ENCILHAMENTO E A CONSTRUÇÃO CIVIL






DÁRCIO LUGARINI

ENCILHAMENTO E A CONSTRUÇÃO CIVIL

São Paulo
2011

ENCILHAMENTO E A CONSTRUÇÃO CIVIL

Projeto de pesquisa apresentado ao Curso de Pós-Graduação em História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo ? Produção e Apropriação do Espaço Metropolitano da USP ? Universidade de São Paulo ? Faculdade de Arquitetura e Urbanismo sob orientação do Professor Dr. Paulo Cesar Xavier Pereira.

São Paulo
2011

SUMÁRIO


Apresentação
1. Objetivos
1.1. Objetivo Geral
1.2. Objetivos Específicos
2. Objeto
3. Problema
4. Justificativa
5. O Encilhamento, a lei
5.1. Seu período e suas aplicações
5.2. Rui Barbosa, primeiro ministro da Fazenda
5.2.1. Suas ações
5.2.2. O declínio e o fim do seu mandato
5.2.3. Opositor das arbitrariedades nos próximos governos
6. A indústria da construção civil
6.1. A carência de habitação após o escravismo
6.2. O crescimento da construção civil
6.3. A construção por encomenda, a verticalização
6.4. O destaque da mão de obra dos imigrantes
6.5. A habitação como forma de renda através da locação
7. Conclusão
Bibliografia

APRESENTAÇÃO

Esse trabalho tem como intenção uma maior compreensão a respeito do encilhamento e suas contradições, um período de grande importância, marcado por acontecimentos históricos relevantes, que acarretaram significativamente transformações sociais, políticas e financeiras para o Brasil.
O cenário na política econômica, da recém proclamada "República dos Estados Unidos do Brasil", pelo então chefe do governo provisório (15.11.1889 a 21.01.1891), Marechal Deodoro da Fonseca, vivia uma intensa crise em torno do seu maior desafio, o de superar a escassez de moeda, agravada pelo crescimento do trabalho assalariado, resultado do fim da escravidão e da maciça chegada de imigrantes.
Em 1890, Marechal Deodoro da Fonseca juntamente com seu Ministro da Fazenda, Rui Barbosa executam uma série de medidas legislativas na área financeira, a fim de desenvolver o mercado de capitais brasileiro. A tomada destas medidas recebeu o nome de "encilhamento", que é o ato de arrear o cavalo, preparando-o para a corrida.
Rui Barbosa, que se empenhava em substituir a antiga estrutura agrária baseada na exportação de café, procurava promover a industrialização e com isso, incentivar o crescimento econômico.
Foi baseado no sistema bancário norte-americano que além da inspiração, e o encontro dos seus "ideais liberais", decretou a lei bancária de 17 de janeiro de 1890, que estabelecia as emissões bancárias sobre um lastro constituído por títulos da dívida pública. O ministro lança as bases de uma política industrial nacional, apoiando, com medidas legais, a emergência de sociedades por ações.
Abriram-se várias linhas de crédito para investimentos produtivos e em bolsas de valores e aumentaram muito os bancos emissores, fazendo com que crescesse em demasia a oferta monetária, sem que se preocupasse com o lastro-ouro, ocasionando, assim, inflação e o fenômeno conhecido como moeda-podre (ou desvalorização monetária). Além da inflação alta, o surto especulativo nas bolsas de valores culminou com o fechamento de várias empresas e, por conseguinte, uma recessão na economia, além da sonegação fiscal, aquisição de empréstimos para outros fins - geralmente de interesse pessoal - e venda de ações das empresas-fantasmas (que não foram abertas com o capital requisitado).
Os agentes autorizados pelo governo agiam livremente nesse mercado e sem qualquer vigilância oficial, munidos de uma má fé.
Em vez de financiar a indústria e o desenvolvimento, o encilhamento provocou um dos mais importantes surtos inflacionários do país e consequente especulação financeira na bolsa de valores. Fora do propósito inicial, o dinheiro foi desviado para toda sorte de negócios, enquanto a economia brasileira sofria violento colapso.
Em 20 de janeiro de 1891, Rui Barbosa perde o cargo de primeiro-ministro da Fazenda do Brasil, no qual manteve-se por 14 meses. O general Deodoro da Fonseca renuncia em 23 de novembro do mesmo ano, sob iminente ameaça de deposição pelos republicanos, representados pelo vice-presidente Marechal Floriano Peixoto, que assume "naturalmente" a presidência.
Somente no governo de Campos Sales, com Rodrigues Alves no comando da economia brasileira, os feitos da crise do encilhamento foram amenizados.
Nesse período, 14 companhias dedicadas à construção civil iniciaram suas atividades na cidade, além da constituição de sete imobiliárias e quatro empreendimentos ligados à produção de material de construção, como cerâmica, telha e tijolos, conforme mencionado por Adriano Botelho em seu livro "Urbano em Fragmentos".

1. Objetivos
1.1. Objetivo Geral
- Explorar o avanço da construção civil, que durante o encilhamento também se tornou grande fonte de renda e objeto de ganho de capital fictício, gerado através de construtoras em operações na Bolsa de Valores.
1.2. Objetivos Específicos
- Compreender as mudanças ocorridas antes, durante e depois das medidas reformadoras que pretendiam promover a industrialização e incentivar o crescimento econômico do país.
- Demonstrar o impacto, a partir dessa lei do encilhamento, entre a mudança da antiga estrutura agrária, baseada na exportação do café, para a industrialização e o incentivo do crescimento econômico baseado na construção civil.
- Buscar caminhos que possibilitem ganho de capital equiparado a sua distribuição, que transite além do socialismo e do capitalismo.
2. Objeto
A desigualdade social e urbana resultante da política aplicada na Lei do Encilhamento, que contribui até hoje para o ganho pela especulação de um capital fictício.

