Concepções de território de alunos do 9º ano: o que emergem de seus desenhos?



CONCEPÇÕES DE TERRITÓRIO DE ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: O QUE EMERGE DOS SEUS DESENHOS?


Thiago Calheiros Dantas
Edna Telma Villa
Maria Francineila


RESUMO
Discute-se neste artigo as concepções de território(s) que emergem dos desenhos de seis alunos de uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública no município de Pilar/AL. A proposta consistiu na elaboração gráfica de desenhos produzidos pelos alunos como representações do que entendiam acerca do conceito de território. Referencia-se em autores como Santos (1997) e Pontuschka (2007), compreendendo-se o desenho como uma representação gráfica, espacial e mental dos sujeitos. Na leitura dos dados focalizam-se os ícones e relações que interpretamos como aspectos referentes ao conceito de território, dialogando-se com Sposito (2004), Cavalcanti (1998, 2008); Haesbart (2004) e Saquet (2007). Os dados evidenciam as marcas de concepções diversas dos alunos que remetem a aspectos de ordem naturalista, de poder e do território visto como campo de força. Com relação ao elemento ?identidade? as concepções reveladas encontram-se limitadas à ideia de pertencimento dos sujeitos ao lugar e não a aspectos das sociedades multiculturais.

Palavras-Chave: Concepções de alunos; Território e Representação gráfica.

Introdução

A opção por discutir as concepções de território, justifica-se por este ser um conceito que vem agregando - tanto na ciência geográfica quanto na geografia escolar - aspectos que vão além da perspectiva política e econômica, incluindo-se a dimensão cultural (HAESBART, 2006; SAQUET, 2007; CAVALCANTI, 2008). Ademais, o conceito de território, conforme faz notar Cavalcanti (1998, p. 107) "está presente em diversos conteúdos que compõem o programa curricular do ensino fundamental e médio".
Neste trabalho entende-se o conceito de território enquanto relações de poder, "considerado como campo de força, de múltiplas escalas, produzido por meio da apropriação e da ocupação de um espaço por um agente, que pode ser o Estado, uma empresa, um grupo social ou um indivíduo" (CAVALCANTI, 2008, p. 53).
De acordo com o conceito explicitado e considerando-se o contexto de ensino, evidencia-se também o elemento ?identidade?, manifestando-se de forma individual ou coletiva na espacialidade dos alunos. Destaca-se a identidade como elemento da cultura em que o sentido de pertencimento e apropriação são relevantes.
Cavalcanti (2008) apresenta aspectos que se interseccionam na construção do conceito de território (figura 1).


Figura 1 Sistematização do conceito de território (CAVALCANTI, 2008, p. 54).

Cabe destacar que a referida autora vem discutindo desde 1998 a necessidade de se trabalhar com os alunos os elementos do conceito de território indicados como "territorialidade, nós, redes, tessitura, fronteiras, limites, continuidade, descontinuidade, superposição de poderes, domínio material e não material ? no âmbito do vivido pelo aluno (CAVALCANTI, 1998, p. 110). Apontando, igualmente, que no processo de ensino considere-se o que os alunos pensam sobre território.
Haesbart (2004) analisa o território sob diferentes enfoques, apresentando uma classificação com três vertentes básicas:

1) jurídico-política, segundo a qual "o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter estatal"; 2) cultural(ista), que "prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço": 3) econômica, "que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho". (HAESBAERT apud SPOSITO, 2004, p.18).

A tríplice abordagem apontada pelo autor vai além do caráter do poder estatal, evidenciando o aspecto humano da identidade social e os aspectos econômicos da relação capital-trabalho, presentes na constituição do território. Haesbart (2002) refere-se a uma multiterritorialidade expressa sob três formas: os territórios-zona, os territórios-rede e os aglomerados de exclusão. Na primeira prevalece a lógica política; na segunda, a lógica econômica e na terceira evidencia-se uma lógica social de exclusão sócio-econômica das pessoas.
Saquet (2007) além de abordar o território nas perspectivas política, econômica e cultural, ressalta a abordagem da natureza, justificando que esta faz parte do território e dele é indissociável.
Pontuschka (2007), referindo-se ao desenho como representação espacial, trata das suas modalidades, incluindo o ?desenho do território?. A autora faz provocações a respeito do reconhecimento da forma esquemática dos territórios, geralmente não identificados e/ou diferenciados pelos alunos, indicando que:

