MORADORES DE RUA: A IMOBILIDADE QUE IMPEDE A TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE



A questão referente aos moradores de rua chama minha atenção por inúmeros fatores. Minhas indagações sobre esses sujeitos e suas histórias de vida tiveram início durante minha infância. Ao sair às ruas e encontrar um ou outro homem dormindo em uma calçada ou banco de praça, parava a observá-lo e ficava intrigada, buscando em meus pensamentos uma razão que se encaixasse naquela condição de vida.
Um ponto forte em minhas indagações era não conceber a idéia de estas pessoas serem culpadas por estarem vivendo nas ruas. Hoje percebo que a simplicidade de minhas reflexões sobre estes sujeitos, já anunciavam um inconformismo para além do simbolismo da pobreza econômica, da tristeza, da embriaguez e dos simples desentendimentos no ambiente familiar.
A solução que os órgãos públicos buscam para o enfrentamento dessa questão que envolve os moradores de rua não pode ser simplista. Não pode se resumir como a oferta de esmolas que transformam a condição de pedinte em hábito ou de alimentos que também reforçam essa condição de não sair das ruas.
Também não pode ser de caráter higienista em atenção aos reclamos dos cidadãos que efetuam certas ações na ilusão de ajudar o morador de rua, mas oferecem reforços negativos e em geral as mesmas pessoas que dão esmolas, depois sentem incomodo com a presença desses sujeitos nas ruas, nas marquises, praças, entre outros.
Hoje tenho a condições de visualizar essas questões, que o inconformismo com o morador de rua em na calçada, nos estabelecimentos comerciais, não trazem aos munícipes dimensões de sua responsabilidade para com a instalação daqueles sujeitos em diversos locais da cidade.
Por muito tempo, em minhas reflexões, também pensava que colaborando com moedas, pães ou sobras de comidas, estaria ajudando estes sujeitos. Atualmente reconheço que, essas atitudes eram paliativas e apenas amenizadoras do sofrimento, sendo necessário mais do que isso para que a realidade desses sujeitos fosse transformada e eles obtivessem o reconhecimento de verdadeiros sujeitos de direitos.
Moradores de rua é um tema que fervia a minha mente desde a infância despertando-me maior curiosidade nos dias atuais, onde a indignação levou-me a buscar a compreensão do que poderia ter acontecido na vida desses sujeitos para que chegassem ao ponto de morar nas ruas. Desta forma, pretendia conhecer a imobilidade que os impede de mudar o rumo de suas histórias e sair definitivamente dessa condição.
Essa questão não pode estar unicamente atrelada a mais um resultado da miséria, da pobreza, do crescimento da economia. Minhas indagações indicam que deve ser algo que pode ir muito além dessa percepção, do que podemos apenas ver, talvez falte o verdadeiro sentir desses sujeitos em suas realidades.
A questão é ampla e requer atenção de um olhar também ampliado, embasado de forma teórica e prática também no ponto de vista da vulnerabilidade do sujeito que foi trabalhador e que na medida em que encontrou sua mão de obra precarizada e com falta de capacitação, se viu inclinado ao mercado informal.
Por conseguinte estando esse mercado abarrotado de trabalhadores que não dispõe de condições favoráveis ao ganho mínimo e sem condições de enfrentar a competitividade do meio acabam por perder mais. Neste caso muitos ficam fora desse círculo também criador de renda mínima que é o mercado informal e muitos moradores de rua estão atrelados á este contingente fragilizado, que acumulando perdas vive em situação de miséria, são mais um fruto da pobreza que faz o crescer da desigualdade social.
Aprendi que fragilizado na questão do morador de rua não é apenas um adjetivo de enfraquecido, debilitado, nesse caso e para condição de pobreza representa mais do que isso, é a perda da auto-estima, da moradia, do emprego, da qualificação profissional, entre outras.
Tentar pesquisar e apresentar um entendimento dessa população de rua significa também buscar uma melhor compreensão para o avanço no combate da desigualdade social. Pretendo ampliar o foco de visão sobre estes sujeitos para possibilitar um olhar além das aparências com apropriação teórico-histórica e metodológica, apreendendo no estudo as diversas formas de expressão da evolução das diversificadas representações destes sujeitos.
Esta pesquisa tem por objetivo compreende as questões norteadoras que causam a imobilidade, impedindo o morador de rua de sair dessa condição e mudar sua realidade de vida.
Essa imobilidade deve estar embutida nos fatores que determinaram os sujeitos da pesquisa que engrossaram o mundo da população de rua com uma mobilidade que o leva de um lugar a outro, mas apresentam apenas mudanças em sua condição de vida nas ruas.
A escolha do tema foi impulsionada pela minha atuação na condição de estagiária de Serviço Social dentro do Albergue Municipal José Calherani, único equipamento da rede pública da cidade que atende população de rua.
Reforçando meu interesse no assunto trabalhei essa observação na tentativa de buscar um possível entendimento dessa imobilidade para aproximação das repostas ás questões que tanto ecoaram em minha mente desde a infância.
Na escuta da população de rua atendida no albergue tive contato com histórias de vidas surpreendentes, que mesmo contadas de formas desordenadas traziam uma grande riqueza de conteúdos, mostrando que a questão não está simplesmente restrita às formas de pobreza absoluta que os impedem de abandonar o hábito das ruas.
Os relatos dos sujeitos indicavam múltiplas determinações a serem desveladas para que mudanças positivas pudessem vir acontecer na direção dessa população e incidissem fortemente na vida destes sujeitos. Compreendi que as questões que envolvem esse segmento são muito diversificadas, pois nas ruas encontramos moradores que ficam, estão ou são das ruas.
Todos se apresentam de formas diversas onde, muitos são do município e outros provenientes de qualquer parte do país. Possuem diferentes faixas etárias, gêneros, profissões e escolaridades, tendo inclusive entre eles indivíduos que possuem nível técnico ou curso superior.
A proposta dessa pesquisa foi reforçada também com leituras, observações, pesquisas e reflexões. Tornando maior a possibilidade de observar o grau de cumplicidade e a forma específica com que estes sujeitos se organizam e buscam o encontro de um movimento próprio no espaço das ruas.
A experiência obtida enquanto estagiária permitiu o aperfeiçoamento de meu olhar sobre essa demanda bem como, constatar a falta de um atendimento humanizado por grande parte dos setores públicos que oferecem atendimento.
A mobilidade que os leva de um lugar para outro não reflete o sentido de transformação da realidade. Muitos buscam esse olhar ampliado em sua direção e não sabemos ao certo como reagirão ou que atitudes terão ao se deparar com uma oferta concreta de oportunidade que proponha perspectiva de mudança da sua realidade.
Minhas inquietações vão muito além e tentam suprir a necessidade de fazer dessa pesquisa um estudo preliminar que venha primeiramente contribuir com o impulsionamento da cidade de Guarujá para possibilidade de um aprofundamento teórico-prático-politico e social objetivando a construção de uma política pública municipal voltada exclusivamente para o atendimento da população de rua.
Obtendo maior conhecimento contributivo para aflorá-lo de minhas indagações sobre a importância de pesquisar a vida dessa população terei mais chances de explanar o resultado proposto.
Efetuando observações para aplicação da pesquisa em alguns pontos da cidade e acompanhando esse movimento em que mudam de lugares, pontos, abrigos, mas não mudam suas atitudes, percebi que muitos estão engessados, imobilizados interiormente. Reafirmo que é necessário entender de fato a barreira que existe entre o tentar sair e o querer verdadeiramente viver fora das ruas.
O estudo pretende com isso possibilitar aos técnicos, políticos e comunidade em geral uma reflexão maior sobre o tema "Morador de Rua". O título se direciona a identificar a imobilidade desses sujeitos do tema. Essa imobilidade que impede, ou melhor, anula qualquer ação em direção de si mesmo e essas histórias muitas vezes podem coincidir com a nossa ou com a de alguma pessoa de nosso convívio.
Já foram efetuados muitos trabalhos de pesquisa sobre o assunto, porém poucas iniciativas de atenção ao assunto foram apresentadas. Essa população excludente está presente nos diversos locais do país e até mesmo fora no contexto Nacional, neste trabalho será possível conhecer alguns exemplos de cidades que iniciaram seus movimentos em busca de respostas direcionadas à solução ou amenização desse problema, porém serão simples exemplificações, pois o objeto de estudo concentra-se no Município de Guarujá.
Através das representações na vida desses sujeitos na rua serão apresentados estudos que constituirão um breve perfil dos moradores de rua da cidade de Guarujá. Esses pontos permitirão um avanço para o conhecimento não só dos fatores desencadeantes que desestruturaram e determinaram estas trajetórias, mas também contextualizarão as relações que imobilizam a saída definitiva e que reforçam a permanência nas ruas.
Este trabalho de monografia está dividido em quatro capítulos.
O Capítulo 1 será direcionado a dimensão de um fenômeno social que é a população de rua.
Serão apresentados dados sobre os levantamentos populacionais efetuados em diversas cidades do país, fundamentados em pesquisas efetuadas e avaliadas por profissionais da área e assistentes sociais, onde será possível traçar um parâmetro com o levantamento efetuado na cidade de Guarujá e oferecer subsídios que reforcem o objeto proposto.
Outro ponto que fará parte deste contexto refere-se às cidades não assumirem o papel de possíveis transformadores de um quadro social de exclusão que cresce ao longo do tempo. Essas cidades possuem alguns gestores que ainda resistem à necessidade de reformulação na política e tentam esconder a sujeira debaixo do tapete, acrescentando nesse indivíduo uma dose a mais de revolta e indignação.
Por esse motivo a política higienista será abordada com um pouco mais de profundidade, pois continuar aplicando essa velha e violenta técnica de exclusão e não refletir sobre os erros e conseqüências dessas ações desumanas e ineficazes é no mínimo ignorar muitas perdas de sujeitos com potenciais ocultos pelo medo, preconceito e a exclusão.
O poder público em geral acaba por deixar de fazer a sua parte e assumir sua responsabilidade nesse processo de transformação para reforça a negação desse sujeito que já está vivendo em um espaço incerto e que acaba em muitos casos sendo até marginalizado.
O Capítulo 2 permitirá conhecimento mais próximo da realidade do ser humano que elege a rua como moradia e busca estabelecer-se em uma sociedade paralela ao desenvolvimento.
Esse capítulo expressa em seu contexto alguns fatores de desestruturação da família, do ser social e do local do qual foram retirados muitos moradores de rua. Neste segundo capítulo será possível também dimensionar o grande quantitativo que vive em processo de exclusão. Os dados apresentados servirão de parâmetro para entender algumas falas dos moradores entrevistados.
Evidencia a questão que deixa de ser apenas econômica e passa a apresentar um conjunto de problemas identificados em algumas pesquisas efetuadas na cidade de Guarujá.
De acordo com o mencionado anteriormente os resultados serão associados às pesquisas analisadas no âmbito nacional.
O desemprego será notado nesse capítulo como ponto crucial de desestruturação e está entre os muitos fatores identificados. Por conta do desemprego evidencia-se o aumento da pobreza interligado ao fator desigualdade social. Saberemos de que forma alguns autores observam essa questão.
Beber na fonte de conhecimento de alguns autores permitirá os esclarecimentos que divide essa população como foi citado anteriormente entre os que ficam nas ruas, estão nas ruas ou são das ruas.
Conhecer suas essências mesmo que subjetivas fornecerá um melhor entendimento dessa questão e ao trazer o tema morador de rua para o contexto da cidade de Guarujá serão obtidos outros subsídios para o enfrentamento na mudança desse parâmetro identificado.
O Capítulo 3 retratará a cidade do Guarujá em sua historicidade e no contexto do qual está inserida sua população de rua e o que oferece de meio para atender essa demanda. Essa cidade com belezas inigualáveis possui também seu lado de pobreza extrema e exclusão, onde a desigualdade social é fator agravante desse quadro.
No relato de abordagem histórica da cidade, desde a origem, veremos os avanços econômicos e sociais da cidade enquanto referência de pólo turístico, mas também detentora de grandes contradições que resultam em desigualdade social.
Serão apresentados idealistas que deixaram contribuições mais significativas para a cidade, onde um tinha a visão voltada para o crescimento turístico da cidade, com empreendimentos que a deixaram esse símbolo de beleza e o outro com olhos voltados para o social e que também contribui para esse crescimento com Hospital, Creche, Faculdade.
Será notado ao longo do texto que assim como, em muitas cidades, a população de rua migrante chega ao Guarujá com expectativas de empregos iguais ou maiores do que as demais cidades. Isso se dá a uma grande aparência de oferta no espaço de trabalho por ser litorânea e turística e também foi abordada a questão do boom imobiliário que contribuiu para o surgimento e crescimento das inúmeras favelas na cidade.
O boom imobiliário é outro assunto abordado nesse capitulo, para que reforce o entendimento de outro ponto gerador desses sujeitos que moram nas ruas de Guarujá.
A ruptura da oferta de empregos na década de 80 na cidade de Guarujá causou grande impacto nos munícipes levando alguns á procura de alternativas informais de trabalho e outros à escolha da rua como moradia.
Entender a cidade em seu desenvolvimento com questões onde o desemprego é fator principal, e o crescimento do apelo social e da necessidade de uma política de atenção à população de rua consistente, será fundamental para questionamentos de como os gestores tratam seus moradores de rua.
O desprendimento dos descasos e preconceitos sofridos em outras cidades pelos migrantes que chegam todos os dias será necessário abordar. Sem fechar os olhos para política higienista que muitas vezes foram aplicadas também em Guarujá. O foco de observação e interrogação será o tratamento oferecido e de que forma a cidade busca respostas aos problemas que se apresentam iguais ou piores que outras cidades de nosso país.
Nesse capítulo será analisada a falta de interesse público para criação de políticas direcionadas verdadeiramente ao atendimento dessa demanda. A falta de humanização em alguns setores será abordada e reforçará a ausência política - administrativa que faz com que essa demanda sem atendimento adequado busque suprir algumas de suas necessidades em órgãos assistenciais da sociedade civil, ou até mesmo assumindo a condição de pedinte nas ruas e residências.
Através da leitura e observação de dados colhidos em levantamentos anuais do setor de atendimento social será notado o grande fluxo de migrantes e munícipes que estão vivendo nas ruas da cidade. Efetuando observação na realidade dos sujeitos da pesquisa e nos dados fornecidos pelo MDS será possível reforçar a necessidade dos órgãos competentes assumirem a realidade da população de rua e criarem estratégias que incidam no atendimento adequado dessa demanda será possível amenizar esse quadro.
O Capítulo 4 direciona-se às determinações que imobilizam o morador de rua e apresenta os resultados obtidos na pesquisa efetuada com alguns moradores de rua em determinados pontos da cidade de Guarujá.
Dez moradores de rua foram entrevistados, sendo que foram selecionados devido ao acompanhamento deles entre a grande demanda de moradores de rua atendidos. Cabe informar que foram muitos atendidos na condição de estagiária do Albergue Municipal acompanhada por supervisão e muitos outros observados em acompanhamentos e abordagens efetuadas em alguns locais da cidade.
Essa limitação mesmo reduzida permitiu uma observação e ofereceu subsídios para fundamentar pontos delicados com relação a esses sujeitos.
O capítulo é gratificante na produção que permiti uma reflexão do trabalho aplicado pela ampliação do olhar na direção dos moradores de rua e pelo entendimento do sofrimento partilhado por eles ou vivido isoladamente.
Surgem então subsídios que reforçam a necessidade da critica a uma reformulação política de atenção e administrativa para o atendimento dessa população pelos setores públicos da cidade.
Os entrevistados ofertaram riquezas de informações que serão percebidas ao longo das interpretações mesmos nas respostas simples. Nota-se em falas, gestos, e olhares a busca pela ruptura do que impede a movimentação por mudança interior e exterior.
Nas considerações finais será apresentada a explanação com observação nos estudos adquiridos para conclusão desse trabalho e o resultado alcançado com a busca pelo conhecimento do que imobiliza esses moradores de rua no desejo por mudança e na tentativa de mudar essa realidade.
Por fim será incluso neste trabalho as referências teórico-bibliográficas que foram necessários ao conhecimento teórico utilizado para reforçar a importância dessa monografia no âmbito da pesquisa social e políticas públicas para população de rua.