3. Problema
- Vencer o maior desafio do período, que era a escassez de moeda, agravado pelo crescimento do trabalho assalariado, resultado do fim da escravidão e da maciça chegada de imigrantes como força de trabalho.
- A partir da euforia do encilhamento, houve por cautela, uma maior concentração de investidores no segmento imobiliário, prejudicando assim outros investimentos no mercado financeiro, resultando um dos maiores surtos inflacionários do país.
4. Justificativa
- A relevância social do tema remete a uma reflexão crítica em relação à dimensão da desigualdade social, ocasionada em grande parte, na época em questão, devido à transformação de uma política com base colonial para uma política capitalista. Baseado no sociólogo e pesquisador De Masi (1999), é imprescindível que compreendamos a ambivalência entre o sistema comunista que sabe distribuir o capital, a riqueza, porém, não sabe como criá-la, reproduzi-la, contrapondo ao sistema capitalista que é totalmente voltado às estratégias de ganho, porém, não é focado na distribuição desse ganho na sociedade. O capitalismo mostrou que sabe produzir as riquezas, talvez até demais, mas não sabe distribuí-las com igualdade.
- A importância acadêmica dessa pesquisa se dá pela reflexão e crítica em relação à necessidade de transformações políticas, econômicas e sociais, visando uma sociedade mais justa. Através da educação e da transmissão de conhecimentos às novas gerações. A pesquisa pretende contribuir para a conscientização dessa situação existente no Brasil no período do encilhamento, e que permanece até os dias de hoje.

5. O encilhamento, a lei
5.1. Seu período e suas aplicações
O encilhamento ocorreu durante o governo provisório de Deodoro da Fonseca, através de Lei Bancária criada pelo então Ministro da Fazenda Rui Barbosa, em 17 de janeiro de 1890, na tentativa de substituir a antiga estrutura agrária baseada na exportação de café, estimular a industrialização e incentivar o crescimento econômico do Brasil.
É retratado na história como período infamante (entre 1888 e 1891, no final do Império e início da República), em que fortunas eram feitas e desfeitas em horas ou dias e que culminou com prejuízos generalizados. Muitas empresas não passavam de promessas de empreendimentos que nunca seriam constituídas.
Essa política monetária buscava atender às legítimas necessidades dos negócios, considerando que havia no País uma demanda reprimida de numerário. Assim, foram estabelecidas três instituições bancárias, cada uma com seu banco emissor e tinham a função de expandir o crédito e estimular a criação de novas empresas. Situavam-se nos estados da Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Segundo Machado (2002), o objetivo de Rui Barbosa, quando assumiu o Governo Provisório, era fomentar a indústria e o trabalho, assim como modernizar a produção agrícola. Com esse intuito, Rui Barbosa propôs a criação do Banco Hipotecário Nacional. Para justificar essa criação, foi discutido os "auxílios à lavoura", uma das questões que causaram mais polêmica no Império, devido à forma como eram feitos, pois o auxílio era dirigido aos amigos políticos, para a quitação de suas dívidas, e não estimulava os que iniciavam na agricultura.
Rui Barbosa também propôs a criação de bancos populares, para a ampliação de crédito, contribuindo para o desenvolvimento agrícola e para as riquezas urbanas, através da colonização do território, com a entrada de imigrantes e do capital estrangeiro.

