A Relação Familiar No Armazenamento E Na Conservação De Sementes Tradicionais Do Assentamento Antônio Conselheiro, Tangará Da Serra - Mt



Willian Marques Duarte
Bruna Raquel Winck
Gilmar Lagorga
Janderson Dalazen

INTRODUÇÃO

Os primeiros registros da presença dos seres humanos no planeta são de 130 mil anos atrás, dos quais 90% viveram como nômades, migrando de um local para outro, caçando, pescando e vivendo da coleta. Nos últimos 10 mil anos, o homem e a mulher passaram a domesticar as plantas e animais e ter um modo de vida sedentário (BIONATUR, 2006).

Graças a esse estilo de vida desenvolveram-se conhecimentos decorrentes da observação da natureza, que possibilitaram o início da agricultura, com a coleta de sementes e raízes e armazenando-as para realizar cultivos posteriores. Entretanto, com o processo da modernização da agricultura brasileira, após a década de 60, incorporou-se por completo ao pacote dos insumos químicos: adubos, inseticidas, fungicidas e ainda um conjunto de variedades de sementes "modernas", acelerando a degradação de solos, a contaminação do meio ambiente e agressão aos recursos naturais, com conseqüências diretas à qualidade de vida das populações rurais e urbanas.

Esse novo modelo de agricultura, descrita por Khatounian (2001), foi incorporada por agricultores e Agrônomos. Nas cidades, modificaram-se radicalmente os hábitos alimentares, introduzindo-se produtos adaptados às condições locais de cultivo.

Com o fim da 2ª Guerra Mundial, as indústrias começaram a perceber que a agricultura poderia absorver as tecnologias utilizadas nas guerras. Fundamentadas na maximização da produtividade para a obtenção do "lucro", as indústrias passaram a aproveitar os produtos utilizados na fabricação de explosivos transformando-os em adubos sintéticos e nitrogenados. Com esse mesmo intuito os gases mortais

transformaram-se em agrotóxicos (erroneamente utilizados, pois são biocidas feitos para matar vidas), os tanques de guerras foram adaptados e transformados em colhedoras, tratores e outros (CARVALHO, 2003).

Nessa mesma esteira a homogeneidade dos cultivos foi e é altamente preocupante. Segundo Guterres (2006) a agricultura moderna estabeleceu grandes áreas de cultivos homogêneos, com o uso de poucas variedades de cada cultivo, que são selecionadas em centros de pesquisas internacionais ou companhias de sementes, conduzindo a uma impressionante e arriscada "homogeneidade genética".

Os artifícios da química agrícola foram propiciando um distanciamento entre as condições locais e originais e as plantas efetivamente cultivadas. Isso chegou a tal ponto que muitos Agrônomos, e não apenas consumidores urbanos leigos, não soubessem que a "autonomia rural" que estava sendo perdida na agricultura (KHATOUNIAN, 2001).

As multinacionais que comercializam sementes, fertilizantes, agrotóxicos e máquinas, estão não só no Brasil, mas também em quase todo mundo, incentivando os pequenos agricultores a uma dinâmica de "ciclo da dependência". Ocorre que muitas vezes os agricultores e agricultoras não têm alternativa, pois perdem sua autonomia na produção, devido principalmente a falta de subsídios do governo (FASE,2005).

Segundo dados da Organização de Alimentos e de Agricultura das Nações Unidas - FAO, os últimos cinqüenta anos foram marcados por uma simplificação dos sistemas agrícolas, sendo que a situação mundial passa por um forte e contínuo processo de erosão genética, caracterizado pelo desmatamento, pela expansão das monoculturas (consumo elevado de adubos químicos, agrotóxicos e irrigação) e perdas incalculáveis da biodiversidade agrícola e silvestre (ALMEIDA e CORDEIRO, 2002).

Segundo a Via Campesina (2003), atualmente as sementes se tornaram mercadorias, representando um negócio, em que se obtém lucro com a exploração dos agricultores e agricultoras de todo o mundo, que tornaram-se subservientes e dependentes de um número reduzido de grandes empresas multinacionais. Fato que está ganhando vultos ainda maiores com o advento das sementes transgênicas.