1 ? MORADORES DE RUA: A DIMENSÃO DE UM FENÔMENO SOCIAL.
Há alguns anos movimentos da sociedade civil vem questionando sobre a necessidade imediata da construção de uma política nacional para o atendimento da população de rua.
Essa política deveria apresentar interesse e capacidade em articular serviços, programas e projetos voltados à estruturação de mecanismos de emancipação para a inclusão social destes sujeitos.
Segundo a Secretaria Nacional de Monitoramento e Avaliação de políticas Públicas, no ano de 2005 durante o primeiro encontro nacional sobre população de rua, planejou-se a realização de um levantamento nacional que apontasse informações sobre acesso a serviços, condições socioeconômicas e formas de sustentação da população de rua.
O levantamento surgia com perspectivas de permitir a construção de um conhecimento capaz de contribuir com a elaboração de políticas públicas no âmbito das três esferas de governo, assistência, saúde e segurança. Junia Quiroga menciona que este trabalho nunca foi feito no Brasil,
Enfatiza que o levantamento responde a uma demanda de instituições ligadas às pessoas em situação de rua feita durante primeiro encontro nacional sobre o assunto, realizado em 2005. "Havia um pedido para que tivéssemos mais informações sobre esse público, para que as políticas públicas sejam mais adequadas a ele". Disponível em acessado em 11/Nov/08
Desta forma o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS realizou no ano de 2007 uma Pesquisa Nacional para identificar o perfil dos moradores de rua no contexto do país. Essa ação surgiu na tentativa de elaborar de um diagnóstico nacional que permitisse conhecer as características desses sujeitos em todo o território nacional, localizando essa população nas cidades de maior concentração destes sujeitos.
Por não haver garantias de localização desses sujeitos, os pesquisadores optaram por visitar cidades com mais de 300 mil habitantes e no período noturno. As equipes estavam formadas por pesquisadores e assistentes sociais e os entrevistados deveriam ter mais de 18 anos.
Os pesquisadores efetuaram abordagens em diversos pontos das cidades como praças, viadutos, calçadas, praias, prédios abandonados, lixões, albergues, e outros locais utilizados como habitação pelos moradores de rua.
Segundo as argumentações de técnicos do MDS, a pesquisa organizada e efetivada nas grandes cidades para o enfrentamento dessa questão teve como objetivo de entender as características destes sujeitos, para implantar mecanismos de atendimentos a esses sujeitos.
Os profissionais responsáveis pelo sucesso da pesquisa nacional tentaram localizar o maior número de indivíduos possíveis, colhendo informações que viabilizassem dados valiosos sobre a população de rua.
Os resultados foram apresentados em 29 de abril de 2008, e constatou que no país existia um total aproximado de 32 mil moradores de rua, um enorme contingente desprotegido das políticas públicas, indicando a necessidade da realização de uma análise despretensiosa sobre os dados apresentados, para a concretização de propostas efetivas com vistas à superação da problemática da rua.
1.1 ? O Censo nacional sobre população de rua
O 1º Censo Nacional sobre população de rua apresentado pelo MDS revelou pontos que já se faziam notar em algumas cidades. Com um questionário aplicado composto por 20 questões, revelou ser o sexo masculino (82%), a figura de maior presença no contexto da rua.
Constatou-se que 74% desses sujeitos eram alfabetizados, dominando a leitura e a escrita, com 50% de conclusão do ensino fundamental. Mais da metade desta população tinha a idade superior a 20 anos (52%). Os dados mostraram que 27,9% destes sujeitos eram de origem negra.
Quanto aos locais que utilizavam para dormir, mais de 50% dos entrevistados revelaram que utilizavam às ruas e 8,3% procura os albergues ou outras instituições da sociedade civil alternando com a vida na rua.
Aproximadamente 48% dos entrevistados estavam longe do convívio familiar a mais de dois anos , quando questionados sobre os principais motivos que direcionaram suas vidas para a rua, alegaram o desemprego e os conflitos familiares e o envolvimento com álcool e/ ou drogas.
Dentre as três determinantes o índice de alcoolismo e /ou drogas atingiu 35,5% maior percentual entre todos indicadores. Em segundo lugar ficou a questão do desemprego com 29,8% e por último lugar, os conflitos familiares na ordem de 29,1%.
Em análise sobre o fator resultante do deslocamento migratório, revelou-se que 45,3% saíram de suas cidades em busca de emprego e um quantitativo de 18,4% abandonaram os seus familiares por desentendimentos.
Quanto a essa questão 58%%, um pouco mais da metade identificaram-se como oriundos da mesma cidade em que foram encontrados no momento da pesquisa ou de locais próximos, uma vez que 51,9% migraram de uma cidade para outra e mencionaram estar naquele local por terem familiares e/ou parentes residentes no município pesquisado.
Na questão de como fazem para sobreviver, quase 20% deles estavam vivendo de esmolas e da ajuda de organizações da sociedade civil com aproximadamente 80% deles exercendo umas atividades com remuneração.
Interessante observar que a pesquisa revelou que os moradores de rua em geral são pessoas saudáveis. Apenas um terço do total dos entrevistados informou ter problemas de saúde. Quanto à discriminação os entrevistados disseram que são freqüentemente barrados em locais, como shopping e transporte coletivo.
Em um total de 71 cidades onde foi efetuado o levantamento nacional a cidade de São José dos Campos/SP deteve o maior número de moradores de rua (0,3%), em seguida a cidade de Curitiba com o índice de 0,2% e Juiz de Fora - MG, ocupando a 3º posição com 0,15% de moradores. Importante mencionar que os percentuais foram calculados com base no total de habitantes de cada cidade.
Outra informação inserindo no contexto Censitário refere-se à cidade do Rio de Janeiro que se comparado com a quantidade de habitantes possui a maior quantidade de moradores de rua, pois se identificou uma população de 4.585 mil moradores de rua para um total de seis milhões de habitantes.

1.2 ? As contagens independentes do Censo Nacional
Os dados do MDS não foram abrangente às cidades de Belo Horizonte, Recife. Porto Alegre e São Paulo estas cidades ficaram fora do levantamento nacional, por já possuírem levantamentos próprios sobre a demanda de rua.
O Censo de moradores de rua realizado no ano de 2005 em Belo Horizonte - MG apresentou estimativa de 916 indivíduos morando nas ruas com características semelhantes ás de outras cidades. Porém Meguerditchian ao falar em seu artigo sobre o aumento do tempo desses sujeitos nas ruas de Belo Horizonte e outras cidades menciona que o tempo passa e não saem das ruas, esses sujeitos estão envelhecendo sem deixar as ruas.
Segundo a pesquisadora, chamou a atenção o aumento do tempo que as pessoas permanecem nas ruas. Entre 1995 e 2000, 63% dos entrevistados nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo estavam a até cinco anos nas ruas. Já entre 2000 e 2005, o número cresceu. "Isso pode ser uma forte indicação de que essas pessoas estão envelhecendo nas ruas, sem trabalho digno e proteção social", diz. Em Belo Horizonte, por exemplo, o percentual de pessoas com mais de cinco anos nas ruas cresceu mais de 3%. Disponível em acessado em 20/nov/08.
Em Recife o levantamento realizado no ano de 2005 mostrou um total de 888 adultos morando nas ruas da cidade. Em Porto Alegre apontou um cadastro de 2700 moradores de rua, sendo 2000 adultos.
O Censo municipal da cidade de Fortaleza realizado em 2004 intitulado de "Moradores de Rua da Cidade de Fortaleza" revelou que na cidade existiam 2040 moradores de rua. Segundo artigo de Maciel no ano de 2000 a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS),
Efetivou um estudo objetivando traças o perfil desse grupo, ela nos fornece alguns dados, como a existência de 2040 moradores de rua na cidade, na faixa etária entre 21 a 40 anos. As causas apontadas pelos moradores foram o desemprego e a dificuldade de se relacionarem com a família. Destes, 88%%, nove são cearenses (SMDS, 2000). Disponível em acessado em 23/ago/2008.
Nesse contexto a cidade de Fortaleza também é um cenário de grande fluxo de moradores de rua que estando na condição de excluídos, transformam a rua em espaços coletivos e privados com seus modos e costumes visíveis na sociedade.

Outra cidade que priorizou a contagem da população de rua para melhor entendimento e formulação de propostas a esses sujeitos foi à cidade de São Paulo. Através da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) realizou dois Censos sobre população de rua.
O primeiro censo realizado no ano de 2000 permitiu através da contagem e avaliação identificarem 8.088 moradores de rua na cidade. Um pouco mais da metade destes moradores foram encontrados nas ruas e o restante em albergues.
O segundo censo realizado no ano de 2003 indicou que existiam em São Paulo 10.399 mil pessoas morando nas ruas, e desta vez o processo apresentou dados invertidos, com cerca de seis (59,49%) moradores de rua localizados em albergues e 4.213(40,51%) restantes nas ruas.
Maciel revela uma preocupação com o crescimento do contingente populacional de rua, e reforça a urgência no atendimento desses sujeitos desprovidos pelos mínimos sociais vítimas do descaso e da exclusão social. Segundo a autora,
O termo exclusão social embora seja empregado nos mais diversos estudos e em países diferentes, tem o seu significado intimamente ligado ao grau de desenvolvimento da economia e das políticas sociais adotadas em cada um deles. Desta forma, o conceito de exclusão social é extremamente diversificado e heterogêneo. Disponível em acessado em 23/ago/2008.
O terceiro Censo realizado em 2006 mostrou a existência de mais de 12.000 homens em situação de rua, sendo 7.000 (57%) dormindo em albergues e 5.000 (43%) nas ruas.
Diante dos dados constatou-se que entre o segundo o terceiro censo realizado em um período de três anos, a demanda de moradores de rua da cidade de São Paulo cresceu 13.4%.
1.3 - A mobilidade espacial da vida nas ruas.
Um leque de leituras sobre moradores de rua se faz necessário para entendimento de suas demandas, possibilitando traçar um perfil definitivo desses sujeitos. Alguns autores alertam sobre a importância de se conhecer estas demandas no âmbito como elemento gerador da desigualdade onde estes sujeitos são aprisionados e vítimas de preconceito.
Meguerditchian explica em artigo que a pesquisadora Silva após traçar o perfil do morador de rua brasileiro em sua tese de mestrado desperta atenção para os dados apresentados, pois são adultos, possuem escolaridade, entre outros fatores que não são diferentes do contexto mencionado na pesquisa nacional. "Todas as pesquisas que utilizei conceituam o morador de rua como sendo uma pessoa que vive em uma situação de pobreza extrema, que tem os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e que não tem moradia". Explica,
Diante da análise dos números chegou-se a conclusão que quase 80% são adultos homens, entre os quais 72% já tiveram uma profissão, mas que hoje vivem de atividades ligadas a carros (lavar, vigiar ou limpar pára-brisa), coleta de materiais recicláveis e mendicância. Cerca de 70% deles sabem ler e escrever e tem escolaridade entre 1ª e 8ª série do ensino fundamental. Segundo a pesquisadora, chamou a atenção o aumento do tempo que as pessoas permanecem nas ruas. Isso pode ser uma forte indicação de que essas pessoas estão envelhecendo nas ruas, sem trabalho digno e proteção social. Além disso, a quantidade de pessoas em situação de rua provenientes da própria cidade ultrapassou o número daqueles que se originam de outras. Disponível em acessado em 04/nov/2008.
Muitos tiveram estudo, profissão e perderam ou abandonaram suas vidas em família para se direcionar a vida nas ruas. As transformações sofridas economicamente ao longo do tempo com os avanços do mundo globalizado fizeram aumentar ainda mais esse quadro de desempregados.
Estes sujeitos ao se depararem com exigências do mercado de trabalho e estando sem condições de capacitação e preparações perderam as perspectivas de realização profissional, passando a mudar constantemente de atividades e lugares e a constituir um contingente significativo. Segundo Cleisa,
Vai deslocando-se para diferentes atividades e diferentes lugares, alternando trabalho e desemprego. Essa diversidade e segmentação impedem a criação de vínculos estáveis com o trabalho, a família, os lugares. Sua vida está sempre recomeçando. Quase nada é permanente, a não ser a procura cotidiana da sobrevivência, o que torna sua vida extremamente fragmentada. (CLEISA, 2005:36)
Sem corresponder as necessidades atuais do mercado, entram no aglomerado do trabalho informal que cresce a cada dia e se fecha na competitividade diminuindo para muitos a chance de autonomia e sobrevivência. Sem condições esse trabalhador fica a mercê dos amparos paliativos.
Esse grupo representa uma imagem deprimente e sufocada também pelo alto índice de desemprego que assola o país. Escrever sobre vida nas ruas permitiu a Cleisa explicar a importância de se compreender essa demanda no contexto nacional e mencionar a fraqueza das e políticas públicas direcionadas ao tratamento da questão.
Falar da população de Rua no Brasil, hoje, é falar também de atraso histórico, descaso, ineficiência e até mesmo ausência de políticas publicas e de direitos de setores empobrecidos e oprimidos da sociedade brasileira. Constata-se que, com a crise do Estado, sua parcela de responsabilidade vem se reduzindo. Isto faz que parte da questão social passe a ser enfrentada pela sociedade civil, por meio das organizações não governamentais e fundações, entre outras. (CLEISA, 2005:38).
Os estudos sobre população de rua mostram estes sujeitos morando nas ruas e dormindo nas praças, marquises de lojas, em baixo de pontes, entre outros. Pertencem a um quadro populacional diversificado que aumenta e se altera rapidamente devido a sua frágil mobilidade.

Com formas próprias de viver fazem da vida na rua uma ligação muito frágil, o pertencer ao espaço da rua é muito vago, não há local definido como moradia, apenas como ponto de referência.
O local se modifica na medida em que saem na busca de segurança para o repouso e também para a alimentação e a higienização.
Muitos acabam instalando-se nas ruas de outro município devido às tentativas frustradas em conseguir um emprego. Desta forma, a mobilidade pela busca na busca de realização na perspectiva de manter

Um trabalho aceitando condições extremamente precárias para garantir o sustento da família perde a razão de ser para o indivíduo isolado, o que pode reforçar sua mobilidade de um trabalho para outro, de um lugar para outro. As condições de vida desses trabalhadores temporários sem residência fixa e sem família tendem a se deteriorar rapidamente. (VIEIRA, BEZERRA ROSAS, 1994:24)
Constituem uma relação territorial regida pela instabilidade que os obriga a mudar constantemente dos locais habitados, em busca de espaços que representam à possibilidade de sobrevivência. Nessa mobilidade muitos chegam a outras cidades em busca de transformação de sua realidade.
Ao se deslocarem para outra cidade levam as marcas do conflito familiar, da falta de capacitação, da pouca experiência profissional, do preconceito, da alienação e do processo de exclusão social.
A migração representa uma expectativa de realização e na maioria das vezes desencadeiam processos contínuos de perdas que fortalecem a fixação no espaço da rua.
A ação de migrar é uma escolha feita diante das alternativas que vislumbram, frente às dificuldades que enfrentam. Dentre os objetivos e expectativas esperadas, está associado, prioritariamente, o projeto de sobrevivência, como o definidor da ação. Não se abandona o lugar onde estão fincadas raízes, se ali existem condições para uma vida digna e a satisfação das necessidades materiais para tanto. Como não encontra resposta, o migrante sai em busca de melhores condições de vida no urbano. (BAPTISTA, 1998:27)
A questão torna-se mais grave na medida em que não constroem alternativas suficientemente fortes para desconstruir as alternativas paliativas para o enfrentamento da pobreza genitora do crescimento dessa demanda notada em diversos locais.
Esses sujeitos que não conseguem viabilizar mudanças em suas vidas, circulam em infinitos espaços, vivem em um processo de mobilidade permanente dificultando a mensuração da questão no território nacional.
1.4? As iniciativa em torno da reversão de um quadro social
Em 1997, mesmo sem uma diretriz nacional para o enfrentamento da questão, o Município de São Paulo implantou a Política Pública Municipal para população de rua.
São Paulo deu o primeiro passo efetivo na busca de soluções para a problemática dos moradores de rua com a iniciativa da então vereadora e assistente social Aldaíza Sposati.