O conhecimento geográfico e geopolítico dos territórios necessita da visão geral de sua territorialidade, de reconhecimento e localização de sua organização físico-territorial e de sua forma e distribuição. A simples percepção visual ligeira de uma imagem não permite real conhecimento (PONTUSCHKA, 2007, p. 302).

Diante desta provocação o desafio de se trabalhar na escola atividades com mapas, chamando a atenção dos alunos para a visualidade como forma esquemática constitui-se aspecto gráfico importante para o reconhecimento de territorialidades.
A partir do referencial acima explicitado, optou-se por uma proposta em que os alunos pudessem revelar suas concepções a respeito de território(s), a fim de que expressassem em seus desenhos, entendimentos relacionados ou não ao conceito de território apontado por Cavalcanti (2008).
Santos (2002, p. 196) afirma que "quando lidamos com desenhos, estamos lidando com o aspecto visual do pensamento e da memória". Acrescenta-se com Pontuschka (2007) que, por meio do desenho, o imaginário sociocultural dos sujeitos pode ser revelado.
Nesta pespectiva, o desenho constitui-se, neste trabalho, como uma representação gráfica, espacial e mental dos alunos a respeito de território(s). Destaca-se que a predominância de uma forma espacial e da linguagem figurativa e polissêmica - com possibilidades de expressar os espaços vividos e as práticas sociais dos sujeitos - marca os aspectos de representação do desenho.
Os alunos de uma turma do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública no município de Pilar/AL foram convidados a produzir desenhos como representações do que entendiam acerca do conceito de território. As concepções dos alunos são discutidas neste artigo, dialogando-se com os desenhos produzidos e com autores como Sposito (2004), Cavalcanti (1998, 2008); Haesbart (2006) e Saquet (2007).

Metodologia
O estudo de natureza qualitativa e de caráter exploratório visa identificar as concepções de território(s) que emergem dos desenhos dos alunos. Os elementos gráficos representados são considerados em seus aspectos particulares e gerais como ícones que se repetem ou como relações que podem ser tecidas e interpretadas.
Considerando-se a necessidade de representação esquemática na perspectiva de reconhecimento de uma forma gráfica optou-se por utilizar como figura-fundo para os desenhos dos alunos, a forma do território brasileiro, pressupondo-se ser esta facilmente identificada, embora o objetivo não fosse restringir o desenho a essa escala.
No que diz respeito à metodologia, optou-se pela representação gráfica do desenho para a coleta de dados, proposto aos alunos por meio da seguinte solicitação "desenhe o que vocês sabem ou entendem sobre território". Foi obtido um total de 30 desenhos, dos quais foram selecionados seis considerados representativos quanto à disposição gráfica; presença de elementos figurativos e aos aspectos relacionados ao conceito de território sistematizado por Cavalcanti: poder, campo de forças, identidade.
O estudo foi desenvolvido em maio de 2010, através de leituras bibliográficas, a proposta de representação por meio de desenho, seguida de esclarecimentos junto aos alunos e análise do corpus, recorrendo-se aos autores já citados.

Análise das concepções dos alunos
As análises foram realizadas na perspectiva de interpretar as concepções dos alunos a respeito do conceito de território, dialogando-se com Sposito (2004) e Cavalcanti (1998; 2008) por considerarmos que estes autores apresentam aspectos diversos do conceito focalizado.
As concepções de território(s) que emergem dos desenhos a seguir são múltiplas. Percebe-se a marca do aspecto relacional entre o local-global como materialização de um campo de força, de múltiplas escalas em que um agente ?empresa?  apropria-se e ocupa um espaço de centralidade no lugar. São formas espaciais compostas de nós e redes que o aluno demonstra articular.

