando, por isso, amarrado ao fato acontecido.
Consagrado como narrativa literária nos séculos XVIII e XIX, o romance moderno, desde o seu surgimento até hoje, continua a transformar-se. Através da linguagem, tenta apreender e entender o passado, no entanto, estará sempre posicionado em relação ao período em que se encontra.
O surgimento desse gênero literário, no século XIX, iniciou um novo ciclo cultural, uma nova forma de expressão, prova disso é a correlação entre a evolução histórica e a literária: os momentos de maior produção literária são aqueles que coincidem com maiores intensidades históricas. Nesse século, mudanças ocorreram, acontecimentos se acumularam, o ritmo de vida se acelerou, vindo à tona o romance histórico, considerado como um gênero à parte na história do romance. No Brasil, segundo Casaroto (2003), é inegável a contribuição de José de Alencar à ficção histórica. Na sua obra, realidade histórica e ficção se entrelaçam.
Com o positivismo, na segunda metade do século XIX, o romance tornou-se uma vitrine de teorias científicas, assumindo como ponto de referência os documentos autênticos, com o objetivo de relatar a realidade como ela se apresentava. Através de Machado de Assis, representando o homem de seu tempo, contemporâneo, é que o romance brasileiro se transforma, desenvolvendo novas técnicas de narrar, as quais sobrepõe-se o ficcional ao histórico, mas sem deixar de lado o essencial para "datar" e contextualizar a sua aventura imaginária, isto é, pretende contar os fatos históricos, e não necessariamente, os fatos oficiais da história.
Chaves (1991) observa que as obras de ficção do romantismo brasileiro de autores como Alencar, Machado de Assis, Euclides da Cunha, dentre outros, não são apenas literárias e estéticas, mas também históricas, no sentido social - reconstroem a história sob determinada perspectiva.
O autor inicia sua reflexão citando obras de José de Alencar que, segundo ele, aparecem impregnadas de história: Iracema, O Guarani, As minas de Prata, O Tronco do Ipê, Til, O gaúcho. Trata-se de literaturas que denunciam um ponto de vista particular da realidade sob a qual foram escritas, pois apesar de não possuírem personagens reais, apresentam uma idéia central relacionada à história. Como exemplos, têm-se: Iracema (constituída por mitos e lendas da terra selvagem e conquistada), O guarani e As minas de prata (retratando a luta entre invasores e os nativos da terra brasileira), O tronco do Ipê, Til e O gaúcho (iniciadas após a independência, resgatando o passado), etc. Por todas essas características, encontradas não só nas obras de Alencar, definiu-se os primeiros tempos do romance brasileiro como romance histórico.
Chaves (1991) acrescenta que, mesmo que se abandone o modelo tradicional de romance histórico estabelecido por Walter Scott ? como fez Alencar, declaradamente nacionalista, ao colocar o "novo homem" (o índio, mestiço, sertanejo...), surgido na América, como herói de suas obras ? o romance não deixou de ser histórico. Desse modo,


talvez possamos nos distanciar então daqueles romances declaradamente atrelados à crônica histórica, para lermos num outro lugar uma outra história; a história que, sem ser rotulada como tal, pode ser inferida do texto de ficção, até inaugurando a medida contra ideológica da primeira. (CHAVES, 1991, p.19).


Os romances de Machado de Assis também evocam a história social, nos diz Chaves (1991). Na obra Esaú e Jacó (1904), por exemplo, o ficcionista carioca instaura uma reflexão sobre a política brasileira, fazendo duras críticas à burguesia impotente e ao povo reprimido sob os efeitos do poder. Vemos aí uma concepção da história estabelecida pelo autor, revelando sua visão de mundo, e mais uma vez o romance brasileiro como histórico no sentido social, econômico e político. Os sertões, de Euclides da Cunha, que deu voz ao jagunço dominado, e abriu caminho para que a história fosse lida na dialética dos contrastes, do mesmo modo que as outras já citadas, constitui-se uma obra ficcional de cunho histórico. Também esse autor possuía sua visão histórica, nos diz Chaves (1991).
Sinteticamente, sobre as obras acima abordadas, dir-se-ia que:


Machado de Assis não propôs declaradamente um romance histórico e Euclides da Cunha não pretendeu, em nenhum momento, que o seu livro fosse um "romence". Pouco importa. Foi em Esaú e Jacó e n?Os sertões que o romance histórico brasileiro afastou-se de mera representação do espaço circundante ? fosse ela documentária ou imaginária ? para cumprir uma visão de mundo. Sua função já não é adjetivar a história institucionalizada, mas empreender a sua denuncia. (CHAVES, 1991, p. 23).


Já Esteves (2008) define romance histórico como as obras cujo ambiente e personagens estão projetados no passado ? longínquo ou não ? sendo, portanto, a reprodução de um fato verídico. A maioria dos romances deste gênero podem ser considerados documentos historiográficos, uma vez que os autores fazem estudos minuciosos acerca do momento histórico que pretendem resgatar. Apenas após incansáveis pesquisas, fazem reviver personagens reais, através de obras de ficção, que recontam a história e entretém os leitores.
Segundo Esteves (2008), a escolha do público leitor pelo gênero é um dos principais motivos pelos quais os autores optam pelos Romances Históricos. Além disso, há o fenômeno do ?turismo temporal? estabelecido por Pessoti (1994, apud ESTEVES 2009) e Burke (1994, apud ESTEVES 2009), segundo os quais a leitura desse tipo de ficção proporciona aos leitores viagens a tempos remotos, lugares desconhecidos (que gostariam de conhecer), aventuras (ao identificarem-se com os personagens da trama, projetando-se neles), enfim, vive-se a vida do outro, a história de alguém, de um povo, com a segurança de que fechado o livro tudo voltará ao normal, ao plano do real. Apenas os romances históricos nos permitem viajar no tempo, satisfazendo nossa atração pelo exótico em viagens temporais através da leitura ? característica do fenômeno mencionado.
Deve-se admitir que hoje, o apelo da mídia pelo elemento histórico também é muito grande. As livrarias expõem uma grande quantidade de best sellers com enredos fundamentados em fatos históricos; o cinema, novelas e seriados nacionais e internacionais têm suas ações ocorridas na antiguidade. De qualquer maneira, isso ainda não explica, de forma concreta, essa preferência do público pelos romances históricos. Esteves salienta, ainda, que é provável que haja "o desejo de fuga de um cotidiano hostil, em busca de uma felicidade utópica perdida em illo tempore." (ESTEVES, 2008, p.57).
Através de livros como esses, por algum tempo, podemos nos refugiar em um mundo no qual os conflitos já têm soluções pré-definidas, e nossas atitudes, e possíveis erros e acertos, já não influem no desfecho da história. Projetamo-nos em vidas que existiram em tempos longínquos com a tranqüilidade de que aquela história já foi escrita, e de que estamos isentos das responsabilidades do dia-a-dia.
Atualmente, os autores escrevem das mais variadas formas, alguns rompendo totalmente com o tradicionalismo, outros conservando-o, como forma de garantir um grande público leitor, por ser a leitura de fácil compreensão. No Brasil, ainda que em menor escala do que em outros países da América Latina, a proliferação do gênero ?romance histórico? também foi muito grande. Algumas das obras publicadas foram grandes sucessos de venda, transformando-se também em filmes ou seriados de televisão. Até mesmo figuras conhecidas como Jô Soares ? que escreveu O Xangô de Baker Street (1995) e O homem que matou Getúlio (1998) ? optaram pelo gênero.
Esteves (2008) reflete sobre a possibilidade de os brasileiros apoiarem-se em um tipo de romance de fuga, regressando ao passado ? através dos romances históricos ? para reconstruir as ilusões perdidas no atual momento de crise. Ele acrescenta ainda que


a falta de perspectivas claras para o futuro pode levar o brasileiro a mergulhar em seu passado, mas esse mergulho pode não ser somente fuga. Pode-se, também, tentar buscar no passado tanto explicações coerentes para o presente em crise, quanto soluções que ajudem a superar a crise do momento histórico contemporâneo. (ESTEVES, 2008, p. 62).


Vemos aí uma explicação mais consistente para o sucesso dos romances históricos, e um possível retorno às tradições scottianas, na atualidade. Um detalhe enfatizado por Esteves é a variedade dos romances históricos brasileiros: há inúmeros autores que vão desde os já canonizados ? Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Rubem Fonseca ? a estreantes; há narrativas curtas com cerca de 100 páginas, e também calhamaços com centenas; alguns autores alternam períodos históricos, outros fixam um único; uns mantém um anacronismo, outros, um tempo linear; há romances psicológicos, introspectivos, enfim, há uma plausível variedade relacionada, em sua maioria, à história do Brasil.
Nota-se também que muitos de nossos romances são bastante tradicionais ? seguindo, a maioria deles, o modelo de Scott ? e outros apresentam rupturas suficientes para serem considerados pós-modernos.
Assim, o vasto painel ilustrativo e representativo do romance histórico no Brasil, "deveria ser visto antes como uma tentativa desesperada de nos acordar para a história, em um tempo em que morreu qualquer senso real dela." (ANDERSON, 2007, apud ESTEVES, 2008, p. 64). Ratificando, diríamos que se tenta resgatar um passado esquecido, fazer reviver histórias deixadas para trás, nas quais se reflete o nosso presente. Em suma, os romances históricos acumulam as ruínas do passado e as dispersam sobre nossos pés, nos permitindo revirá-las em busca de respostas para o presente ? e talvez esse seja o seu grande atrativo.


2.4 O REALISMO MARAVILHOSO E O MÁGICO: ALGUNS CONCEITOS


Maravilhoso é um termo já consagrado pela Poética e pelos estudos críticos-literários em geral que se presta à relação estrutural com outros tipos de discursos (o fantástico, o realista). Este apresenta vantagens de ordem lexical, poética e histórica para significar a nova modalidade da narrativa realista hispano-americana.
Segundo Chiampi (1980), a definição lexical de maravilhoso facilita a conceituação do realismo maravilhoso, baseada em não contradizer o natural. Maravilhoso é o extraordinário, o incomum, o que escapa ao curso ordinário das coisas e do humano. Maravilhoso é o que contém a maravilha, as coisas admiráveis (belas ou abomináveis, boas ou ruins). Em mirabilia está presente o mirar, olhar com intensidade, ver com atenção ou, ainda, ver através. O maravilhoso recobre, nessa acepção, uma diferença não qualitativa com o humano. É um grau exagerado ou insólito do humano, uma dimensão de beleza, de força ou riqueza, em suma, de perfeição, que pode ser mirada pelos homens. Assim, o maravilhoso preserva algo humano, em sua essência. A extraordinariedade se constitui da freqüência ou densidade com que os fatos ou os objetos exorbitam as leis físicas e as normas humanas.
A segunda vantagem que o termo maravilhoso oferece é a sua definitiva incorporação à Literatura, à Poética e à História literária de todos os tempos. Tradicionalmente, o maravilhoso é, na criação literária a intervenção de seres sobrenaturais, divinos ou legendários (deuses, anjos, demônios, gênios, fadas) na ação narrativa ou dramática. É identificação, muitas vezes, com o efeito que provocam tais intervenções no ouvinte ou leitor (admiração, surpresa, espanto, arrebatamento).
Mágico, ao contrário, é termo tomado de outra série cultural, e uni-lo ao realismo implicaria ora uma teorização de ordem fenomenológica (a atitude do narrador), ora de ordem conteudística (a magia como tema). Magia é a arte ou saber que pretende dominar os seres ou forças da natureza e produzir, através de certas práticas e fórmulas, efeitos contrários as leis naturais. A prática mágica difere do conhecimento científico. Suas manifestações entre os povos primitivos são de inestimável valor para a investigação da religião, ritos, mitos e do pensamento selvagem.
Para Octavio Ianni (1991) o mágico está presente na literatura e na realidade, porém, ambos não significam a mesma coisa. A fantasia do escritor produz o mágico da escritura, e a ficção acaba misturando-se com a realidade e vice-e-versa. Uma se instala na outra. "Penso que a imaginação é uma faculdade especial que têm os artistas para criar uma realidade nova a partir da realidade em que vivem" (MÁRQUEZ apud IANNI, 1991, p. 54). E é neste sentido, de se criar uma realidade nova, inventada pelo artista, que o mágico se torna presente na literatura e na realidade.
O mágico pode ser um traço fundamental de uma época da história da literatura latino-americana. Foi no século vinte, a partir dos anos quarenta, que se verifica a grande multiplicidade de romances e contos nesse estilo, revelador do espírito da cultura dessa época, que ressoa os trabalhos, os impasses e as lutas, as derrotas e as façanhas da vida das pessoas, famílias, movimentos sociais e outros. Talvez tenham sido os desafios característicos de uma época da história que transformaram a cultura da América Latina em um vasto arsenal de fatos surpreendentes.
Segundo Ianni (1991), o realismo mágico é uma expressão do paganismo que impregna muito a cultura e o modo de ser do povo da América Latina. A imaginação do artista trabalhada por sua linguagem em uma imaginação livre, solta além do tempo e espaço, produz uma escritura da qual emana uma aura mágica. Magia que pode ser maravilhosa, fantástica, barroca, grotesca.
Esse realismo também existiu em outras épocas. Todo o deslumbramento do maravilhoso já vem desde o século dezenove, desde a descoberta de Cristóvão Colombo. Em uma síntese no seu monólogo Colombo nos diz:


fui o Descobridor-descoberto, posto a descoberto; e sou o Conquistador-conquistado, pois comecei a existir para mim e para os demais no dia em que me definem, talham a minha figura, colocam-me de pé no ar que me circunda, conferem-me a mim mesmo uma dimensão épica que todos já me negam [...] Vejo-me extraviado no labirinto do que fui. Quis abarcar a Terra e a Terra ficou grande. Para outros se revelarão os enigmas muito transcendentais que ainda nos reserva a Terra, atrás da entrada de um cabo da costa de Cuba, ao qual chamei de alfa-ômega, para significar que ali, a meu ver, terminava um império e começava outro ? encerrava-se uma época e começava outra nova [...] (CARPENTIER apud IANNI, 1991, p. 59).

Toda a conquista, a escravização dos indígenas, dos negros, a maravilha do ouro e da prata, a invenção da esfericidade da terra, nos mostram a magia do Novo Mundo nesta época.
Esse realismo mágico estabelece um modo de olhar a cultura, a sociedade, a vida. Pode-se dizer que esse estilo literário, simultaneamente cultural e de pensamento, institui uma forma de interrogar a vida e a história. O encantamento provocado pela descoberta das crenças dos índios, negros e brancos, isto é, camponeses, mineiros e operários, permite a redescoberta do presente e passado. E a história se faz novamente, na perspectiva desse estilo de olhar. O fato de que o mágico está presente na literatura e na realidade, na arte e na história sugere a possibilidade de que corresponda a um modo de olhar, a um estilo de pensamento e não somente a um estilo de criação artística.
Ao soltar a imaginação, o artista se abre também à inventiva do povo, uma vez que o realismo mágico está muito ligado ao popular, ao americano, ao mais íntimo de nosso pensamento, à mescla do sonho e da realidade que, juntas, nos dão uma super-realidade. E assim, descobrindo o seu lugar ? sítio, povoado, cidade etc.. ? o artista se maravilha. Entende que o maravilhoso começa a existir, quando surge uma inesperada alteração da realidade, chamada de milagre, de uma revelação privilegiada da realidade.
Sob vários aspectos, as crenças e tradições servem à vida e à arte. O realismo mágico se constitui em uma fina visão crítica da cultura, realidade social, história. Ele pode ser uma invenção artística na qual a maravilha da escritura revela o encantamento do escritor desafiado pelos movimentos da história. Desconhece o imaginário liberal, positivista, sistêmico, racional, predominante nas esferas públicas e privadas da vida dos indivíduos, grupos, classes, nações. A natureza e a sociedade, os homens e os deuses revelam-se como nunca. Aos poucos, invertem-se e revertem-se épocas e figuras, caras e caricaturas e de repente o mundo fica transparente e toda racionalidade acaba-se tornando um mundo de magia, onde os sonhos, o encanto, a imaginação, criam formas e cores diante de nós, espectadores de um grande ensaio, a vida.