Aldaísa criou a Lei Nº 12.316/97 visando possibilitar a inclusão social dos moradores de rua.
A Lei foi sancionada objetivando romper com a filantropia, a benevolência, o assistencialismo e a dependência das relações mantidas entre estes sujeitos e a sociedade. Segundo Braga (2006),
A lei e sua regulamentação propõem uma rede de serviços para a reinserção social e a reconstrução da autonomia dos moradores de rua. Segundo artigo 4º da lei, a política de atendimento à população de rua compreende a implantação e manutenção pelo poder público municipal nos distritos da cidade de São Paulo, de serviços e programas com respectivos padrões de qualidade, sendo que o item VIU, do mesmo artigo, cita as Moradias Provisórias, destinadas às pessoas em situação de rua, em processo de reinserção social inseridas nas relações de trabalho formal e informal, porém sem condições de assumir financeiramente os gastos com moradia. Disponível em acessado em 02/mai/08
O artigo 4º da referida lei num entendimento básico e expressa que, através do poder público devem ser implantados nos distritos da cidade diversos serviços e programas com respectivos padrões de qualidade para atender os moradores de rua, na perspectiva de emancipá-los socialmente.
Instituem a implantação de moradias provisórias como as chamadas casas de acolhimento, onde uma vez alojados, os moradores de rua são acompanhados e inseridos nas relações de trabalho formal e informal, através do programa da frente de trabalho.
O mesmo artigo reforça a necessidade de esses sujeitos estarem abrigados devidamente em moradias provisórias. Essas moradias seriam para oportunizar tempo de recuperação e capacitação, bem como, segurança para aguardar condições favoráveis que lhes permitam assumir financeiramente os gastos com sua própria vida e moradia.
O Padre Júlio Lancellotti lidera em São Paulo um movimento atuante na questão da defesa dos direitos da população de rua. Seu trabalho direciona-se na defesa da dignidade, do respeito e no reconhecimento destes sujeitos na sociedade.
Seus depoimentos retratam que os investimentos do poder público no atendimento a população de rua são frutos dos movimentos sociais encabeçados por grupos e ONGs dispostas na defesa dos direitos destes sujeitos.
O trabalho efetuado pela equipe de sua Pastoral é dedicado a atender moradores de rua que enfrentam diariamente uma série dificuldades em relação também a falta de empregos, mostrando que não importa nesse momento o caráter assistencialista, pois a fome não é ilusória e muitos moradores de rua necessitam desse atendimento.
Sua ação não é solta no ar. A Pastoral que ao mesmo tempo é parceira do poder público desenvolvendo atividades que deveriam ser assumidas tecnicamente pelo estado, também atua como organismo de controle social junto às autoridades do poder público.
Esta pressão é necessária para exigir do Poder Público, a construção de uma política pública eficaz para o resgate da cidadania desses sujeitos, na pactuacão de estratégias que resultem em experiências concretas, positivas e propositivas no sentido de envolver a sociedade na discussão deste fenômeno social.
Na explicação de Vieira, Bezerra e Rosa a necessidade dessa parceria entre poder público e organizações não governamentais é de extrema importância
O trabalho conjunto do poder público e das ONGs significa hoje possibilidades reais de trabalho uma vez que é resultado da consciência de profissionais e agentes pastorais comprometidos com a realidade social e de uma administração pública interessada em ações inovadoras. (VIEIRA, BEZERRA E ROSA, 1994:156)
A questão da parceria apresenta uma preocupante fragilidade. Nesta relação o poder público transfere suas funções para as ONGs na terceirização dos serviços. As instituições que assumem a prestação de serviços passam por sua vez a executar medidas de atendimento paliativas.
As ações são positivas, porém inseguras na medida em que não podem oferecer acesso a direitos que dependem unicamente do poder do Estado, pois envolvem questões de saúde, segurança, educação, habitação, transporte.
A cidade de Bauru-SP que possui cerca de 80 moradores de ruas (SEBES) decidiu após estudos, investir na construção da cidadania destes sujeitos, implantando uma casa de referência social.
Neste equipamento a população de rua receber suas correspondências, tendo acesso à alimentação, cuidados de higiene, inserção em benefícios sociais e apoio psicossocial para construir o processo de mudança em suas vidas.
1.5 ? A timidez dos resultados obtidos.
Quando o assunto é em torno do tema "moradores de rua", toca-se em pontos delicados como resgate de cidadania e baixa-auto-estima e assim, somos direcionados a tantas outras reflexões.
Desta forma, é reforçada a necessidade de se fazer uma leitura direcionada a verificação das possibilidades para a busca de uma ação efetiva e emancipadora no atendimento dessa demanda.
Verifica-se que em geral os resultados são tímidos, uma vez que não é fácil construir uma política pública com capacidade de enfrentamento do processo de exclusão econômica-politica e social.
O que é possível verificar é que muitas cidades já tentaram e continuam tentando amenizar esse quadro, mas a questão exige mais do que estratégias de intervenção técnica. Pensar na mudança requer reconhecer o paradigma do direito, constituir a vontade política para emancipar, alocar investimentos financeiros e técnico-operativos para instituir novas práticas sociais.
1.6- A contradição da Política Higienista
Algumas cidades promovem ações simplistas, amenizadoras e imediatistas que resultam em encaminhamentos programados ás redes de serviços sem uma abordagem sobre as relações constituídas nas histórias de vida destes sujeitos.
Outros municípios efetuam ações mais duras visando à erradicação do problema social transferindo esses sujeitos para outras cidades pensando estar resolvendo o problema realizando ações de forma autoritária e desumana.
As questões que envolvem a política higienista é um assunto muito delicado, não só por se tratar de uma prática antiga, desumana e ultrapassada que ainda persiste em nosso cotidiano, mas também por propiciar uma transgressão social, a expressão da violência, onde não existe gentileza e nem respeito humano.
A questão da política higienista, adotada por muitos municípios vem desrespeitando os moradores de rua, em todos os aspectos relevados aos direitos humanos e sociais.
Para estes casos não existe uma associação entre os moradores de rua e os direitos sociais que a eles deveriam ser atribuidos. Segundo Giorgetti,
Esse tipo de atitude é uma conseqüência direta do predomínio dos interesses privados sobre tudo o que é coletivo. Trata-se da negação dos sentimentos de solidariedade e de respeito. Na sua forma absoluta, constitui a eliminação total do outro e de tudo o que ele contém de diferente, pelo recurso à violência; é o não-reconhecimento da sua existência e de seus direitos. Defini-se, sobretudo, por seu alto grau de radicalismo: os adeptos desse tipo de comportamento querem a eliminação a qualquer custo daquele(s) que, transformando o espaço público em moradia, destrói (em) a harmonia natural da cidade, sujando, enfeando e contaminando tais espaços com todo tipo de doença. (GIORGETTI, 2006:85)
As maiorias das cidades não conseguem esconde a sujeira em baixo do tapete. Reforçam o desinteresse por oferecer condições favoráveis, que incidam em bom atendimento ao morador de rua.
Assumem a incapacidade de atuar diretamente na questão desses sujeitos efetuando um processo de exclusão, onde o ponto crucial é uma abordagem despreparada e violenta em que a oferta é um transporte obrigatório para outras cidades.
As falas dos moradores de rua revelam o peso do higienismo. Mostram que estes sujeitos foram expulsos dos municípios em que por muitos anos contribuíram ativamente passando a carregar entre suas trajetórias de vida as marcas das frustrações, das lembranças dos momentos de rejeição e vergonha que lhes imputaram o receio pela volta ao local de origem. Giorgetti menciona que,
Uma concepção autoritária orienta os projetos de lei por políticos adeptos ao higienismo apresentado, cuja principal finalidade é controlar, inspecionar, averiguar e disciplinar a vida dos moradores de rua. Seus horários de circulação na cidade serão fiscalizados e, para exercerem o "direito ao trabalho", eles devem comprovar sua identidade, seus bons antecedentes e o cumprimento de seus deveres cívicos. (GIORGETTI, 2006,91)
Não há dúvida de que os tempos são outros e os avanços fizeram o país conquistar um respeito de nível mundial nunca visto antes, mas a sociedade brasileira ainda se comporta regressiva quanto à questão social e trás em sua essência as raízes do período escravocrata.



1.7 ? O processo histórico da política higienista.
O processo histórico social mostra que o movimento sanitarista do início do século XX denotava a expressão da desigualdade social.
Com o passar dos anos o movimento sanitarista deu conta de mudar a concepção higienista no avanço do tratamento das doenças infectocontagiosas estendendo esta visão no combate a desigualdade social.
Conforme Giorgetti (2006) entre 1910 e 1920 a reprodução das doenças infecto contagiosas estavam associadas às péssimas condições de higiene e saúde sendo interpretadas pelas elites como uma expressão da pobreza.
Demorou muito para que essas propostas de tratamentos fossem aplicadas efetivamente, mas a conquista nesse sentido foi uma batalhada vencida no dia a dia. Os sanitaristas atribuíam a responsabilidade do estado de abandono da população à ausência de políticas sociais.
As ações coercitivas e repressoras daquela época estavam focadas no intuito de evitar a transmissão de doenças, tendo em vista que não existiam tratamentos e medicamentos disponíveis. Estes procedimentos carregavam uma alta dose de preconceitos e atitudes discriminatórias para com os mais pobres.
Desta forma, o higienismo absoluto e intransigente tratava de tirar desumanamente o sujeito das ruas, pela coerção física e sem qualquer assistência*, visando apenas limpar a cidade.
O higienismo relativo, pouco existia e não usava a violência, mas fazia parte de um conjunto permissivo e dissimulado aceitando táticas que apresentavam na aparência propostas direcionadas na resolução do problema, entretanto, na essência apenas sutil de camuflavam sutilmente a questão. Giorgetti explica claramente.
Trata-se de um consentimento dissimulado, carregado de contra-sensos: se aceita a presença dos moradores de rua, destituindo-os de seus direitos. Há um desejo de manter a ordem social e de preservar o status quo prevalece entre aqueles que se enquadram. (GIORGETTI, 2006,91)
Essa abordagem de relatividade é tão prejudicial quanto à outra, pois o higienismo relativo é uma permissão repleta de hipocrisia.
Desta forma, o morador que está na rua é pressionado de todas as maneiras a abandonar o espaço da rua sem apoio para atender suas expectativas fora da rua.
Por sua vez, quando institucionalizados a pressão é a mesma, pois sair ou não de um equipamento social por conta da inadequação ás suas normas administrativas também é uma forma higienismo relativo.
Nesta ótica o discurso do livre arbítrio é contraditório, pois este sujeito tem o direito de partilhar todos os espaços públicos, desde que não permaneça em local proibido, ou melhor, não transforme em moradia a rua, a calçada, o banco da praça, a praia, as marquises, entre outras.
É complexa a relação entre moradores de rua e demais setores da sociedade, inclusive por essa questão higienista, pois com certeza alguém sempre conhecerá uma pessoa que caridosamente doa alimento e/ou roupas usadas a um pedinte que bate em sua porta.
Com o passar dos tempos essa doação é transformada em hábito por ambas as partes e num dado momento passa a causar incômodo. Essa atitude despretensiosa e puramente assistencialista causa muitos transtornos.
Quando o munícipe resolve parar de oferecer o que aparentemente sustenta o pedinte o quadro deixa de ser solidário, pois a ação de cancelar a oferta cria desconforto.
Nesse instante o pedinte passa a ser um incômodo e o munícipe que em uma atitude assistencialista iniciou o elo de ligação percebe o quanto é difícil romper com esse compromisso, restando apenas à alternativa de recorre aos órgãos públicos para que solucionem o caso.
A sociedade em geral tem sua parcela de responsabilidade, pois na tentativa de amenizar o sofrimento humano reforça a permanência desses sujeitos nas condições em que se encontram. A sociedade como um todo não tem consciência de seu poder de pressão para transformação da realidade social.


2- MORADORES DE RUA: A EXPRESSÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL.
A questão social que envolve a população de rua é mobilizadora e impossível de ser abordada sem considerar a contextualização do processo sócio-histórico-econômico-cultura que deu corpo a este fenômeno social.
2.1 ? Quem são esses sujeitos?
Os moradores de rua constituem um grupo heterogêneo que de forma homogenia carrega o peso da condição absoluta da miséria, estando à margem da sociedade e expressando o fiel reflexo da extrema exclusão social.
Em geral a aparência pessoal do morador de rua reflete a naturalização e banalização de suas vidas estando visíveis na precariedade de seus trajes, seus cobertores, seus sapatos velhos, quando não estão descalços, além do estado de seus pertences danificados.

São sujeitos pertencentes a uma realidade que expressa fisicamente à imagem de um ser desprovido de direitos sociais, sofrendo cotidianamente preconceitos e violência, aspectos enraizados culturalmente na realidade do país. Segundo Escorel, a população de rua está constituída, em sua maioria, por homens sós.
A vida solitária nas ruas indica a existência de algum distanciamento, ou até um rompimento com o grupo familiar. O afastamento da família, elemento fundamental de apoio material, de solidariedades e de referências no cotidiano, permite uma primeira e basilar configuração da população de rua: é um grupo social que apresenta vulnerabilidades nos vínculos familiares e comunitários (eixo sócio-familiar). (ESCOREL, 2006:103)
A era industrial apresentou marcas crescentes da repressão especificada na difusão de atividades ligadas ao processo de industrialização alargando a dimensão da questão que se tornou ainda maior.
O surgimento das máquinas em substituição ao trabalhador constituiu uma imensa fila de desempregados, que sem perspectivas de sobrevivência se colocaram na condição de permanente de excluídos sociais.
Ao longo do processo histórico, os avanços econômicos em paralelo aos agravos da questão social levaram as novas configurações e o espaço público, tornou-se um espaço opcional, acolhedor, a única opção para muitos trabalhadores excluídos.
Isso significa que apesar de ser um acúmulo de contradições, a questão deixa de ser econômica para configurar um quadro de problemas multifacetários na vida destes trabalhadores que sem emprego, excluído da relação de produção entre capital-trabalho, deixaram de ser reconhecido em sociedade na qual tinha um valor de contribuição.
A questão do desemprego tornou-se o ponto principal da desestabilização destes indivíduos, que sem acompanhar o crescimento econômico sofreram a pressão da falta de qualificação profissional.
O Trabalhador estando na condição de desempregado, enquanto conduz sua vida precisa se adaptar a uma nova realidade, fica a mercê do trabalho informal, onde muitas vezes não consegue suprir o mínimo necessário para manter sua família, acabando por entrar de forma gradativa à condição de estar nas ruas.
Desempregado o quadro muda e esse trabalhador sem perspectivas profissionais, cada vez mais distantes do mercado de trabalho formal, passa a sentir-se pressionado pelos familiares que se tornam automaticamente os responsáveis pelo sustento familiar.
Não podendo cumprir com o papel de provedor familiar, aos poucos vai perdendo o seu espaço e liderança dentro do lar. Desta forma, este homem não suporta as pressões e cobranças dos membros da família e acaba por perder a auto-estima, rompendo em seguida com todos os seus vínculos, saindo em busca de outras formas de viver.