5.2. Rui Barbosa, primeiro ministro da Fazenda
5.2.1. Suas Ações
Segundo Machado (2002), Rui Barbosa admirava o desenvolvimento de países como a Europa e os Estados Unidos e demonstrava claramente a intenção de inserir o Brasil no conjunto das nações civilizadas. O progresso lá alcançado tornava-se o ideal que o Brasil deveria perseguir.
Ele entendia que o progresso não seria alcançado se não fossem mudadas as relações de trabalho e modernizada a sociedade civil.
Para compreender a história do Brasil faz-se necessário vincular ao movimento da história mundial. O capital, impelido pela necessidade de novos mercados, invadia todo o globo e necessitava criar vínculos em todos os lugares.
A burguesia mudara a face do mundo. Marx caracterizou bem a sua ação:
A burguesia, durante o seu domínio de classe, apenas secular, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais que todas as gerações passadas em conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação à vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando na terra como por encanto (...) (Marx & Engels, s.d.p.25).
Com o desenvolvimento da manufatura, com o aumento da produção e da troca, que culminou com a grande indústria, a sociedade fundada pelas relações de trabalho assalariado produziu o acirramento das contradições existentes em seu seio. A burguesia do século XIX enfrentava um inimigo mortal: o movimento operário. A sociedade não usufruía de toda a riqueza produzida, pois a sua produção pressupunha igual medida de miséria. A classe trabalhadora sobrevivia com o fantasma do desemprego.
A dissolução das relações capitalistas, determinadas pela crise de superprodução, provocava transformações sociais. A classe proletária mostrava-se empenhada em romper com as relações de propriedade e de trabalho, com o propósito de instaurar novas relações. A crise era evidente.
A administração monarquista deixara-lhe um tesouro falido. Para atingir seus objetivos Rui Barbosa implementou uma série de medidas reformadoras que atingiram principalmente o crédito hipotecário e o crédito à lavoura e à indústria.
Suas primeiras ações ministeriais concentraram-se na elaboração da primeira Constituição republicana, a fim de defender os interesses nacionais contra os descrentes da nova realidade política do País. Rui Barbosa foi o principal redator da Carta Magna.
Segundo Nassif (2005), é importante notar que, além de maior jurista de seu tempo, Rui Barbosa tinha surpreendentemente conhecimento econômico, conforme se pode conferir no documento "Organização das Finanças Republicanas", apresentado em novembro de 1890 no Congresso Nacional. Não apenas dominava as principais teorias econômicas como tinha um conhecimento minucioso dos principais aspectos institucionais da economia e do federalismo norte-americano.
As justificativas que o levaram a estimular a expansão monetária tinham fundamento teórico. Sustentava ele que não se podia avaliar a política monetária meramente por meio do montante de dinheiro em circulação, visto que parte dele ficava empoçado. Havia a necessidade, então, de injetar na economia moeda que circulasse.
Na época, as emissões monetárias obedeciam ao padrão-ouro; só se podia emitir tendo o lastro correspondente de ouro. Rui enfrentou essa ortodoxia e autorizou a emissão lastreada em títulos públicos, com o objetivo de financiar a produção e ajudar a esterilizar a dívida pública.
Essa posição teórica trouxe-lhe inúmeros admiradores, entre os quais Celso Furtado, para quem a especulação do encilhamento era um acontecimento à parte, sem relação com a política econômica de Rui Barbosa.
Além das atas do ministério Deodoro, e de jornais da época, duas obras recentes são relevantes para reavaliar o papel de Rui Barbosa no período: "O Encilhamento, Anatomia de uma Bolha Brasileira", de Ney Carvalho (ex-presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro), que esmiúça as ferramentas financeiras utilizadas no encilhamento, e "A Crise Financeira da Abolição", do brasilianista John Schultz, que avançou em direção à identidade dos capitais estrangeiros no país, maior parte dos quais: "capital brasileiro clandestino".
Ainda segundo as críticas de Nassif (2005), concluiu-se que: O principal fator de desgaste de Rui Barbosa foi o favorecimento escancarado ao banco do conselheiro Mayrink; o principal golpe do encilhamento consistia em lançar uma companhia com subscrição de apenas 10% do capital, comprometendo-se a integralizar o capital posteriormente. Captado o dinheiro do mercado, a companhia simplesmente evaporava, deixando investidores órfãos; era impossível a uma pessoa com o nível de conhecimento de Rui Barbosa não identificar o movimento fraudulento e não saber quais as medidas reguladoras necessárias para abortá-lo. Essas medidas, aliás, eram marteladas diariamente por jornais da época; um dos empresários que mais recorreu a esses golpes foi justamente o conselheiro Mayrink. E, quando deixou o governo, Rui tornou-se diretor de bancos e companhias criadas por ele.
A blindagem de Rui Barbosa decorreu, em parte, por sua extraordinária produção intelectual e alguns capítulos enobrecedores posteriores de sua biografia. E, talvez, porque faltasse aos economistas e historiadores do período conhecimento mais aprofundado sobre mecanismos financeiros e especulativos da época.
5.2.2. O declínio e o fim do seu mandato
Segundo A História Viva (2010), o resultado das emissões foi um desastre. Em vez de financiar a industrialização, gerou um dos maiores surtos inflacionários do País e também ocasionou uma desenfreada especulação financeira na Bolsa de Valores, pois o dinheiro fora desviado de seu propósito inicial para toda a sorte de negócios, muitos deles fictícios. Fortunas surgiram de um dia para o outro, enquanto a economia brasileira sofria violento colapso.
A grande euforia industrial-financeira só terminou com o corte da emissão da moeda, muito desvalorizada, o que gerou uma grave crise econômica e contribuiu para o isolamento político de Deodoro da Fonseca. Em 20 de janeiro de 1891, o primeiro ministro da Fazenda do Brasil deixou o cargo, após 14 meses de seu mandato. Em 23 de novembro do mesmo ano o presidente renunciou e o vice-presidente republicano Floriana Peixoto assumiu a presidência.
Alguns economistas, ao analisarem as medidas adotadas, mostram-se contrárias a elas. Segundo Abreu, a crise de 1891 pode ser explicada como resultado do colapso cambial e da expansão monetária, provocada pelas reformas no sistema monetário, introduzidas por Rui Barbosa em 1890. Essa crise teve repercussão até 1898.(Abreu: Carneiro ET AL., 1989).
Travava-se a responsabilidade do país em somas pavorosas e brincava-se com o crédito, o nome e o porvir da nação (Taunay, s.d., PP.19-20).
Para Taunay, o País tinha muita matéria prima, seu clima era propício, faltavam apenas iniciativas e espírito de associação.
Com a especulação da Bolsa, os republicanos acreditavam que o país progrediria.
Segundo Machado (2002), Rui Barbosa, descrito com sarcástica ironia, por suas atitudes "contraditórias"; ora ele adotava a unidade bancária, ora a pluralidade e não aceitava que lhe fossem cobradas atitudes coerentes. A indústria era o alvo do momento, e por causa do fluxo inflacionário criavam-se diversas empresas que recorriam aos poderes públicos.
Contrários à interpretação de Taunay, alguns economistas como Albert Fishlow e Wilson Cano procuraram mostrar que essa política econômica contribuiu para o desenvolvimento da indústria. Para Cano, a expansão do sistema bancário no Brasil ganharia realmente expressão a partir da Reforma Bancária, em 1890, que além de conceder aos bancos o privilégio de emissão, ainda lhes facultava o exercício das atividades extra-bancárias, como por exemplo, o do comércio, da indústria, de colonização, construção de estradas etc (...). Entretanto, em que pese o número excessivo de empresas economicamente inexeqüíveis, a expansão monetária gerada por esta etapa não significou apenas uma mirabolante onda inflacionária. Muitos empreendimentos, principalmente têxteis, se tornaram realidade, (Cano, 1977, PP.72-73).
Suzigan (1986), constatou que durante o Encilhamento estabeleceram-se grandes fábricas e indústrias de segmentos diversos. A política monetária expansionista e as reformas institucionais adotadas, apesar dos abusos no mercado de valores, tiveram resultados positivos em termos de investimento industrial.
No Encilhamento, segundo Tannuri (1981), não houve apenas jogo e especulação. Esse período se caracterizou também por uma interna acumulação real.

5.2.3. Opositor das arbitrariedades nos próximos governos
Fora do governo, Rui Barbosa tornou-se o principal opositor das arbitrariedades e dos desmandos autoritários de Floriano Peixoto e em tenaz crítico dos primeiros presidentes civis: Prudente de Morais e Campos Salles.