3 A AMÉRICA LATINA: CULTURA, LITERATURA E HISTÓRIA


Segundo Moreno (1979), há um século e meio, o filósofo Hegel já havia feito esta profecia em relação à América: "[...] América é o país do porvir. Em tempos futuros se evidenciará sua importância histórica [...]" (HEGEL apud MORENO, 1979, p. XV). O que, para ele, era "porvir", para nós já é o presente. Na América do Norte, situa-se, atualmente, a mais forte nação do mundo; na América do Sul e Central, sob o atualizado nome de América Latina, há a representação de uma das ideias mais dinâmicas que se conhece. A expansão demográfica e seu crescimento continental, o contexto econômico e político são fatores que promoveram essa cadeia de explosões e, a partir desta, antecipa-se uma outra: a cultural.
A origem da expressão "América Latina" e, mais precisamente, do adjetivo "latina", está associada aos países e regiões que falavam línguas derivadas do Latim. Toda a "latinidade" foi transportada ao continente americano pelos europeus que o descobriram e colonizaram-no. Entre as nações que realizaram o descobrimento, conquista e colonização, três eram linguisticamente latinas: Espanha, Portugal e França.
No interior da América Latina, vale destacar ainda a presença dos "africanos" que, mesmo chegando mais tarde ao Caribe, contribuíram para o processo de formação cultural. Além disso, participaram do impiedoso fenômeno do tráfico negreiro. No entanto, esses escravos transmitiram tudo o que puderam de sua cultura: músicas, danças e até a luta pela liberdade. Essa raça e essa cultura se encarregam de soldar os dois subcontinentes que constituem as Américas. A América Central constitui uma transição entre a América do Sul, exemplarmente latina, e a América do Norte, exemplarmente anglo-saxã.
Moreno (1979) afirma que, sobre o descobrimento da América, três são os incentivos que levaram os espanhóis a colonizá-la: o impulso guerreiro adquirido ao reconquistar seu próprio território de mãos árabes, o misticismo missionário católico e a cobiça (de ouro, escravos e mulheres). Desta forma, cada historiador destaca o que mais lhe impressiona. Pode-se, então, citar como exemplo Cristóvão Colombo que era de certo modo um místico. Porém, isso nada o impediu de adotar toda uma estratégia para seduzir os Reis Católicos com o ouro do novo continente: "O ouro é excelentíssimo ? escreve -, de ouro se faz tesouro, e com ele, quem o tem, faz tudo quanto quer no mundo e chega ao que leva as almas ao Paraíso". (MORENO, 1979, p. XX).
O autor acrescenta, também, um quarto fator, consequência dos outros três mencionados: o assombro, primeiro sentimento que inundou o coração dos descobridores e conquistadores. O de Colombo, diante da América, quase em delírio. Ele pensa que descobriu um dos rios que vem do Paraíso; contudo, uma misteriosa enfermidade o cega temporariamente, impedindo-o de pisar o continente que estava incorporando à história. Nunca pode chegar ao México, pois ficou "preso" às Antilhas; mas previu com toda a lucidez que do outro lado da América Central havia outro mar ? o Pacífico. Talvez, na concepção de Moreno (1979), Colombo seja, simultaneamente, o maior lúcido e o maior louco da história. Esse assombro se repete em cada um dos espanhóis que o seguiram, como na descrição que fizeram sobre os índios que fumavam: "homens e mulheres que passeiam fumigando-se com um tição aceso".
Esse assombro recíproco é o centro de onde sairá a cultura latino-americana, toda sua arte criativa. A arte, em geral, é incontestavelmente a expressão de um assombro, ou seja, o impulso de partilhar com os outros aquilo que o artista viu de extraordinário. No caso da América, é este o impulso que converte em inesperados escritores os próprios conquistadores: de forma simples, porém maravilhosamente contam a surpreendente verdade do que viram ou imaginaram ver.
As grandes civilizações pré-colombianas eram ricas em arquitetura, escultura e em música. A cultura européia trouxe, principalmente, a linguagem e a religião, técnicas ali desconhecidas. Mas, à medida que a história corria, o acervo cultural da América Latina ia-se polarizando. Ofereciam-se duas opções que repetiam a situação do conquistador e do conquistado: ser europeu, ser americano. Ou seja, de um lado, a sobrevivência cultural das grandes civilizações que preexistiam ao descobrimento e à conquista, tais como as que têm assento nas atuais repúblicas do México e Peru; de outro, a cultura européia transportada pelo descobridor e conquistador, como um produto da expansão ocidental que representavam.
Isso gerou uma oposição que, durante muito tempo, tornou falsas as relações da cultura latino-americana com a européia, apresentando como única coisa verdadeira e original da América Latina: aqueles remanescentes das civilizações que não foram afetados pelo impacto da conquista e civilização. Após terem sido derrotados pelos "militares", os primitivos habitantes da América ? os verdadeiros americanos ? foram despojados de seus impérios, recebendo em troca os benefícios da cultura ocidental em expansão, todavia tal transformação não se deu a ponto de se apagarem sem deixar vestígios: estiveram sempre presentes, e ainda o estão, já não como influência, mas como um elemento real deste novo mundo em formação.
Observa-se, então, que do próprio descobrimento nasceu uma cultura mestiça, que triunfa na cultura latino-americana, em que se reconhecem não só as contribuições das culturas aborígines, mas também as das culturas européias descobridoras, a fundamental contribuição africana que chega à América através da escravidão e, ainda, a renovação implícita ocorrida nos movimentos migratórios do século XIX.
Saguier (1979), a partir do encontro de culturas responsável pela formação da América Latina, acrescenta um problema essencial dos latino-americanos: encontrar sua identidade cultural, situação que se reflete também na literatura:


Ao procurar apropriar-se de uma linguagem e concretizar um conteúdo, num idioma em certa medida emprestado, e dentro de um contexto político não unificado, a procura se intensifica, e o conflito torna-se evidente, em certos momentos críticos de tomada de consciência: a emancipação romântica, o modernismo, o romance social e a literatura de nossos dias. (SAGUIER, 1979, p.3).



Dessa forma, percebe-se que há um problema linguístico colocado durante o período colonial. A colônia coloca a alternativa: utilizar a língua aborígine ou a dos conquistadores. Sem dúvida, a implantação do castelhano significava para a Espanha um importante aspecto no processo de dominação. No século XVII, os jesuítas, com a catequização dos índios e as missões do Paraguai, ao impor-lhes o guarani como língua única, ajudaram a manter vivo o idioma dos índios, que hoje sobrevive no país, constituindo o único caso de bilinguismo na América hispânica.
Posto isto, a aprendizagem da língua com fins de catequese foi um dos instrumentos mais eficazes da introdução político-cultural na América Latina, por isso a literatura que se difundia nas línguas aborígines era eminentemente religiosa por seu conteúdo (sermões, catecismos, vidas de santos, etc). Com isso, as autênticas tradições indígenas ? "superstições" - eram substituídas pelos princípios da "religião verdadeira". Assim, a literatura aborígine perdeu-se, conservando-se apenas as tradições orais.
Atualmente, os escritores latino-americanos estão realizando uma síntese, aproveitando as múltiplas culturas, as tensões resultantes desses encontros e as experiências anteriores, na vontade de aprofundar e experimentar.
Para Colthard (1979), as influências européias não-hispânicas começam a deixar marca sensível nas letras hispano-americanas a partir da Independência da América espanhola. A princípio, predomina a influência francesa; as influências inglesas e alemãs chegam através do francês. Tanto na poesia como no romance ou conto, manifestam-se certos elementos do romantismo: o egocentrismo e o historicismo. Entretanto, os escritores latino-americanos escolheram, entre os diversos traços, o que mais lhe convinha.
Primeiro o nacionalismo, o historicismo, com grande influência de Walter Scott, devido às múltiplas traduções de suas obras feitas na Espanha. Normalmente rejeitavam a Idade Média, talvez porque lembravam demasiadamente o colonialismo espanhol, por isso preferiam os episódios da época da conquista, em que o índio representava o papel do bom selvagem, lutando por sua liberdade e, ainda, a tendência em utilizar regionalismos linguísticos. Em segundo lugar, o costumbrismo, originado na Espanha e, em terceiro lugar, a influência de Balzac, que se estendeu até o século XIX, servindo de modelo para pintar as novas sociedades em processo de formação e desenvolvimento.
Uma outra influência veio com o Modernismo e reflete-se principalmente na poesia. Mistura de Parnasianismo e Simbolismo, os modernistas viraram as costas à América ? salvo algumas exceções como José Matí e Santos Chocano - e seguiram procurando seus temas em países orientais. Dessa forma, fizeram uma literatura para uma pequena elite culta. Essas atitudes de decadência redundaram em algo totalmente fora de contexto em uma sociedade em que tudo estava por fazer.
Enquanto isso, a corrente principal do romance fluía por outros leitos, mantendo a influência de Balzac. Observa-se, então, que o escritor latino-americano, romancista ou poeta, com a exceção de alguns modernistas, queria criar uma literatura de caráter nitidamente nacional ou latino-americana. O mesmo aconteceu com os romancistas contemporâneos como Carlos Fuentes, Julio Cortazar, Gabriel García Márquez, etc.
É evidente que, com isso, não estão negando as influências estrangeiras, mas acentuando que tais influências, por mais importantes que sejam, geralmente não constituem a essência da literatura latino-americana. Esta as digere, assimila e, utilizando-as, cria algo próprio e ao mesmo tempo universal. Essa é a experiência vital latino-americana, sem cair na obsessão da originalidade. Com todas as influências, saiu uma literatura de caráter inconfundível. A prova é a tradução dessa literatura para quase todos os idiomas da cultura e, ainda cabe ressaltar, que as obras de argentinos, mexicanos, cubanos e chilenos estão sendo lidas com avidez em toda a América Latina e na própria Espanha.


3.1 O ELEMENTO LATINO-AMERICANO EM OUTRAS LITERATURAS


Nuñez (1979) afirma que a chegada do homem europeu à América suscitou um longo processo de assimilação de conhecimentos dispersos a respeito das realidades americanas. Até o início do século XVI, a crença geral na Europa era a de que se havia chegado às ilhas das costas do Catai ou à Índia. Mas, alguns anos depois, já no começo do século XVIII, outros relatos de experiências de descobridores e conquistadores começam a esboçar uma realidade independente, isto é, começa-se a considerar os elementos americanos como originários de um continente novo. Desenharam-se, então, os primeiros mapas, que delineiam um novo corpo da realidade terrestre e, a partir disso, irá se elaborando e aperfeiçoando à medida que ampliam os descobrimentos e as conquistas posteriores.
Assim, o americano começa a deixar de ser um conceito impreciso, como transparece no poema Das Narrenschiff (1494), de Sebastian Brant, baseado nos relatos de Colombo, e passa a ser uma realidade mais precisa, embora de contornos ainda não completamente exatos. Relatos posteriores, como os do Padre Bartolomeu de las Casas ou do italiano Girolano Benzoni, apresentam o homem americano como "gente humana", como gente dócil à religião, que começa a sofrer a exploração dos primeiros conquistadores hispânicos.
O fenômeno de incorporar o elemento americano na literatura dá-se, então, em países como Itália, com Américo Vespúcio; Espanha e Portugal, devido à proximidade geográfica; Inglaterra, onde o impacto foi especialmente significativo e a imaginação tomou conta, tendo como inspiração os relatos de Colombo e Vespúcio. Esses elementos chegam, também, em Shakespeare, percebidos em sua obra A Tempestade (1612).
Nessa primeira fase da difusão dos elementos americanos no mundo europeu, pode-se apreciar uma idealização inicial dos mesmos, com bases em notícias verdadeiras ou, até mesmo, falsas. Isso revela uma vontade de superar sua própria realidade e forjar um mundo real em uma realidade distante, como uma forma de refúgio que enriquece a curiosidade, mas em que a verdade não cede, ainda, lugar real.
Nuñez (1979) acrescenta, também, que durante o século XVII essa idealização reflete o interesse pelo exótico, típico de um escritor de ficção. Personagens reais e imaginários contribuíram para aperfeiçoar e promover o interesse pelo conhecimento da América. Prova disso é o aumento das expedições, nos séculos XVII e XVIII.
Nas obras escritas no século XVII ? como também as que foram produzidas no século seguinte -, incorporaram-se noções falsas ou distorcidas dos fatos históricos e geográficos, costumes, usos e psicologias dos personagens do novo mundo. A arbitrariedade se manifesta em todos os aspectos. Contudo, a América ainda está longe da inteligência européia. Cronistas, navegadores e narradores não ofereceram uma imagem completa daquilo que viram e viveram e, sim, superficial, imaginária e sem proporção aproximada das coisas. Em geral, apenas estiveram em territórios costeiros, sem adentrar na essência do vasto território americano e, no século XVIII, com a contribuição de Robinson Crusoe, enriqueceu-se o conceito europeu sobre a América.


3.2 O ROMANCE CONTEMPORÂNEO NA AMÉRICA LATINA


De acordo com Martínez (1979), o desejo de participar da revolução da expressão e da significação artística, movimento que se iniciou no fim do século XIX e se consumou na terceira década do século XX, foi visto como um exercício da literatura pura pelos que preferiam que as letras não servissem à sua própria revolução, mas à social e política que agita o mundo.
Enquanto a poesia moderna da América Latina apresenta um desenvolvimento sem soluções de continuidade ? devido ao esgotamento do modernismo na segunda década do século XX -, o romance tem um desenvolvimento acidentado, senão dramático. Na América Latina, a poesia flui naturalmente e de tempos em tempos surgem grandes poetas: Darío, Vallejo, Neruda, Paz. Por outro lado, a criação de uma ficção original foi sempre uma das maiores ambições literárias de várias gerações.
O autor cita os dois momentos do apogeu da Literatura latino-americana: o primeiro, entre 1924 e 1930, já hoje um pouco diminuído; e o segundo, o "boom" da novela latino-americana, o qual aconteceu nos anos sessenta e vivemos, ainda, seu deslumbramento.
As obras da primeira geração de fundadores do romance moderno - década de 20 - são hoje consideradas com menor entusiasmo do que por ocasião de seu aparecimento. A visão que esses romancistas tinham era, ainda, uma visão romântica. Os recursos estilísticos e de composição de que dispunham eram primários e continuam presos ao realismo e ao naturalismo, ou seja, distante da etapa "histórica". Contudo, eles cativaram várias gerações de leitores e ofereceram ao mundo uma primeira imagem da América, graças a uma qualidade um pouco comum: a autenticidade e o vigor do talento desses escritores.
Os anos que se seguiram a este primeiro florescimento não foram muito fecundos, ainda que na década de 30 tenham aparecido os primeiros romances significativos.
Na década de 40 surgiu um dos mais originais narradores da América Latina, o cubano Alejo Carpentier (1904), que produziu romances e contos notáveis por seu rigor formal e densidade narrativa. Fica para trás o naturalismo, predominando, agora, uma atitude crítica na observação da realidade, quando não uma imaginação dominada pela inteligência, como em "El reino de este mundo" (1949), de Carpentier. Nas obras dos romancistas desse período, observa-se a importante relação com os movimentos de vanguarda. Uma década mais tarde, já nos anos 50, culmina a obra de autores como Carpentier.
Assim, após esse acúmulo de experiências, produz-se o apogeu recente do romance latino-americano:


Os romancistas que geraram o primeiro movimento importante, entre 1924 e 1930, eram apenas seis, de primeira qualidade, dispersos pela América Latina. Agora, alcançam quase o dobro e, seja escrevendo em seus próprios países, ou em outros da América ou na Europa, estabeleceram entre si uma comunicação e uma aliança muito ativas. Seu êxito [...] têm algo a ver com o aparecimento paralelo de uma notável geração de críticos [...]. (MARTÍNEZ, 1979, p.80).


Muitos foram os romancistas que formaram essa geração com suas obras renomadas, entretanto "o registro não está fechado nem definitivamente estabelecido" (MARTINEZ, 1979, p.81). Todas as obras são dotadas de liberdade de linguagem e invenção, tornando-as significativas para o leitor moderno de nossa língua ou de qualquer outra.


3.2.1 Rupturas da Tradição


Em 1940, o romance latino-americano era praticado por grandes escritores, a partir de uma tendência chamada romance da terra ou do homem do campo. Entretanto, contra essa tradição, na mesma época, começaram a ser publicadas grandes narrações com o intuito de renovar o gênero deste século. Dentre os escritores representantes dessa renovação, destaca-se Alejo Carpentier. Com uma operação crítica da maior importância, influenciada pelas correntes de vanguarda, os autores permitiam liquidar a herança do naturalismo.
De acordo com Monegal (1979), tanto a visão da América como o conceito de linguagem americana são renovados. Isso se torna evidente com Alejo Carpentier, em que o Caribe inteiro, e não somente Cuba, aparece "metamorfoseado" pela visão poética de seu passado e seu presente.
Com os primeiros livros dos fundadores do "adeus à tradição" - Miguel Angel Astúrias, Jorge Luis Borges, Alejo Carpentier, Agustín Yáñez e Leopoldo Marechal - produz-se uma ruptura profunda e completa da tradição lingüística e a partir dessas obras já não é mais possível escrever, na América, romances como antes.


3.3 DA AMÉRICA LATINA PARA CUBA: A FICÇÃO DE ALEJO CARPENTIER


Anderson Imbert (1995), na segunda edição do livro Historia de la Literatura Hispanoameriana, faz um regresso aos anos da Primeira Guerra Mundial - delimitada como o marco histórico sob o qual se desenrolam as novas tendências culturais. Segundo o autor, ocorre, na literatura, um progressivo abandono dos moldes modernistas, e os escritores se voltam para uma expressão mais singela, humana e americana, aventurando-se no cubismo, futurismo, criacionismo, dadaísmo e, inclusive, nas denominadas "revistas do pós-guerra", caracterizando o que se chamou de "ultraísmo".
Segundo o que nos explicam as próprias palavras do autor,

[...] o ultraísmo estava além de todos os ismos: vale dizer que era um ismo para sair dos outros ismos. Os ismos que apareceram foram sucursais da grande planta industrial com sede na Europa. Mas desta vez os hispano-americanos nascidos nos anos de 1900 produziram quase simultaneamente. [...] uma nova hora literária começava. (IMBERT, 1995, p. 16, tradução das autoras).

Assim, pelo que se pode compreender, o "ultraísmo" foi uma nova concepção literária, caracterizada pelos excessos, disparates, loucuras, escândalos, já que era a primeira ruptura dos moldes europeus tradicionais aos quais estavam acostumados. Borges e Guillermo de Torres (Espanha-Argentina, 1900-71) é que impuseram a palavra "ultraísmo" para qualificar a literatura de vanguarda, a partir de sua obra Literaturas Europeas de Vanguardia ? que foi a primeira a integrar a síntese das novas tendências mesclando o europeu, hispânico e o hispano-americano.
Ainda que tenham aparecido com maior ênfase dentre os autores que Imbert (1995) caracteriza, em sua obra, como de gosto escandaloso ? caso do autor acima citado, os ultraístas, de forma geral - pelo próprio contexto social, em meio ao caos do pós guerra - apelaram para as metáforas, para as sensações, antirrealismo, lançando mão de esquemas abstratos, através dos quais expressavam uma violência de emoções e uma liberdade de fantasia. "O estilo desses escritores era tão caótico como o objeto que descreviam: o caos humano" (IMBERT, 1995, p.18).
Segundo o que nos diz Imbert (1995), os escritores da anormalidade, apesar de não serem os melhores de sua geração, foram os mais audazes e os que melhor responderam a todas as mudanças estéticas de abandono do Modernismo. Diante da instabilidade da população, violência política, desvalorização do homem, desenganos, e toda a crise existencial provocada pela explosão da Primeira Guerra Mundial (1914-18), inicia-se uma erupção de expressões incoerentes, com o intuito de sondar os abismos da alma. Os escritores mais conhecidos na Hispano-América nessa época foram: Tristan Tzara, André Breton, Max Jacob, Valery Larbaud, Louis Aragon, etc., além de outros, que chamamos de "normais", e que também foram influenciados por essa literatura.
À medida que se aproxima a nossa época ? a contemporaneidade ? nota-se, nos diz Imbert (1995), que deixamos de fazer história para fazer crônicas, fato pelo qual, segundo o autor, torna-se mais difícil hierarquizar os escritores. E ele nos diz ainda que há uma explosão de toda a crítica das letras contemporâneas, que atua com opinião de juízo. Esses são os anos em que se escreveu mais em nossa América, e já percebemos todas essas mudanças desde tempos remotos, como nos anos de ruptura do tradicionalismo moderno que se descreveu até aqui.
Na época da escravidão de negros africanos em Cuba, foram inúmeros os autores que adotaram o problema social como tema principal de suas obras. Alguns, realistas, retratavam a vida do negro, defendendo a sua causa, outros, as superstições e lendas afro-cubanas. E, ainda, como nos cita Imbert (1995), há os autores menos realistas como Rômulo Lachatañere (1910), Ramón Guirao (1908-49) ? poetas ? e Lydia Cabrera (1900), que produziu um rico material etnográfico (revelando a concepção mágica do mundo trazida pelos escravos às terras americanas), através das obras Cuentos negros de Cuba (1940) e Por qué (1948).
Dentre os inúmeros autores que escreviam nessa época em Cuba ? assim como em toda a América Latina, temos Alejo Carpentier (1904-80) que se converteu no maior novelista de sua geração. Ele também tocou o tema do negro no começo de sua obra, mas depois saiu para uma realidade mais ampla ? nos diz Imbert (1995). Carpentier era cubano e, por isso, também narrava coisas de sua terra, como em Ecué-Yamba-O (1931), "história afro-cubana", obra estruturada em estilo de novela.
Carpentier possuía um grande talento descritivo, e também narrativo, como provou através de suas publicações, escrevendo em verso e também em prosa. Viajou muito, por países do mundo, principalmente Europa, e pela cultura, transitando desde a música, folclore, até a literatura. Dentre suas principais obras, temos: Los pasos perdidos (1953), uma novela em forma de memórias, ou diário de um músico cubano que sai de Nova York, em 1950, comissionado por uma universidade, para buscar em terras venezuelanas instrumentos indígenas. Foi um livro muito famoso, com estruturas frasais brilhantes, e que revelam uma extraordinária visão da cultura, história e da realidade americana; A Guerra del tiempo (1958 ) é uma novela em três relatos ? "El camino de Santiago", "Viaje a la semilla" y "Semejante a la noche" - penetrada pela obsessão do tempo (personagens voltam ao passado, encontram-se consigo mesmos, etc); El siglo de las luces (1962) ? que foi uma das melhores obras de Capentier; El estudante y Concerto barroco (1974), com personagens históricos; E dentre muitas e muitas outras, temos El harpa y la sombra (1979), que optamos por analisar no presente trabalho.
El harpa y la sombra é uma novela dividida em três partes: "el harpa", na qual se descreve as tentativas do Papa Pio IX de beatificar e canonizar Cristóvão Colombo; "La mano", em que Colombo evoca o período do descobrimento da América; "la sombra", consagração da primeira, através de um delirante anacronismo, dando o desfecho do livro. A obra, num todo, revela um panorama revolucionário, desde a Guerra Civil española e a segunda Guerra Mundial, até a Revolução Cubana ? nos informa Imbert (1995) - configurando-se, sem dúvida, numa obra com excelente fundamentação histórica.