Estando na rua o tratamento que ele recebe não é o esperado, passa a fazer parte de um novo contexto social, onde sua condição coincide com a de muitas outras vitimas de uma sociedade geradora da desigualdade social.
Na medida em que, esses sujeitos encontram formas de permanecerem nas ruas, vão construindo novos vínculos, e em muitos casos acabam por substituir a família em diversos aspectos, seja no companheirismo na hora de beber, seja na proteção na hora de dormir, seja na solidariedade em dividir o alimento e até mesmo o dinheiro obtido no trabalho informal.
Alguns acabam por se envolver com contextos nocivos, como os envolvimentos com as drogas, o alcoolismo, a violência, a marginalidade e a prostituição.
No processo de adaptação acabam substituindo as relações familiares por relações amigáveis constituídas no espaço da rua. Esse convívio resulta no processo de fixação no espaço publico e de conformação em viver com o mínimo possível.
Os moradores de rua trazem na intimidade uma bagagem de sentimentos deixados para trás. As rupturas são muitas, as perdas são enormes marcando suas trajetórias de vida imobilizando-os subjetivamente para a construção de novas perspectivas de vida.
Estes sujeitos estão vivendo nas ruas por muito tempo e transmitem a imagem de que desejam permanecer nas ruas, mas em suas historias de rua demonstram o desejo pela mudança de vida. Alguns conseguem vencer o medo, o preconceito, a exclusão e ainda ensinam com a vida nas ruas, o que é existir mesmo sendo ignorado.
Os moradores de rua são sujeitos reconhecidos por parte da cidade como indesejáveis e tratados de forma desumana, mas são na verdade exemplos de superação da adversidade. Nesta forma de viver mostram o verdadeiro significado de viver nas ruas.
2.2- As formas e o significado de viver nas ruas.
Viver na rua pode tem vários significados para estes sujeitos. Para viver da rua eles escolhem locais que permitam sua busca por subsistência, tentam reorganizar o espaço e acabam por se comportar como se aquela fosse de fato a sua moradia. A apropriação dessas áreas,

Configura um duplo uso: espaço de moradia e de trabalho. Pode-se dizer que ocorre um reorganizar, um reinventar do espaço público e comum, tornando-o quarto/cozinha/oficina, onde a concepção tradicional de casa ceder à outra, que explicita, em certos aspectos, a condição em que vivem a maioria da classe trabalhadora. (VIEIRA, BEZERRA, ROSA, 1994:103)
Uma das formas pelas quais estes sujeitos vivem nas ruas é através da adaptação ao local escolhido para dormir, ficam sozinhos ou se envolvem em um grupo já estabelecido.

Alguns nessas condições não conseguem trabalho e tentam adquirir meios de suprir suas necessidades mais urgentes, como cigarro, álcool. Acabam por se tornar catadores de recicláveis e efetuam a coleta objetivando apenas manutenção de seu vício.
Tentam encontrar o emprego formal, mas estando sem qualificação e sem documentação (muitos perdem os documentos estando nas ruas) acabam por trabalhar na informalidade efetuando inclusive pequenos serviços além de conseguir extrair pequenos valores com trabalhos através do chamado "lixo limpo". Nessa situação o
Trabalhador vai se apropriando dos recursos considerados como lixo pela sociedade; é o caso, por exemplo, do catador de papelão e de outros materiais reaproveitáveis. A rua oferece ainda a possibilidade de realização de pequenos expedientes, como carregamento de caminhão em áreas cerealistas, a guarda e lavagem de carros e mesmo pequenos roubos. . (VIEIRA, BEZERRA, ROSA, 1994:104)
Ao contrario da imagem social de que estes sujeitos são pedintes e não gostam de trabalhar, grande parte dos moradores de rua executam pequenos serviços informais, como forma de sustentação individual ou familiar.
Querem ter a dignidade restabelecida mostrando com isso que buscam o próprio sustento evitando a mendicância.
Uma das questões também presentes nas ruas são os pequenos roubos que podem ou não serem realizados por indivíduos que não são necessariamente moradores de rua causando na sociedade a mercantilização do medo.
Estas ações acabam por prejudicar aqueles sujeitos que mesmo morando nas ruas tentam ganhar seu dinheiro com dignidade. Sem oportunidade para sair dos eles acabam por buscar a mesma adaptação na tentativa de sobreviver à margem da sociedade e desenvolvem condições específicas para viver nas ruas.
Os autores Vieira, Bezerra e Rosa (1994, p 93-95) esclarecem que essas condições de vida determinam três movimentos entre as situações nas quais se enquadra o morador de rua: eles podem ficam nas ruas, ou estar nas ruas ou serem das ruas.
De certa forma define-se a questão de ficar nas ruas como um fator circunstancial, estar nas ruas como fator situacional e ser das ruas como fator frequêncial ou referencial. Essas condições aparentemente não apresentam distinção, mas quando compreendidas mostram a sutileza essencial que as diferencia.
Ficar na rua é um processo circunstancial porque apresenta uma condição contrária a vontade da pessoa. Em muitos casos este indivíduo chegou à cidade em busca de emprego, ou para um tratamento médico para si ou algum familiar e não tendo para onde ir recorreu ao espaço da rua aumentando sua vulnerabilidade.
Nesta condição este sujeito efetua tentativas de ficar na rua, mas não gostando da idéia de se adaptar a vida na rua, rejeita a condição de um morador de rua, evitando aproximar-se de outros moradores de rua por sentir-se desvalorizado e com medo tenta dormir em espaços públicos, terminais rodoviários, albergues.
Como tentativa de evitar a rua, procura fazer um trabalho informal (bico) que lhes permita pagar um quarto para dormir ou busca auxílio nos plantões sociais do município em que se encontra.
No caso da condição de estar na rua trata-se de um fator situacional por esse sujeito estar se colocando de acordo com a situação que lhe é apresentada. Quem está na rua busca adaptação ao meio e não se preocupa tanto com os perigos estabelecendo relações e vínculos com outros moradores de rua como estratégia de sobrevivência.
Indivíduos com essa característica freqüentam órgãos assistenciais em busca de alimentos, mas ainda assim, buscam meios para mostrar-se apenas estando e não sendo da rua.
Apresentam-se como trabalhador temporariamente desempregado e efetuando pequenas tarefas, também tenta buscar rendimento para encontrar um local para dormir, ou até mesmo vaga nos albergues do município em que se encontra. Ex: Coletores de materiais recicláveis e guardadores de carros.
No tocante ao fator ser da rua, a condição é mais fria e dura, pois estando há muito tempo nas ruas e passando por situações anteriores passivas de alternâncias como os que ficam muito tempo na busca por soluções, sofrem uma degradação entrando em depauperamento físico e mental. Esse desgaste é devido ás precárias condições de higiene, alimentação, incluindo em muitos dos casos o uso contínuo de álcool ou até mesmo o consumo de drogas ilícitas.
Passando muito tempo nas ruas, esses sujeitos ficam expostos a toda forma de violência. E mesmo usando o discurso de que é um trabalhador desempregado e não possui documentos, ficam cada vez mais longe da possibilidade de um emprego.
Constituem uma nova forma de viver, um movimento que torna a rua seu lar e os companheiros moradores de rua sua nova família. Estes sujeitos não estão mais acostumados à rotina de viver em baixo de um teto e mesmo que sejam encaminhados a um equipamento social, como um albergue acabam por voltar para a rua.







3 ? A CIDADE DE GUARUJÁ E SEUS MORADORES DE RUA
Belíssima em diversos aspectos, porém sua beleza não foi brinde, e sim uma conquista natural que ao longo do tempo, se consolidou com a sua formação expressa no mapa da cidade, onde se encontra visível à imagem de um dragão.
As maravilhas de nossa Ilha são partes de um processo de transformação geológica, do qual obtivemos o melhor resultado, ou seja, um local onde a vista torna-se encantadora a cada dia.
3.1- Guarujá, a pérola que brilha ao sol e seu contexto histórico.
No livro "Pérola ao Sol" há registros de informações riquíssimas sobre a historicidade dessa linda cidade que também é conhecida como "Pérola do sol" e/ou "Pérola do Atlântico".
Registros sobre a história da cidade mostram que anteriormente a figura do dragão a formação rochosa das ilhotas próximas lembrava a imagem de uma cobra. A explicação sobre a simbologia é a mais clara definição encontrada até o momento, expressando de forma delicada a origem da imagem que se assemelha a um dragão:
A imaginação sempre nos leva a identificar um réptil na ilha que nasceu para ser um templo do sol. Mas a verdade é que o processo iniciado há cinco milênios, por intermédio do qual o mar, em seu movimento incessante, uniu várias ilhas rochosas da região, acabou por transformar a cobra e seus filhotes em um imenso dragão alado (DAMASCENO&MOTA, 1988:13)
Sem dúvidas as transformações ocorridas através do tempo deram origem também ás belas praias que surgiram muito depois dessa formação dragonal. O assunto é pouco comentado, mas se observarmos a questão da cobra e seus filhotes, ou seja, se observarmos as ilhotas afastadas perceberemos que é possível identificar o belíssimo Morro da Península como um desses filhos desgarrados e que a mãe "Ilha de Santo Amaro" acolheu juntando-o aos outros.
Este breve conhecimento da origem e constituição da cidade do Guarujá requer um retrocesso histórico mais amplo. É necessário conhecer a cidade para se entender os problemas que ela apresenta em sua totalidade.
O levantamento histórico permitirá uma aproximação maior do contexto pelo qual se iniciou a caminhada na construção de uma cidade, cujo entendimento de sua importância ao longo do tempo servirá de base que possibilitará a identificação de pontos fundamentais e fatores contributivos para a questão da população de rua em Guarujá.
3.2 ? O retrocesso histórico
A história de Guarujá iniciou-se por volta do ano de 1560. Período este, em que a primeira tentativa de trazer civilização a essas terras deu-se por intermédio do Padre José de Anchieta e Manoel da Nóbrega. O tempo passou e muitos fatos ocorreram e enriqueceram essa trajetória.
Anchieta e Nóbrega não entendiam as dificuldades encontradas por Pero Lopes de Souza e outros donatários em iniciar essa colonização e consideravam poucos os esforços para tal feito, ou seja, no inicio haviam capitães desinteressados por essas terras.
A princípio era apenas "Ilha de Santo Amaro" e teve uma série de administradores. Passaram por essas terras nomes conhecidíssimos da história brasileira como, Martim Afonso, Pero Lopes, Lopo de Souza, Conde de Monte Santo, mas o fato é que, nem mesmo os mais conhecidos que eram também determinados, nem eles obtiveram sucesso nas tentativas de colonização, conforme relato de Damasceno,
As polêmicas se sucediam e, enquanto isso, o processo de colonização sequer engatinhava. Uma fazendinha aqui, outra lá; pequenas plantações de cana, alguns moinhos precários. E passaram Martin Afonso (1535a1571); Pero Lopes (1571a1586); Lopo Lopes de Souza (1587-1610); condessa de Vimieiro (1621-1623); Conde de Monsanto (1623-1679), todos os administradores fugazes de uma terra que insistia em não crescer. (DAMASCENO&MOTA, 1988:33).
Os autores explicam que a Ilha de Santo Amaro confundia-se em alguns pontos com São Vicente, principalmente por interesses particulares. As brigas pela posse da Ilha eram violentas e ultrapassavam fronteiras.
Esses desentendimentos reforçaram o fracasso na tentativa de colonização, pois ao invés do progresso os investimentos financeiros se perdiam, enfraqueciam e eram reduzidos.
No ano de 1552 foi construída a mais antiga Fortaleza da Ilha de Santo Amaro, sobre penhascos e diante do mar que dava para o canal de Bertioga. Tratava-se da construção do Forte São Felipe, com a intenção de proteção ás terras santistas, de qualquer invasor pelas margens do canal. A determinação da obra foi por ordem de Brás Cubas, também Fundador da cidade de Santos.
Povoar a Ilha não foi possível e no ano de 1560, Nóbrega e Anchieta já estavam cientes de não obter sucesso na tentativa de civilizar as terras de Santo Amaro. Um dos motivos do fracasso se dava pela resistência dos índios que traumatizados pela perseguição dos portugueses rejeitavam qualquer aproximação.
A Ilha de Santo Amaro até o ano de 1605 era povoada apenas pelos militares do Forte São Filipe que quase duzentos anos depois (1765) passou por restauração e mudou de nome três vezes, forte São Luiz; Forte São João da Bertioga e São Felipe da Paciência. Atualmente é protegido por dois órgãos, mas o abandono desse patrimônio já foi duramente criticado.
Essas edificações, responsáveis, no passado pela proteção das áreas colonizadas do Litoral Centro-Sul Paulista, não conseguem, no presente, proteger-se da ação do tempo ou de atos de vandalismo. Tais monumentos estão sob proteção oficial da União (Já que são tombadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico ? Condephaat ou pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ? SPHAN). Porém, além da mera medida burocrática visando à sua preservação, os fortes não contam, sequer, com vigilantes. (DAMASCENO&MOTA, 1988:41).
O descaso com o que restou do Forte São Felipe foi motivo de críticas dos fotógrafos da época, pois se tratava de um monumento histórico que carecia de cuidados especiais.
Outro Forte que também é uma das obras de grande importância para historicidade de Guarujá é o Forte da Barra construído no ano de 1584. Essa obra foi feita após a assinatura do Tratado de Tordesilhas e pelo Governo Espanhol que dominava a colônia nesse período.
O objetivo da construção era evitar a invasão de piratas, e o termo pirataria nessa época, empregava-se realmente aos invasores vindos de longe, com grandes embarcações, e que tentavam através das águas dominarem povoados para saquear alimentos, armas e objetos de valor. Damasceno explica que o primeiro pirata a invadir a baixada foi o inglês Edward Fenton,

Em área oposta à do Forte São Filipe, encontra-se a Fortaleza da Barra Grande, que ainda está com 80% de sua estrutura intacta, mas que continua sendo vítima de um processo contínuo de destruição, por mãos humanas e pela ação do tempo. A edificação foi projetada após invasão de Santos pelo pirata inglês Edward Fenton. O objetivo era evitar novos atos de pilhagem na região. Não evitou: anos depois, aqui estiveram Thomas Cavendish e Von Spilberguen, entre outros. (DAMASCENO, MOTA, 1988:41)
O Forte da Barra Grande foi construído por receio de novos ataques, porém não deu muito certo e outros ataques vieram.
Aproximadamente em 1670 foi construído outro Forte a Itapema visando proteger a margem oriental de Santos, situado em Vicente de Carvalho.
Foi utilizado durante todo o século XVIII como unidade militar, centro de orientação naval e também virou depósito de pólvora. Em 1905 foi restaurado e adaptado com um imenso holofote.
Ficou conhecido até hoje como Farol do Itapema. Seu tombamento se deu no ano de 1981. Porém o início tímido do crescimento econômico está bem atrás desses anos de restauração do Famoso Farol.
3.3- As primeiras atividades econômicas.
Com data aproximada do ano 1700 marcou-se o inicio das primeiras atividades econômicas com o surgimento da Armação das Baleias, que foi a primeira indústria da região construída próximo da estrada de ligação Guarujá-Bertioga.
O local servia de ponto de transformação e envio de produtos extraídos das baleias que eram caçadas em atividades pesqueiras.
A função da fábrica contribuía economicamente para o desenvolvimento do Brasil Colônia. No extremo norte da ilha, apesar de todas as dificuldades,
Desenvolvia-se uma atividade que seria de grande importância para economia do Brasil Colônia. Tratava-se do beneficiamento dos produtos obtidos da baleia, que era caçada com intensidade no litoral do país. A chamada "armação das baleias" foi construída entre os anos de 1699 e 1700 e até hoje ainda podem ser vistas ruínas, a pouco mais de 100 metros do inicio da Estada Guarujá-Bertioga. (DAMASCENO &MOTA, 1988:33)
Os denominados "grandes cetáceos" depois de abatidos eram levados com ampla utilidade, deles extraía-se a carne, para consumo imediato e o óleo, que foi fonte de luz e iluminou São Paulo, a Baixada Santista e outros centros urbanos do País.
A fábrica também adquiria a matéria prima para produção de pentes, broches, agulhas de teares e outros objetos utilitários feitos de ossos.
Essas atividades seguiram até o ano de 1830 e quando perdeu importância os equipamentos de produção foram leiloados. Na fase Colonial surgiam os primeiros desempregados da história de Guarujá.
Nessa época, de alguma se iniciou um processo de avanço onde surgia o primeiro povoado, só muito tempo depois à cidade adquiriu condição de vila.
No ano de 1832 foi assinado o decreto imperial e em 1833 chegavam os novos moradores. Foi preciso transcorrer mais de um século,
Para quer surgissem algumas atividades econômicas na região. Ente 1699 e 1700 instalaram-se a armação das baleias, indústria de beneficiamento dos subprodutos daqueles cetáceos. A existência dos engenhos; as indústrias, representadas pela armação das baleias e atividades pesqueiras artesanais, contribuíram para o surgimento de um pequeno povoado, mas transcorreram muitos anos até que Guarujá alcançasse a condição de vila. Isso ocorreu no dia 10 de julho de 1832, através de um decreto imperial. (DAMASCENO &MOTA, 1988:67)
A partir do ano 1833 começou o povoamento da cidade. Entre esses novos habitantes destacavam-se os vindos de Santos, porém os escritores observam que os números de escravos no povoado era maiores do que os colonos. Importante mencionar que já nessa época a cidade atraía muitos estrangeiros.
As plantações de cana de açúcar eram valorizadas e surgiram engenhos de cana-de-açúcar que juntos com a fábrica favoreceram o surgimento do povoado.
3.4- Referência de progresso.
Quase 60 anos depois do inicio do povoamento de Guarujá, chega Fausto Pacheco Jordão que se tornaria referência de progresso em Guarujá com sua característica idealista.
Sua percepção permitia identificar avanços gratificantes além da beleza que já era ponto de absoluta admiração e ao verificar as possibilidades de investimentos colocou ótimas idéias em ação. Quando percorria os espaços tranqüilos da ilha,