6. A indústria da construção civil
6.1. A carência de habitação após o escravismo
A vida operária não foi substanciada somente em suas relações sociais, como também por suas condições de vida. Muitos trabalhadores trabalhavam em locais específicos, em regiões desvalorizadas. O preço baixo dos terrenos e a proximidade das estações ferroviárias atraíam as novas indústrias e muitos dos imigrantes recém-chegado para o Brás, o Bom Retiro e a Mooca.
Havia um padrão de moradia representado pelo excesso de cortiço. Normalmente, formavam aquele padrão as pequenas habitações de estilo pobre, monótono e humilde.
As casas, em geral, construídas no "estilo feio e forte da colônia", não tem mais do que um ou dois andares. Todo um conjunto de telhados pardos e tristonhos, erguidos numa feição desirmanada: prédios desrebocados, encardidos (...) verdadeiros frangalhos arquitetônicos. As ladeiras que trepam para o morro são maltratadas e sujas. Têm, porém, uma vida intensíssima, servindo, como servem a imensa colméia humana, ativa e rumorosa que aí se instala e vive. (Apud Carone, 1979, pp. 31-32).
As condições de moradia representavam um ultraje às leis e posturas municipais. As pessoas se estabeleciam em qualquer prédio velho, sob uma absoluta deficiência higiênica, com escassez de água, como aponta um relatório da 5ª Delegacia de Saúde do Distrito Federal:
Casas escuras, úmidas e velhas, acham-se repletas de moradores que aí vivem acumulados em cubículos impróprios, mal arejados e deficientemente iluminados. Tudo aqui ocorre para contrariar a higiene, parecendo que o infeliz recanto esteve de há muito condenado pelos poderes públicos que jamais procuraram atender as necessidades de seus moradores. Nos morros então, crescem essas condições de desasseio: aí vê-se lixo por toda parte (...). (Porto, 1936; p.22-25 apud Carone, Edgard, 1979, 33-37).
Segundo o jornal da Fanfulha¹, que estimava este tipo de moradia em um terço das habitações existentes em São Paulo: "Em cada cubículo, verdadeira colméia humana, com freqüência se comprime toda uma família de trabalhadores, às vezes composta de oito ou nove pessoas". (Fanfulha, 11/10/1904 p.2 Apud Pinheiro e Hall, 1981, p.43). Algumas moradias fechavam quarteirões por completo, onde em seu interior mutiplicavam-se construções ainda piores, originado muitos cortiços.
A formação de vilas era comum em torno das indústrias, principalmente as de tecido, que se localizavam próximas às linhas férreas.
O loteamento e a construção de casas modestas naqueles locais era um negócio altamente lucrativo. Algumas vilas eram enaltecidas por suas qualidades, como no caso da 1ª Vila Economizadora Paulista e a Maria Zélia, fechada com escola, igreja, clube, campo esportivo. Era considerada um "mundo auto-suficiente e um prolongamento da fábrica ordenava a vida dos operários pela disciplina e ordem através do controle social" (De Decca, 1989, p.26).
As vilas operárias tinham um caráter comum por sua ligação com a indústria representando uma relação entre capital e trabalho. De fato, como prolongamento da fábrica, serviam de "função normativa e disciplinar sobre o comportamento operário no domínio privado e cotidiano fora da esfera de produção. (De Decca, 1989, p.41).
Diante das precárias condições de vida, a insatisfação tomou conta dos meios operários em sintonia com o descontentamento geral da população, provocando a organização de greves.
¹ Este é um órgão de imprensa da comunidade italiana em São Paulo, sendo considerado o mais importante periódico de origem italiana no Brasil e reconhecido pelo governo da Itália. Maiores informações em http: //www.jornalfanfulha.com.
6.2. O crescimento da construção civil
Brito (2000:101) aponta que a partir de 1880, algumas circunstâncias levaram os imóveis urbanos a se tornarem uma das mais interessantes opções de investimentos: a disponibilidade de capitais, que vinha se configurando pelo menos desde 1850, com a proibição do tráfego de escravos, liberando os recursos aí imobilizados por parte dos comerciantes e fazendeiros; o crescimento demográfico e econômico da capital, com o aumento do fluxo de imigrantes e a instalação de proprietários rurais na cidade, o que aumentou bastante a demanda por imóveis por parte de todas as classes de renda; a busca por aplicações seguras em uma conjuntura política incerta nos últimos anos do Império e início da República.
A economia cafeeira era sujeita a muitas oscilações, o que fortalecia o papel da terra urbana como reserva de valor para os capitais excedentes. O encilhamento também teve grande contribuição para o aquecimento da atividade imobiliária, época em que foram criados 15 bancos e 207 companhias, muitas delas baseando seus negócios na atividade imobiliária. Nesses dois anos, 14 companhias dedicadas à construção civil iniciaram suas atividades na cidade, além da constituição de 7 imobiliárias e 4 empreendimentos ligados à produção de material de construção, como cerâmica, telha e tijolos.
Botelho (2007), em seu livro Urbanos em Fragmentos descreve que, segundo Bonduki (1998:41): Desde o Império, surgiram incentivos, inclusive isenção de impostos de importação de materiais, para facilitar sua construção. Em São Paulo, a lei 493/1900 previa a isenção de impostos municipais para as vilas operárias construídas conforme o padrão da prefeitura e fora do perímetro central, incentivo reforçado em 1908, pela lei 1.098. Nesse dispositivo, a Câmara Municipal reafirmava a legislação anterior e se propunha a fazer gestões junto ao Congresso Legislativo Estadual, para que este tomasse medida semelhante, e ao Congresso Federal, para que autorizasse as Caixas Econômicas a empregar um quinto de seus fundos em empréstimos hipotecários às sociedades construtoras de casas baratas e higiênicas e às sociedades de crédito que facilitassem a compra ou construção dessas casas.
Eduardo Yázigi (2000), em O Mundo das Calçadas, afirma que o ofício de corretagem foi regulado desde 1897, conforme dados levantados na Junta Comercial e que a ligação do encihamento com o crescimento urbano se deu pela especulação.
Logo após a Proclamação da República, o Governo Provisório criou o sistema de propriedades denominado (Registro Torrens)², permitindo mais uma vez a apropriação de terras de posseiros e do patrimônio público, possibilitando que o Encilhamento em São Paulo fosse baseado na especulação em terrenos urbanos (Glezer, 1994-95:25).
Como apurado por Brito (2000:101), os bons rendimentos oferecidos pelo mercado imobiliário e o incentivo oficial os planos de adequação material dos núcleos urbanos motivaram o surgimento de muitas empresas voltadas para as áreas urbanizadoras, especialmente a compra e a venda de terrenos. Dentre as formas de articulação dos empreendedores imobiliários, que revelam alto grau de racionalidade capitalista, temos: a reunião de capitais individuais em sociedades anônimas voltadas à atividade urbanizadora; a combinação de diferentes atividades por compra e venda de imóveis urbanos³, a tentativa, por parte dos empresários voltados ao mercado imobiliário, de estender suas operações à produção e/ou importação de materiais e ao oferecimento de crédito para a construção; a combinação entre o desenvolvimento de atividades urbanizadoras e atividades em outras áreas, sem qualquer vínculo com as primeiras, por uma mesma empresa ou por empresários atuantes nessas frentes; a articulação entre empresários e o setor público, pois muitos dos grandes empresários envolvidos em atividades urbanizadoras detiveram cargos públicos ou mantiveram vínculos estreitos (inclusive familiares) com seus detentores, o que lhes permitia participar ativamente do estabelecimento das políticas que diziam respeito à definição dos trabalhos de dotação material urbana a serem implementadas e das áreas alvo de obras públicas.