3.4 A HISTÓRIA DA DESCOBERTA DA AMÉRICA


3.4.1 Contexto do descobrimento


Em entrevista concedida a um provedor de internet, o historiador Carlos Guilherme Mota (2009) afirma que a travessia do Atlântico por Cristóvão Colombo pode ser encarada como uma grande aventura, mas não se tratou de uma aventura isolada. Ela ocorreu em um contexto mais amplo, em que europeus de diversas nações, em especial Espanha e Portugal, voltavam sua atenção para a atividade mercantil e aumentavam seus conhecimentos de navegação. Além do interesse em ampliar suas possessões territoriais e descobrir novos caminhos marítimos como alternativa para a realização do comércio.
Isso ocorria porque, tanto o Descobrimento da América, em 1492, como o do Brasil, em 1500, estão ligados à expansão comercial européia no fim da Idade Média. Em 1453, os turcos tomaram Constantinopla e bloquearam o comércio europeu com as Índias pelo Mar Mediterrâneo. Acelerou-se, então, a procura por caminhos alternativos aos que vinham sendo trilhados desde a Antiguidade.
Com o final da Idade Média, marca-se o início do Renascimento ? movimento cultural, técnico e científico -, que pode ser relacionado às Grandes Navegações e aos Descobrimentos. Nessa época, a cartografia teve grande desenvolvimento, revelando o verdadeiro tamanho da terra com maior precisão nas medidas. O aperfeiçoamento da náutica, o astrolábio, o conhecimento dos astros, o surgimento de novas embarcações como a caravela, contribuíram, principalmente, para a expansão da mentalidade européia.
O historiador diz que Colombo tinha uma certa consciência do que estava ocorrendo. Ele era um homem de um tempo de transição, que ainda guardava características do homem medieval: apegado à Bíblia, respeitava a Inquisição e acreditava na ideia de "civilizar" os povos que encontrasse no Novo Mundo. Ao mesmo tempo, o navegador só conseguiu chegar ao que pensava ser as Índias porque dominava algumas técnicas e elementos da moderna ciência da natureza.
Diferente de Cristóvão Colombo, os homens europeus da época tinham suas mentes dominadas pelos mitos: as fontes de ouro estariam na Costa Africana, o Paraíso terrestre estava à espera dos aventureiros e dos descobridores. Os pescadores anônimos alimentavam lendas, contavam histórias fantásticas sobre as ilhas Malditas e Afortunadas, sobre ilhas perdidas que faziam parte de sua tradição oral. Eram homens que desbravavam os oceanos em busca de alimentos. Apenas os italianos de Florença, afirma Mota (2009), tinham notícia de uma possível rota ocidental para alcançar o oriente das especiarias.
No entanto, os portugueses estavam divididos no que se refere a procurar o caminho para as Índias: explorar gradualmente a costa africana e dobrar o Cabo das Tormentas ? depois chamado de Boa Esperança ? ou a rota ocidental? A ideia de que a terra era esférica já estava evidente para alguns viajantes, de qualquer modo prevaleceu a tese de uma exploração paciente pela costa da África para se chegar às Índias das especiarias, a Índia atual, bem como à China e ao Japão, que então era conhecido como Cipango.
O resultado prático dessas viagens era a circulação de mercadorias vindas de fora do continente: ouro, escravos, açúcar, vinho, tinturas para tecido, cereais e várias outras especiarias. E de Portugal, saíam utensílios de latão, de cobre, panos e sal. A expansão européia alimentava-se de novas trocas e, para ampliar seu alcance, precisava de homens: dentre muitos, Cristóvão Colombo foi um deles.
Sabe-se que Colombo conhecia bem Portugal, onde foi representante da família italiana Centurione, que negociava com países ibéricos. Em 1479, ele estava em Lisboa tratando do comércio de açúcar da Ilha da Madeira. Nesse período, reforçou suas relações com o meio comercial e náutico de Lisboa, fez viagens à costa africana e se informou sobre as rotas comerciais. É nessa época, também, que mantém uma correspondência com o cosmógrafo Paolo Toscanelli. Nessas cartas, escreveu sobre a esfericidade da Terra e a possibilidade de descobrir o caminho das Índias navegando pelo ocidente.
Apesar de suas relações com Portugal, Colombo não navegou sob a bandeira deste país. Segundo Marianne Mahn-Lot (1960), Cristóvão viveu nove anos em Portugal, fazendo inúmeras expedições mar afora, dando continuidade aos estudos, adquirindo experiências como navegador, mas sustendo, sempre, seu grande projeto de navegação: chegar a Cipango dos telhados de ouro, e ao país do Grande Cã. Foi para a Inglaterra terminar a expedição comercial interrompida pela tragédia da qual milagrosamente escapara com vida, aproveitando para ir à Islândia. Logo após o regresso, fixou residência no país.
Cristóvão residiu, muito provavelmente, no bairro dos Genoveses, onde aperfeiçoou seus conhecimentos de latim, começou a entrar na leitura dos tratados de cosmografia e retomou o ofício de navegador-comissionista associado a firmas genovesas ? já que era preciso ganhar a vida. Aí se casou com Filipa Moniz Perestrelo, indo morar na pequena ilha de Porto Santo, onde nasceu, em 1480 ou 1481, o primogênito Diogo. "O casamento colocara o Genovês nas melhores condições para amadurecer o grande projeto que tinha em mente", nos diz Manh-Lot (1960, p.36).
Nos anos seguintes a 1483, após a morte de Filipa (sua esposa), Colombo ? que agora estava livre de qualquer preocupação ? foi tentar que D. João II adotasse o grande projeto que ele concebera, e, para isso, instalou-se em Lisboa, onde encontra o irmão Bartolomeu.
Existem indícios, segundo Mota (2009), de que o navegador ofereceu seus serviços ao Rei D. João II, de Portugal, mas sem obter sucesso. Em 1484, D. João II examinou as propostas do Genovês, e crendo que tudo se baseava em imaginação, ou nos escritos de Marco Pólo que também cria na ilha de Cipango ? ou pelas altas recompensas pedidas por Cristóvão no caso de êxito na viagem, como o título de Almirante e esporas de ouro ? o patrocínio para a viagem foi negado e o genovês, despedido.
Então, em 1485, Colombo fixou-se na Espanha, movido pelo interesse manifestado pelos reis de Castela, Fernando e Isabel, em patrocinar a viagem, com o intuito de expandir a fé católica para as terras orientais, com os quais acabou assinando o contrato, em 17 de abril de 1492, sendo nomeado Almirante dos Mares, Vice-Rei e Governador das novas terras que eventualmente viesse a descobrir na Ásia.
Em 12 de outubro de 1492, Cristóvão Colombo chegou à América ? um dos acontecimentos mais importantes dentre os que definem o início da história moderna. As suas navegações provaram a esfericidade da Terra e permitiram que os europeus entrassem em contato com as civilizações que desconheciam, abrindo um novo capítulo na história da expansão européia. O descobrimento da América fez desmoronar uma ideia remota de que o mundo era constituído apenas por um bloco de três continentes: Ásia, África e Europa, rodeados por um grande oceano.
Com a descoberta do Novo Mundo, Colombo marcou uma nova era e transformou de forma expressiva e irreversível a fisionomia do mundo, que se baseia nas relações políticas, econômicas e sociais entre os povos ocidentais.


3.4.2 Cristóvão Colombo ? o descobridor do novo mundo.


Como já mencionado na seção anterior, Constantinopla estava nas mãos dos turcos, em 1453. Isso significava a interrupção da rota das especiarias, do fluxo antigo que impregnara a economia e a política do mundo, agora, instável e inseguro. "As lendas que durante séculos envolveram a busca das especiarias, hoje, nos fazem sorrir"(...) (GRANZOTTO, 1985, p.11). Mas, no fim da Idade Média, as especiarias fascinaram a Europa, seduziram-na com seus aromas e o mistério da sua origem distante. Uma novidade que provocava arrepios, uma espécie de liberdade nova, como um raio de luz na sombra, num mundo que viveu angustiado durante gerações ? com a guerra dos Cem Anos e a Peste Negra que despovoou cidades e campos. As especiarias, agora, eram a quimera. Uma quimera difícil de se obter e, por isso, ardentemente cobiçada tanto pelos que iam buscá-la como pelos que pretendiam adquiri-la. Um excelente negócio.
A luta para obter as especiarias e o ouro era árdua, e os segredos, difíceis de penetrar. Mas o ocidente tinha necessidade urgente dos dois, em virtude da pressão dos hábitos e da violência impaciente contida na riqueza e na ânsia pela riqueza. As notícias difundidas pelo livro de Marco Pólo, excitantes e prometedoras, agitavam o mundo dos geógrafos e exploradores e, por trás deles, o dos capitais e do dinheiro.
Mas exatamente no momento da avidez e da esperança, a queda de Constantinopla barrava todos os caminhos de prosperidade ? caminhos que levavam ao oriente. As Cruzadas também tiveram esse objetivo. Elas derrubaram uma muralha além da qual novos horizontes se abriam, novas opções, oportunidades. Com a queda de Constantinopla, voltava-se ao ponto de partida; outra vez o oriente impenetrável e inimigo. Nenhum barco cristão poderia velejar no mar Vermelho, nem no mar Negro. Uma impenetrável barreira terrestre se opunha a todo avanço do ocidente em direção do ouro e das especiarias. Os mercados se fecharam, um após outro. Ainda em 1453, a perguntava que pairava sobre os genoveses não era: como poderemos voltar? A pergunta era: que solução devemos buscar?
Os capitais genoveses emigraram para a Espanha ? que estava se libertando dos mouros após séculos de decadência e oferecia perspectivas novas de expansão -, também emigraram para Portugal. Foi a alternativa que Gênova encontrou para não diluir sua riqueza. Da Espanha e de Portugal partiam os primeiros comboios que desciam as costas ocidentais da África em busca de ouro, na direção oposta à que Marco Pólo sugerira, mas que logo se mostrara inatingível. Os olhos de Gênova e da Europa se voltaram do oriente para o ocidente. Para o "outro mar".
Não se podia prever, segundo Granzotto (1985), nada dessa mudança, embora já se difundisse no mundo ? principalmente entre os cartógrafos, astrônomos, geógrafos e navegadores ? a convicção de que a Terra era redonda. Mas os limites do mundo ficavam exatamente ali, nas margens do outro mar. Não havia ainda uma resposta satisfatória, porém, a arte de comerciar carrega dentro de si o estímulo à mobilidade, à variação. Leva a tentar, mudar, descobrir. Com mais ou menos ênfase, esses estímulos se misturavam aos lamentos e às interrogações que percorriam Gênova, no verão de 1453, quando Cristóvão Colombo tinha dois anos.
Cristóvão Colombo "era um moço de cabelos ruivos, face rosada, alto e espadaúdo, de olhos azuis numa cara alongada com maçãs do rosto salientes; o seu olhar, simultaneamente penetrante e meditativo impressionava [...]" (MAHN-LOT, 1960, p. 14). Navegador, que por sua audácia conseguiu o título de Almirante, foi também cartógrafo, tecelão, geógrafo, dentre muitos outros ofícios. Um indivíduo muito persistente em seus objetivos, a ponto de deixar seu nome cravado na história, e ser reconhecido, hoje, como o descobridor da América. Muitas são as polêmicas a seu respeito, questionando-se, inclusive, o local e data de seu nascimento.
Já se atribuiu a Colombo a nacionalidade espanhola, portuguesa, grega, judaica, sendo, todavia, mais aceita pelos historiadores a hipótese de ele ser filho de um tecelão genovês, considerando-se, portanto, que tenha nascido em Gênova, Itália, no ano de 1451, vivendo ali até 1470, quando mudou-se para Savona. De qualquer modo, Colombo não passou muitos anos em Gênova. Deixou a cidade antes dos trinta anos.
Segundo o que nos diz Mahn-Lot (1960),


após o ano de 1473 ? última data em que sua presença em Savona é atestada por documentos notariais ? Cristóvão parece ter optado definitivamente pela navegação [...]. A partir dessa época, certamente, o horizonte do jovem marinheiro deixou de se limitar a bacia mediterrânea: com efeito, os comerciantes genoveses aportavam regularmente à Inglaterra e a Flandres, e tocavam no grande porto de Lisboa; e o olhar de Colombo podia alargar-se por esse mar oceano de que se tornará mais tarde Almirante. (MAHN-LOT, 1960, p.16)


Percebe-se, então, que Colombo interessa-se pela navegação muito jovem, confirmando-se uma espécie de vocação ? visto que houve outros navegadores na família, e apesar de ter desempenhado outras atividades complementares, afirma o próprio Colombo ter entrado na navegação com tenra idade: aos catorze anos. "Durante os tempos de aprendizagem que vão até a idade de vinte e cinco anos, é sobretudo o homem de ação que se forja no futuro Descobridor." (MAHN-LOT, 1960, p. 24)
O desbravador da América era um homem de muitos estudos, apaixonado pelos escritos de Marco Pólo, o viajante, que fala em sua obra em Cathay ? terra de tetos dourados pelas quais Cristóvão deu a via a procurar, familiarizando-se cada vez mais com as navegações. Persson (1984), assim como Mahn-Lot (1960), menciona que nos tempos em que Colombo viveu em Portugal - tentando, nada exitosamente, conseguir apoio da corte portuguesa ? soube da existência do mapa de Toscanelli, que reforçava a sua ideia de que o mundo era redondo, e a possibilidade de chegar às Índias cruzando os mares por onde jamais passara. Colombo enviou uma carta a Toscanelli e recebeu, semanas mais tarde, como resposta, uma carta que era destinada a Martin, contendo anexado um mapa com as distâncias aproximadas entre Espanha, Antilla, Cipango, e Catai, de forma que orientaria Colombo na sua grande aventura no mar oceano. Toscanelli encorajava Colombo a preservar seu magnífico projeto, "e por uma nova carta o sábio reafirmava que a viagem não seria só possível, mas lhe traria honra, lucros e o reconhecimento da cristandade." (PERSSON, 1984, p. 13-14)
Cabe aqui esclarecer como Colombo foi parar em Portugal: "um naufrágio na costa portuguesa, acontecimento em que os historiadores das Índias, Las Casas, vêem a mão de Deus [...]" (MAHN-LOT, 1960, p.26) Para salvar-se do naufrágio ? que ocorreu em 1476 com uma expedição comercial genovesa que dirigia-se à Inglaterra ? Cristóvão agarrou-se a um remo, e segurando-se a ele de vez em quando, conseguiu chegar, à nado, em terra. Por conta do ocorrido, ele acabou residindo em Portugal.
Segundo Granzotto,


Se Colombo tivesse permanecido em Gênova, sua aventura atlântica teria sido inimaginável. As condições políticas da república excluíam qualquer projeto sério de expansão marítima, e ninguém pensava nisso. Gênova não tinha meios para enfrentar um empreendimento(...) Gênova foi apenas a plataforma inicial da existência de Colombo. Sua vida de descobridor da América começa em Lisboa, no momento em que Colombo deixa Gênova definitivamente. (GRANZOTTO, 1985, p. 41)


Nos anos de Lisboa, a vida de Colombo não foi só leitura e estudos ou os longos sermões no armazém do irmão Bartolomeu, ouvindo os sábios e os marinheiros. Também incluía outros espaços, como as horas de amor. Cristóvão Colombo casou-se em Lisboa um ano depois de voltar de uma longa viagem marítima ao norte. Encontrou a mulher que devia se tornar sua esposa numa das idas à igreja de Todos os Santos, anexa a um convento da poderosíssima Ordem de São Tiago. A jovem chamava-se Felipa Moniz por parte da mãe, Perestrello por parte do pai. Não se têm muitas informações a respeito de suas características físicas. O que se sabe dela é que pertencia a uma família de certa nobreza, relacionada nos ambientes da corte e com alguma influência no mundo português.
Para Colombo, o casamento significou uma ascensão na sociedade portuguesa. Nada leva a crer que não tivesse sido um casamento por amor, mas Colombo soube tirar dele todas as vantagens que talvez previsse. "Toda sua vida foi um cálculo tenaz e apaixonado. E, provavelmente, o casamento com Felipa coincidiu com os dois aspectos do seu caráter". (GRANZOTTO, 1985, p. 51) A vida matrimonial de Colombo e Filipa durou pouco mais de cinco anos, pois ela morreu em 1485. Tiveram um filho, Diego, que posteriormente herdou todos os títulos e privilégios obtidos pelo pai em virtude do descobrimento da América.
A mãe de Filipa, que acompanhara o casal em uma viagem a Porto Santo, colocou à disposição de Colombo os mapas deixados pelo marido com preciosas informações sobre a navegação no oceano. Perestrelo ? sogro de Colombo ? foi um grande navegador, que tinha colecionado mapas, guias de portos, anotações sobre as rotas atlânticas ao longo das costas africanas, na Madeira e nos Açores. Esse foi um aspecto informativo do período passado em Porto Santo. Mas havia também o aspecto lendário, que tocava mais de perto a imaginação fantasiosa de Colombo. O genovês ficava horas, dias, na amurada da praia, fascinado pelo seu oceano. Calculava que duas horas de sol separavam Gênova da Madeira.
Granzotto (1985) acrescenta:


