Felicidade a qualquer preço



O senhor João Fernandes da Silva não teve vida fácil, nasceu pobre e administrava muito mal suas origens. Era homem ambicioso, morava paralelo a linha do trem, casa de beira de estrada de ferro, porém foi criado como se fosse um lorde. Sua mãe era megalomaníaca e seu pai ferroviário. Sua mãe era ajudante de costuras em uma casa de vestidos de noiva popular, porém se dizia contramestra em casa de alta costura. Não sabia talhar uma camiseta! Não dava seu endereço para ninguém, dizia que sua casa estava em construção. Durante vinte anos ela alimentou esta mentira, e de tanto mentir acabou acreditando na fantasia. Teve um único filho, seu marido queria pelo menos mais um filho, ela dizia não conseguir engravidar e usava escondido do marido, espermicida. Seu pavor era de ter uma filha e o pior mal, casada. E assim ela vivia, e assim o marido vivia preocupado com a sua saúde precária. João foi criado no meio de mentiras. Estudou até o secundário em colégio particular com bolsa que a irmã da patroa de sua mãe conseguiu no colégio onde era diretora. Não repetiu ano para não perder a bolsa e não teve condições de fazer um curso superior, começou como office-boy em escritórios e estava procurando sempre melhorar, até chegar a trabalhar na área de recursos humanos de importante empresa. Aí ele já estava casado com moça de sua classe social para desespero de sua mãe e dele também que maldizia a vida todos os dias. Sua mulher era escrava do lar. João não se conformava, estava casado a mais de vinte anos e só chegar onde chegou! O casal teve uma filha que nasceu linda, chegou a ganhar um concurso para fazer parte em novela de televisão. E João e sua mãe começaram a ver uma luz no final do túnel. O bebê teve uma aparição meteórica em cena, a atriz atravessou um corredor com o bebê nos braços rumo a UTI de um hospital infantil e depois disso não aconteceu mais nada. A estrela apagou. Anos depois a estrela, já mocinha, herdou o temperamento de seu pai e sua avó, renegava suas origens. Como era boa em esportes, no colégio se destacou na ginástica olímpica. Aos vinte anos, meio tarde, ganhou um concurso municipal e mais uma vez os sonhos de seu pai e sua avó não se realizaram. Aos vinte anos era tarde, porém João Fernandes jurou que aquela filha seria a sua realização, sua muleta na vida, achou que deveria explorar aquele potencial de beleza. A beleza externa de sua filha seria a salvação da sua lavoura e aos poucos foi se preocupando com o polimento da filha. Ele chegava a usar o transporte coletivo para sua filha não de usar as solas do sapato. Sua filha aprendeu os truques de sua avó e nunca recebeu amigos em casa, aliás não tinha amigos de seu nível. A menina não estudava, porém trabalhava em lojas finas e joalheria de shopping. Poderia ser um trampolim para atingir seus objetivos sociais, oportunidade para laçar um endinheirado. Segundo sua avó e seu pai, era onde ela iria aprender como se vestir e automaquilar. Até que certo dia seu pai teve uma idéia brilhante. O multimilionário dona da empresa onde ele trabalhava oferecia, no final do ano, uma festa para confraternização de todos os funcionários e toda a diretoria fazia presença. João Fernandes viu que a hora era aquela; produziu sua mãe e sua mulher e super produziu a sua filha que apareceu deslumbrante. Seu pai a uma loja de locação de roupas de festas onde a jovem foi vestida, maquiada, calçada e mais ele pediu tudo elegante "sóbrio" e na festa seu objetivo era apresentar o presidente da empresa que estava se divorciando de sua quarta mulher. João Fernandes chegou na hora limite na festa que era para fazer a entrada triunfal. Aqui cabe um porém, a moça impressionou a todos os presentes, porém o presidente não havia chegado. João Fernandes tratou de se informar com a secretária que garantiu que ele só estava atrasado e que já estava a caminho. João Fernandes acomodou sua mulher e sua mãe em uma mesa, e voltou para o estacionamento. Ele sabia muito bem onde o presidente deixaria o seu carro (ele sempre gostou de dirigir) e João Fernandes e sua linda filha se postaram na entrada do estacionamento e quando o presidente se aproximou a moça que estava no volante acelerou e encostou no carro, praticamente fechou a frente do