O número restrito de empreendedores envolvidos nas atividades urbanizadoras conferia a eles um controle mais efetivo sobre as etapas a serem vencidas para a viabilização de seus empreendimentos assim como sobre a definição dos lugares a serem objeto de investimentos em infra-estrutura, serviços e outros melhoramentos.
Segundo Botelho (2007), nas últimas décadas do século XIX, a cidade começava a se expandir para as várzeas, ultrapassando a "colina original". O antigo núcleo urbano transformava-se num centro de negócios, como bancos, comércios e as pequenas oficinas, fazendo com que as residências das famílias ricas se deslocassem para os "bairros novos". Nas terras baixas do Tamanduateí, junto às estações ferroviárias e ao longo das vias férreas instalaram-se os primeiros "bairros-operários", fazendo com que o Brás viesse a se tornar o distrito urbano mais populoso da cidade; a oeste surgiram os "bairros residenciais finos", particularmente os Campos Elíseos e Higienópolis (Azevedo, 1961:37-8).
Concomitantemente a esse processo de expansão da cidade ocorreu, segundo apurou Brito (2000:131), um processo de concentração da propriedade da terra no seu entorno, no qual Victor Nothmann, Joaquim Eugênio de Lima, os Paes de Barros e Antonio Proost Rodovalho tiveram papel destacado.
Victor Nothmann foi acionista de 13 das 44 companhias estruturadas sob a forma de sociedade anônima vinculadas à compra e venda de terrenos, loteamentos e construções de moradias; Francisco de Paula Ramos de Azevedo, em oito delas; os Dias da Silva e Antonio Proost Rodovalho aparecem em sete; Pedro Vicente de Azevedo em seis, Cícero Bastos em cinco; Domingos Sertório, os Paes de Barros, os Mello Oliveira, entre outros, estão associados a quatro delas.
Uma nova tendência, que iria caracterizar a cidade de São Paulo nas décadas seguintes, começa a partir da década de 1890 (Langenbuch, 1968:121): trata-se do surgimento de arruamentos isolados, completamente separados da cidade, por áreas ainda não loteadas, como foi o caso de Santana, Vila Gomes Cardim, Vila Prudente, Ipiranga e Vila Cerqueira César.
Essa tendência de formação de loteamentos isolados do núcleo mais compacto teria como causa principal a especulação imobiliária, pois o comprador de lotes isolados tinha a consciência de que a cidade não tardaria em alcançar o local, valorizando-o.
Segundo Raquel Rolnik (2001:17), é nesse momento que se constitui um dos primeiros fundamentos da ordem urbanística que governa a cidade até o momento histórico atual: uma região central investida pelo urbanismo (com infra-estrutura, destinada exclusivamente às elites), contraposta a um espaço puramente funcional, normalmente "sem regras", distante desse centro, onde se misturam o mundo do trabalho e o da moradia dos pobres. Dessa forma, os loteamentos em São Paulo do final do século XIX e início do século XX já revelam um espaço segregado entre ricos e pobres.
É com a imigração de trabalhadores livres que ocorre uma demarcação espacial mais nítida entre classes, entre os patrões e os trabalhadores. A ocupação dos chamados "bairros operários" fez parte dessa estratégia de segregar os mais pobres, no caso de São Paulo, em direção às várzeas alagadiças, consideradas insalubres e sujeitas a inundações, em oposição às colinas, áreas dos loteamentos das camadas sociais de maiores rendimentos.
² O Registro de Torres, por sua vez, é uma forma de registro diferenciada, pois uma vez efetivado, fornece ao proprietário um título com força absoluta vez que contra ele não é admitido prova em contrário. É a única forma de registro que goza dessa presunção absoluta no Brasil.
³ Essas empresas, atuando em vários setores, tinham por objetivo, segundo conclusão de Mônica Silveira Brito (2000:22), explorar as diferentes possibilidades de renda e lucro envolvidos no mercado imobiliário, ou ao menos se propor a isso, articulando a abertura de loteamentos com a construção das habitações, a instalação e exploração de serviços urbanos como abastecimento de água e transporte coletivo, a produção/comercialização de materiais para construção e a cessão de crédito para aquisição dos imóveis.
6.3. A construção por encomenda, a verticalização
Segundo Pereira (1988), as obras expandiam a cidade de São Paulo e a acumulação por possibilitarem a realização de lucros e juros do dinheiro nela aplicado.
A necessidade de reorganização do processo de construção combinada com a fiscalização das obras fazia crescer a figura do engenheiro, que ia progressivamente assumindo o controle das construções urbanas. Também se afirmavam os empreiteiros capitalistas em detrimento dos profissionais individuais que prestavam serviços diretamente à Câmara.
A possibilidade de associar várias formas de ganhos, o lucro, os juros e a renda, permitia uma vasta gama de inserções entre o uso do edifício e a propriedade do terreno e aqueles que começavam a empreender construções em escala ou mesmo em relação aos mestres-de-obras que construíam pequenas casinhas. Porém, a produção imobiliária refletia a instabilidade de sua organização, que não se montava para suprir as necessidades gerais do mercado, reduzindo-se praticamente a organizações que surgiam e se desmontavam conforme as encomendas de construções e as disponibilidades de dinheiro.
As obras urbanas já despontavam como um regulador da produção e apropriação da cidade. De certo modo, elas foram as catalisadoras dos desejos e da consolidação das novas idéias do morar.
Segundo o autor, a transformação da cidade de São Paulo foi muito intensa no final de século XIX, configurando um processo de profunda diferenciação do espaço, quer pelo espraiamento horizontal, quer pelo adensamento das construções que ensaiavam alguma verticalização.
A cidade, contraditoriamente, homogeneizava-se à medida que se expandiam as construções associadas à imposição de normas e padrões urbanísticos e diferenciava-se à medida que se deixava ao encargo de cada um o equacionamento de sua adequação às condições sociais de apropriações de espaço.
Segundo o anuário Estatístico de São Paulo de 1912, observamos que o número total de prédios aumentou em 52% entre 1899 e 1910, passando de 21.656 para 32.914. Nesse período aumentaram em 260% os prédios assobradados e em 83% os de mais de um andar.
Para Pereira (1988), esse foi um período no qual a cidade se definiu como espaço da moradia do homem submetido ao capital, cuja apropriação através da propriedade imobiliária capitalista nega-lhe o caráter socializado de materialização das condições gerias, por privatizar, ao mesmo tempo, espaço e valor.
6.4. O destaque da mão de obra dos imigrantes
Chegou num momento da história brasileira em que não se buscava apenas a forma social de substituição do escravo, as oportunidades econômicas se abriram, como a criação de bancos, indústrias e a grande expansão do café para o oeste. No que diz respeito à atração de mão de obra estrangeira, esse foi um momento marcado pela necessidade de provar que, no Brasil, o imigrante não seria escravo, que teria oportunidade de enriquecer, tornar-se proprietário da sua própria terra. Porém, se a economia agrícola estava fechada para esse fim, o mesmo não se deu na indústria e no comércio. Esses setores da economia foram ocupados pelos imigrantes, predominantemente pelo italiano.