E devia se perguntar: se a Terra é realmente redonda, quantas horas separam Madeira dos limites extremos da Ásia, das Índias almejadas? Creio que, para Colombo, Porto Santo foi a confirmação da sua intuição inicial: buscar el levante por el poniente, chegar ao oriente navegando para o ocidente. (GRANZOTTO, 1985, p. 53)



O oriente era a Ásia; a Índia, o Catai. Percebe-se, então, que nem mesmo no pensamento existia algo semelhante à América. A América era mais do que impossível: era inexistente.
Na volta da viagem à Guiné, em 1483, as ideias povoaram a mente de Colombo. Acumulara experiências, aventuras, reflexões, investigações, leituras. Durante anos só fizera fantasias. Mas agora se defrontara com o oceano. Tinha provado a sensação direta do contato físico. Chegara o momento de atravessar a fronteira entre o sonho e a realidade. Fronteira que se chamava oceano. Colombo estava muito seguro acerca da teoria fundamental sobre a esfericidade da Terra. Porém, isso só valia para ele, pois, na prática, compreendia que um empreendimento do gênero não podia se realizar privadamente. Somente com a concordância e a proteção de um soberano, de um príncipe, podia assegurar os meios e o apoio necessários.
Assim, era preciso apresentar ao soberano ou ao príncipe um projeto de ação concreta, explicar-lhe o porquê de o caminho do oceano ser o mais propício, demonstrar-lhe a possibilidade de atravessá-lo com êxito. Enquanto o itinerário do oriente era todo por terra, e bastante experimentado; o da nova proposta colombiana, pelo ocidente, devia ser percorrido por mar e até atravessar o oceano, a parte mais desconhecida do globo. Surgiam, então, as perguntas sobre se uma expedição atlântica se enquadrava nos limites da dimensão humana. Que distâncias deviam ser superadas? Em que tempo? Como resistiriam os marinheiros a uma longa solidão? Seria possível carregar os mantimentos necessários a uma travessia de muitas semanas, provavelmente meses, com as reservas suficientes para a volta no caso de insucesso?
Esses problemas, de acordo com Granzotto (1985), não eram apenas teóricos. Tinham um lado bastante prático. Os príncipes não gostavam de confiar somente na esperança. Para investir dinheiro e barcos na expedição, exigiam garantias razoáveis de que o dinheiro não seria esbanjado e os barcos perdidos. Com os homens a preocupação era menor.
Além disso, por mais novidades que os matemáticos e astrônomos tivessem revelado, os homens que viviam nas últimas décadas do século XV não tinham ainda abandonado intimamente a antiga imagem do oceano como um espaço de água que circundava todas as terras. Os continentes ficavam no centro do globo, e o oceano se estendia em torno deles como um limite fixo, um limite final. Não passava pela cabeça de ninguém a ideia de percorrê-lo, nem mesmo de debruçar-se sobre sua imensidão; a não ser de pouquíssimos aventureiros considerados doidos, e lembrados como sonhadores, exemplo de presunção e loucura.
Colombo procurava eliminar esses mitos, essas barreiras mentais, como forma de diminuir sua angústia. Era preciso mostrar-lhes que a distância entre a Europa e a Ásia, pelo mar, era praticável, porque curta. Dessa forma, enfrentou o problema calculando primeiro as distâncias conhecidas. Contudo, o cálculo foi realizado em graus. As viagens marítimas não se medem em graus, que são sempre uma referência bastante vaga na prática da navegação. Mede-se em milhas. Os marinheiros sabem calcular a velocidade com que avança seu veleiro. Calculam-na em milhas e, dessa forma, conhecem a distância que deve ser percorrida e o tempo necessário para completar a viagem. Era o que Colombo devia fazer: transformar o cálculo dos graus em cálculos de milhas para dar uma medida linear à sua rota. Colombo, que precisava conquistar os príncipes, naturalmente escolheu as estimativas que tornavam o percurso mais curto.
O empreendimento de Colombo nascia assim à base de dois gigantescos despropósitos geográficos: a dimensão da Terra, calculada em proporções bem menores do que as reais, e a extensão da Ásia, avaliada em dimensões exageradamente maiores do que as tinha. Somando os dois erros, o espaço deixado para a travessia do Atlântico se reduzia ao mínimo. Granzotto (1985) cita um trecho do livro sobre as concepções geográficas de Colombo, escrito pelo geógrafo George Nunn: "em virtude das circunstâncias, Colombo devia cometer o erro que cometeu" (GRANZOTTO, 1985, p.63)
Completados assim os esquemas do empreendimento, Colombo decidiu apresentar o projeto ao rei de Portugal, para obter dele os recursos necessários, o que ocorreu no fim de 1483, pouco antes da morte de Filipa. Supõe-se que foram exatamente as relações da família da mulher com a corte que lhe facilitaram o acesso às instâncias do trono, não tão simples para um estrangeiro de origem plebeia, sem fama seja como geógrafo, seja como marinheiro. Os Moniz ? família de Felipa ? tinham relações sociais com os círculos próximos ao rei e, provavelmente, laços de parentesco com um dos homens mais influentes da corte de Lisboa, Fernando Martins, que depois se tornaria cardeal. Este, que conhecera Paolo Toscanelli, interessou-se por Colombo e seu projeto de descobrimento.
Em 1483, quase dez anos depois da carta de Toscanelli, o rei de Portugal D. João II recebeu Colombo em audiência. Como seus antecessores ? era filho de Afonso V ? o rei se interessava muito pelas coisas do mar. Contudo, o rei e Colombo não se entenderam. Colombo usou todas as artes de persuasão, nas quais era mestre. Explicou seu projeto, acenou com o brilho do ouro, recordou os grandes exemplos de outros soberanos inspiradores de descoberta como Alexandre Magno e Nero. D. João II, juntamente com alguns sábios, no que diz respeito à geografia náutica, dentre eles dom Diego Ortiz, foram unânimes em considerar errados os cálculos de Colombo, rejeitando o seu pedido. Colombo foi julgado como um louco, que se obstinava em querer chegar à Ásia atravessando o oceano.
Colombo examinou friamente a situação para encontrar as falhas do insucesso. Um outro erro da sua parte foi não ter sabido oferecer um horizonte de glória ao rei. Era preciso uma atração maior, algo que mexesse com os sentimentos e os elevasse a esferas mais sublimes. Tendo isso como uma lição, Colombo conservou-a na mente para não ser derrotado na próxima tentativa. Não desistia, preparava-se.
Depois de Portugal, somente três reinos da Europa ? debruçados sobre o Atlântico ? eram bastante poderosos e presumivelmente estavam interessados em um projeto como o que Colombo tinha em mente: França, Inglaterra e Espanha. Colombo escolheu a Espanha. Era a terra mais próxima, que ele conhecia desde suas primeiras incursões marítimas e, também, era o único país, além de Portugal, que se voltara para a rota que ele assumira como definitiva.
Na Espanha, Isabel de Castela e Fernando de Aragão haviam unido as suas duas Coroas, mas seus reinos eram distintos. Os Aragão dirigiam seus interesses marítimos ao Mediterrâneo, enquanto o reino de Castela, controlado por Isabel, tinha predileções atlânticas. Isabel tentara se inserir na rota da Guiné, que Portugal considerava seu monopólio. Tinha havido até uma guerra, dez anos antes: a primeira guerra colonial entre países europeus. Isabel não a venceu e, em virtude do Tratado de Alcáçovas, a Espanha se comprometeu a não realizar mais expedições às costas africanas. As caravelas, que posteriormente ousaram costear a África, em incursões quase piratescas de 30 ou 40 naus, eram todas de Palos ou de Sanlúcar, financiadas pelo duque de Medina Sidonia.
Desde então, Isabel estendera os privilégios da Coroa às rotas oceânicas. A ideia de patrocinar uma expedição atlântica sem a aprovação real, como empreendimento particular, se tornara uma utopia. A navegação em alto-mar se tornara irremediavelmente um negócio de Estado.
Colombo partiu para Córdoba, onde a corte estava estabelecida naquele momento, a fim de apresentar o seu projeto à rainha. Foi bem recebido. Houve uma apresentação oficial à corte, a 20 de janeiro de 1486. A partir dessa data, Colombo foi considerado "a serviço" dos soberanos. Durante os meses de idas e vindas ao palácio real, Córdoba tornou-se a primeira cidade de adoção de Colombo na Espanha. Foi nessa cidade que Colombo conheceu, através da amizade com Diego de Arana, Beatriz, uma jovem de vinte anos, prima de Diego. Segundo afirmações de Granzotto (1985), Colombo certamente não tinha obsessões pelas mulheres, outras paixões dominavam seu coração; paixões que o subjugaram por toda a vida. Mas exercia um fascínio, um desprezo quase impossível pelo outro sexo, uma espécie de fria disposição a esperar que as mulheres se entregassem a ele. Teve seus amores. Mas esperou-os sem se mover, perseguido e não perseguidor, alvo de desejos que não eram exatamente seus. Enviuvando ainda jovem, não lhe faltaram os favores femininos, os quais de vez em quando aceitou. Falou-se muito de uma relação sua com a marquesa de Moya, íntima da rainha. Agora, tinha diante de si esta jovem de corpo grácil, deslumbrada com as narrativas daquele desconhecido, com a sua fantasia e o sonho de riquezas que transpareciam no ímpeto do discurso. Ficou fascinada. Tornou-se sua amante.
Sabe-se muito pouco desse amor, indubitavelmente importante na vida de Colombo; para não dizer nada, ou quase nada. Da mesma forma como se sabe muito pouco da bela Beatriz. Fernando nasceu em agosto de 1488, mas Colombo não se casou com Beatriz, que descendia de uma família de produtores de vinho com suas terras em Santa Maria de Trasierra, a uns vinte quilômetros de Córdoba. De família de posses, Beatriz tinha sido educada de modo diferente. Sabia ler e escrever, o que não era frequente entre as mulheres plebeias. A relação do casal não era clandestina nos círculos em que Colombo vivia. Ela, quinze anos mais moça, entregara-se inteiramente a ele. Ouvia-o, confiava nele. Os sonhos de Colombo tornaram-se os sonhos de Beatriz. Era o vínculo mais sólido, mais desejado por um homem rodeado pelas dúvidas dos outros, mas protegido por sua certeza. Além disso, o amor de Beatriz preencheu um vazio no momento mais difícil da vida de Colombo, quando a expectativa do futuro o atormentava.
Não se pode excluir, também, que Beatriz, dona de razoável fortuna, tenha contribuído para manter o amante, até o momento que ele começou a receber o soldo da corte, o que só aconteceu em 1487. Colombo era um homem pobre, mas soube escolher mulheres com algumas posses: primeiro Felipa Moniz, depois Beatriz.
Depois de um período em Córdoba, Beatriz desaparece de cena. Não aparece mais ao lado de Colombo nas coisas que se sucedem, nem mesmo comparece aos seus funerais. Foi-lhe destinada uma renda, que se acrescentou ao benefício que ela já gozava depois do primeiro descobrimento de Colombo, como destinatária do prêmio oferecido pelos soberanos ao marinheiro que primeiro avistasse terra no fim da travessia. Colombo obteve o prêmio para si e transferiu os proventos para Beatriz. Assim ela viveu, mantida por Colombo.
Nos primeiros dias de maio, Colombo foi recebido pelos soberanos para a audiência. Provavelmente por ambos, rei e rainha, no início. Depois, Fernando, como habitualmente fazia quando o assunto não o interessava, deixou-o por conta de Isabel.
Colombo contou sua fantasia a Isabel. Era eloquente, persuasivo. Falava de novas terras: mas descrevia principalmente, à devotíssima rainha, as novas almas que podiam ser conquistadas. A rainha compartilhava com ele o desejo de um novo mundo, um mundo cristão mais amplo, fixava-o enquanto ele falava, e percebia em sua fisionomia o sinal da audácia, ambição e vontade. Isabel era uma mulher de espírito sensível, muito mais do que o rei, por isso mesmo levada mais do que ele a apreciar fantasias.
Ao falar sobre a reconquista de Jerusalém com o ouro do oriente, Colombo percebeu que o coração da rainha se abrira, um sonho de redenção em troca de um sonho de descoberta. Suas devoções se encontravam e se fortaleciam reciprocamente. Colombo levara Isabel a crer que alimentava nela mesma as coisas que ele previa. Esse fato extraordinário, impensável, foi decisivo para a sorte de Colombo: como Beatriz, também Isabel acreditou nele.
Após o encontro com Isabel, as coisas não aconteceram depressa. Durante o ano de 1487, Colombo começou a receber soldos das verbas da rainha, tornando-se um protegido dos soberanos. Durante quase seis anos, os únicos interlocutores dos soberanos foram os juízes de Colombo, aqueles que no fim decidiram destruir seu projeto. Por isso, era preciso que a rainha ouvisse Colombo de novo. Com influência do padre Pérez, o qual enviou uma carta à rainha, na tentativa de reabrir o capítulo Colombo, a rainha respondeu duas semanas depois. Um novo conselho foi convocado.
Era outro homem, diferente do interlocutor ainda sonhador que a rainha encontrara seis anos antes em Córdoba. O orgulho protegia-o como uma couraça. Sua proposta foi aceita: agora cabia a ele mandar no jogo. Em seguida, Colombo formulou suas condições, ou melhor, ditou-as. Eram condições duras, e seu modo de apresentá-las, quase arrogante. Exigia, antes de tudo, um título nobiliárquico, para se libertar da condição de estrangeiro sem linhagem. Pretendia o título de Almirante, semelhante em tudo ao do Grande Almirante de Castela. Como conseqüência do título, queria que lhe atribuíssem os poderes de vice-rei e governador-geral de todas as terras que descobrisse. Títulos e poderes deviam ser hereditários, transmitidos de pai para filho. Além do mais, exigia dez por cento de todo o comércio entre os novos domínios e a Espanha, inclusive o valor do ouro e da prata e das gemas extraídas nas terras descobertas.
As exigências de Colombo pareceram absurdas. Os reis tentaram negociar, encontrar outras bases de apoio, contudo Colombo manteve-se irredutível. Após diversas tentativas de acordo, Santángel propõe a rainha que, se Colombo conseguisse alcançar sua façanha, merecia os privilégios; se não conseguisse, não teria nada. Era um projeto audacioso, porém barato. No entanto, mantiveram o segredo do documento de compromisso até que ele voltasse. A rainha chamou-o de volta, disposta a concluir o negócio. Colombo venceu.
Apesar de todas essas negociações, ao retornar de sua quarta e última viagem à América, Colombo desembarcava na Espanha no limite de suas forças, com apenas 53 anos. Sofria atrozmente de gota, a artrite agredia seus membros, de vez em quando tinha febres delirantes. Era a sua herança das Índias, de tanto navegar. Em outros retornos havia sido sustentado pelo triunfo ou pelo orgulho. Desta vez, voltava com um fracasso nos ombros e uma aventura desastrada a mais. Não tinha nada para mostrar ou demonstrar.
Alugou uma casa na paróquia de Santa Maria, em Sevilha, passando a viver com bastante dinheiro e muitos criados; mas sempre se queixava de que tudo o que possuía era apenas uma pequena parte do lhe cabia por direito. Quem defendia suas instâncias na corte era o filho primogênito, Diego. Estava muito perto do trono, mas não tinha ímpeto, nem firmeza.
Nesses meses, a corte estava em Segóvia. Um dos motivos pelos quais os soberanos não respondiam aos apelos de Colombo era a saúde da rainha. Joana, a filha caçula da rainha, estava submetida à loucura. Isabel não teve forças para suportar tantas desgraças. Morreu em Segóvia, no fim de novembro de 1504, menos de um mês depois da volta de Colombo à Espanha.
Colombo chorou a morte de Isabel inconsolavelmente. Num certo sentido, a rainha havia sido companheira de sua vida, uma amiga poderosa que sempre acreditara nele. Em 1505, foi levado no dorso de uma mula com todas as precauções à Segóvia, onde Diego acabara de conseguir uma audiência do rei para o pai. Fernando ouviu e, então, sugeriu a nomeação de um árbitro de confiança dos dois. Colombo propôs o padre Deza, arcebispo de Sevilha. Deza dividiu as reivindicações de Colombo em duas partes: a primeira se referia a todas as questões relacionadas com as rendas e as propriedades, os famosos "décimo, oitavo e terço", sempre citados por Colombo como direitos violados.
O "décimo" era a parte que cabia a Colombo nos lucros proporcionados pelas terras descobertas. A diferença entre o que Colombo presumia dever receber e o que na realidade recebia era enorme. Daí nasceu grande parte das controvérsias. O "oitavo" era o lucro do Almirante no comércio marítimo do qual ele participasse diretamente. O "terço" não passava de uma fantasia de Colombo. Quando foi nomeado Almirante do mar Oceano, quis que se igualasse ao do Grande Almirante de Castela. Via nisso uma questão de prestígio, diante da qual, na época, os soberanos não souberam dizer não. Mas o Almirante de Castela gozava de um antigo privilégio que o autorizava a embolsar o terço de tudo o que se comerciava e ganhava nos mares de sua jurisdição. Era uma verdadeira taxa, cobrada a título pessoal. Esse direito, as próprias investigações de Deza comprovaram, nunca foi conferido a Colombo.
A segunda parte das reivindicações de Colombo, relacionadas com o governo da Índia, segundo Deza, não podia ser arbitrada.
Assim, Colombo foi derrotado nessa última tentativa e caiu na cama mais doente do que antes, e mais desiludido ainda. Morreu a 20 de maio de 1506, dia da Ascensão, uma quarta-feira. À sua cabeceira estavam os filhos, Diego e Fernando; os irmãos Bartolomeu e Diego; Méndez e Fieschi, os salvadores da Jamaica, e alguns fiéis empregados. Beatriz de Arana não estava. No testamento ditado ao tabelião Pedro de Hinojedo pouco antes de morrer, Colombo confiava ao filho Diego, seu herdeiro, a missão de "cuidar de Beatriz Enríquez, mãe de Fernando, providenciando para que possa viver decentemente como pessoa que pesa muito na minha consciência. Não é lícito escrever a razão disso." (COLOMBO apud GRANZOTTO, 1985, p. 283)
De acordo com Granzotto (1985) Beatriz não apareceu, assim como não apareceu ninguém da casa real e da corte. O cronista oficial de Valladolid também não mencionou a morte de Colombo no diário onde eram registrados os nascimentos, os casamentos e as mortes das famílias da sociedade local. Colombo foi assistido até o último momento pelos frades do convento de São Francisco, que ficava nas proximidades de sua casa. O cortejo fúnebre do Almirante, acompanhado por aquele grupo de parentes, amigos e frades, percorreu as ruelas que levavam ao convento em meio ao desinteresse geral Alguns sinais-da-cruz de pedestres nas ruas e de mulheres nas janelas. A missa foi celebrada no convento, e o corpo sepultado no cemitério subterrâneo do mosteiro franciscano.
Granzotto (1985) explica que a fronteira entre a fama e a obscuridade é uma fronteira misteriosa. O esquecimento de Colombo não foi negligência ocasional de seus contemporâneos no momento da morte, uma ausência casual de grandes testemunhas, sem as solenidades que o acompanharam em outros momentos da vida. O esquecimento de Colombo durou mais de três séculos, do século XVI até quase o final do século XIX.
O autor cita, também, o abade MastaÏ Ferreti, jovem adido à Nunciatura do Chile, que realizou, por volta de 1825, uma longa viagem por países americanos e não encontrou uma única lápide com o nome de Colombo. Vinte anos depois, Mastaï Ferreti se tornou papa com o nome de Pio IX , não esquecendo aquele silêncio.
Além disso, um poderoso impulso para a reabilitação de Colombo foi dado pelo mundo católico. Faltava no novo continente um símbolo da evangelização, como o daqueles que pregaram a palavra de Cristo nos países da Europa nos primeiros séculos. Cristóvão Colombo era o único que podia preencher esse vazio. Em 1622 fundou-se a congregação De Propaganda Fide, uma tentativa de recompor a imagem da América no quadro dos ideais religiosos.
Colombo correspondia a uma interpretação providencialista da História: havia sido o instrumento divino destinado a difundir o Evangelho num mundo novo. Avançando nessa versão do "Mensageiro de Deus", na qual o próprio Colombo acreditou, chegou-se, no fim do século XIX, a tentar um processo de beatificação do grande navegador: a ante-sala da santidade. A presença no trono pontifício de Pio IX, que havia sido seu admirador quando estivera na América, favorecia isso. O processo foi iniciado em 1866, suspenso, e retomado sob o pontificado de Leão XIII, em 1891.
Os dois grandes obstáculos foram: o concubinato com Beatriz de Arana e a introdução da escravidão na América. Houve quem recordasse também Rodrigo de Triana, o pobre marinheiro que primeiro avistara terra. Cabia-lhe o direito de uma pensão vitalícia de dez mil maravedis anuais, mas Colombo atribuiu a si mesmo e utilizou-a para sustentar Beatriz. Somou culpa com culpa. Não era o comportamento de um santo homem. Quando o tribunal da Igreja exprimiu seu voto final, só havia uma cédula a favor de Colombo. As outras eram contra. A postulação foi rechaçada.
Dessa vez o insucesso beneficiou Colombo. Não se tornou beato, mas ninguém duvidou mais de que ele descobrira a América. Ao esforço dos católicos se juntaram as motivações dos historiadores e o interesse dos cientistas.
Seus restos mortais, sepultados no cemitério do convento franciscano em 1506, em Valladolid, teriam sido transferidos entre 1509 e 1514 para Sevilha, no mosteiro de Lãs Cuevas. Em 1537, a nora Maria de Toledo, já viúva, e o filho dom Luís, obtiveram de Carlos V autorização para transferir os restos mortais para a Catedral de São Domingos, na América. Os restos do filho Diego também foram sepultados ao lado do pai. Com o tempo, a eles se juntaram dom Luís, um irmão deste chamado Cristóvão Segundo e Bartolomeu.
Esses corpos permaneceram durante dois séculos na catedral de São Domingos. Em 1785, seu caixão foi tirado às pressas e transferido para Havana, na ilha de Cuba, devido ao ataque das tropas francesas ao Haiti e à cidade de São Domingos. As autoridades espanholas não quiseram que os restos de Colombo caíssem em mãos francesas. Com a independência de Cuba, em 1895, os restos mortais de Colombo atravessaram novamente o Atlântico e foram depositados na catedral de Sevilha, onde ele ainda jaz aos pés do monumento de mármore. Há teses que têm opiniões contraditórias e contestam a verdade sobre as transferências dos restos mortais de Colombo e sua sepultura; que os restos pertencem ao filho Diego e, até mesmo, que Colombo nunca deixou o convento franciscano, em Valladolid.