Na figura 2, a Petrobrás encontra-se representada no centro da figura acompanhada da expressão: ?território particular da cidade de Pilar?, assim como a empresa Dias D?Ávila. Pode-se inferir que quando pensam em seu espaço cotidiano, os alunos tendem a apontar o território "como um lugar ocupado, do qual alguém tem a propriedade" (CAVALCANTI, 2008, p. 55).
As marcas trazidas no uso dos recursos naturais pela empresa no processo da extração ao beneficiamento são evidentes, devido a combustão dos residuos, sendo assim indicado no desenho pelas substâncias expelidas na direção contrária da chama. Contudo, faz-se notar a igreja, talvez em uma contraposição aos acessos dos sujeitos ou talvez como outro campo de força.
Na figura 3, as marcas da semi-aridez do Sertão nordestino são representadas por elementos da natureza e incorporada pelos sujeitos às suas vivências destacando-se a escassez de água. A presença do humano é marcada por trajes ou tipos característicos, evidenciando-se aspectos de identidade dos sujeitos com o território que ocupam. Neste sentido, a igreja parece ser também um símbolo.




Percebem-se na figura 3, elementos que fazem referência a derrubada de árvores, queimadas e monoculturas.
Na figura 4, faz-se uma indicação aos traços mais representativos dos territórios, orientados por reduções em que os clássicos aspectos regionais são marcados por ícones como árvores, construções, malha urbana. O elemento humano encontra-se concentrado próximo ao litoral do Nordeste brasileiro.




Na figura 5, o território brasileiro é representado como se fosse uma ilha, com a referência escrita de ?oceano?. Contudo, executando-se a confusão, o desenho pode ser um indicativo de que o território vai além da superfície com terra, estendendo-se ao mar.






Cavalcanti (2008, p.53-54) afirma que "somos todos agentes do território, estabelecemos limites entre o nosso e o dos outros; todos nós elaboramos estratégias de produção que se chocam com outras estratégias de apropriação e uso do território", sendo assim, um dos estudantes aponta "em um território existem muitas limitações como rios dividindo os estados uns dos outros", esta colocação não implica apenas discutir a extensão do território (referente ao princípio de extensão), mas traz uma ligeira preocupação dele a constituição do território, "como relação social projetada no espaço" Cavalcanti (2008, p.54).
Na figura 6, a praça está no centro da representação como território amplo e visualizado por pessoas que, de diferentes ângulos dela participam. A igreja e o campo de futebol estão desenhados fora da delimitação em tamanho grande e em lados opostos. No campo, os jogadores posicionados para atividade, certamente cada um em sua posição correspondente. O aspecto de identidade é visto como pertencimento ao lugar.





A figura 7 apresenta uma concepção de território mais voltada para a economia, destacando-se as atividades primárias em que a natureza passa a ser determinante.




De modo geral, a presença do ?humano? é feita de maneira direta em quatro dos desenhos selecionados, sendo nos demais de forma indireta, notadamente por meio das construções. Contudo não se pode afirmar que os alunos têm essa clareza, já que esta proposta foi realizada apenas como representação gráfica. Reafirma-se em conformidade com Santos (2002, p. 206) que "os elementos desenhados estão ligados à cultura de cada indivíduo, permeados pelo jogo da imaginação".
Nos desenhos, evidencia-se os alunos não se preocuparam em delimitar ou localizar Estados, regiões e cidades, embora tenham apontado elementos relacionados ao seu município, associados aos elementos poder e campo de forças.
Por fim, evidencia-se nos desenhos, a presença do lugar em suas representações como marcas do seu cotidiano ou expressão de pertencimento materializando-se em praças, pescadores, igrejas ou mesmo empresas, espacialmente distribuídos no município em que vivem.
De modo mais específico a respeito do conceito de território, destaca-se com Santos (2004, p. 96) que:






O território não é apenas a superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de um sistema de coisas criadas pelo homem. O território é o chão mais a população, isto é uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O território é à base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida sobre os quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois de logo entender que está falando de território usado utilizado por uma dada população.