Elias Fausto fixava-se no belo conjunto formado por águas de cor de esmeralda, areias claras e limpas e um azul de céu de pigmentação inexplicável. O engenheiro enxergava o paraíso. E imaginava que muitas pessoas, de posses, estavam dispostas a conquistarem e um espaço nesse Éden Litorâneo. Elias conhecia outras regiões balneárias. Nascera em Rio Claro, interior de São Paulo, mas estudou no Rio de Janeiro (seu curso de engenharia foi concluído nos Estados Unidos). Tinha condições de comparar paraísos e dar ganho de causa à "Ilha do Sol" (DAMASCENO&MOTA, 1988:68).
Os moradores da ilha conhecidos como Ilhéus observavam discretamente a construção de um hotel, uma igreja, um cassino e 46 chalés, esses empreendimentos despertavam no imaginário do povoado o interesse em oferecer sua mão de obra.
O idealista Fausto Pacheco Jordão que era presidente da Companhia Prado Chaves e os companheiros, que também faziam parte de sua equipe de trabalho iriam atuar nas ações de progresso da cidade.
Entre os colaboradores de Fausto estava Valêncio Augusto Teixeira Leomil, uma pessoa ilustre que fez história, foi o homem que colaborou, investiu, projetou e deu origem a Guarujá Moderna. Leomil recebeu justa homenagem com seu nome dado á avenida principal do centro da cidade.
A Companhia Prado Chaves foi responsável pela instalação da linha férrea que conduziria a população entre Pitangueiras (Município) e o Itapema (atual Vicente de Carvalho). Aqueles que se utilizaram do transporte usufruíram de imensa beleza no trajeto.
A via férrea idealizada por Elias Fausto Pacheco Jordão funcionou até 13 de julho de 1956. Nesta época já estava modernizada, com novas composições e sua função não era mais conduzir os elegantes veranistas da Paulicéia. Agora, era o meio de transporte de que se utilizava a população local para locomover-se entre a sede do Município e o Distrito de Vicente de Carvalho. (DAMASCENO &MOTA, 1988:84)
As pessoas desejavam o crescimento econômico tanto quanto os investidores e esses populares desenvolviam funções em qualquer espaço oferecido pelos barões da época que invadiram a ilha.
Toda a rotina do povoado estava sendo alterada e muitos viam no empreendimento grandes chances de emprego.


A mão de obra do povoado foi amplamente utilizada e quem tinha uma experiência profissional tinha garantia de trabalhar quando o hotel, o cassino e os chalés estivessem em funcionamento.
A vila balneária iria mudar os destinos da cidade. A começar pela corrida a empregos oferecidos no cassino, no hotel e na estrada de ferro. Não havia, porém, mão de obra suficiente muita gente veio do interior do Estado, dando inicio, assim, ao processo migratório à Ilha de Santo Amaro. (DAMASCENO &MOTA, 1988:71)
Outro quadro dessa época que remete á reflexão refere-se ao povoado que tinha um contingente pequeno e nem todos tinham qualificação e, desta forma a cidade de Guarujá começou a receber populares em grande quantidade e que vieram de diversos locais do Estado. Iniciava-se então o primeiro processo migratório em busca de emprego para Ilha de Santo Amaro.
Muitos queriam trabalhar no hotel que impressionava por sua beleza arquitetônica e imagem européia. Porém, quatro anos depois de sua inauguração, a edificação foi completamente tomada por um incêndio.
Contudo, o povoado e os migrantes não perderiam o prazer de ver esse problema realmente resolvido, pois a Companhia com seus colaboradores construíram outro Hotel, mais seguro e bonito, superando o antigo com todo o luxo e conforto.
Em 1893 era inaugurada a Vila Balneária com um passeio especial do trem repleto de convidados ilustres. Fausto Pacheco Jordão não parou sua jornada de investimentos na estruturação da cidade que viria a ser exatamente como ele desejava uma das mais visitadas do país.
Tendo em vista que grande parte do acesso era pelo mar a Companhia Prado Chaves iniciou seu investimento no acesso hidroviário. Em 1911 a empresa encomendou um estaleiro holandês com duas barcas movidas a vapor, conhecidas como Itapema e Paquetá, mas apenas sete anos depois em 1918 surgiram balsas para transportes pesados e de veículos.
Infelizmente a Companhia que tanto contribui para o crescimento inicial encerrou suas atividades em 1926, mas Elias Fausto Pacheco Jordão tornou-se símbolo de perseverança e o verdadeiro exemplo de alguém que acreditou num ideal e tornou possíveis os avanços que o seguiriam dando inicio concreto á cidade do Guarujá.

Na medida em que a cidade crescia, aumentavam também o interesse de muitos empresários em reforçar seus ganhos.
No ano de 1927, a linha férrea virou estatal e um tempo depois foi desativada. Antes de encerrar as funções para qual foi destinada, recebeu reforma modernizada para esse período e não com intenção de conduzir os veranistas de São Paulo, mas sim os moradores do Centro até Vicente de Carvalho.
Após parar suas funções a locomotiva que tanto sucesso fez virou atrativo turístico e está até hoje exposta entre as esquinas das avenidas Leomil e Puglise e a frente da maquina em exposição está o busto construído em homenagem ao Fausto Pacheco Jordão.
A partir 1934 encerrava-se a subordinação da Ilha de Santo Amaro para com a cidade de Santos com a emancipação política que se deu na data de 19 de junho de 1934 pelo decreto lei nº6501 e apenas 14 anos depois a cidade seria independente da Comarca de Santos e também elevada á categoria de Município.
A emancipação da Ilha de Sano Amaro foi resultado da união das elites da época com os moradores da cidade de Guarujá que gerou um movimento discreto configurando essa emancipação conforme explica Damasceno&mota,
Essa união de forças levou à emancipação administrativa, ocorrida em 30 de junho de 1934, por intermédio de decreto assinado pelo então presidente do Estado Armando Sales de Oliveira. A emancipação política viria somente em 1948, quando a cidade passa a ter direito de eleger seu primeiro prefeito, que foi Abílio dos Santos Branco. (DAMASCENO &MOTA, 1988:94)
Outro marco histórico trata-se do "Forte dos Andradas" construído em 1940. Era a principal defesa de entrada para Baía de Santos, cujo nome foi dado em homenagem aos irmãos Andradas (José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco).
Foram personagens importantes na história brasileira do período imperial e marcaram época na cidade de Guarujá.
No ano de 1946, era construído na cidade o primeiro prédio de apartamentos. Um empreendimento ousado para época e o prenúncio de grandes transformações socioeconômicas e políticas.