3.4.3 A viagem


Segundo Persson (1984), Colombo em sua aventura a terras desconhecidas, partiu junto aos seus marinheiros ? que estavam inquietos ? no dia 3 de agosto de 1492, às oito horas. O almirante não apreciava muito sua embarcação, a Santa Maria, que tinha por navio pesado. Ele preferia estar nas outras caravelas da expedição, a Niña ou a Pinta. Mas deveria se conformar com o seu próprio barco, de propriedade de Juan de La Cosa, morador das vizinhanças de Palos, de onde partiram. Em seus primeiros, dias avançaram umas setenta milhas, com grande exaltação até o pôr do sol, em direção ao sul, depois a sudoeste e, ao sul, quarta do sudoeste, que era o caminho para as Canárias. Os proprietários desses navios ? de Palos ? ficaram chateados com as ordens reais de fornecer embarcações para a estranha viagem desse almirante ali desconhecido. Era negócio sem garantias, podiam perder dinheiro e vidas. Martin Pizón também partiu no comando da Pinta.
No quinto dia de viagem, os pilotos das caravelas tinham opiniões diferentes sobre o lugar em que se achavam. Porém, o almirante era de palavras fortes. Queria ganhar as ilhas Canárias, para aí deixar a caravela Pinta, que estava vazando água, ainda, desde o começo da viagem.
Para Colombo, seus planos se cumpriam. Seguindo os ensinamentos do mapa do célebre Toscanelli, seus navios desceram pela costa africana, até as ilhas Canárias, conquistadas a ferro e fogo pela coroa espanhola, e de lá saltariam para a ilha de Cipango. Era a viagem pelo desconhecido. Conduzindo a nave pela mesma latitude, sempre no rumo Oeste. E se os navios atingissem Cipango, não mais de que um salto, e era terra firme do Catai, como queriam os relatos de Marco Pólo, o viajante. Mas uma esquadra portuguesa poderia bloquear a expedição, e o vento Nordeste bateu nas velas, o pico do Tenerife desapareceu no Este, e só se via água, os navios, os homens e o infinito mar.
Era um domingo 7 de setembro, e o almirante devia punir seus marujos, que conduziam mal a embarcação. Sem dizer nada, apanhou sua pena e se pôs à frente do Diário de Bordo. Nesse dia, eles perderam completamente de vista a terra. Acreditando não revê-la por muito tempo, muitos choravam e suspiravam. Colombo os reconfortou com promessas de muitas terras e riquezas, a fim de que conservassem a esperança e perdessem o medo que eles tinham de tão longo caminho. Não podia desanimá-los, pois isso causaria dor e talvez suicídios.
A 11 de setembro, avistaram o mastro de um grande navio naufragado. Isso era ruim. Em 15 de setembro um cometa atravessou o céu e caiu no mar. A previsão era, então, de chuvas e neblinas. Mas o domingo, 16, era repousante. O almirante estava satisfeito. Sentia falta apenas do canto dos rouxinóis. Dizia aos homens: "parece que estamos num abril de Andaluzia". E eram os tufos de ervas verdes que davam mais esperanças aos marinheiros. Pareciam estar perto de chegar a terra. Navegaram para o Oeste, e entre dia e noites faziam 50 léguas e mais. A corrente os ajudava. Os marinheiros começam a ficar inquietos e tristes, pensavam estar próximos de terras, mas nada.
No dia 17 de setembro o almirante determinou que voltassem a marcar norte ao amanhecer. Viram, então, grandes quantidades de algas que pareciam ser provenientes de rios, onde encontraram um caranguejo vivo. Consta este ser o sinal certo de terra. A água do mar estava menos salgada desde que partiram de Canárias, o clima, sempre mais brando. Sentiam-se todos contentes, e os navios que mais podiam avançar se esforçavam para serem os primeiros a avistar terra. Viram muitas toninhas e os tripulantes da Niña pegaram uma. Aqui o almirante diz ser sinais do Poente, "o Muito Alto, aquele que tem nas mãos todas as vitórias, lhes desse a terra". (COLOMBO, apud PERSSON, p.11, 1984).
Os marinheiros entraram em pânico, no dia 24 de setembro, quando viram muitas procelárias. Os homens do mar sabem que essas aves representam tempestades e morte. Quanto mais os indícios de terra se mostravam vãos, mais os marinheiros murmuravam entre si. Eles se retiraram para o interior dos navios. Disseram que o almirante, por seus loucos disparates, se tinha proposto a se tornar grande senhor, à custa de riscos e perigos, e de condená-los a uma morte abandonada.
Havia uma corrida secreta na expedição pelo oceano entre Cristóvão Colombo e Martín Pinzón. Dos três navios, o mais rápido era o Pinta. Uma animação nervosa fazia aquela caravela cada vez mais veloz. Martín Pinzón insistia nos sinais de terra, que dariam, pela vida, 300 francos-ouro.
E veio outubro, enquanto as caravelas avançavam para Oeste, sempre. Em 11 de outubro, os marinheiros da caravela Niña viram tantos sinais de terra e um ramo de espinheiro carregado de frutos. O sol se pôs, e o almirante retomou o caminho para oeste. Como a caravela Pinta era o melhor veleiro, foi ela que descobriu a terra e fez os sinais que o almirante havia ordenado. Quem primeiro viu a terra foi o marinheiro Rodrigo de Triana. Segundo Persson (1984), na caravela Pinta havia um baile de loucos. Soava um tambor basco, os marinheiros dançavam em torno do grande mastro e Rodrigo de Triana passava de braço em braço, como uma donzela. O capitão Martín Pinzón olhava com orgulho e desprezo para a Santa Maria. Estava certo de ter vencido a corrida pelo ouro da Coroa. Só mais tarde ficaria aborrecido, ao saber que da Santa Maria as luzes haviam sido avistadas horas antes.


3.4.4 O Novo Mundo


Ao amanhecer de 12 de outubro, os barcos chegavam ao mar, e os marinheiros chegavam a uma areia amarela, onde os aguardavam pássaros e homens nus. Alguns marujos estavam vestidos como soldados, com o colete de couro, mosquetões e arcabuzes. Cristóvão Colombo levava a espada e o estandarte real. Vestia-se como grande senhor da corte de Espanha. Enfim, todos desceram, beijaram a terra e oraram. Os índios que ali estavam fugiram para uma floresta próxima.
Nas terras que descobriu, os homens nus que ali habitavam traziam água e manjares e lhes perguntavam se não tinham vindo do céu. Os índios chamavam essa terra de Guanahani, o descobridor a chamou de São Salvador, e Colombo se esmerava nos detalhes na narração a suas altezas, dizendo das cores com que eles pintavam seus corpos, de suas alturas e da forma de seus cabelos, e do que comiam ou bebiam. Passeavam com seus barcos ali perto, num mar que os marinheiros adoravam, e eles passavam a outras ilhas próximas. Descobria que os índios circulavam por elas em suas canoas e não eram agressivos. Ali, havia papagaios, no mar tinha baleias e os peixes, descrevia Colombo, eram coloridos como pássaros, azuis, amarelos, vermelhos, de todas as cores do mundo. O Almirante passava pelas ilhas e admirava-se, via uma mais bonita que a outra. Partia da ilha Fernandina e entrava no Cabo Belo.
Viajando sem rumo pelas ilhas, atrás das mágicas terras descritas pelo aventureiro Marco Pólo, Colombo olhava tudo com os olhos de Marco Pólo e com o mapa de Toscanelli, mas as Índias ainda estava longe de encontrar. Colombo sonhava com o ouro e com a cristianização das almas dos habitantes desses lugares, dizendo ser o paraíso, este no qual ele queria tocar e transformar. Pinzón não tinha o mesmo sonho de Colombo, só queria as riquezas que naquele lugar existia, e com isso ambos ficaram cada vez mais distantes, e assim Pinzón já não o obedecia mais como chefe da expedição.
Era 6 de dezembro de 1492, quando ele chegou à ilha de Haiti, que ele chamaria Espanhola. Os índios que estavam na Santa Maria diziam ser aquele um lugar de terror. Colombo conversava agradavelmente com os índios do lugar, e teve noticias de que havia ouro ali por perto. Nessa ilha, ele ganharia um amigo e viveria uma desgraça. Foi na noite de Natal, às 11 da noite que Colombo perdeu seu navio, e seus marujos fugiriam em chalupas para a Niña. A Santa Maria estava condenada. Porém, foi recompensado por um amigo ? cacique ? que gostou muito de Colombo e o cobriu de ouro e esperanças de mais ouro. Ocorreram tantas febres e enfermidades, que morreram alguns marujos que por ali ficaram, e isso arrasou o almirante.
Nos últimos dez anos da vida de Colombo, ele já tinha ido longe demais. Nomeado Vice-Rei e Governador Geral das Índias, Colombo foi autorizado pelos reis da Espanha a iniciar os preparativos para a sua segunda viagem. O porto de Palos tornara-se pequeno para a frota gloriosa de Colombo. Por isso, em 25 de setembro de 1493, ele partiu de Cádiz, na nau capitânea Marigalante. Trinta e nove dias depois, a expedição avistou terra. Então, a ilha montanhosa e exuberante que atingiram foi batizada Dominica ? e atualmente mantém o nome.
A terceira viagem de Colombo foi preparada com cuidado durante dois anos. Em guerra contra a Itália, os reis encontraram dificuldades para financiar a expedição. Mas, superados os impasses, Colombo partiu do porto de San Lucas em 30 de maio de 1498. Os três navios da terceira viagem levam uma tripulação de infelizes. O próprio Diário de Colombo nesta terceira expedição tem um tom delirante. Ele fala como um profeta, mas é um homem quase desfalecido. Em outubro de 1500, o Almirante desembarcou prisioneiro em Cádiz e só foi liberado seis semanas depois. Ele retornara, desta vez, no porão de um navio, acorrentado, no dia 24 de novembro de 1500.
A quarta e última viagem de Colombo, ás Índias, teve inicio em maio de 1502. Com 51 anos, o Almirante era um homem fatigado, obscurecido pela sombra do fracasso. Mesmo assim, conseguiu reunir quatro embarcações, leves e de menor preço. Esta foi a mais terrível das viagens, as três caravelas batidas por fortes chuvas e tempestades, 60 dias sem ver o sol ou as estrelas, Colombo sofrendo por estar, desta vez, com seu filho Diego, de 13 anos, sentindo-se quase á morte.
Em 7 de novembro de 1504 ele retorna. Mas ninguém o espera. A sua maior amiga é a rainha, e ela morre três semanas depois, diminuindo ainda mais o seu prestígio. Era evidente que o grande mundo da Espanha detestava este vice-rei, que não passava de um marinheiro entre outros. A angústia de Colombo era a gota que o imobilizava e o desprezo do mundo. Poucas pessoas repararam na sua morte, a 21 de maio de 1506. Tudo era absolutamente obscuro. Era apenas um marinheiro que desaparecia em Valladolid, assim como desapareceu tudo o que escreveu, menos seu Diário de Bordo.













4 HISTÓRIA E LITERATURA EM A HARPA E A SOMBRA: (RE)DESCOBRINDO A AMÉRICA


4.1 AS NARRATIVAS


4.1.1 A harpa


4.1.1.1 Enredo


Logo no primeiro capítulo do livro A Harpa e a Sombra - que aparece tripartido em "A harpa", "A mão", e "A sombra" - encontramos revelada uma das extremidades em torno do qual gira a trama: o momento em que o Papa Pio IX aparece refletindo sobre a assinatura do decreto que levaria à canonização do almirante Cristóvão Colombo. Sabendo que a beatificação de Cristóvão seria um acontecimento extraordinário para a história do Vaticano, além de uma decisão capital de seu pontificado, Pio IX, nesse momento de profunda meditação, já havia lido e relido inúmeras vezes a história de vida do descobridor do novo mundo - escrita, a seu pedido,por um historiador francês o conde Roselly de Lorgues.
Essa primeira narrativa se passa no ano 1851, em Roma, numa tarde de verão, mais especificamente na Cátedra de São Pedro, onde Pio IX havia sido elevado ao trono havia mais de cinco anos. O capítulo é contado por um narrador onisciente, em terceira pessoa, e vivenciado por ninguém mais que ele, Pio IX, uma vez que dá lugar a outros personagens apenas através de suas evocações ao passado. Afinal, todo o capítulo se resume à indecisão do Papa frente a um documento de grande importância, ao qual o jovem, e hoje "velho", Mastaï havia dedicado toda sua vida.
Parece confuso? E é assim mesmo que segue a leitura dessa primeira parte, até as últimas linhas, quando finalmente a compreendemos. O fato é que Pio IX e Mastaï são a mesma pessoa, motivo pelo qual se dá a ruptura cronológica, ou seja, uma volta ao passado, através da qual o mesmo narrador onisciente que contava a relutância do Papa em assinar a proposta de postulação de Colombo relembra minuciosamente a infância do jovem Mastaï, desde sua humilde origem, até o momento em que se torna padre. Prosseguindo, o narrador data alguns dos momentos mais importantes vividos pelo personagem após sua ordenação, como, por exemplo, o dia em que o Monsenhor Giovanni Muzi, Arcebispo de Filipos, nomeado Delegado Apostólico do Chile ? a mando de Bernardo O?Higgins, que ocupava o cargo de Diretor Geral, à frente do Papa Pio VII ? , roga a Mastaï que o assessore em uma missão muito delicada: uma viagem ao Novo Mundo.
Em seguida, temos grande parte do capítulo destinada a narrar a experiência vivida por Mastaï na viagem à América. Ele parte de Gênova, a 5 de outubro de 1823, no navio Heloísa, juntamente com o Delegado Giovanni Muzi, seu secretário particular Dom Salustio, o dominicano Raimundo Arce e o arquidiácono Cienfuegos. A viagem tem duração de nove meses, chegando Mastaï, no fim da expedição, à Santiago do Chile, derrotado em sua missão apostólica.
Apenas nas últimas páginas do capítulo, quando voltamos à cena do Papa Pio IX, que está prestes a assinar o documento para postulação de Cristóvão, é que o narrador nos diz explicitamente, sem meias palavras ? ainda que já o tenha dito inúmeras vezes nas entrelinhas ao longo de toda a narração ?, serem Mastaï e Pio IX a mesma pessoa. Essa informação é que clareia toda a obscuridade de até então, pois passa a fazer sentido a ruptura cronológica feita no momento da decisão do Papa Pio IX, e a inserção do flashback que remonta a todo o seu passado, dando ao leitor a informação de que a possibilidade da canonização de Cristóvão Colombo já havia obcecado o jovem cônego Mastaï, ou seja, o próprio Pio IX, desde o seu regresso da América, após a sua grande aventura redescobrindo o Novo Mundo. Então, sem mais esperas, como se não restassem dúvidas, e tudo não houvesse passado de um rápido surto nostálgico, ele rubrica firmemente o decreto, pelo qual se autorizava a abertura da instrução do processo, e suspira aliviado com a impressão de haver culminado uma grande tarefa.