Baseado no livro O Cativeiro da Terra de José de Souza Martins (2010), o Recenseamento de 1920 indicou que havia no Brasil 1.565.961 estrangeiros. Desses, 558.405 eram italianos, 433.577 eram portugueses e 219.142 eram espanhóis. A distribuição desses imigrantes pelo território brasileiro sugere que havia diversidade de condições sociais no interior de cada um dos grupos nacionais. Estavam no Estado de São Paulo 78% dos espanhóis, 71,4% dos italianos, 38,6% de portugueses e 53% do total de estrangeiros.
Segundo o autor, entre 1851 e 1909, os imigrantes eram constituídos por espontâneos - que viajavam por conta própria - ou subsidiados pelo governo brasileiro (que contratava agenciadores e traficantes de mão-de-obra) que pagava as passagens e manutenção dos mesmos até o destino final. Os imigrantes eram submetidos desde o desembarque, aos critérios e interesses do governo e, em seguida, dos fazendeiros de café.
A imigração subvencionada ou subsidiada teve um papel essencial na transformação da sociedade brasileira e na transição do trabalho livre.
Para Martins (2010), é verdade que o imigrante com viagem paga pelo governo nacional teve, em várias ocasiões, oportunidade de ser encaminhado aos núcleos coloniais oficiais, na condição de pequeno proprietário. Mas a grande massa de imigrantes subvencionados que se dirigiam a São Paulo teve sua viagem paga pelo governo paulista. Nesse caso, o imigrante praticamente não tinha liberdade de decidir para onde ir e o que fazer. Desembarcado no porto de Santos, em poucas horas o imigrante era conduzido de trem à Hospedaria dos Imigrantes, na cidade de São Paulo. Aí permanecia, geralmente, três dias (no máximo oito), sendo em seguida enviado de trem para as regiões do interior onde houvesse maior demanda de força de trabalho.
O ano de 1886 marcou o início da imigração italiana organizada para o Brasil, sendo que o número maior acabou ficando no Estado de São Paulo e alcançou o seu auge na segunda década de 1900. A partir de então o número foi diminuindo por causa dos retornos, das mortes e das naturalizações. O Censo de 1940 registrava ainda a presença de 235 mil italianos no Estado de São Paulo.
Muitos imigrantes se deram bem e se integraram com a sociedade brasileira, outros voltaram à pátria de origem; alguns foram marcados pelo sucesso e outros pelo insucesso; alguns fizeram parte da elite empresarial, enquanto outros nunca deixaram da classe operária; alguns ocuparam postos de liderança dentro do movimento operário, pois já haviam participado de lutas operárias na Itália, outros se alinharam aos patrões, pois tinham sido por eles favorecidos; muitos eram bem aceitos pelos operários brasileiros, outros eram mal vistos, pois ocupavam os melhores postos nas fábricas.
Essa situação gerou conflitos, às vezes latentes e outras expressas, entre italianos e brasileiros, mas não se pode falar de conflito étnico de maiores proporções.
A ausência de maiores atritos e a facilidade de integração dependeram da rapidez da assimilação dos italianos em relação ao novo ambiente e a facilidade com que o mundo brasileiro acolheu e fez próprios alguns dos hábitos e costumes trazidos pelo imigrante.
Outro fator que favoreceu a integração foi a religião. Os italianos eram católicos e chegaram num país católico. A fé, a missa dominical, as devoções e as festas colocaram sempre lado a lado brasileiros e italianos. Além do mais, os italianos trouxeram para o Brasil ritos e devoções que foram incorporados ao culto brasileiro. Aconteceu uma espécie de simbiose entre as duas culturas. Desta maneira ficou abrandada a parte dolorida e dramática da imigração. Somando a hospitalidade dos brasileiros às virtudes dos imigrantes, a pátria de exílio tomou-se pátria mãe.
Martins (2010) relata em seu livro que em 1901 já havia pelo menos 36 indústrias de imigrantes italianos em São Paulo, a maioria na Capital, praticamente todas organizadas segundo o padrão da grande indústria, reunindo mais de 3.500 operários. Sem contar as pequenas oficinas autônomas espalhadas por todo o estado. Apenas 4 foram fundadas antes de 1880; 10 foram entre 1881 e 1890 e 20 surgiram entre 1891 e 1900.
Ao contrário dos descendentes de alemães, que preferiram dedicar-se à indústria mecânica e metalúrgica, os italianos preferiram, nessa época, a indústria de bens de consumo, principalmente tecidos, chapéus, calçados e alimentos.
Dos grandes industriais de São Paulo, vindos da Itália, apenas dois eram pobres, os demais já chegaram aqui com recursos.
Entre 1886 e 1893, a população estrangeira em São Paulo passou de 12.085 pessoas para 70.978, de 25,9% para 54,9% da população da cidade. Os estrangeiros eram praticamente trabalhadores e constituíam a maioria nos serviços domésticos, nas atividades manufatureiras, na produção artesanal, nos transportes e nas atividades, de 12 mil trabalhadores, o que correspondia a 82% dos trabalhadores desses ramos industriais.
As condições de vida dos trabalhadores de São Paulo, naquela época, eram péssimas. Não tinham conforto, os bairros que mais se concentravam por serem os que continham maior número de fábricas era o Brás e o Bom Retiro. As casas eram infectas, a maioria das ruas não tinha calçada, havia falta de água, escassez de luz e de esgotos.
Nos bairros operários, era comum os trabalhadores imigrados viverem em condições idênticas às dos negros libertos da escravidão, nos famosos cortiços ou porões. Os cortiços eram habitações coletivas, precedentes das favelas dos dias atuais. Pequenos cômodos superlotados distribuíam-se ao longo de um corredor que desembocava num pátio onde havia instalações únicas para todos os moradores ? sanitários e tanques de lavar. Era freqüente que o mesmo cômodo servisse de quarto de dormir e cozinha.
Nessa época, havia a exploração do trabalho da mulher assim como do trabalho infantil. Antes dos 10 anos, as crianças já eram encaminhadas às fábricas submetendo-se a mais de 12 horas de trabalho.
6.5. A habitação como forma de renda através da locação
Segundo Botelho (2007), "a crise que se seguiu à euforia do Encilhamento também contribuiu para aumentar essa desconfiança e para a preferência por investimentos imobiliários, visto como mais seguros pelos rentistas. A valorização imobiliária e a grande demanda por habitações, sobretudo em São Paulo e Rio de Janeiro, os incentivos fiscais por parte do Estado para a produção de moradias uni familiares e a inexistência de controles estatais dos valores dos aluguéis também contribuíram para tornar o investimento em moradias de aluguel bastante atraente durante a Primeira República", e, em seguida, dos fazendeiros.
A produção imobiliária, especialmente de moradias populares, envolvia um grande número de agentes que buscavam uma renda através do aluguel. Pequenos comerciantes, empresas industriais, proprietários de terras urbanos, companhias mutuarias, sociedades imobiliárias eram os principais investidores na produção de habitação popular.
Para Pereira (1988), a necessidade de morar do despossuído era solucionada pela casinha de pequeno aluguel, que simplesmente fazia flutuar nas mãos do assalariado o dinheiro que esse mensalmente conduzia de um proprietário a outro, na forma de aluguel.
A forma de apropriação privada do espaço colocou a propriedade imobiliária como instrumento de captação de mais-valia. Ao mesmo tempo o consumo individual foi expulso da esfera de produção, abrindo lugar à mercantilização regulamentada pelo desenvolvimento da relação entre força de trabalho e o capital.