3.5 ? As mudanças políticas que marcaram época.
Até o ano de 1947 o prefeito era escolhido pelo presidente do Estado (governador) e na época bastava ser amigo do Governante Estadual Armando Salles de Oliveira para ser nomeado prefeito.
Alguns que assumiram até preocuparam-se com o desenvolvimento da cidade, um fez calçamento em extensão de praia, outro pavimentou bairro (no centro).
Renata Crespi foi à única mulher nomeada prefeita, mas seus grandes planos com pretensão e idéias mirabolantes de cuidar da cidade, foram interrompidos.
Ela veio com grandes planos. Mostraria para todos a sua capacidade administrativa. Cuidaria da limpeza de Guarujá, tornando-a mais bonita ainda do que já era. Não foi à toa, portanto, que sua primeira grande providência foi adquirir uma vassoura mecânica. Tratava-se de uma engenhoca, cheia de rolos e roldanas, a qual, acoplada a um veículo, circulava pelas ruas, recolhendo poeiras, ciscos e folhas de árvores caídas. (DAMASCENO &MOTA, 1988:115)
O Presidente Eurico Gaspar Dutra ao assumir sua gestão cortou as chances de Renata Crespi com a intervenção que antecedeu a emancipação política da Ilha de Santo Amaro consolidada em 1947.
Renata Crespi a prefeita da faxina, governou a cidade por pouquíssimo tempo, pois era apenas uma perfeita representante da camada fina da sociedade que não conseguiu gerir e não suportando a pressão acabou por abandonar a prefeitura em menos de dois meses.
A primeira grande crise surgia, pois uma cidade onde um dos fatores de geração de renda era o Cassino, não poderia ficar sem esse empreendimento e muitos sofreram, o desemprego se abateu em garçons, cozinheiras, entre outras.
Alguns pontinhos da desigualdade começavam a surgir, pois essa crise não atingia a burguesia existente e ao contrário eles ficavam mais ricos e aumentavam suas posses. Nesse mesmo ano de 1947, pela Lei Orgânica dos Municípios, em 18 de setembro a cidade de Guarujá tornou-se Municipalizada de fato e, ocorreu então, a primeira eleição para o período que compete entre 1.948 e 1.951, sendo eleito para prefeito o Sr. Abílio dos Santos Branco.
Durante esses três anos outros avanços ocorreram e no ano de 1949 instalou-se a Câmara Municipal de Guarujá.
Quatro anos depois (1953) era é criado o Distrito de Vicente de Carvalho (antigo Itapema), que viria a ser a área mais importante do comércio da cidade.
No período que compete à década de 50, muitos fatos ocorreram e deram dimensão de pólo empregatício gerando um grande fluxo migratório. Os moradores que já estavam na cidade traziam seus familiares para engrossamento da camada que povoava o Distrito de Vicente de Carvalho e região. Muitos viam no local a possibilidade de progresso abandonando a situação de miséria que tantos jornais noticiavam sobre cidades do nordeste.
Ao escolher Itapema, ou melhor, atual Vicente de Carvalho, esses migrantes ingressavam também no comércio local e desta forma, o aumento e o desenvolvimento desse setor fazia crescia ainda mais o Distrito e o Município.
A importância dessa movimentação freqüente na área central do Itapema demandou um pouco de autonomia à cidade, pois o governo do Estado transformava em Distrito municipal de Guarujá, mudando o seu nome de Itapema para Vicente de Carvalho. Damasceno (1988) explica essa autonomia,
O processo migratório intensificou-se nas décadas de 40 e 50. A ponto de a Itapema passar a ter uma população maior que a da sede do Município. Isso propiciou um desenvolvimento maior do comércio e o surgimento de novos núcleos, como, por exemplo, o Parque Estuário. Ser um simples bairro de Guarujá era um status insuficiente para o velho Itapema. E, em 30 de dezembro de 1953, um decreto do Governo do Estado criava o Distrito de Vicente de Carvalho, passando o núcleo a ter direito a um cartório de paz e certa autonomia administrativa. O ato, se por um lado era a confirmação do desenvolvimento da região, de outra forma acabou contribuindo para que ela crescesse mais ainda. (DAMASCENO &MOTA, 1988:105)
Vicente de Carvalho continuava crescendo e entre os avanços da década e com a pobreza sendo identificada, surge outro idealista como Fausto Pacheco Jordão, mas este não vinha preocupado unicamente com o turismo da cidade, pois vinha com o olhar voltado para religião e também para a população carente.
No ano de 1954 chega à cidade o então Vigário Domênico Rangoni para assumir a paróquia do Guarujá. Ao inaugurar a nova Igreja Matriz, foi agraciado pelo bispo diocesano da época Dom Idílio José Soares, com a elevação á posição de Cônego, podendo acrescentar a referência "Dom" em seu nome. Mas tinha em seu intimo um lado social que estava prestes a aflorar e contribuir para o progresso da cidade de Guarujá.
A convivência junto aos munícipes lhe trouxe a percepção da distinção de classes sociais que já se faziam notar nesse período. Começou uma fase de melhorias e com atitudes firmes demonstrava perceber o crescimento de um quadro social que demandava cuidados.
Dois anos após sua chegada, já inaugurava as obras de expansão da igreja Matriz. A nova igreja foi inaugurada com as bênçãos do então bispo diocesano D. Idílio José Soares que, no mesmo dia, elevou o padre italiano a uma posição superior na hierarquia da Igreja; passava a ser cônego e adquiria direito de usar o "Dom" antes do nome. (DAMASCENO &MOTA, 1988:131).
Cada caminhada pela cidade para atendimentos pastorais, Dom Domênico olhava tudo atentamente, observando a necessidade de auxílio ao grande contingente de famílias carentes, bem como a falta de estrutura do município que recebia cada vez mais migrante.
As atividades do Padre a princípio eram no campo da atuação religiosa, como reformas de capelas ou ampliação de igrejas. Era dotado de dinamismo, carisma, decidido e responsável. Suas ações eram seguramente pensadas e dessa forma, identificou a necessidade de atendimento da população carente na área de saúde e no âmbito social.
Contribuiu com o trabalho do então prefeito Domingos de Souza para o surgimento do primeiro pronto socorro da cidade, este no bairro Enseada. Porém era pouco diante da necessidade que aumentava a cada dia.
Preocupado com as parturientes que precisavam atravessar a balsa para atendimento em Santos, e sofriam mais quando chegada à hora do nascimento, tomou a decisão que beneficiaria toda uma população que carecia de atendimento médico e seria sua maior benfeitoria.
A princípio criou a Creche Ninho Maternal para oferecer suporte ás mães que necessitavam de um lugar para deixar seus filhos e trabalhar.
Mas ainda preocupado com as parturientes do município, iniciou uma sensibilização no sentido de angariar fundos para viabilizar o objetivo de quem andava de mãos dadas com a caridade.
Desta forma, o Padre Domênico buscou construir a primeira maternidade do Guarujá com campanhas beneficentes, bingos, encontros sociais. Recebeu generosos donativos da elite predominante e uniu essas doações aos recursos fornecidos pela Prefeitura Municipal de Guarujá e pelos Governos: Estadual e Federal. Iniciou então a obra que seria uma das obras que causam orgulhos do povo Guarujaense.
No ano de 1962 em que estava sendo criada a Comarca de Guarujá, também foi inaugurado o Hospital Santo Amaro, com atendimento de Maternidade e Pediatria dispondo inicialmente de 100 leitos.
Novamente com doações e campanhas com a população, o hospital cresceu e já dispunha de 400 leitos. O atendimento médico aumentou e abriu-se para outras especialidades. Padre Domênico nessa ocasião. Segundo Damasceno & Mota (1988), entre outras obras realizadas com a contribuição do Padre Domênico estão,
Centro Comunitário Cultural, Biblioteca Pública Cultural, Escola de educação Infantil e de 1º grau; Faculdade de Educação, Ciências e Letras (com Cursos de pedagogia, Letras, Estudos sociais, História e Geografia); Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia; Faculdade de Fisioterapia e Faculdade Nutrição. (DAMASCENO & MOTA, 1988:131)
Em 08 de novembro de 87, faleceu e deixou um legado de ações e obras respeitadas devido a sua preocupação com a classe desfavorecida e com os problemas sociais que a cidade enfrenta até os dias atuais. Aqueles que estiveram em seu velório durante toda a noite e ao longo do dia, tiveram uma ultima imagem da importância do Padre Domênico para a população de Guarujá.
Muitos deram o último "adeus", porém a cena que trago na memória desde essa data, ocorreu durante o velório no alto da madrugada, pois, alguns dos moradores de rua que na época eram denominados mendigos entraram e prestaram ultima homenagem.
Interessante que se colocavam em silêncio por alguns instantes ao lado do caixão e seus gestos parecia expressar de alguma forma a importância que Padre Domênico teve em suas vidas.
3.6 ? O crescimento da cidade antes da crise econômica dos anos 80
O ano de 1969 indicava grande processo de expansão inclusive na questão do transporte rodoviário e marítimo. O crescimento do município era percebido de diversas formas, no transporte, na economia e na política.
Nesse período surgiu a empresa DERSA que projetando, implantando e construindo rodovias de acesso a cidade passava a contribuir com o progresso que a cidade vinha apresentando.
O Sistema Anchieta - Imigrantes de Rodovias e o Sistema Anhanguera - Bandeirantes são outros exemplos que ressaltam a importância do trabalho dessa empresa no tocante a construção e reformas das rodovias de acesso à cidade e baixada santista. Tantas obras importantes ao longo dos anos serviram de reforço à sua idoneidade. Recebeu entre outras atribuições a responsabilidade de assumir o transporte hidroviário da baixada santista, controlando inclusive as travessias de balsas que oferecem acesso á cidade de Guarujá.
A forma política de governar a cidade ainda estava sendo decidida também nessa época e em 1969 suspendeu-se o direito de eleger o prefeito, e ocorreu o afastamento do então prefeito Jaime Daige da administração da cidade.
A cidade não parou, o crescimento desenfreado da economia era motivo de prosseguir e a partir da década de 70 o grande desenvolvimento nacional demandou investimentos em infra-estrutura que facilitou a mobilização de mais pessoas para ecoar a produção.
O crescimento na década de 70 causou o mesmo resultado do início da história, onde as propostas de emprego fizeram aumentar o fluxo de migrantes e a expectativa de inserção no mercado de trabalho estava na construção civil que tornou a cidade um pólo centralizador de mão de obra.
Em 1972 Guarujá adquire sua independência política com o povo elegendo o empresário Rafhael Vitiello para prefeito. Essa vitória deu-se por conta do carinho conquistado através de sua atenção com os nordestinos e seus familiares que chegavam à cidade em busca de emprego e com a população com um todo.
Foram muitos que conseguiram trabalho através do espaço aberto para construção civil. A migração aumentou e todos chegavam com perspectivas de trabalho e não importava o setor, na construção civil ou nos hotéis e restaurantes em funcionamento na cidade queriam apenas trabalho.
A Rodovia Piaçagüera-Guarujá que liga a Ilha de Santo Amaro diretamente á Via Anchieta, bem como, as rodovias Rio-Santos e Moji-Bertioga, contribuíram para o acesso a cidade que resultou no Boom Imobiliário. Boscov ao ser entrevistado menciona esse momento importante.
Nessa fase crescia também o fluxo de turistas e veranistas e a cidade não conseguia acompanhar o grande contingente populacional.
3.7- O Boom Imobiliário e os moradores de rua.
Nos anos 70 ocorreu o denominado Boom Imobiliário, onde o "Milagre Econômico Brasileiro" causa a explosão decisiva para o turismo e a migração ao Município aumentando o fluxo da burguesia para a cidade.
Nesse período o mercado imobiliário visava grandes oportunidades de investimentos nas regiões praianas da Baixada Santistas, notadamente Guarujá era mais atrativo, pois oferecia acesso pela Piaçaguera, estava próxima a cidade de Santos e suas belezas naturais atraíam todo o país.
A via Piaçaguera-Guarujá foi responsabilizada pelo impulsionamento de pessoas vindo de todas as partes interessadas no mercado de trabalho. Guarujá passou a receber mais camadas de mão de obra para construção civil. Esse fenômeno do Boom era novo e registrava-se nas metrópoles Brasileiras.
A década de 70 marcava o período de maior migração e no grande fluxo migratório a presença marcante dos nordestinos daria início à outra situação que seria um apontamento para a crise econômica: a exclusão do mercado de trabalho.
O aumento populacional desse período também resultava de catástrofes geradas pela natureza, onde um grande fluxo migratório que tentaria a inserção no mercado de trabalho veio da cidade de Santos, onde tiveram suas moradias destruídas por deslizamento de encostas de morros.
Estando desabrigados esses sujeitos abandonavam suas histórias de vida e de luta e atravessavam para Vicente de Carvalho. Vinham munidos apenas, de coragem para tentativa de reconstruir suas vidas.
A preocupação com esse crescimento populacional se dava pelo fato de que a maioria não tinha condições de moradia, uma vez sem ter para onde ir, acabavam devido à facilidade e baixo custo por reforçar o aumento das favelas ao redor do local.
Esse direcionamento para as favelas iniciava outro quadro delicado da desigualdade que já causava preocupação e o agravante desse quadro era mais duro, mais sofrido, pois muitos que chegavam com famílias inteiras não conseguiam lugar na favela ficavam pelas ruas.
3.8 ? Os apontamentos da crise.
Os anos 80 marcariam a forte crise econômica. Os migrantes que vinham em busca de trabalho, não sabiam como planejar suas vidas profissionais, relações sociais, econômicas e familiares. Muitos chegavam á cidade sem nada e carecendo de estudo, de conhecimentos dos seus direitos.
O grande fluxo de migrantes que chegava se dirigiam aos bairros mais pobres como Vicente de Carvalho. Muitos ao chegar se depararam com uma cidade ainda tímida e em desenvolvimento e também despreparada urbanisticamente para receber esses sujeitos.
Esses migrantes vinham com objetivo único se estabelecerem na cidade adquirindo além do emprego também a moradia. A construção civil demandava grupos que viviam em alojamentos. As construções erguidas na cidade eram preferencialmente destinadas à população rica, aos turistas e à nova classe média que desejava ter um imóvel no Guarujá.
As glebas e condomínios liberados e planejados pela Prefeitura davam prioridade aos empreendimentos destinados àqueles que investiam no mercado imobiliário. Os pontos de moradia eram absurdamente inacessíveis á uma categoria considerada classe média baixa.
De repente a construção civil foi paralisada em diversos pontos. As empreiteiras de mão de obra começaram uma série de demissões e muitos passaram a trabalhar mais e por menos salário.
Notava-se a teoria da mais-valia sendo aplicada na forma absoluta. Muitos desempregados se dirigiam as favelas ou bairros pobres, porém nem todos que viviam em alojamentos tinham para onde ir.
Tudo ficou mais delicado e demandou aumento no processo de favelização que já possuía um número considerável. Guarujá apresentava pontos feios apesar de toda sua beleza.
Na década de 80 existiam 48 favelas nas proximidades e 15 no distrito de Vicente de Carvalho que cresceu assustadoramente. O crescimento populacional disparou e na medida em que chegavam mais migrantes em busca de oportunidade geravam-se muitas aglomerações sem emprego e sem moradia.
Grande parte já possuía familiares na cidade e iam ao encontro deles, outros permaneciam pelo Centro na tentativa de adquirir um trabalho. A paralisação demonstrou que os trabalhadores não impulsionavam mais o progresso na cidade e notava-se no centro de Guarujá grupos de moradores de rua.
Era uma forte crise econômica que se abatia sobre a população e com isto, a orla perdia seu status de beleza e tornava-se centro da miséria, porém mesmo limitado, muitos grupos eram atendidos por religiosos que tentavam minimizar o sofrimento desses sujeitos, mas esse fardo social que era rejeitado pelos dirigentes da época também era difícil carregar de forma assistencialista.
Aqueles que recebiam o não do mercado imobiliário ficavam a mercê do trabalho informal, sobreviveram à crise, mas os que não conseguiram pequenos serviços e nem retornar para sua terra sentiam a morte social e buscavam na rua e nas obras assistenciais a única opção que restava de sobrevivência.
O quadro se agravou no final da década de 80, com cortes de eletricidade, falta de água, poluição das praias, Guarujá entrou em choque, pois a beleza e conforto da cidade eram pontos atrativos para o grande fluxo de turistas.
Quem viveu essa fase provavelmente passou pelos primeiros moradores de rua da cidade de Guarujá que eram o resultado do crescimento da desigualdade social e econômica. Nesse período a terminologia aplica pelos religiosos á esses sujeitos era Sofredores de Rua.
O tempo fez com que esse termo de sofredores desaparecesse e desse lugar a um novo e mais amplo entendimento, pois se tratava de um grupo excluído de seus direitos sociais atendidos pelos religiosos. Cleisa, explica que,

A interação com grupos que não tinham presente a dimensão religiosa trouxe outra interpretação a esta expressão, que se desgastou e adquiriu conotação pejorativa. Surge, aos poucos, a consciência de não se tratar mais de pessoas isoladas nas ruas, mas de um grupo expressivo de pessoas excluídas dos direitos sociais. O termo "sofredor" é substituído por novas terminologias com preocupações sociais econômicas como "povo da rua", "morador de rua" e outros. "Povo" quis reforçar a consciência de grupo, "morador" quis expressar a negação de um direito. (MAFFEI, 2005:17)
De fato, foi a Crise Econômica Brasileira, notadamente nessa década de 80, que levou ao também ao empobrecimento da classe média recém-emergente da época. Porém pode-se também apontar a responsabilidade para ingerência administrativa da época.
Essas ingerências nos problemas causados pela superpopulação apresentavam fatores como a delinqüência, falta de água nas altas temporadas, violência, degradação do meio-ambiente, entre outros, a cidade sentiu o peso do afastamento de alguns investidores e de muitos turistas.
Houve períodos de subseqüentes pacotes econômicos que desestabilizaram a economia nacional e sem dúvida o Plano Collor, de 1992 também foi emblemático na história do Guarujá e oportuno para surgimento de novos moradores de rua.
Tratava-se de um programa que propunha estabilidade com base em uma política inexistente, prometendo ao povo que deteria a inflação da época. Eram propostas e atitudes neoliberais para o ajuste da economia brasileira. Apresentavam a idéia de diminuir a participação do Estado na economia para aumentar o poder da população que iria obtendo maiores condições de desenvolvimento.
A decisão do Ministério da Economia de reter por tempo indeterminado grande parte do dinheiro depositado pelos brasileiros pretendia esfriar o mercado de consumo e reter a inflação. O resultado no Município de Guarujá foi desastroso, pois levou muitos proprietários de imóveis a venderem seus apartamentos e/ou casas na cidade, com propósito de levantar o capital necessário para fazer frente às despesas.
Ocorreram casos de demissões em massa e abandonos de empresas, deixando muitos trabalhadores sem o mínimo necessário para proverem suas famílias e/ou retornarem aos seus locais de origem, ou seja, tratava-se de mais um momento delicado na história do município onde era notada a falta de uma política eficiente na região, que amenizasse os impactos da crise.
Os investimentos tiveram que surgir de outra forma diferente dos ramos imobiliários e da construção civil e grandes investimentos em outros setores auxiliaram a cidade na retomada do crescimento apesar do alto índice de desemprego gerado pela crise.
A instalação da cooperativa de pesca Nipo Brasileira, fez com que a cidade recebesse a classificação de segundo maior centro de captura e pesca do país.
A criação do Complexo Industrial Naval passou a acomodar estaleiros e demais empresas ligadas à atividade naval. A expansão do porto de Santos na margem esquerda do estuário, onde os maiores terminais foram instalados são alguns exemplos desses investimentos.
Esses investimentos no Município auxiliaram na redução do índice de desemprego, mas o problema ainda necessitava da criação de medidas enérgicas, que incidissem no enfrentamento da desigualdade social.
O município retomando seu crescimento também estaria voltando ao ponto de atrativo para o turismo e o comércio, mas também se tornava atrativo para uma demanda de moradores de rua que surgiu em todo o país e estava vindo em direção da Guarujá dos novos tempos.
3.9 ? A pérola do atlântico do século XXI
Com um total de 305.171 habitantes em 2006, sendo que em 2007 ocorreu uma revisão desse quantitativo totalizando em 296.150 habitantes fixos em área urbana. A cidade de Guarujá está localizada a 80 km de São Paulo, protegida por lindas praias que são reconhecidas entre as mais belas do mundo. Com 138 Km², tornou-se o maior dos encantos existentes na Ilha de Santo Amaro.
A cidade possui atualmente um desenvolvimento social e econômico potente em diversos segmentos. A vocação para o turismo é indiscutível, pois sua evolução ao longo do tempo atrai cada vez mais os visitantes de todo o país e até mesmo do exterior.
Sua marca registrada em maravilhas não se resume em praias, é mais do que isso, trata-se de um local especial com recursos naturais e arquitetônicos que contribuem muito para o fascínio que a cidade exerce em seus moradores e visitantes e o turismo ainda é uma das principais fontes de recursos financeiros que movimenta a economia.
Com diversos atrativos que envolvem lazer, esporte e cultura atraindo turistas que desejam curtir a cidade e descansar em Guarujá. Os que não possuem residência seja casa, ou apartamento de veraneio encontram opções confortáveis de acomodação me hotéis, pousadas, pensões e flats.
O comércio local é muito disputado, seja em lojas, shopping, bares, quiosques e o ponto mais movimentado é no centro comercial de Vicente de Carvalho, considerado o segundo maior centro comercial da Região Metropolitana, é possível não conseguir andar na avenida principal com o contingente que se movimenta durante o verão.
As praias ficam cheias de consumidores e os ambulantes rezam para que não falte o sol de cada dia e na orla da praia é possível passear e ver diversas exposições de artesanatos, pinturas, danças, tudo que expressa à cultura formada por tantos migrantes que vieram para o município e aqui se estabeleceram.
A equipe de salvamento é reforçada e o trabalho ostensivo da Guarda Municipal dobra recebendo apoio de outros segmentos policiais que chegam durante a temporada em que os prédios ficam abarrotados.
Essas informações indicam que tudo na cidade foi feito para o turista, afinal esse era o sonho de Fausto Pacheco Jordão e Valêncio Augusto Teixeira Leomil, que pretendiam fazer do turismo uma das principais fontes de arrecadação e desenvolvimento. Porém durante o ano que antecede a temporada, são as atividades marítimas, de lazer, indústria, a intensa atividade portuária e principalmente o comércio de Vicente de Carvalho que demandam investimentos na economia do município.
3.10 ? O olhar ampliado na questão do desemprego
O levantamento populacional efetuado na cidade Guarujá pelo IBGE apresentou no ano de 2007 apontamentos com subsídios para projeção de um comparativo em que se notou uma redução da população entre os anos de 2006 e 2007.
Habitantes em 2006 Revisão/ Habitantes em 2007 Diferença de 2,30%
305.171 296.150 9.021
Os dados não mencionam o desemprego como predominância nessa redução populacional e o Instituto considera que essa redução se deve a fatores como as taxas de fecundidade, mortalidade e migração.
Com base na estimativa da contagem final entre 2006 e 2007 sabe-se que dentre os 296.150 habitantes verificados, cerca de 44,73% estão empregados, ou seja quase 50% da população esteve economicamente ativa nesse período.
1- Demonstrativo: Empregados
Habitante/situação/2007 Percentual Total
Empregados 44,73 132.468
Desempregados 8,05 23.840
Inativos 47,22 139.842
Total 100% 296.150
Fonte da População estimada - IBGE 2007
Quanto ao índice de desemprego na população economicamente ativa , notou-se que algumas pesquisas indicam cerca de 08,05% de desempregados no município de Guarujá. Estas pesquisas não abrangem o quantitativo de moradores de rua.
2- Demonstrativo: Desempregados
Habitante/situação/2007 Percentual Total
Empregados 44,73 132.468
Desempregados 8,05 23.840
Inativos 47,22 139.842
Total 100% 296.150
Fonte da População estimada - IBGE 2007
Quanto ao total de inativos causa admiração o percentual de 47,22% que é superior ao número da população economicamente ativa.
Aplicando essa mesma base de cálculos percentuais ao total estimado de população em Guarujá e tendo como base essas informações, identificou-se uma diferença mínima que corresponde a 2,49%, ou seja, o número de inativos acima do número de empregados é de 7.374 pessoas, conforme tabela abaixo.
3- Demonstrativo: Inativos
Habitante/situação/2007 Percentual Total
Empregados 44,73 132.468
Desempregados 8,05 23.840
Inativos 47,22 139.842
Total 100% 296.150
Fonte da População estimada - IBGE 2007