4.1.1.2 Personagens


Como já se pôde perceber a partir do enredo, o personagem principal desse primeiro capítulo é o Papa Pio IX, através do qual se dá a ação de todos os outros, como a de Mastaï ? que é ele mesmo sendo retratado, pelo narrador, em outro momento de sua vida. Desse modo, temos a descrição dos seguintes personagens:

? Pio IX - O Mastaï do futuro, já como Papa, aparentando certa idade, experiência ? "o Vigário do Senhor costumava identificar alguns bronzes, das diversas igrejas que cercavam a Cátedra de São Pedro, pelos timbres que lhe traziam a brisa" (CARPENTIER, 1978, p.13) ? além de um comportamento muito nostálgico rememorando os bons e velhos tempos de sua infância, comportamento este que dará entrada a todos os outros personagens, como já explicado acima.

? Mastaï - o filho do conde Girolamo Mastaï-Ferretti, "pai altivo, reto e austero" (Carpentier, 1978 p. 14), e da condessa Antonia Cattarina Solazzi, "esposa exemplar" (ibid, p. 14), que carregavam apenas o título de conde e condessa, e não mais a riqueza. Era o irmão mais moço de outras cinco mulheres ? Maria Virginia, Maria Isabella, Maria Tecla, Maria Olimpia, Cattarina Juditta ? "todas com vozes frescas e alvoroçosas, que estavam guardadas na memória do seu ouvido" (ibid, p. 14). Mastaï era portador da história de uma infância sofrida, vivida em Senigallia, uma cidade italiana que passava por momentos de duras repressões políticas e muita pobreza. Em meio à miséria altiva, sua família tentava manter as aparências de riqueza, todavia, em um palácio ruinoso e de pouca comida na panela. Para tentar mudar de vida, indeciso, depois de estudos desordenados que incluíam teologia, direito civil, castelhano, francês, latim, depois de freqüentar uma brilhante sociedade romana que o acolhia pelo sobrenome, e logo após um escarcéu amoroso, decide-se a servir à Igreja ? ingressando bem rápido na terceira ordem de São Francisco. Em toda sua vida Giovanni Maria (primeiro nome de Mastaï) passou por grandes humilhações, quando finalmente aconteceu um milagre e ele foi convocado pelo Monsenhor Giovani Muzi a assessorar uma missão muito delicada, passando de um modesto cargo de mentor de órfãos a enviado ao Novo Mundo.

? Kadosh - um outro personagem que surgiu quando Mastaï foi à busca de informações para tentar entender o ambiente onde iria atuar e o motivo da missão para qual fora convocado. Kadosh era um ex-cavalheiro, da Loja Lautaro de Cádis, um dos muitos informantes e delatores que vendiam muito barato os segredos da franco-maçonaria, dando a Mastaï informações muito preciosas a respeito de O? Higgins.

? Bernardo O? Higgins ? que estava à frente do governo do Papa e foi quem solicitou o envio de uma missão apostólica ao Chile. O? Higgins era muito perspicaz, pois enviou uma suposta missão apostólica ao Chile, enquanto nutria, na verdade, interesses políticos. Vale destacar que ele mesmo havia liberado o Chile do colonialismo espanhol e tentava agora, através de uma jurisdição "meramente" eclesiástica, neutralizar o clero adverso, colocando-o sob a custódia direta do Vaticano.

? O Papa Pio VII - um dos antecessores do personagem principal do capítulo, na época em que Mastaï nem suspeitava que um dia seria elevado ao cargo de papa.

? Os tripulantes enviados à América juntamente com Mastaï - o Delegado Giovanni Muzi, seu secretário Dom Salustio, o dominicano Raimundo Arce e o Cienfuegos ? ministro plenipotenciário do Chile, nomeado por O?Higgins.

? Ramón Freire - "homem de dissimulada hostilidade, ao mesmo tempo cortês e inatingível, acolhedor e brutal, além de não cumpridor de suas promessas" (CARPENTIER, 1978, p.33). Ele era tenente-general dos Exércitos do Chile e homem de confiança de O?Higgins, mas, após trair e derrotar o até então mandante da expedição, é içado ao poder supremo ocupando o lugar de Bernardo O?Higgins.


4.1.1.3 Espaço

Transita-se, nessa primeira parte, de um lugar a outro, de acordo com as mudanças temporais:

? Roma - de início, o Sumo Pontífice está em Roma, na Cátedra de São Pedro, num dia de calor, diante do Decreto para Beatificação de Colombo, tentando decidir se o assina ou não. Por alguns momentos, aquele dia iniciado em "pompas e esplendor de cerimônias", como descreve o próprio narrador, traz à memória do Papa o nome de Senigállia, e ele se "transporta", nas asas das recordações, para sua cidade natal, revivendo momentos felizes que passou com suas irmãs quando bailavam no pátio dos fundos da sua vasta casa; e, quase que simultaneamente, já se reporta a outra cidade, Santiago do Chile, lembrando um som natalino que muito lhe marcou quando esteve por lá. Logo em seguida, a grande voz dos sinos de Santa Maria sopra Minerva afasta as evocações, e de volta a Roma, de onde na verdade jamais saíra, ele segue na tentativa de tomar uma decisão. No fim da narrativa, após descrever a viagem a Santiago do Chile, o narrador conduz o leitor novamente a Roma, à cena do Papa Pio IX, e nos faz a grande revelação: "[...] Naquela noite memorável cobriu o rosto com as mãos, mas essas mãos eram as mesmas que agora hesitavam entre o tinteiro e uma pena, mãos estas que eram hoje as de Sua Santidade o Papa Pio Nono." (CARPENTIER, 1978, p.39). Encerra-se o primeiro capítulo quando o Papa rubrica firmemente o decreto pelo qual se autorizava a abertura da instrução do processo de canonização de Cristóvão Colombo.

? A próxima mudança de espaço se dá quando o narrador faz uma ruptura cronológica e começa a contar a vida de Mastaï desde a infância ? nesse momento, o lugar é de fato a cidade italiana Senigallia. Depois que o narrador narra todo o percurso da vida do jovem cônego Mastaï, começa a narrar a grande viagem do jovem cônego à América, passando-se, então, por inúmeros outros lugares:

o Gênova ? de onde o navio Heloísa partiu, e lugar onde a demora antes da partida fora frutífera em descobrimentos para o jovem cônego, já que era a cidade de Cristóvão Colombo, toda cheia de lembranças.

o Montevidéu ? antes de chegarem ao alvo, Santiago do Chile, os tripulantes do Heloísa passam por Montevidéu, que segundo as desastrosas impressões de Mastaï parece ser um enorme estábulo, onde tudo era rústico, sem edifícios importantes nem famosos, e onde os cavalos e as reses readquiriam, na vida cotidiana, uma importância esquecida na Europa.

o Buenos Aires ? é descrita por Mastaï como uma cidade sem porto, com uma baía má, de onde se tinha de chegar à cidade em uma carroça puxada por cavalos. Sentia-se cheiro de couro bruto e trombetear de relinchos, ruas retas, mas cheias de um barro revirado pelos cascos de muitos cavalos e as rodas das carroças de bois. A missão apostólica foi recebida à luz das lanternas trazidas pelos vizinhos, nessa cidade órfã de bispo desde havia muito tempo. Mas, ao lado disso, florescia uma autêntica aristocracia, de vida abundante e refinada, vestida à última de Paris ou de Londres, afeita a brilhantes saraus onde se escutavam as mais recentes músicas que se tinham ouvido nos bailes europeus e, em dias de festividades religiosas, nunca faltavam vozes de lindas crioulas para adular o jovem cônego.

o Pampas e Cordilheira do Andes ? lugares que são descritos, respectivamente, como de natureza exuberante e infinito vertical, caracterizando as difíceis escaladas aos cumes das gigantescas montanhas.

o Santiago do Chile ? cidade tão repleta de templos e conventos que o jovem cônego chegou a compará-la com certas povoações italianas. Ao contrário de Buenos Aires, se vivia em perfumaduras de incenso entre os edifícios e as muitas clausuras. Mastaï estava ansioso para dar início ao apostolado e começar a desempenhar seu papel de auditor, mas teve de se lançar, juntamente com os outros clérigos, a uma longa espera por causa da mudança do Diretor Geral, tempo em que Mastaï escreveu uma carta que refletia todo o seu desgosto.


4.1.1.4 Tempo


O capítulo se apresenta com uma forte alinearidade temporal caracterizada pelas inúmeras rupturas cronológicas feitas pelo narrador, que transita livremente entre o passado e o futuro, enquanto nos conta a vida do jovem cônego Mastaï.
A narração inicia em 1851, em Roma, com a cena do Papa Pio IX, o protagonista do capítulo, que está na Cátedra de São Pedro numa relutância pessoal sobre assinar ou não o pedido de beatificação de Cristóvão Colombo. Nesse momento ele começa a relembrar toda sua trajetória até conquistar o Santo Pontificado, e se iniciam as inúmeras quebras lineares feitas pelo narrador ao longo do capítulo.
O narrador nos leva primeiro à infância de Mastaï ? não temos a data especificada no livro, mas sendo Pio IX já Papa em 1851, sabemos que estamos há alguns anos antes dessa data ? e segue-se o passeio até o momento em que Mastaï é ordenado sacerdote, na terceira ordem de São Francisco. Mais adiante, o narrador especifica a data da partida de Mastaï rumo ao Novo Mundo, que acontece a 5 de outubro de 1823 ? agora sabemos que estamos há 28 anos do momento em que o Papa Pio IX está sentado, recordando tudo isso.
Após a narração detalhada do fracasso da Missão Apostólica do Chile, temos o regresso dos tripulantes à Itália, em 1824. Vale lembrar que em vários momentos da narração se faz breves quebras lineares para expor algum pensamento ou opinião de Pio IX, deixando claro ao leitor que tudo não passa de um flashback, para explicar os porquês da história.
Já quase no fim do capítulo, e da viagem de volta dos tripulantes do Heloísa, o narrador faz uma nova quebra linear, e do ano de 1824 vamos para 1851, novamente à cena do Papa Pio IX frente ao polêmico documento, momento em que finalmente ele o assina.


4.1.2 A mão


4.1.2.1 Enredo

No segundo capítulo da obra, cujo título é "A mão", temos Cristóvão Colombo, invocado como merecedor do título de santo no primeiro capítulo, relatando todas as suas aventuras em terra e em alto mar. Nesse capítulo, as facetas de Colombo são reveladas por ele mesmo que, em seu leito de morte, espera pelo seu confessor. Dessa forma, temos um narrador em 1a pessoa que, através da técnica do fluxo de consciência, relata-nos a história de sua vida.
A proximidade com o mundo narrado faz com que Cristóvão Colombo, o narrador-personagem, revele fatos e situações que um narrador que não participa da história não poderia conhecer. Ao mesmo tempo, faz com que a narrativa seja parcial, ou seja, impregnada pelo ponto de vista do narrador.
O narrador-personagem, enquanto folheia os rascunhos de suas cartas, confessa suas dúvidas, suas mentiras, menciona os livros que já leu e os que ainda quer conhecer; fala das mulheres que teve em sua vida, inclusive de sua intimidade com a rainha. Relata as viagens que fez, tendo sempre em mente o ardor aventureiro, pois sabia que era capaz de propiciar ao mundo uma nova imagem, um "Novo Mundo". Colombo, ainda, fala da sua frustração ao oferecer o seu projeto de navegação, por vezes negado em vários países, até a aceitação pelos reis da Espanha.
No relato da sua primeira viagem, o navegador relembra sua tensão em relação ao desconhecido, mentindo aos marinheiros que o acompanhavam a respeito das léguas percorridas, pois estes já se encontravam cansados a ponto de quererem desistir. Descreve o que vê ao chegar nas novas terras ? desconhecidas para ele -, como também a sua impressão para com os habitantes do lugar e a busca incessante pelo ouro. Colombo, ao reler em seus borrões a palavra "ouro", indigna-se ao observar que esta foi mencionada inúmeras vezes, enquanto o nome de Deus quase não aparecia em seus escritos, assim como os Evangelhos, que não estavam presentes na viagem.
Em sua volta à Sevilha, Colombo narra como foi recebido, com festas e pompas e, ainda, fala do encontro com os reis da Espanha, contando suas peripécias da viagem ? algumas, ele afirma, mentiras! ? além da apresentação dos índios que trouxe, alguns animais e vegetações. Colombo teve, aqui, a oportunidade de reencontrar a rainha após longa ausência.
O navegador genovês folheia os borrões de sua segunda viagem, e observa, a si mesmo, como seu ânimo mudou nos anos que se passaram, principalmente sua irritação para com os índios, aos quais chamou de "escravos". Afirma ainda que, como não encontrou o ouro que tanto procurara, assim, o melhor foi substituí-lo pelo trabalho dos índios e, claro, não os pagando em dinheiro, mas sim com comidas e mercadorias. No regresso da segunda viagem, mais índios vieram para a Espanha e foram vendidos como escravos, no entanto os reis confiscaram o dinheiro ganho por Colombo com o seu negócio e ele foi proibido de embarcar novos índios para o país.
Colombo lembra a terceira e a quarta viagem com menos palavras e ênfase que as anteriores, porém afirmando ter encontrado o "Paraíso Terreno"; e eis que então chega o tão esperado confessor.




4.1.2.2 Personagens


? Cristóvão Colombo - protagonista do segundo capítulo - A mão -, encontra-se à beira da morte, solitário, usando o hábito da ordem dos franciscanos e esperando o confessor, o qual tarda para chegar. O marinheiro recorre a documentos passados e repassa ao leitor a sua longa vida. Este, em seu monólogo, além de prometer contar tudo aquilo que apenas ele sabe, revela também a História desconhecida.
Através de suas próprias palavras, percebe-se a necessidade de purificação e eliminação daquilo que, para ele, é algo excessivo, supérfluo de sua alma. Percebe-se, em toda a narração, um tom coloquial nas palavras de Colombo, aproximando, assim, a linguagem ao estilo de vida a que estava habituado. Esse tom coloquial encontra-se nas descrições dos ambientes que frequenta, das tantas mulheres com quem mantém relação, caracterizando-o como um homem movido pelos seus instintos, cuja ambição guia todas as suas ações. Cabe ressaltar, também, os relatos de sua intimidade com a rainha Isabel, a quem chamava pelo apelido de Columba.
Dessa forma, obtém-se uma outra imagem do navegador, através de sua própria avaliação. Como ninguém acreditava que ele seria capaz de conquistar o novo mundo, Colombo utilizou-se de mentiras para construir sua imagem: "De repente, tirei das mangas um tio almirante, me fiz estudante graduado na Universidade de Paiva, cujos claustros jamais pisei em minha fodida existência" (CARPENTIER, 1987, p.74). Além disso, o genovês demonstra-se persuasivo e convincente ao provar sua capacidade para construir e obter as coisas pelo uso das palavras. Isso fica provado, principalmente, quando Colombo, através de seus conhecimentos sobre navegação, encantou, não só a rainha Isabel, mas também os marinheiros que o acompanhavam em sua primeira viagem do descobrimento.

? Mestre Jacobo - um dos maiores cartógrafos da época, com quem Colombo navegou antes da viagem da descoberta e, também, com quem aprendeu muito sobre a arte de navegar. Foi a experiência e a eficiência de mestre Jacobo, a qual Colombo nunca dispensara, que garantiu a orientação marítima, desconhecida pelo descobridor, em suas viagens. Segundo as palavras de Colombo (CARPENTIER, 1987, p. 57), mestre Jacobo é jovial e de boa companhia, não costumava beber com a plebe portuária ? escandalosa e grosseira ? que costuma vir nas viagens; sua inteligência para aprender línguas em poucos dias o tornara indispensável. As histórias contadas por mestre Jacobo, sobre a descoberta da Vinlândia pelos Homens do Norte, enfeitiçavam Colombo, atiçando ainda mais sua ambição em navegar.

? Felipa - viúva de poucos recursos e com uma filha. Tinha semblante jovem e corpo viçoso. O genovês casa-se com ela e tem seu primeiro filho, Diego. Esse casamento, para Colombo, poderia lhe abrir as portas na corte portuguesa, já que Felipa era aparentada com os Braganças.
? Beatriz - com quem Colombo viveu e teve outro filho, após ficar viúvo: "De casamento não falamos, nem eu o queria, posto que quem agora dormia comigo não era aparentada dos Braganças, além disso, quando a levei ao rio pela primeira vez, acreditando que era virgem, foi fácil me dar conta de que, antes de mim, tivera marido" (CARPENTIER, 1987, p. 73).

? Isabel - a quem o Grande Almirante chamava-a, intimamente, de Columba. Mulher ruiva e olhos azuis, com a mesma idade de Colombo, foi quem deu crédito às histórias que o marinheiro contava, patrocinando a sua tão sonhada viagem. Observa-se, nos relatos do marinheiro, que ele mantinha uma relação de intimidade com a rainha Isabel, a quem ele se referia como "minha real dona".

Cristóvão Colombo também menciona alguns dos marinheiros que o acompanharam nas suas viagens da descoberta:

? Luís de Torres - antes judeu e agora cristão, que dizia saber falar línguas estrangeiras como a hebraica, o caldeu e alguma coisa de arábico;

? Martín Alonso - em quem Colombo, até então, tanta confiara, mas de quem passou a gostar cada vez menos por desobedecer suas ordens, desacatando a sua autoridade. Na viagem de volta, a caravela de Martín Alonso perdeu-se em uma tormenta, todavia, enquanto Colombo acreditava na morte de Martín Alonso, este foi arrastado pelos ventos e foi para na costa da Galícia, de onde escreveu aos reis uma carta acumulada de infâmias, mas faleceu antes de chegar à corte. Esses foram os que começaram a espalhar que Colombo não sabia valer-se perfeitamente do astrolábio.

? Rodrigo Sánchez e Rodrigo de Triana - enviados pela família real. Rodrigo de Triana foi quem primeiro avistou e lançou o grito de "Terra!", e por isso ? após cobrar de Colombo o prêmio prometido pelos reis a quem primeiro avistasse terra ? recebeu do Almirante apenas o gibão de seda, visto que a renda de dez mil maravedis foi apropriada por Colombo em benefício de Beatriz, com quem teve um filho sem nunca levá-la ao altar.