7. Conclusão
Apesar da maior parte dos historiadores apontarem o Encilhamento como um período negro de nossa história, marcado pelo início da maior crise inflacionaria do País, também encontramos relatos que afirmam que o Encilhamento trouxe alguns aspectos favoráveis para o crescimento do país.
Porém, analisando de maneira mais crítica todo o período anterior e posterior desse processo, encontramos atualmente uma sociedade com acentuada diferença de classes sociais, onde o capitalismo se perpetua de forma cada vez mais forte, criando caminhos em direção a uma sociedade consumista, que é a base principal da sua continuidade. O capitalismo está, cada vez mais, criando um maior número de desfavorecidos, atenuando o empobrecimento.
Diante desse cenário, estudiosos repensam em formas de crescimento e ganho de capital, a fim de criar uma equivalência social, política e econômica.
Destaco o pensamento do geógrafo e marxista inglês, especialista em sociologia urbana, David Harvey que nos debates sobre os rumos da economia mundial a incerteza parece ser o único consenso. Estamos numa incruzilhada onde o crescimento terá que ser repensado. O setor financeiro inventou várias inovações que permitem o ganho de capital, jogando com o dinheiro. Vivemos em um sistema muito propenso a crises e elas, quase sempre, dizem respeito a valores fictícios, sendo as dívidas, em especial, um dos maiores deles.
Em contrapartida, o Brasil, como um país considerado produtor, ainda hoje possibilita oportunidades de especulação, ou seja, de ganho sem a força de trabalho, somente na valorização de terras e imóveis, Perpetua-se dessa maneira, uma das mais rentáveis formas de ganho.