Cabe ressaltar que inativos correspondem ao contingente da população não apta ao trabalho. Essa definição pode ser representada por jovens e/ou estudantes que não trabalham aposentados que também não trabalham incapacitados por diversos motivos, inclusive por doença. Neste contexto incluem-se muito jovens e/ou estudantes.
A distribuição dessa população no ano de 2000 apresentava cerca de 138.830 que residiam no Distrito de Vicente de Carvalho e 128.325 próximos ao centro de Guarujá, isso para um total de 265. 155 habitantes segundo o Censo/2000.
Efetuando um comparativo com a contagem de 2007, nota-se que Guarujá ofereceu um crescimento populacional de 30.995 habitantes. Conforme a tabela abaixo:
4- Demonstrativo
Especificação Censo/2000 Contagem/2007 Diferença e %
Empregados 118.605 132.468 13.820 44,6%
Desempregados 21.345 23.840 2.495 9%
Inativos 125.205 139.842 14.637 46,4%
Total 265. 155 296.150 30.995 100%
Fonte da População estimada - IBGE 2007
Interessante observar que os aumentos de inativos nesse período de 2000 a 2007 ultrapassam 10 mil pessoas sendo quase o mesmo total de inseridos no mercado de trabalho.
Esse quadro apresenta também nesse aumento populacional de 30.995 habitantes, um total de 2.495 desempregados que surgiram nesses últimos seis anos, ou seja, 9% de aumento.
Obter a resposta para desigualdade social é uma busca difícil, mas a aproximação de que o desemprego é a principal causa está quase certa. Nem mesmo se tratando de uma cidade com uma historicidade de encanto, superação, beleza e prosperidade, ainda assim, trata-se de uma cidade com grandes preocupações e cheia de contradições sociais que foram vistas ao longo do processo histórico e estão aflorando com a evolução.
Guarujá construiu toda beleza que serve como um cartão de visitas para o Estado de São Paulo, mas também se apresenta uma sociedade que possui o maior indicativo da desigualdade, ou seja, nesse contexto de glamoroso está inserida a miséria e a exclusão na qual se encontram também os moradores de rua do município.
3.11 ? Os moradores de rua da cidade de Guarujá.
Mesmo nunca tendo espaço no histórico do IBGE, por se tratar de uma demanda que não possui indicativos econômicos, eles estão por toda parte e não apresentam características homogêneas como muitos acreditam. A cidade de Guarujá possui uma demanda considerável desses sujeitos.
Por diversos fatores os moradores de rua se direcionaram á essa condição. Aos poucos foram surgindo uma serie de pressupostos, onde a situação limite era a vida na rua. Não importa o ocorrido, seja ruptura dos vínculos sociais com a família e o trabalho, sem dúvida o primeiro resultado é a solidão e vazio e aos poucos eles adquirem uma condição dura de desvinculação de tudo que havia ao seu redor.
Durante toda evolução social, política e administrativa da cidade de Guarujá ocorreram momentos em que o resultado expresso das perdas era o direcionamento para a vida na rua. Os munícipes em meados de 70 e 80 com certeza passaram por muitos moradores de rua, mas sequer surgia reflexão sobre as causas dessa situação.
Perder um emprego, a moradia, com isso a auto-estima se vai e, por conseguinte ir viver na rua, não é exemplo atual. Ao contrário muitos moradores de rua são resultados das crises sofridas no Município e no país.

Para alguns, beber e usar drogas são conseqüências da vida na rua, até porque os usuários de drogas não são moradores de rua, mas ficam nas ruas. Os medos, as frustrações, os receios, são tão fortes quanto os desejos e sonhos de mudança. Mas como, para onde, de que forma, se quase tudo se perdeu ao sair para as ruas?
Quase tudo perdido é a chave para se abrir um leque de possibilidades de mudar o propósito desses sujeitos em fazer da rua sua moradia e dos vínculos adquiridos uma nova sociedade que é a dos excluídos.
Essa demanda recebeu um olhar diferenciado em Guarujá, no ano de 1985 quando se fundou o Albergue Municipal José Calherani.
Através de avaliações desse quadro delicado e com preocupações quanto às impressões que esses sujeitos causavam aos turistas, a prefeitura uniu o útil ao fundamental e no dia 14 de dezembro do ano de 1985, pelo então prefeito Maurici Mariano foi inaugurado o Albergue Municipal José Calherani.
3.12 - O Albergue Municipal José Calherani
Sendo o único espaço público direcionado ao atendimento da população de rua, foi adequado ás necessidades iniciais dessa demanda e possui características específicas para o atendimento às necessidades de pessoas desabrigadas, sejam migrantes ou moradores de rua.
No inicio recebia famílias inteiras de acordo com as urgências dos casos e somente as mulheres podiam ficar com seus filhos. As alas eram divididas, sendo duas alas masculinas com 32 leitos em cada uma e apenas uma ala feminina, com 10 leitos.
Com o surgimento da política atenção à criança e o adolescente (ECA) o Albergue Municipal passou a receber somente os adultos. A faixa etária oscila dos 18 aos 90 anos.
Os idosos e portadores de doenças físicas ou mentais também recebem cuidados especiais, onde a localização de familiares e encaminhamentos a setores especializados são ações fundamentais para atender essa demanda. Os usuários são em sua maioria do sexo masculino, e a instituição recebe moradores de rua vindos de diversas localidades do município e de outras cidades.
Com funcionamento integral e pernoite, são oferecidos materiais de higienização, roupas, alimentação e orientações que normatizam o funcionamento da instituição tendo em seu quadro coordenador, escrituraria recepcionista, cozinheiras, ajudante de cozinha, manutenção e limpeza, almoxarifado, equipe de ronda para averiguação das denuncias e abordagem, um médico, Assistente Social.
O espaço é mantido pela Prefeitura através da Secretaria de Assistência Social, onde fornecem o material necessário para o funcionamento, inclusive passagens de ônibus ofertadas de acordo com a necessidade e avaliação dos técnicos sociais.
Dentro do local são desenvolvidas oficinas, onde se efetua o aprendizado e alguns passam a gerar renda própria com a confecção de artesanatos feitos com Bambu, Mosaico, Cestaria e fabricação de produtos de limpeza.

Atualmente efetua atendimento mensal de aproximadamente 80 moradores de rua e/ou em situação de rua. A maior parte da demanda atendida na unidade é do sexo masculino, varia na faixa de idade com predominância dos 20 aos 60 anos, com diversos segmentos religiosos e índice de escolaridade que varia entre o primeiro grau completo e ensino superior.
Os fatores que condicionam a vida nas ruas na cidade de Guarujá são: o desemprego, o alcoolismo, os conflitos familiares com ruptura definitiva ou parcial dos laços afetivos, violência física e/ou psicológica, depressão, etc.
O Albergue Municipal efetua relatórios anuais de atendimento a população de rua. Possui uma base de identificação do fluxo, e com relação ao ano de 2007 seria interessante observar os dados da instituição.
Nº de pessoas que passaram no SAS
Casos Novos 561 57,90
Casos Reincidentes 408 42,10
Total 969 100%
Fonte: Albergue Municipal José Calherani (06/05/08)
De acordo com os dados acima se verifica que para um total de 969, quase a metade dos atendidos são reincidentes e estão a mais de um ano na cidade já se tornou parte do município.
Outra característica interessante quanto a esses sujeitos é a rejeição que muitos possuem quanto ao atendimento no setor evadindo-se antes mesmo de passar pelo atendimento social, conforme tabela abaixo.
Situação Total %
Evadiram-se da unidade sem o 1° contato com o S.S 175 31
Mantidos em Acompanhamento social 386 69
Total 561 100%
Fonte: Albergue Municipal José Calherani (06/ 05/08)
Muitos moradores de rua da cidade entendem a rua como seu espaço de moradia e não querem ir para outro local. Uma característica comum a todos que vivem nas ruas refere-se às condições precárias com que vivem e seguem se aprofundando na miséria em que estão inseridos.
Recusam o albergue por diversos fatores que vão desde a insatisfação com o atendimento prestado, onde acabam rejeitando a idéia de seguir normas preferindo voltar para as ruas, cujas regras e formas de sobrevivência já estão definidas em um local que ele entende como sendo seu.
O índice de evasão da unidade ocorre por diversos motivos e os assistentes sociais não conseguem efetuar intervenção direta quando os usuários saem da instituição, como em alguns casos de: brigas, alcoolização, drogadição, descumprimento das normas, etc.
Durante as abordagens nas ruas algumas atitudes surpreendem e também interrompem o acolhimento, muitos recusam ser encaminhados ao albergue e alguns mencionam preferir ficar na rua, pois mesmo nas ruas, alguns são bem tratados, recebendo roupas e alimentos doados a noite por grupos religiosos. Dentre o total de 2007, o número de rejeições preocupa e os dados servem de alerta para reforço na reestruturação do atendimento a essa demanda.
Especificação Total %
Indivíduos acolhidos após abordagem na rua 172 36,43
Indivíduos que se recusaram ao acolhimento 236 63,57
Total 408 100%
Fonte: Albergue Municipal José Calherani (06/05/08)
Os migrantes que chegam à busca de trabalho acabam por se adequarem ao espaço onde muitos já estão habituados e com o passar do tempo acabam por se enquadrar no contexto de moradores de rua, pois não se sentem atendidos de forma adequada à sua realidade.
3.13- A rede de atendimento aos moradores de Rua de Guarujá.
A urgência de uma política pública que vá de encontro com as necessidades desses sujeitos está cada vez mais evidente, tanto quanto é fundamental uma reformulação do atendimento aos moradores de Rua na Instituição Albergue.
O único equipamento público da cidade precisa retomar o propósito para o qual foi construído, e ter seu funcionamento adequado à demanda oferecendo condições para fomentar o desejo de mudança da realidade dos moradores de rua. E o Albergue precisa estar de acordo com a necessidade de um espaço apropriado para um trabalho desse nível.
Os órgãos administrativos precisam assumir suas responsabilidades para um trabalho em rede que funcione na horizontalidade.

Assim os setores poderão oferecer suporte ao outro, aliás, este é outro problema preocupante, pois o Albergue perdeu a referência de atendimento ao morador de rua e /ou migrante.
Atualmente o Albergue acolhe além de moradores de rua, muitos segmentos que acabam por ficar no setor por prazo indeterminado devido à falta de local adequado e esta condição de atendimentos está refletida não apenas no Guarujá, mas também em diversos albergues do País de acordo com artigo de Ferreira,
Muitos albergues recebem população em situação de rua, por prazos determinados. Porém outros, além de permitirem o reingresso em certos períodos abrigam pessoas por tempo indeterminado. É, por exemplo, o caso, de algumas pessoas que apresentam deficiências permanentes que as impossibilitam, em parte ou completamente, de levarem uma vida independente. Em outras situações, é possível encontrar casos em que a própria pessoa opta por não sair da instituição. Disponível em acessado em 14/out/2008
Nos inúmeros casos que passam pelos Albergues existe o vizinho que brigou com a mulher e saiu de casa; o homem que sofreu muitas perdas e em depressão se direcionou a rua; a mulher que foi tirada de sua casa com os filhos por questão de desabamento e ainda sofre a separação, pois os filhos vão para outro setor de atendimento a crianças e adolescentes.
Existem também casos de cadeirantes, deficientes físicos e visuais que são negligenciados por seus familiares e pela sociedade e estando abandonados nas ruas acabam por ficar no Albergue que acolhe, orienta e tenta encaminhar aos devidos setores de atendimento.
O trabalho é mais delicado, tendo em vista as dificuldades de outras Secretarias nos atendimentos de suas demandas. São evidenciados pacientes em total estado de debilitação física que foram abandonados no HSA, que por sua vez não pode permitir que o mesmo resida no espaço estando de liberado mesmo debilitado, este é encaminhados ao Albergue.
Há também os casos de portadores de sofrimento mental que estando em tratamento, porém vivendo nas ruas são encaminhados pelo Hospital Dia "José Fosters", pois não há setor específico para oferecer acolhida a estes sujeitos. Pacientes mentais são moradores fixos do albergue e formam pontos delicados dos atendimentos, pois surtam, agridem os funcionários e outros usuários do setor que também não dispõe de funcionário capacitado para atender esse quadro.

A Secretaria de Assistência Social na imagem do setor Albergue acaba assumindo as responsabilidades que deveriam ser de outros equipamentos públicos, como por exemplo, a Secretaria da Saúde que precisa criar estruturas como casas de acolhimento terapêutico para os pacientes da saúde mental.
De certa forma a Revolução Psiquiátrica foi um avanço maravilhoso, mas acabar com as instituições de tratamento, não implica em deixar esses pacientes nas ruas, sem ninguém que possa responder por eles. Passou-se a exigir qualidade de vida ao portador de transtornos mentais e proteção de direitos, porém faltou a preparação de um espaço de convivência e moradia para aqueles que estão abandonados à própria sorte.
O abandono causa perdas irreparáveis e nem mesmo os que recebem benefícios e sabem como usá-lo devem ficar sós, pois é necessário de um monitoramento social. Estes passam à impressão de que podem se prover, mas a fragilidade é evidente na conduta de muitos que estão no Albergue tornando perigoso para eles a convivência no setor.
O perigo está dentro do perfil freqüentador do setor, pois também existem oportunistas, que sem dúvida observam e se aproximam daqueles que possuem algum dinheiro e por menor que seja o valor, a abordagem ocorre. A dependência química é o maior motivo dessa ação e o índice de drogadição tornou-se outro ponto alarmante nessa população de rua atual que freqüenta o Albergue Municipal.
A falta de uma política eficiente no atendimento desses sujeitos reflete na desumanização do atendimento deixando clara a incapacidade para lidar com essa problemática e outro exemplo disto é a dependência do paciente mental para com o funcionário do setor.
O funcionário deve oferecer uma atenção a esse usuário que passa a exigir mais tempo em sua direção, porém outros moradores de rua alojados no setor não entendem a especificidade de cada caso e num dado momento passa para o questionamento desejando os mesmos benefícios.
Porém o funcionário sem preparo para dimensiona a totalidade dos casos identifica o sujeito questionador como problema e passa a tratá-lo como um incômodo.