4.1.2.3 Espaço


? Valladolid - o protagonista do segundo capítulo da obra A harpa e a sombra, Cristóvão Colombo, como já dito anteriormente, está nas últimas horas de sua vida, à espera do confesso. Sabe-se, de acordo com a menção feita no capítulo primeiro, "A mão", que se trata de um pobre aposento de pousada em Valladolid. Todavia, essa informação do local em que Colombo passou seus últimos momentos, não está especificada nesse capítulo.

Durante todo o monólogo de Cristóvão Colombo, revirando seus borrões, ele viaja inconscientemente, através de flashback, pelos lugares que fizeram parte de sua história:

o O marinheiro, logo em suas primeiras viagens ? de menor importância - esteve em Sicília, Chio, Chipre, Lesbos, Cerdanha, Marselha e na costa da África, sempre envolvido com mulheres.
o Lisboa ? onde Colombo conheceu Felipa, com quem viveu alguns anos na Ilha de Porto Santo, sempre realizando suas viagens de pequeno porte: Madeira, Costa do Ouro e Gênova.
o Portugal ? em que o Grande Almirante apresentou, pela primeira vez, o seu engenhoso projeto de navegação, porém sem sucesso.
o Córdoba ? onde apresentou novamente o seu projeto,e foi viver com Beatriz, até sua chegada à Espanha.
o Espanha ? país que aceitou o seu projeto de viagem, e de onde ele partiu da barra de Saltes em direção às Canárias.
o Após dois meses de navegação, chega com as caravelas Nina, Pinta e Santa Maria em terra firme, sem saber com precisão onde estava. Em certos momentos, comparava algumas palmeiras com as que já vira na África, em outros, pensava estar em Cipango, enquanto os habitantes do lugar afirmavam ser Cuba.
o Sevilha ? ele regressa, da primeira viagem, à cidade espanhola, onde fica até a segunda viagem a terra recém descoberta.


4.1.2.4 Tempo


No segundo capítulo, Carpentier (1987) retorna ao passado, mais precisamente ao século XV, alterando a linearidade dos fatos e atribuindo, assim, várias dimensões ao romance.
Percebe-se uma ruptura cronológica, pois, em relação ao capítulo anterior, houve mudança de tempo e de narrador. Além disso, evidencia-se uma não-linearidade dos acontecimentos, mas, sem dúvida, persiste a lógica necessária para o possível entendimento do texto.
Assim, o tempo do discurso é linear, enquanto o tempo da história mescla inúmeras dimensões temporais. Na história, inúmeros acontecimentos podem desenrolar-se ao mesmo tempo, no entanto o discurso deve, obrigatoriamente, colocá-los em uma seqüência lógica. Após serem apresentados os motivos reais da busca incessante de um santo latino-americano e a indicação de Cristóvão Colombo ? por falta de um nome mais apropriado para ocupar tal posto -, no segundo capítulo, Colombo relata tudo o que praticou em sua vida, permitindo ao leitor a possibilidade de refletir e entender os verdadeiros motivos que levaram a Igreja a indicá-lo.
A partida de sua primeira viagem foi em 3 de agosto de 1492. Um pouco mais de dois meses de viagem em alto-mar, em 12 de outubro de 1492 o marinheiro, finalmente, encontra terra firme. Em 14 de fevereiro já está em caminho de regresso, levando-nos a supor que Colombo, na primeira viagem, ficou por volta de quatro meses na terra recém-descoberta.
A próxima menção de data é 30 de janeiro de 1496, já no memorial da segunda viagem, no momento em que o genovês relembra o seu negócio comercial com os "escravos" índios e, logo após, em 7 de julho de 1503, durante sua quarta viagem, ao escrever uma carta aos reis, na qual ele afirmava "eu não vim para esta viagem para ganhar honra; (...) porque já estava morta a esperança disso tudo. Vim a Vossas Altezas com sã intenção e bom zelo, e não minto..." (CARPENTIER, 1987, p.136). Todo o flashback que compõe o segundo capítulo é intercalado com o tempo real em que está vivendo Colombo, ou seja, em seu leito de morte, todavia a data da chegada do confessor e do seu falecimento não está relatada nesta parte da obra.
Assim, o autor constrói seu texto de forma progressiva, encadeando os eventos da história com o discurso do narrador, estabelecendo a lógica essencial para a comunicação entre o texto e o leitor. Dessa forma, observa-se que, apesar de não apresentar uma linearidade cronológica, o texto apresenta uma conexão entre os fatos narrados com o tempo real em que se encontra o narrador, sem separar, em nenhum momento, a ordem do tempo.


4.1.3 A sombra


4.1.3.1 Enredo


O último capítulo da obra "A Sombra" trata do concílio sobre a canonização de Cristóvão Colombo, quando se reúnem figuras históricas como Frei Bartolomeu de Las Casas, Júlio Verne, José Baldi (o Postulador), o Promotor Fidei (Advogado do Diabo), o Protonotário civil da Congregação de Ritos, também a Sua Santidade Leão XIII, o conservador da Lipsanoteca vaticana, seminaristas, entre outros. Aqui, Colombo está presente, mas apenas como uma sombra, um fantasma não podendo interferir no que diz respeito a sua beatificação, mas participando com comentários os quais somente o leitor pode ouvir e identificar.
O narrador, nesse último capítulo, se encontra em terceira pessoa, onisciente, e expõe ao leitor os fatos decorrentes do último ato presente no capítulo "A harpa": a assinatura do papa Pio IX no decreto que autorizava a abertura da instrução do processo de canonização de Cristóvão Colombo.
Ao iniciar-se o capítulo, o Invisível ? que é como o narrador se refere a Colombo ? aparece sem peso, sem dimensão, entre as colunatas de Bernini, quando se abrem as altas portas de São Pedro. Ele permaneceu há quase quatro séculos longe daqueles que, agora, examinariam desde os menores fatos até os mais grandiosos já conhecidos em sua vida, determinando assim se poderia ser considerado como um herói que transcendeu seus méritos mais que o normal ou como um simples ser humano, sujeito a todas as fraquezas de sua condição. Chegara-lhe o momento de saber se, dali em diante, mereceria estátuas com laudatória ou algo mais magnífico e universal que uma simples imagem de bronze ou pedra parada no meio de uma praça pública. Dirigiu-se às salas, fechadas para o público visitante, da Lipsanoteca, cujo conservador, estaria entregue ao exame, estudo e classificação dos inumeráveis ossos, dentes e outras relíquias de santos, guardados em gavetas e caixões. Embora, em geral, os mortos não se preocupassem com o destino de seus próprios ossos, Colombo queria saber se, naquele lugar, se reservara algum sítio aos poucos ossos que lhe restavam para o caso de sua canonização. O papa Leão XIII leva adiante essa tentativa do almirante.
O conservador e o seminarista começam, então, a remexer nas caixas de cartões de visita e nos papéis, para ver se assim havia algum santo marinheiro. Citaram alguns nomes: São Vicenti, São Cosme, São Clemente, São Castreuse, São Leão, São Telmo, entre outros. Todos aclamados pelos marujos, porém nenhum desses fora navegador de grandes mares. Concluindo, Pio IX tinha razão, quando disse, antes de sua morte, que necessitavam naquele momento de um São Cristóvão Colombo. Então, começam a entrar no recinto figuras do Auto Sacramental, instalando-se, em ordem observante de hierarquias, dignidades e funções, atrás de uma longuíssima mesa coberta por um pano de moiré encarnado, adquirindo cada qual, por gestos e atitudes que lembravam aqueles de cerimônias muito velhas, uma estampa medieval do Santo Oficio. Saíram fichas de maletas e portifólios e, depois de uma imploração ao Espírito Santo, para que inspirasse bons juízos e sentenças corretas, se deu por aberto o processo de beatificação de Cristóvão Colombo.
O Defensor da Causa, José Baldi, fez um breve discurso do que o Conde Roselly de Lorgues (morto poucos anos antes) expusera, em seu livro encomendado por Pio IX, e falou de excelências, de virtudes, de generosidades que Colombo havia feito na terra. O entusiasmo de Colombo ? na platéia ? era tanto, que quando José Baldi terminou seu discurso, lágrimas de agradecimento embaçavam seus invisíveis olhos. Mas, depois de muitas declarações, a causa ainda não estava ganha. E entram algumas testemunhas contrárias a causa em questão. É quando Jùlio Verne, seco e preciso, fala da viagem de Colombo, afirmando que este começou aprisionando vários índios, com o propósito de vendê-los na Espanha. De imediato, o Advogado do Diabo chama a atenção do Tribunal para o fato de Colombo ter estabelecido a escravidão no Novo Mundo. Outro motivo para sua não canonização, talvez o mais grave, seria as relações ilegítimas do Almirante com a Espanhola Beatriz, que foi sua concubina e com tivera um filho ilegítimo (Dom Fernando). Segundo o acusador, isso não o tornaria digno de auréola de santidade.
Por fim, após muitas discussões a favor e contra a beatificação do protagonista, é estabelecido que o mesmo, depois de ouvidos os acontecimentos e abstraído todas as ações feitas, jamais poderá tornar-se santo.

4.1.3.2 Personagens

? O Invisível (Cristóvão Colombo) ? sem peso, sem sombra, errante transparência para quem deixaram de ter um sentido as noções vulgares de frio ou calor, dia ou noite, bom ou mau, Cristóvão Colombo aparece com um fantasma angustiado que se encaminha com pressa para a sala onde ia decidir-se sobre sua beatificação ou não. Estava atento a tudo que se dissesse naquele tribunal, gemendo ou interferindo com comentários a seu favor, porém sem ninguém ouvi-lo, - apenas o leitor pode identificá-lo. Ao final de tão longa espera do exame dos requerimentos para sua beatificação, a decisão é negativa.
? O Conservador ? sábio bolandista e, por força, um pouco osteólogo, odontólogo e algo de anatomista é o mestre de alguns seminaristas, adestrando-os nos métodos de classificação da Lipsanoteca vaticana. Homem cujo o hábito era falar em um tom irritadiço, dizia a seu discípulo sobre a postulação do grande Almirante, Cristóvão Colombo, que por não haver um único santo marinheiro acreditam ser ele o maior patrono da gente do mar.

? Papa Leão XIII ? quem deu continuidade à postulação de Cristóvão Colombo, esta introduzida por dois Papas: primeiro Pio IX, que morreu antes que transcorressem os dez anos exigidos pela Sacra Congregação de Ritos e, agora, depois de quase quatro séculos, Sua Santidade Leão XIII.


? José Baldi ? um erudito comerciante genovês, diamantista perito, muito considerado e querido por todos no âmbito do Vaticano, por suas muitas obras de caridade. Na narrativa ele exerce o papel de defensor da causa de Colombo. Faz um enfático resumo do que o Conde Roselly de Lorgues expusera, com o luxo de documentos probatórios, em seu livro encomendado por Pio IX. Segundo suas conclusões, assim como São Clemente havia aplacado tempestades, o grande Almirante também havia feito milagres, porém estes seriam de uma índole diferente dos demais milagres, não sendo localizados em determinados lugares e, sim, sendo universais.

? Leon Bloy ? um grande defensor de Colombo, fala, diante do Tribunal, que os milagres deste superavam os mais comuns e limitados, comparando-o com Moisés. Segundo Bloy, "o Almirante é revelador da Criação, divide o mundo entre os reis da terra, fala a Deus na Tempestade, e os resultados de suas preces são o patrimônio de todo o gênero humano". (CARPENTIER, 1987, p. 155).


? Júlio Verne ? em determinado momento da reunião é dada a palavra a Júlio Verne, e este revela que, na época de Colombo, se ia formando um grupo de fatos, de doutrinas. Todas as idéias dispersas acabaram acumulando-se na cabeça de um único homem que teve, em alto grau, o gênio da perseverança e da coragem. Durante toda a sua viagem, o Almirante teve o cuidado de esconder de seus companheiros a verdadeira distância que ia percorrendo no dia a dia. E com essa viagem, o velho mundo assumia a responsabilidade da educação moral e política do Novo Mundo. E de imediato, Colombo começou aprisionando vários índios, afirmando serem canibais, com o propósito de vendê-los na Espanha e assim enriquecer.

? Frei Bartolomeu de Las Casas ? este se faz comparecer no tribunal como testemunha de acusação. Dominicano, calvo, ascético, aspecto franzido, com todos os traços de um monge de Zubarán, avaliava o Tribunal com olhar sombrio e duro. Bartolomeu então menciona "raça" indígena, dizendo ser esta superior, em beleza, inteligência e engenho. Os índios cumpriram satisfatoriamente as seis condições essenciais, exigidas por Aristóteles, para formar uma república perfeita. E a maioria deles não comia carne humana, não sendo canibais, com rara exceção no México onde havia indícios de tribos que tinham por hábito comer carne do ser humano, mais por causa de religião do que por qualquer outra coisa. Porém, ainda explica Bartolomeu, por alguns serem canibais, duplo motivo teria Colombo para não levá-los para Espanha, porque os índios teriam sido um perigo constante para toda a população, principalmente para as crianças. E completou afirmando que a rainha Isabel, logo que soube do acontecido, declarou em público, em Sevilha, que todos os que tivessem levado a Castela índios que lhes tivessem sido dados pelo Almirante, os devolvessem logo ao lugar de origem, sob pena de morte, nos primeiros navios de partida.

? Alfonso Lamartine ? outra testemunha de acusação. Um grande poeta que comparece para falar de mais uma questão gravíssima: os maus costumes de Colombo e seu filho ilegítimo.


? Promotor Fidei ? fiscal da causa, o Advogado do Diabo. Faz um resumo de todos os acontecimentos, para que assim ficasse claro se Colombo mereceria ser beatificado ou não. E começa com José Baldi, dizendo que ele se apóia unicamente no livro de Roselly de Lorgues, que é um trabalho talvez honesto em seus propósitos, mas demais apaixonado e carente de rigor histórico, deixando a desejar em algumas referências. Logo em seguida, o Advogado do Diabo dá continuidade ao fato de que Colombo teve relações fora do casamento com Beatriz, com a qual teve um filho bastardo (Dom Fernando).

? Protonatário ? homem que faz circular uma urna onde cada membro do Tribunal introduz um papel dobrado, para saber se Colombo merece ou não ser canonizado.


? Presidente ? um homem sério, que está presente para manter a ordem no Tribunal e fazer o julgamento final de Cristóvão Colombo. Retém-se em duas grandes acusações contra Colombo: a primeira, gravíssima, de concubinato, e outra, não menos grave, de haver iniciado o avantajado comércio de escravos, vendendo, em mercados públicos, várias centenas de índios capturados no Novo Mundo. Então explica que, o Tribunal haverá de se pronunciar conscientemente sobre o fato de se saber se Cristóvão Colombo, postulado para Beato, é merecedor de tal honra, e desta vez sem contestação, o acesso à Canonização.

? Andrea Doria ? um outro invisível, que só aparece no final do julgamento de Colombo e encontra-se com ele na Praça de São Pedro, onde conversam por alguns instantes, antes do Invisível ? Colombo ? diluir-se no ar.


4.1.3.3 Espaço


Todo terceiro capítulo se passa na Cátedra de São Pedro, Roma, retomando, depois de quase quatro séculos já passados, o local onde o Papa Leão XIII reluta em assinar o documento que encaminhará o pedido de beatificação de Cristóvão Colombo. Trata-se do local por onde o Invisível vaga enquanto transcorrem as discussões acerca do julgamento de sua canonização. O lugar era, para o espírito de Colombo, o Palácio das Maravilhas, e naquele momento, o da Justiça, uma vez que o julgamento ocorreria ali.




4.1.3.4 Tempo


A narrativa, no terceiro capítulo, dá a entender que transcorre ao final do século XIX, passando-se quase quatro séculos da instauração do processo de beatificação. Devido a sua primeira postulação ter acontecido no século XVI, ao comando do Papa Pio IX, esta só poderia estar acontecendo ao final do século XIX, regida pela Santidade Leão XIII.
Durante as declarações do Conservador da Lipsanoteca, em alguns momentos é explicado, a quem interessar, fazendo uma ponte ao passado, falando da morte de Colombo e dos lugares por onde seu corpo passou:

o O conservador revela ao seminarista que em 1513, seus restos mortais passam ao mosteiro de Las Cuevas, de Sevilha, de onde são tirados, trinta e três anos depois, para serem transportados para São Domingos, descansando ali até 1795. Após algumas citações, retorna ao presente onde acontece todo o processo de canonização de Colombo.
















4.2 A HARPA E A SOMBRA: UM ROMANCE HISTÓRICO


Alejo Carpentier, em A Harpa e a Sombra, leva o leitor a uma incrível viagem ao passado e remonta a história do descobrimento da América por meio de um romance que faz um ensaio da história. Segundo as concepções de Casaroto (2003), a tentativa de beatificação de Cristóvão Colombo nada mais é do que a apresentação de um fato que poderia ter sido e não foi ? papel das obras literárias ?, confirmando o indício de que existiu um passado ? real ? que possibilitou a representação fictícia. Por essa razão é que podemos considerá-la um romance histórico.
Cumprem-se, nessa obra, todas as especulações feitas, acerca do gênero, por inúmeros autores, como o já citado Casaroto (2003), que nos diz que os textos que se remetem a fatos históricos devem ser uma rede de múltiplas possibilidades, de forma que a cada leitura, e a cada novo leitor, adquiram novas significações, superando-se ao dialogar com um novo período histórico - o do leitor. Percebemos que é justamente o que acontece na obra em questão, uma vez que se narra toda a trajetória de Cristóvão Colombo, o descobridor da América, e, após a sua morte, na tentativa do Papa Pio IX de beatificá-lo, vemos o "julgamento" de toda a sua vida, deixando-se todas as ambigüidades desse grande e polêmico herói suscetíveis, também, ao julgamento do leitor.
Poder-se dizer que a obra em questão enquadra-se dentro de uma das modalidades de romance histórico ? as que pretendem ser testemunhos de sua própria época ? mencionadas por De Decca (1997). Segundo o autor, são histórias do tempo presente que preenchem os espaços deixados pelas pesquisas históricas. A Descoberta da América ocorreu há muito tempo, mas ainda hoje, autores, como Carpentier, preocupam-se em recontar a história, dando ênfase a detalhes com os quais a história não se preocupou.
Além disso, ainda segundo o autor, A harpa e a Sombra encaixa-se, também, na modalidade do romance histórico que é estruturado a partir de um grande evento histórico: o descobrimento do Novo Mundo. Todavia, ainda que a obra tenha como pano de fundo um fato verídico, não se tem a afirmação do real. E, são essas características da ficção histórica que proporcionam, ao leitor, possibilidades de visualizar o universo histórico dos personagens ? como, por exemplo, o de Cristóvão Colombo.
Concomitantemente, segundo as concepções de Assis Brasil (1997), Carpentier ? um autor de hoje, que não renuncia o seu tempo ? reinterpreta o fato histórico permitindo-se comentar, fazer projeções, mantendo-se fiel a literatura e não, apenas, a documentalidade. Um exemplo disso é o momento em que o autor deixa subtendido um possível relacionamento entre Colombo e a rainha Isabel: "E, desculpando a ausência de seu esposo, atarefado em ocupações de maior importância [...] me recebeu sozinha, em aposento privado, entre móveis mouriscos [...]" (CARPENTIER, 1987, p. 77).
O romance A Harpa e a Sombra é uma sucessão de fatos vividos por personagens reais e fantásticos, figuras históricas e ficcionais, que se unem, configurando, na obra, o que Chiampi (1980) e Ianni (1991) chamaram de realismo mágico e maravilhoso. Carpentier, ao se apropriar desse estilo literário, procurou desvendar a essência da cultura americana, sendo esse, mais um dos recursos ultilizados para desvendar a própria história do Descobrimento da América.
Em suma, ainda que pudéssemos elencar muitas outras características do romance histórico na obra, temos, segundo a conceituação simples e direta feita por Esteves (2008) acerca do gênero, uma obra cujo ambiente e personagens remontam um passado verídico, além de cumprir-se o fenômeno do "turismo temporal" estabelecido por Pessoti (1994) e Burke (1994), por meio do qual fazemos viagens temporais através da leitura. Desse modo, segundo o que salienta Casaroto (2003), temos uma obra de ficção que reescreve o passado e o revela ao presente, impedindo-o de ser conclusivo, mas provocando novas discussões.