Bibliografia
AZEVEDO, Aroldo. São Paulo: da vila quinhentista à metrópole regional. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo: Associação dos Geógrafos Brasileiros/Seção Regional de São Paulo, nº39, out,1961.
BOTELHO, Adriano. O Urbano em Fragmentos - A produção do espaço e da moradia pelas práticas do setor imobiliário, Annablume Editora, 2007.
BRASIL: Encilhamento, o Primeiro Pacote. Disponível em: ttp://www2uol.com.br/historiaviva/reportagens/brasil_encilhamento_o_primeiro_pacote.html. Acesso em: 16/12/2010.
BRITO, Mônica Silveira. A participação da iniciativa privada na produção do espaço urbano: São Paulo 1890-1911. Dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da cidade de São Paulo ? USP, fotocópia, 2000.
CARONE, Edgard. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo, Difel, 1979.
CARVALHO, Rodrigo Janoni. Trabalho e Vida do Operariado Brasileiro nos séculos XIX e XX. Revista Eletrônica Arma da Crítica, ano 2, nº2, , março 2010, ISSN 1984-4735.
COSTA, Pe. Gelmino. História da Paróquia Nossa Senhora da Paz, In. Travessia, Publicação CEM. Ano XVIII nº 52, maio/ agosto / 2005. Disponível em http://www.missaodapaz.com.br. Acesso em 10 dezembro de 2010.
DE DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. Cotidiano de Trabalhadores na República. São Paulo, 1889-1920. Coleção Tudo é História, São Paulo: Ed.Brasiliense, 1989.
DE MASI, Domêmico. Entrevista no no Roda Viva de 21/6/99, disponível em http//edutec.net/Textos/Alia/MISC/edmasi2.htm. Acesso em 20/12/2010.
DIÀRIO OFICIAL, Suplemento, Estado de São Paulo, Boletim Jucesp. 90 anos de atividade, p.1, v.91, nº 80, São Paulo, 30/ 04/1981.
EDINGER, Cláudio; CAVALCANTI, Pedro. A Construção da Cidade. São Paulo, Abooks, 1999.
ELETROPAULO, Superintendência de Comunicação/ Departamento de Patrimônio Histórico. A Cidade da Light: 1899-1930, v. 2, Novo Tempo, 1990.
GLEZER, Raquel. O campo da história. Cadernos de História de São Paulo. São Paulo: Museu Paulista, n.1, 1992.
JÚNIOR, Carlos Teixeira de Campos. A Construção da Cidade: formas de produção imobiliária em Vitória, Florecultura, 2002.
LANGENBUCH, Jergen R. A estruturação da grande São Paulo:estudo de geografia urbana. Rio Claro: Universidade de Campinas/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, Tese de Doutorado, 1968.
MACHADO, Maria Cristina Gomes. Rui Barbosa Pensamento e Ação, Editora Autores Associados: Rio de Janeiro, RJ: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2002.
MARTINS, José de Souza. Empresários e trabalhadores de origem italiana no desenvolvimento industrial brasileiro entre 1880 e 1914: o caso de São Paulo, In: O Cativeiro da Terra. São Paulo: Editora Contexto, Cap. 6, p.237-255, 2010.
MARX, Karl. A Fórmula Trinitária. In: O Capital: Contribuição à crítica da economia política, cap. 48, São Paulo, Civilização Brasileira, 1991.
MELLO, Zélia Maria Cardoso de. Metamorfoses da Riqueza São Paulo, 1845-1895. Editora Hucitec, Prefeitura do município de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, 1985.
METOYAMA Shozo; NAGAMINI Marilda; QUEIRÓZ Francisco de Assis. 1889-1930: Ciência e Tecnologia nos Processos de Urbanização e Industrialização. In: Prelúdio para uma história Ciência e Tecnologia no Brasil, Edusp, cap.3, 2004.
NASSIF, Luis. Os Cabeças-de-Planilha. Rio de Janeiro, Ediouro, 2007, 2ª ed.OHIRA, Maria Lourdes Blatt; PRADO, Noêmia Schoffen. Bibliotecas virtuais e digitais: análise de artigos de periódicos brasileiros (1995/2000). Ci. Inf., Brasília, v. 31, n. 1, Jan. 2002. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652002000100007&lng=en&nrm=iso. Acesso em 10 de dezembro/2010
PEREIRA, Paulo Cesar Xavier. A industrialização do trabalho de construção. In. Espaço, Técnica e Construção. São Paulo: Nobel, p. 95-141, 1988.
PEREIRA, Paulo Cesar Xavier. Construção Social do Mercado: privilégio e exclusão. In. São Paulo, a construção da cidade, 1872 - 1914. São Carlos: Rima, cap. 3, p.66-89; cap. 4, p.124-154, 2004.
RODRIGO, Ondina Antonio; DI FRANCESCO, Nelson. Memorial do Imigrante, Imigração Italiana no Estado de São Paulo, n.1, São Paulo: Abril, 1995.
ROLNIK, Raquel. São Paulo. São Paulo: Publifolha, 2001.
SALMONI, Anita; DEBENEDETTI, Emma. Arquitetura Italiana em São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007.
SOMEKH, Nadia. A cidade vertical e o urbanismo modernizador. São Paulo: Studio Nobel/Edusp/FAPESP, 1997.
SOMEKH, Nadia. São Paulo anos 30: verticalização e legislação urbanística. Espaço & Debates, São Paulo: Neru, nº 40, 1997 a.
TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século, 4ª ed. São Paulo: Cosacnaify,.2007
YÁZIGI, Eduardo. O mundo das calçadas: por uma política democrática de espaços públicos, 2000, Ed. Humanitas.



Autor: Dárcio Lugarini


Artigos Relacionados


A Importância Do Crédito Habitacional

A Continuidade Da EscravidÃo Em RazÃo De Um Corpo Normativo Dotado De Falhas

A ImigraÇÃo No Brasil

Movimento Arnarquista No Brás

Mundo Do Operariado No Brasil

Toti Obras Construtora De Piracicaba Se Renova Com Site Na Web

DependÊncia HistÓrica: Do Mercantilismo Ao SÉculo Xxi