Nos desenhos dos alunos foi possível perceber a presença de elementos associados ao poder, a exclusão, ao lugar, aos fenômenos físicos (rios, seca) e as decorrentes ações da sociedade (construções diversas). Diz Saquet (2007) que a vertente da natureza sempre estará presente dentro do território, sendo dele indissociável.
Com relação ao aspecto ?identidade?, não se evidenciam elementos relacionados a multiculturalidade, restringindo-se as marcas de pertencimento dos sujeitos associadas ao lugar.
Diante do exposto, ressalta-se que a forma de ensino e aprendizado de um conceito pressupõe interações pedagógicas desenvolvidas entre o docente e os discentes, nas quais os sujeitos devem exercitar mecanismos que auxiliem a construção cognitiva de conceitos por meio de processos, como: representação, abstração e interpretação. Nesta direção, propor procedimentos que envolvam delimitação, comparação, explicação, possibilita agregar questões mais complexas que se manifestam no espaço geográfico local ao global ou vice-versa.
Assim, as habilidades e procedimentos mencionados contribuem para o entendimento do território como espaço delimitado, gerido, organizado/usado por pessoas, instituições e empresas.

Considerações finais
No desenvolvimento do trabalho foi considerada a importância do desenho como elemento construtor de conceitos no Ensino Fundamental, especificamente o de território.
Os desenhos elaborados como conhecimentos prévios dos alunos podem construir-se, em recurso a ser utilizado junto a eles para discussão de suas representações, visando estabelecer relações ou nexos com o conceito de território.
Reafirma-se que os desenhos dos alunos aproximam-se do que aponta Raffestin (1993) em relação ao aspecto da produção do território de que esta é feita "por atores sociais nas relações de poder tecidas em sua existência".
Destaca-se também que as concepções dos alunos estão fortemente marcadas pela ideia de que o território é fonte de recursos, representado em sua relação com a sociedade e suas relações de produção, indício interpretado pela presença da indústria, da agricultura, ou seja pelas diferentes formas que a sociedade utiliza na apropriação e transformação da natureza, aspecto destacado por Sposito (2004) quando discute as nuances do conceito de território.
Por fim, recorre-se a Cavalcanti (2008, p. 55) para marcar a importância do entendimento do conceito de território para os alunos do ensino fundamental na perspectiva de que sejam estimulados a participar "na constituição de territórios da sociedade de que fazem parte, e para que compreendam os conflitos territoriais de pequenas e grandes escalas (regionais, mundiais), que caracterizam a sociedade".

Referências
CAVALCANTI, L. S. A Geografia escolar e a cidade: ensaios sobre o ensino de geografia para a vida urbana cotidiana. Campinas/SP: Papirus, 2008.

CAVALCANTI, L. S. Geografia, escola e construção de conhecimentos. Campinas/SP: Papirus, 1998.

HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do "fim dos territórios" à mutiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bretrand Brasil, 2006.

HAESBAERT, R. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda. Terra Livre, São Paulo, v. 1, n. 18, jan. /jun. 2002, p.37- 46.

PONTUSCHKA, N. N., PAGANELLI, T. I., CACETE, N. H. Para ensinar e aprender Geografia. São Paulo: Cortez, 2007.

SANTOS, C. O uso dos desenhos no ensino fundamental: imagens e conceitos. In: PONTUSCHKA, N. N; OLIVEIRA, A. U. de (orgs.). Geografia em perspectiva: ensino e pesquisa, São Paulo: Ática, 2008.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de janeiro: Record, 2000.

SAQUET, M. A. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão popular, 2007.

SPOSITO, E. S. Geografia e Filosofia: contribuições para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: UNESP, 2004.

SPOSITO, E. S. Sobre o conceito de território: um exercício metodológico para a leitura da formação territorial do sudoeste do Paraná. In: RIBAS, A. D.; SPOSITO, E. S.;

SAQUET, M. A. Território e desenvolvimento: diferentes abordagens. Francisco Beltrão: Unioeste, 2004.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Àtica, 1993.


Autor: Thiago Calheiros


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