4.2.1 O papel da intertextualidade: contribuições para um conceito de história


A intertextualidade se faz muito presente na obra de Carpentier pelas inúmeras evocações a outros autores, como Sêneca e Miguel de Cervantes, ou a obras conhecidas, como Medéia e a própria Bíblia, todavia o indício mais explícito está no diálogo com textos de cunho histórico, como Os Diários da Descoberta da América.
No segundo capítulo do livro ? A mão ? que o autor dedica todo a Colombo, inicia com a cena de Cristóvão Colombo em seu leito de morte. Nesse momento reflexivo da vida de qualquer pessoa, o grande Herói, que está à espera do confessor relendo os rascunhos de suas cartas, começa a fazer um auto-julgamento e a reviver todas as suas grandes aventuras, inclusive, em alto mar. É dessa maneira que o autor introduz trechos do Diário da Descoberta América ? documento historiográfico que traz veracidade à obra.
Um dos momentos em que aparecem trechos reais desse documento é quando Cristóvão narra a partida da sua primeira viagem:


Partimos a 3 dias de agosto da barra de Saltes às oito horas. Andamos com forte viração até o pôr-do-sol em direção ao Sul sessenta milhas, que são quinze léguas; depois para o Sudeste e ao Sul quarta de Sudeste que era o caminho para as Canárias [...] (CARPENTIER, 1987, p. 84).


Desse modo, enquanto o moribundo aguarda o padre para se confessar e morrer, ele continua a rememorar seus feitos, meio pelo qual novos trechos de seu Diário de Bordo são citados ao longo de todo o capítulo.
A intertextualidade também ocorre nas evocações a outros autores, tais como Sêneca. Colombo, durante grande parte de seu monólogo interior e também em seus diálogos, declara que esses autores oferecem muitos ensinamentos. Em algumas das evocações a obra Medéia, o autor deixa clara a pretensão de Colombo em conhecer essa tragédia, visto que trata das façanhas de Jasão frente aos argonautas, rumos, estrelas e sóis ? temas que muito agradam o navegador.
Além disso, como intertextos, têm-se os próprios títulos e epígrafes dos capítulos, que anunciam ao leitor o que será tratado adiante. O primeiro, A harpa, no qual o autor cita o Salmo 150 ? "Louvado sejas com os címbalos triunfantes! Louvado sejas com a harpa!...", está relacionado ao nascimento da veneração de Mastaï por Cristóvão Colombo, que é narrada logo no primeiro capítulo. A harpa, instrumento que ressoa som brando e suave, foi trilha sonora do grande momento da vida Mastaï, que acabara de encontrar um Santo, ideal perfeito para compactar a fé no velho e novo mundo.
O segundo, A mão, no qual é citado Isaías 23:11, "Estendeu sua mão sobre o mar para transtornar os reinos", tem tudo haver com a narração, que é a viagem de Colombo e posterior Descobrimento da América. Foi a mão de Colombo que ousou fazer e, ao se lançar sobre o mar, realmente transtornou os reinos, ainda que não tenha vivido para assistir seus momentos de glória.
No terceiro e último, A sombra, com uma epígrafe em latim, referência a Dante, Inferno, IV, "Tu non dimandi Che spiriti son queste Che tu vedi?" (Não perguntas que espíritos são estes que vês?), também está correlacionado ao capítulo, no qual temos o espírito do próprio Cristóvão assistindo ao julgamento do processo de sua canonização. Como mencionado acima, já que o grande Almirante não viveu para saber que foi o descobridor do Novo Mundo, apenas sua sombra ? vale dizer, memória ? recebeu os méritos.
Ainda, ressaltamos as citações bíblicas feitas no interior da narrativa, as quais estão relacionadas com o tema central da obra: a canonização de Colombo. Essas evocações são utilizadas para provocar o leitor de maneira que este formule o seu próprio conceito sobre Colombo ser merecedor ou não da canonização. Além disso, por meio delas, Colombo demonstra arrependimento de seus atos. Isso está presente, principalmente, nas inúmeras vezes que o navegador genovês menciona a palavra "ouro" em seus borrões, enquanto o nome de Deus é utilizado uma ou outra vez.
Em suma, há a presença de intertextualidade com os próprios personagens da obra. O primeiro capítulo é construído através do relato da viagem de Mastaï à América, como que refazendo a viagem de Colombo. Como o protogonista, ele atravessou o oceano em função de Bernardo O'Higgins, que queria instaurar um domínio também no plano da fé. Colombo faz a travessia em função dos reis da Espanha alegando, também, a evangelização como motivo para a sua empreitada, apesar de estar na realidade preocupado com o ouro e, acima de tudo, com sua eternidade. Ainda cabe registrar que esses dois personagens são genoveses e pertenciam a mesma ordem dos franciscanos.


4.2.2 A polifonia: uma história, várias vozes


Verifica-se a presença de múltiplas vozes ao longo de toda a narrativa de A Harpa e a Sombra, como conseqüência das inúmeras alterações de narrador ao longo dos três capítulos. Todavia, no último capítulo ? do qual trataremos mais adiante ? é que o fenômeno da polifonia que se manifesta mais enfaticamente.
No primeiro capítulo o foco narrativo está sobre o papa Pio IX, e com exceção das citações feitas a outros autores, que também consiste em um tipo de polifonia, não temos outra voz a não ser a do Santo Pontífice. O narrador é em terceira pessoa, e não temos, portanto, falas de personagens, até porque toda a história é narrada através do fluxo de consciência do personagem principal.
A voz da consciência do Papa Pio IX vai construindo o texto anunciando o tema central do livro, que é a canonização de Cristóvão Colombo. Através de estratégias literárias como as quebras de linearidade, que se fazem muito presentes na obra, outros fatos são contados.
Percebe-se que o narrador, através da várias rupturas cronológicas ? flashback feitos por Pio IX ? tenta informar o leitor acerca dos fatos. Logo no início da narrativa, ele comenta que: "Esta possibilidade (a de canonizar Cristóvão) havia obcecado o jovem cônego Mastaï desde seu regresso da América, quando ainda estava muito distante de desconfiar que um dia seria entronizado na Basílica de São Pedro." (CARPENTIER, 1987, p.17) Em seguida, faz uma imensa ruptura, voltando à infância de Mastaï, revelando os motivos que o levaram a se tornar padre e, posteriormente, como foi elevado a Papa. Mais adiante, após a grande viagem, nos diz como surgiu o desejo de beatificação do almirante Cristóvão Colombo. Desse modo, através de uma estrutura textual muito bem elaborada, e por vezes até complexa, o narrador leva o leitor a uma intensa viagem no tempo, e na história, mantendo-o o mais consciente possível dos fatos, até o desfecho do capítulo, que se faz muito revelador e surpreendente.
Carpentier (1987), no segundo capítulo de sua obra "A harpa e a sombra", põe a figura da própria personagem histórica para relatar a viagem de descoberta da América, ou seja, Cristóvão Colombo torna-se o narrador-personagem. O Grande Almirante narra, em 1ª pessoa, a história da qual participa como personagem principal de uma maneira fortemente marcada por características subjetivas e emocionais presentes em todo o discurso.
No último capítulo ? A Sombra ? surgem inúmeras vozes, dentre elas a do papa Leão XII, que após a morte de papa Poi IX dá continuidade a tentativa de postulação do almirante. Nessa parte do livro o autor correlaciona os capítulos, que até então pareciam isolados, e dá-se um desfecho ao tema central na narrativa, cujos efeitos refletem na não aceitação da beatificação de Cristóvão Colombo.
O narrador ora é em terceira pessoa, ora em primeira, e vai se fazendo uma mescla de vozes, uma vez que são introduzidas falas de outros personagens, como as o conservador da Lipsanoteca (onde guardavam os ossos dos santos), e de um jovem seminarista, com quem o conservador conversava, do Presidente, do Postulador, do Advogado do Diabo, do Protonotário, e tantos outros que estavam na basílica de São Pedro para dar o veredito final sobre a postulação de Colombo. E vê-se, até mesmo, a voz do Invisível que paira pelos ares na narrativa ouvindo todos os comentários da sua beatificação e, apesar de não ser ouvido por ninguém, por vezes retruca e corrige fatos ditos ao seu respeito.
Percebe-se, novamente, a presença de Sêneca ? outro texto que acaba dando voz a Tífis, um de seus personagens ?, que no decorrer da narrativa é mencionado por Colombo várias vezes. No terceiro capítulo, o Invisível ? que era a sombra de Cristóvão Colombo ? depois de sua não canonização, retornou novamente ao centro da Praça de São Pedro e relembrou Sêneca, cuja Medéia fora durante longo tempo seu livro de cabeceira, identificando-se com Tífis, o timoneiro dos argonautas, que naquele momento carregava-se, para ele, de um sentido premonitório:


Tífis teve a audácia de desdobrar suas velas sobre o vasto mar / ditando novas leis aos ventos... / Hoje, vencidas as águas, submetidas à lei de todos o esquife mais débil pode transpor seus horizontes / e foram rompidos os limites conhecidos / e as muralhas de novas cidades são edificadas / sobre terras recém-descobertas. / Nada ficou como antes / em um universo acessível em sua totalidade... / Tífis, que havia domado as ondas / teve de entregar o timão e um piloto de menos experiência / que, distante dos prédios paternos, / não recebendo senão que apenas uma humilde sepultura / baixou ao reino das sombras escura.... (CARPENTIER, 1987, p. 176).


Desse modo, o Invisível se compara com Tífis, que foi um grande navegador, porém, não teve seus méritos reconhecidos, intitulando-se outro como herói. O mesmo ocorre a Colombo, que descobriu novas terras, o Novo Mundo, mas toda honra e glória foi oferecida a Américo Vespúcio. Assim, Colombo ficou condenado a ser um homem como qualquer outro.
Pode-se dizer que a polifonia e os intertextos aparecem interligados, uma vez que a inserção de uma nova voz configura-se, também, num tipo de intertextualidade. Desse modo, esses recursos utilizados pelo autor, estão fundamentados nas ideias de Bakhtin, citadas por Casaroto (2003), em que todo texto é, na verdade, resultado das múltiplas relações dialógicas com outros textos. Na obra de Carpentier, encontramos uma relação dialógicas entre os capítulos, que apesar de parecerem isolados, apresenta uma estrutura que permite o diálogo entre os narradores, sendo um deles o próprio Colombo, e o leitor, que interfere na construção do sentido da obra, tornando-se capaz de julgar o merecimento ou não da canonização do protagonista.
Posto tais reflexões, vemos que o autor introduz a polifonia na obra, como um artifício para dar significação aos fatos narrados ? já que se trata da reprodução de um fato verídico ?, e complexidade ? no sentido de transformar a obra numa narrativa bem estruturada, tornando-a, então, mais interessante ao leitor. Além disso, concretiza-se a tendência da geração de Carpentier em romper com o romance tradicional dando enfoque ao rigor formal e a densidade narrativa.























5 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Analisou-se, neste estudo, as relações entre a história e a literatura presentes no romance A harpa e a sombra, de Alejo Carpentier, com o objetivo a responder a questionamentos como: a) que tratamento recebe a história no romance escolhido?; b) que recurso utilizou o autor para narrar a sua visão dos fatos históricos?; c) que novos fatos, que podiam ou não compor a história, Carpentier engendra?
Ao longo das pesquisas constatou-se que a obra em questão configura-se, segundo a fundamentação teórica acerca do gênero, num romance histórico. Ela resgata um fato mundialmente conhecido, a descoberta da América ? acontecimento a partir do qual o autor formula um romance, muito bem estruturado, colocando, em certo momento, o próprio descobridor do Novo Mundo como personagem principal.
Como já mencionado ao longo do trabalho, a história recebe um tratamento muito especial, uma vez que o autor mantém uma fidelidade muito grande aos documentos historiográficos. O autor reconta a história de uma maneira muito instigante ao leitor, e claro, como uma boa obra de ficção, evidencia fatos, que, muitas vezes, a história faz questão de camuflar.
Para narrar a sua visão dos fatos históricos, o autor utiliza-se de alguns recursos, como a intertextualidade e a polifonia ? já mencionados na análise ?, que nos trazem grandes contribuições para a compreensão do fato histórico. Além disso, ele engendra novos fatos, que não compunham a história, tais como o já citado suposto romance entre Colombo e a rainha Isabel, o surgimento do Invisível, o julgamento para canonização do Almirante, entre outros, levando a obra a provocar, por meio da ficção, um choque com o mundo ainda desconhecido de nossa América.
A obra de Carpentier, como Novo Romance Histórico, é exemplo de uma narrativa rigorosa, devido a densidade e complexidade com que são tratados seus temas, constituindo-se, então, em uma trama de vozes que levam o leitor a formular seus próprios conceitos. Ao combinar os diversos tempos na mesma narração e muitas vozes em um único monólogo, acaba tornando-se explicita a influência do Realismo Mágico, que aparece em diversas obras do autor.
Outra característica do Realismo Mágico na obra é a recriação de uma nova realidade a partir da realidade em que vivem os personagens históricos. Além da presença de figuras, acontecimentos, ecos, sombras ? o próprio Invisível e Andrea Doria.
Desse modo, levando em consideração que Alejo Carpentier é um dos maiores representantes hispano-americanos da literatura de pesquisa e produziu, além de A Harpa e a Sombra, outros romances históricos de igual valor literário, indicamos o estudo de outras obras do autor, seguindo a mesma linha de análise (história - literatura), como os romances históricos El Siglo de las Luces (1962) e El Reino de este Mundo (1949), uma vez que tais estudos trarão grandes contribuições para a leitura latino-americana.



REFERÊNCIAS

ASSIS BRASIL, L. A. Debate. In AGUIAR, Flávio, MEIHY, José Carlos Sebe Bom e VASCONCELOS, Sandra Guardini. Gêneros de Fronteira: cruzamentos entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997.

BURKE, Peter. A invenção da história. Folha de São Paulo. Mais. São Paulo, p. 6, 11 set. 1994.


BURKE, Peter. As fronteiras instáveis entre história e ficção. In AGUIAR, Flávio; MEIHY, José Carlos Sebe Bom e VASCONCELOS, Sandra Guardini. Gêneros de Fronteira: cruzamentos entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997.


CARPENTIER, Alejo. A harpa e a sombra. Tradução de Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987.


CASAROTO, Abele Marcos. O contestado e os estilhaços de bala: Literatura, História e Cinema. Florianópolis: UFSC. Tese de doutorado, 2003.


CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura. 2.ed. Porto Alegre: Ed da UFRGS, 1991.


CHIAMPI, Irlemar. O Realismo Maravilhoso: forma e ideologia no romance hispano-americano. São Paulo: Perspectiva, 1980.


COLOMBO, Cristóvão. Diários da Descoberta da América. Tradução de Milton Persson. Porto Alegre: L&PM, 1984.


COULTHARD, Robert George. A pluralidade cultural. In UNESCO. América Latina em sua Literatura. São Paulo: Perpectiva, 1979.


DE DECCA. Edgar de. O que é romance histórico? Ou devolvo a bola pra você, Hayden White. In AGUIAR, Flávio, MEIHE, José Carlos Sebe Bom e VASCONCELOS, Sandra Guardini. Gêneros de Fronteira: cruzamentos entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997.


DE MARCO, Valeria. A questão do romance histórico. In AGUIAR, Flávio; MEIHY, José Carlos Sebe Bom e VASCONCELOS, Sandra Guardini. Gêneros de Fronteira: cruzamentos entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997.


ESTEVES, Antonio. Considerações sobre o romance histórico (No Brasil, no limiar do século XXI). Revista da Literatura, história e memória: narrativas da extração histórica. Vol. 4. no 4. Unioeste/Cascavel. p. 53-66, 2008.


GRANZOTTO, Gianni. Cristóvão Colombo. Tradução de Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1985.


IANNI, Octavio. Ensaios de Sociologia da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.


IMBERT, E. Anderson. Historia de la literatura hispanoamericana II: la colonia. Cien años de república. México. D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1995.


ISAÍAS. Português. In: Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969. p. 745.


MORENO, César Fernández. O que é América Latina? In UNESCO. América Latina em sua Literatura. São Paulo: Perpectiva, 1979.


SAGUIER, Rubén Bareiro. Encontro de culturas. In UNESCO. América Latina em sua Literatura. São Paulo: Perpectiva, 1979.


MAHN-LOT, Marianne. Cristóvão Colombo. Porto: Vertente, 1960.


MARTINEZ, José Luis. O romance contemporâneo. In UNESCO. América Latina em sua Literatura. São Paulo: Perpectiva, 1979.


MONEGAL, Emir Rodrigues. Tradição e renovação: adeus à tradição. In UNESCO. América Latina em sua Literatura. São Paulo: Perpectiva, 1979.


MOTA, Carlos Guilherme. Descoberta da América: as viagens de Cristóvão Colombo. Uol Educação. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia/ult1690u44.jhtm. Acesso em: 02 out. 2009.


NUÑEZ, Eduardo. O elemento latino-americano em outras literaturas. In UNESCO. América Latina em sua Literatura. São Paulo: Perpectiva, 1979.










Autor: Cíntia Cíntia Soares De Souza Albino


Artigos Relacionados


História Da América: As Concepções Do Novo Mundo Presentes Na Literatura

A Chegada Do Europeu à América

O Ovo De Colombo

Colombo E O Contexto Da Conquista Da América

Literatura E História Em "a Harpa E Sombra - (re)descobrindo A América"

Avatar: A Questão Do Outro

Jamaica, Terra De Bob Marley