outro. João Fernandes se mostrou preocupado e pediu mil desculpas. A jovem correu em direção do presidente pegou em sua mão e lhe disse a queima roupa: Dr. Franco estou emocionada, muito obrigada por existir! O presidente ficou sem fôlego, encantado com a beleza e sinceridade da jovem. A empresa só confraternizada uma vez por ano, pois naquele ano confraternizou duas vezes. A festa de natal já era tradição e teve a comemoração do ano novo e desta vez João Fernandes e família estavam sentados na mesa do presidente. O namoro durou um ano, foi o tempo do Dr. Franco ajeitar a família da noiva, que no dezembro seguinte não foi na festa de confraternização e não consentiu que Dr. Franco desse o ar de sua graça. Dr. Franco, sua noiva e família foram comemorar em Buenos Ayres. Para realizar o sonho da avó da noiva, o casamento foi realizado com pompa e circunstancia. A mantilha da noiva a família foi comprar na Espanha, e mais algumas peças do enxoval, tudo ás expensas do Dr. Franco. A festa foi no clube tradicional da cidade, não teve casamento na igreja, porém teve todo o aparato de um casamento principesco. Dr. Franco estava elegantíssimo no seu fraque (ele prega as tradições), aos setenta e dois anos, Dr. Franco casou pela quinta vez e a primeira com tanta pompa, digna de uma princesa de vinte e cinco anos. A avó da noiva diz que já pode morrer realizada. Mentira! Está firme como uma rocha. João Fernandes virou um senhor sóbrio, circunspecto. A mãe da noiva continuava normal, até parece que viveu a vida inteira entre o fausto e as celebridades. É a única figura chic daquela família. João Fernandes é avô. O bebê é lindíssimo como a mãe. Dr. Franco está realizado e como está em pleno vigor físico, agora anda ciscando em terreno alheio. Sua jovem mulher não sabe de nada. O local dos encontros do Dr. Franco e sua nova conquista é dentro da empresa. João Fernandes já disse para sua filha tratar de engravida de gêmeos e pedir de presente de aniversário de casamento uma casa de campo de propriedade do Dr. Franco, porém no nome do pai dela, e afinal como ela é filha única a casa volta para ela. Ela só está esperando o momento certo para conversar com o seu marido. A maleta de jóias já está garantida e a casa de campo será um mimo para seu pais que merecem esta alegria. E agora felicíssimo quem vai ficar é Dr. Franco com a surpresa que sua doce mulherzinha vai fazer no aniversário dele, vai ser papai novamente, desta vez são três. Quem não está gostando nada da história são os cinco filhos do Dr. Franco com suas ex-mulheres. A doce mulher do Dr. Franco tem grandes aliados na clínica de reprodução humana. O seu diretor é um deles. Porem a estrela não notou olhares que este lhe dirigiu. A jovem lutou muito para chegar onde está chegando, e não é uma aventura amorosa que vai por tudo a perder. Ela sabe que não é fácil para ela se entregar as taras de sua ilustre marido. Sabe que durante a gravidez ela é pouco solicitada, sabe que ele cisca em terreno alheio, sabe que ele aos setenta e quatro anos não vai deixar a vaidade de lado, de ser casado com uma jovem e bela mulher. O lado narciso do Dr. Franco está garantido, sua jovem mulher paga o preço de toda a opulência que ela e os seus estão vivendo. Apesar de jovem ela sabe que tem uma mercadoria valiosa, que é a sua beleza. Ela não sonha com o amor ou prazer sexual. Ela é mais megalomaníaca que seu pai e sua avó juntos. Ela sabe que tem pouco tempo para amealhar mais, mais e mais. Outra mulher em sua situação estaria contando os dias para ser livre, ela porém tem consciência que se vendeu e se venderia novamente, sabe que no pacote de jóias, cavalos de raça, imóveis, carros de luxo, iates, viagens, consta também satisfazer as taras do Dr. Franco e o Dr. Franco de Albuquerque Oliveira e Guimarães sabe cobrar muito bem o que lhe é devido. Ele proporcionava tudo porém gosta de satisfazer o seu bizarro gosto sexual. Ele é adepto do voyeurismo. Isso não era novidade para João Fernandes e sua estrela. A cidade inteira sabe, é de domínio público, consta do laudo de desquite de sua segunda mulher. O casamento durou nove meses, foi o tempo que a moça se deixou torturar. Foi o escândalo da época.

Autor: Nadia Foes


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