Como contraponto a lógica da agricultura moderna ou industrial surgiram quase que concomitantemente, várias escolas ou estilos de agricultura, chamadas

de alternativas (biológica, ecológica, biodinâmica, permacultura, orgânica, natural, etc.). E mais recentemente surgiu a Agroecologia que se pretende enquanto ciência, orientar as práticas de agriculturas com base na sustentabilidade econômica, social, ecológica, cultural, política e ética. Nessa perspectiva, a Agroecologia inova enquanto ciência na medida em que se propõe a estabelecer um diálogo do conhecimento científico com o conhecimento dos camponeses. Segundo ALTIERI (2002) a Agroecologia representa uma abordagem agrícola que incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente, assim como os problemas sociais, enfocando não somente a produção, mas também a sustentabilidade do agroecossistema.

O presente trabalho faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, da agronomia como parte exigente para que obtivesse o título de Engenheiro Agrônomo do referido autor, pelo Departamento de Agronomia da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT,

Campus de Tangará da Serra. Tendo por objetivo verificar a relação familiar no armazenamento e na conservação de sementes tradicionais do assentamento Antônio Conselheiro, Tangará da Serra – MT.

METODOLOGIA

Local de pesquisa

O presente levantamento foi realizado no Assentamento Antônio Conselheiro localizado a 30 Km de Tangará da Serra - MT e possui uma área de cerca de 38 mil ha-1. Este compreende os municípios de Tangará da Serra, Nova Olímpia e Barra do Bugres, em seu interior apresenta 527 quilômetros de estradas. Vivem neste assentamento aproximadamente 1000 famílias, correspondendo aproximadamente a 3500 pessoas, organizadas em 38 agrovilas e em espaços denominados comunidade Serra dos Palmares e Dandara.

Segundo GOMES (2006) o Assentamento Antônio Conselheiro é resultado da uma ocupação de um latifúndio que antes beneficiava apenas uma família. Assim 980 famílias organizadas pelo MST no ano de 1997 acamparam nessas terras. Após dois anos de acampamento e luta o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) desapropriou a área e a terra foi dividida em lotes que hoje forma o segundo maior assentamento da América Latina.

Apesar da falta de política de subsídio a produção familiar, os agricultores e agricultoras produzem quase todos os alimentos para subsistência, porém a escala maior é mandioca, banana, abacaxi, feijão e milho.

Apresentação às entidades e participação no Programa de Rádio

Agronomia no Campo

Em um primeiro momento houve uma apresentação do projeto e seus objetivos para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tangará da Serra e Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente – SMAMA, para apoio e sensibilização da proposta de trabalho. Diante disso houve um apoio das entidades e um pré-mapeamento de quem seriam os possíveis agricultores e agricultoras que possuíam as sementes tradicionais.

O período de sensibilização contou com a participação no Programa de rádio

Agronomia no Campo que é coordenado pelo Departamento de Agronomia da UNEMAT, onde se realizava discussões sobre assuntos da temática das sementes tradicionais, desde o surgimento das primeiras formas da agricultura até os dias atuais.

Visita no assentamento

Após este trabalho de pré-mapeamento dos possíveis agricultores e agricultoras, começou-se a realizar visitas nas propriedades que possivelmente possuíssem sementes tradicionais e identificar quais sementes teriam. O levantamento foi através de entrevista guiada por uma ficha semi-estruturada.

A opção por uma metodologia qualitativa, utilizando a técnica da observação participante se deu, pois essa fornece uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto de maior relevância do aspecto subjetivo da ação, seja a incapacidade da estatística de dar conta dos fenômenos complexos. Sendo assim, a observação participante adotada nessa pesquisa é definida como um processo em que a presença do observador numa situação social é mantida para fins de investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e participando com eles em seu ambiente natural de vida (HAGUETTE, 1999).

Agricultores e agricultoras entrevistados

O universo pesquisado foi de 30 agricultores e agricultoras no Assentamento Antônio Conselheiro, estes foi foram indicados pelo MST e sindicato. Fizeram parte dessa pesquisa 20 homens e 10 mulheres, destes 20 agricultores (as) participam do MST, sete das Associações e três de nenhuma organização. Ao todo foram levantados 153 materiais genéticos no assentamento, entre eles estão arroz, feijão, milho, mandioca, vassoura, amendoim, abóbora e outros.

Quanto a região de onde provêm estas famílias pode-se perceber que 57% das famílias já moravam na região centro oeste, especificamente nas cidades de Cáceres, Porto Estrela, Quatro Marcos, Curvelândia, com exceção de dois entrevistados que são de Goiás. Os outros agricultores e agricultoras são: sendo 20% da região sul, 13%sudeste e 10% do nordeste.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Foi identificado que a responsabilidade de armazenar e conservar as sementes são feitas por todos os membros da família, na sua maioria os homens com 54%, as mulheres 30% e os filhos 16%. A família é um universo que transcende a racionalidade econômica da unidade familiar, envolvendo os laços, valores e integração dessas relações que tem um significado a seus membros (TEDESCO, 1999). Ainda Carvalho (2003) cita que as famílias têm o costume de produzir e guardar sua própria semente em casa e ocorre ao longo de décadas, como práticas de conservação da diversidade agrícola com adaptações e seleção de materiais. Levando-se em consideração todo conhecimento do agricultor sobre a diversidade, sem o qual não seria possível o uso. A cada ano que passa as sementes são plantadas, colhidas e estocadas até o próximo ano de plantio.

A arte do armazenamento de sementes tradicionais transcende as práticas da agricultura familiar, nesse sentido Tedesco (1999) cita o homem não vive só isolado, nem só o presente; ele agrupa-se, integra-se, visualiza-se num espaço. As sementes estão interiorizadas e são participantes em um contexto que cria espaços de história, localiza-se na memória, cria representação do tempo.

Tanto os homens como as mulheres tem um papel muito importante no armazenamento, visto que o homem fica responsável pelas sementes de roça (amendoim, arroz, banana, feijão, mandioca, milho) e a mulher com as sementes mais domésticas (abóbora, café, colorau, hortaliças, quiabo, gergelim e outras que contribuem com o homem). Montecinos e Altiere (1993) citam a importância da manutenção da diversidade genética e de espécies nos campos, pois são estratégias efetiva para se criarem formas estáveis de subsistência por parte de agricultores com recursos escassos na agricultura.

Pode se perceber que os produtos cultivados são para a agricultura de subsistência. No Recôncavo Baiano, Santana (1998) destaca que normalmente o cultivo é realizado sem o emprego de nenhum tipo de adubo, utilizavam sementes conservadas do ano anterior para plantar mangalô e fava próxima a cercas e galhos secos, onde pudessem enramar o feijão-de-corda, a batata doce e o amendoim eram cultivados preferencialmente em áreas reservadas a esse fim, a abóbora, o aipim e o andu cresciam junto às de mandioca e consorciados ao plantio do milho.

Um fator muito importante é apresentado quando 30% da responsabilidade de armazenamento das semente é atribuída para a mulher, conforme Duarte (2005) apesar da mulher com todos os afazeres da casa e cuidar da educação dos filhos, ela tem que participar do trabalho realizado na roça por ocasião do plantio, capina e colheita dos alimentos além de tratar dos animais.

Os filhos em geral são influenciados pela força das regras do sistema de trabalho na participação com e para a família, aprendem logo a diferenciar e a estabelecer funções, há um processo de inserção social e familiar, que consolida sua identidade (TEDESCO, 1999). Nesse sentido o acúmulo que o agricultor e agricultora passam aos seus descendentes é construído a partir de suas objetividade e subjetividade. É uma construção de conhecimento compartilhado, entre e dentro de gerações, por intermédio de mecanismos informais e orais, portanto submetidos a contínuo processo de construção e reconstrução (AZEVEDO).

Contudo em muitos casos os agricultores e agricultoras afirmaram que não há uma responsabilidade individual de armazenar as sementes, pois todos têm a mesma função. Diante disso a produtividade do trabalho disponível na agricultura está condicionada a uma técnica primitiva, pré-industrial, não se beneficiando nem da divisão racional do trabalho, nem do emprego de instrumental moderno, nem dos

conhecimentos conquistados pela ciência e inacessíveis para o camponês (RANGEL, 2005 p. 193).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dessa realidade das famílias do assentamento Antônio Conselheiro é notório que a prática do armazenamento e conservação das sementes é evidente por todos os membros da unidade familiar. Sendo que as sementes são mantidas com as técnicas de cultivo e o armazenamento adota por seus antepassados, garantido e gerando soberania alimentar e renda "in loco".

Em muitos casos não é dado à devida importância da conservação das sementes, no entanto pode se perceber o paradigma existente para a manutenção da "autonomia agrícola" dos agricultores familiares no campo em possuir suas próprias sementes.


Autor: BRUNA RAQUEL WINCK


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