O funcionário percebe esse sujeito como um morador de rua que está com sua saúde perfeita e não há o entendimento do funcionário com visão total sobre esse sujeito, por conseguinte parte do pressuposto visual que este sim, é alguém que está acomodado e tomando seu tempo.
A sobrecarga de atendimentos que fogem ao propósito do Albergue acaba também, dessa forma refletindo no funcionário a rejeição do morador de rua e por sua vez faz com que o morador de rua não entenda a diferença entre os procedimentos adotados com uns e com outros. Acabam por não fazendo uso do espaço, ou até mesmo criando sérios conflitos com usuários e funcionários por acreditar que o mesmo efetua acepção de pessoas.
Nesse cenário que falta uma dose de humanização no atendimento, falta também um olhar apurado e de cunho técnico - político para elaboração de projetos que possam transformar esse quadro, bem como criar programas de atendimento a essa demanda que possibilite uma revisão de seus valores e reconstrução de suas histórias.
Isso implica em muitas mudanças e inclusive na readequação do ambiente e até mesmo criação de novos espaços com profissionais aptos e com condições dignas de funcionamento, dessa forma será possível avançar no atendimento.
Enquanto os órgãos não assumem suas responsabilidades para com os moradores de rua, vem crescendo o numero de seguimentos 5eligiosos que reforçam a pratica assistencialista no tratamento da questão, com o fornecimento noturno de roupas e alimentos em troca de escuta religiosa.
Com a intenção única de ajudar esses moradores de rua, os benfeitores sem conhecimento teórico-metodológico não percebem que a oferta destes benefícios favorece o processo de alienação impedindo o rompimento com as formas de viver na rua.
Existem muitos setores religiosos com grupos católicas, evangélicos e espíritas que fornecem alimentos todas as noites. As atitudes de alimentá-los são nobres, mas paliativas e reforçam no íntimo de cada morador de rua o desejo da permanência nessa condição.
O agravante é que essas ações solidárias permitem também que o serviço público se ausente ainda mais de suas responsabilidades para com os moradores de rua do município.

4 ? AS DETERMINAÇÕES QUE IMOBILIZAM O MORADOR DE RUA
O objetivo deste estudo é compreender as determinações que impedem o morador de rua de sair da condição de viver nas ruas e a metodologia utilizada corresponde também á assimilação das leituras efetuadas com a delimitação do objeto de pesquisa, neste caso, o morador de rua da cidade de Guarujá.
A escolha do método de pesquisa qualitativa permitiu melhor conhecimento da realidade dos sujeitos, a partir dos significados que por eles são atribuídos, e desta forma, oportuniza a aplicação de um questionário com perguntas abertas que são também facilitadoras da coleta de dados e sua transcrição.
Foram selecionados 10 moradores de rua de acordo com o vínculo estabelecido no campo de pesquisa. A definição dos locais para pesquisa ocorreu através de escolha entre muitos pontos de concentração identificados na cidade de Guarujá, desta forma os sujeitos da pesquisa foram localizados nos seguintes pontos: Centro da cidade, Bairro da Enseada, Vicente de Carvalho, Albergue Municipal José Calherani.
Os sujeitos escolhidos pertencem ao sexo masculino, estão na faixa de idade que varia entre 20 e 60 anos. Estes sujeitos foram selecionados devido à freqüência com que foram abordados nas ruas. Mediante acompanhamentos de casos e denúncias, efetuou-se um conhecimento prévio das áreas de concentração a serem visitadas, bem como, através da observação e participação de abordagens efetuadas durante ações de busca ativa efetuadas pelo Albergue e Guarda Municipal de Guarujá.
A técnica selecionada para abordagem centrou-se em um plano de entrevistas facilitador das questões elaboradas descartando a necessidade do pré-teste por não se tratar de contagem. As entrevistas e observações possibilitaram colher o máximo de informações auditivas e visuais que enriqueceram a análise do conteúdo.
Os instrumentais utilizados foram fundamentais e tratava-se de questionário composto de vinte questões orientadoras baseadas em respostas livres que permitiram um melhor conhecimento das mediações e estratégias construídas na experiência social dos sujeitos da pesquisa.

A gravação dos depoimentos foi realizada mediante permissão dos entrevistados, sendo que dois indivíduos não permitiram a utilização desse recurso nas entrevistas e os nomes dos sujeitos serão preservados.
O processo de aplicação se deu através de aproximação com esses sujeitos com a apresentação da proposta de pesquisa para que informassem a aceitação ou não de conceder-nos a entrevista. Alguns que estavam na praia da Enseada apresentaram receio ao perceber a aproximação, porém após a explanação sobre o intuito da pesquisa demonstraram confiança e ficaram abertos para as perguntas.
A maioria demonstrou tranqüilidade devido ao conhecimento e vínculo estabelecido entre pesquisador e sujeitos da pesquisa. Esse vínculo resultou de abordagens e aproximações anteriores que foram efetuadas durante acompanhamentos e estudos de caso efetuados no período de estágio no Albergue.
Dentre os instrumentais utilizados para pesquisa, também se optou por fichas de anotação para as respostas colhidas e/ou transcritas de acordo com a técnica utilizada nas gravações e listagem das questões com as respectivas respostas para análise do conteúdo.
Após o término da pesquisa os dados foram transcritos, decodificados e agrupados em categorias para a formalização da análise de conteúdo.
Através da analise dos dados identificou-se alguns pontos determinantes na vida nas ruas que permitiram uma aproximação sobre as barreiras internalizadas que impedem muitos destes sujeitos de saírem das ruas.
Os dados permitiram traçar a trajetória dos homens de rua da cidade de Guarujá, suas trajetórias, suas representações e expectativas de vida reveladas em cinco eixos norteadores: I ? As determinações que impulsionaram o sujeito para a vida na rua, II ? O processo de adaptação nas ruas; III- As condicionantes da imobilidade; IV ? As representações sobre a vida nas ruas e V- As perspectivas de futuro.



4.1 As determinações que impulsionaram para a vida nas ruas.
Ao analisar as determinações que impulsionaram para o abandono do lar, nota-se que 50% desses sujeitos saíram de suas casas após situações como, a perda emprego, a ruptura do laço matrimonial, falecimento dos genitores, conflitos entre irmãos e parentes.
Muitos vieram de outros municípios e em suas trajetórias passaram por várias cidades antes do estabelecimento nas ruas do município de Guarujá. Uma das características observadas é que os mesmos não criam vínculos permanentes, mas desejam encontrar companhia, ou seja, dificultam as relações sócio-familiares, mas mencionam o desejo de em algum dia constituir família ou de rever aqueles que deixaram, sejam eles, filhos, mulher, irmãos ou pais.
Os fatores determinantes podem estar atrelados no desejo de mudar a realidade na qual esses sujeitos estão inseridos e insatisfeitos. Abandonam suas casas por motivos que outros talvez não considerem fundantes dessa ação de viver nas ruas, como por exemplo, o fim de um relacionamento, porém, para esses sujeitos, perder pessoas importantes, sofrer decepções, são alguns dos reforços negativos para a decisão de tentar a sorte em outra cidade. A.W expressa isso. "Ah, não mexe com isso não! Não mexe com isso. Foi uma perda muito doída".
Alguns sujeitos da pesquisa vieram diretamente para a cidade do Guarujá após abandonarem seus empregos e também permitiram que seus problemas pessoais ou de trabalho fossem causadores de uma grande ruptura. A fala de G.J expressa à certeza de que está nas ruas por perder o emprego "vim direto pra cá, sai da rua pra um trabalho, mais não deu certo, a obra acabou e eu fiquei sem emprego de novo, morava no alojamento sabe!",
50% dos sujeitos tornaram-se munícipes devido ao longo período de permanência nas ruas da cidade, alguns estão a mais de um ano no município. Esses sujeitos fazem parte de um quadro também delicado e nota-se que mesmo de forma distante alguns tentam manter o vínculo com a família ou com algum ente querido. O sujeito entrevistado P.G deixou nítida a importância dos filhos "de lá pra cá, fiquei mais em Osasco, porque era perto de meus filhos, porque meu moleque de cinco anos e a menina não ficam longe de mim de jeito nenhum, então estou aqui com o coração daquele jeito".

Através de algumas falas é possível perceber alguns pontos que permitem identificação dos três denominadores, apresentados entre os homens de rua nas dimensões do circunstancial, frequêncial ou referencial.
Determinações que impulsionam a vida nas ruas.
Conflito /ou desestruturação familiar 06 60%
Dependência química 02 20%
Desemprego 02 20%
Os conflitos familiares são mencionados como determinantes na decisão que direcionou esses sujeitos para a vida nas ruas, porém se nota nas falas pequenos traços de mágoa. Alguns sofrem ao lembrar-se de fatos que marcaram suas perdas, como por exemplo, J.C, "Acontece que minha mãe morreu e as coisas que seriam para mim o meu irmão resolveu tomar né, por que eu estava realmente muito abatido e assinei os papéis e não quis nem saber, tadinha da minha mãe, eu num gosto nem de falar nela" (choro).
Em 60% das respostas nota-se que a desestruturação familiar é o ponto crucial na decisão de abandonar o lar e sair para a vida nas ruas. Mesmo mencionando a busca de emprego, nota-se na fala de muitos dos sujeitos entrevistados, que eles saíram por discussão com familiares ou vizinhos, decepção, traição, fatores que acabam incidindo no ponto de rompimento do liame com a família e logo em seguida a decisão pela vida na rua. Em algumas falas nota-se o sofrimento causado ao recordar situações que reforçaram a saída para as ruas.
Outros 20% se referem diretamente à falta de um emprego, e mencionam que apenas quiseram tentar a sorte em outra cidade e ao perceberem a estagnação de suas vidas sentem a frustração e a vergonha de retornar ao local de origem.
Os 20% restantes mencionam fatores delicados e que despertam enorme preocupação em todas as camadas da sociedade. Trata-se da questão da dependência química que é um gerador de rompimentos bruscos em contextos familiares, sociais e profissionais.
A questão do alcoolismo está presente em quase todos os pontos de concentração desses sujeitos e as drogas ilícitas estão presentes também em diversos pontos de aglomeração de população em situação de rua. Trata-se se também de motivadores da saída de um lar para a vida nas ruas, pois em muitos casos são os familiares que não sabendo como lidar com esse quadro expulsam este sujeito do convívio.
Os conflitos que um dependente químico causa em uma família são os mesmo motivadores que os levam para rua, porém a causa é sua dependência. Estes sujeitos em sua maioria não são moradores de rua e sim estão em situação de rua, nota-se uma condição de estar nas ruas, pois possuem suas casas, mas preferem os lugares que possam suprir seus desejos.
Abandonam seus lares por acreditar que na rua poderão encontrar uma sociedade que ofereça aceitação da forma que ele deseja e mesmo em alguns casos estando consciente de que sua família também é vitima de seu vício pensam estar fazendo o melhor para todos.
Estando nas ruas viverão sem cobranças e sem obrigações para com outro e para com a sociedade. Os sujeitos carregam a consciência dos males das drogas em suas vidas, como se podem notar no depoimento de W.L, "As drogas dona, é as drogas que mais leva nós para as ruas, ninguém agüenta em casa né, é difícil".
Alguns entrevistados deixam marcas fortes em suas falas no tocante a essa perda dos vínculos familiares. Trazem em seu contexto cicatrizes de rejeição, agressões físicas e psicológicas, conflitos duros, entre outros que reforçam nesse indivíduo uma auto-estima em total declínio que é associado ao desejo de não retornar mais ao convívio familiar.
Outro fator delicado na percepção das determinantes é referente aos moradores de rua que saíram de casa por causa de outros membros da família que se envolveram com as drogas, com agressões. Alguns mencionam não ter condições de ficar no mesmo espaço e preferiram abandonar o ambiente a pedir para que o familiar se retire, este é o caso de P.G, "Os motivo mais forte, foi este, um filho que bate na cara da mãe é duro, e eu só não matei ele porque me tiraram, porque isso não é justo, né, não".
Dentre as determinações que impulsionaram o abandono da convivência familiar é possível perceber os moradores de rua apresentam uma condição de desemprego que ocorre não por falta de escolaridade, pois a maioria é alfabetizada. Em geral apresentam experiências autônomas, onde se destacam funções de motorista e ajudante geral.

O percentual indica que cerca de 10% não possuem escolaridade. Alguns estão no mercado informal, onde trabalham com coleta de recicláveis.
Nível de Escolaridade 100 %
Não alfabetizado 01 10%
1º grau incompleto 05 50%
1º grau completo 01 10%
2º grau incompleto 02 20%
2º grau completo 00 00%
Superior incompleto 00 00%
Superior Completo 01 10%
Quanto aos 10% restantes, representam um quadro também preocupante, pois se trata de um percentual de sujeitos que tiveram a oportunidade de desenvolver e concluir o ensino superior, mas a drogadição que é outro fator determinante da ruptura do vínculo familiar fez com que esse diploma perdesse o sentido de sucesso para estes sujeitos.
A questão do ensino superior chama a atenção por haver nestes núcleos diversos sujeitos que executaram profissões consideráveis como: medicina veterinária, direito, turismo, administração. Estes sujeitos correspondem a um quadro delicado de pessoas em situação de rua que vive da mendicância relacionada à dependência química.
Para melhor observação do quadro na questão da escolaridade o detalhamento da pesquisa apresenta que cerca de 50% não concluíram o 1º grau, mas ultrapassaram a 3º série, 10% concluíram o 1º grau e 20% possuem o 2º grau completo. 10% possuem nível superior e um mínimo de 10% não são alfabetizados.
Nota-se no quadro acima que 90% do total, estão alfabetizados e isto é uma específica para o mercado de trabalho. Ou seja, na cidade de Guarujá, mais de 70% dos moradores de rua possuem escolaridade, fato semelhante aos dados apresentados na pesquisa nacional.
Outro ponto interessante de ser observado é falto de experiência e de capacitação para o trabalho. Observou-se nas entrevistas que 20% estão no mercado formal e possuem registros anteriores em carteira.
Alguns desenvolveram profissões que exigiam formação em nível superior, porém apesar de possuírem experiências profissionais, a vida na rua tornou essas capacidades reduzidas e ineficazes para o mercado competitivo no qual vivemos.
Cerca de 60% inseridos no mercado informal, são sujeitos que não possuem registros em carteira de trabalho, estão sem capacitação para o mercado de trabalho, debilitados fisicamente por conta da vida nas ruas e em alguns casos com a saúde comprometida por conta do alcoolismo ou de outras drogas. Vivem apenas de pequenos trabalhos, efetuam coletas de recicláveis, cuidam de carros, limpam quintais, entre outros.
Situações no mercado de trabalho 100%
Mercado Formal 02 20%
Mercado Informal 06 60%
Mendicância 10 10%
São diversos os exemplos de moradores de rua com formação e experiência profissional. Um desses sujeitos ao ser questionado sobre formação e experiência profissional respondeu: "2º grau completo, fui auxiliar administrativo, coordenador de projeto, auxiliar de escrivão, auxiliar de juiz, ativista, eu tenho um monte de experiência".
Este sujeito possui o segundo grau completo e faz parte dos sujeitos que demonstram em suas falas o quanto perdem ao abdicarem de suas funções, de sua busca por um emprego formal, por uma colocação no campo de atuação profissional e escolhem viver nas ruas.
4.2 ? Os sujeitos da pesquisa e o processo de adaptação nas ruas.
Os sujeitos da pesquisa demonstraram em suas falas que o processo de adaptação à realidade da vida nas ruas foi apenas diferente no primeiro dia. Cerca de 60% informou que não sentiu medo da primeira experiência, porém no seguimento da respostas, percebe-se que na realidade todos tentaram ocultar seus medos e receios da vida nas ruas.
O percentual verdadeiro é o identificado nos sentimentos aflorados na explicação do enfrentamento da vida nas ruas. Observou-se nas lembranças do 1º dia nas ruas que 100% de respostas foram inusitadas e interessantes, os que negavam o medo deixavam na seqüência alguns resquícios de que sentiram muito medo do primeiro dia.
Interessante notar que os que sentiram medo, tinham absoluta noção de sua realidade, como por exemplo, um dos entrevistados que deixou evidente em sua fala à expressão de medo, por estar exposto, e faz a relação de proteção com o local onde passou J.C, "No container não, mas na praça, nossa, muito medo sabe, num conhecia eles, então sabe né".
Todos possuem lembranças da 1º vez estando na condição de morador de rua, porém quem imagina vê-los apenas em calçadas, marquises ou bancos de praças, não dimensionam o processo de adaptação nas ruas, às manobras efetuadas para superar as novas dificuldades, a busca por proteção e sobrevivência estando em eminente perigo ao morar nas ruas. Como na fala de W.L que expressa essa dificuldade claramente, "Ah eu lembro que eu tava embaixo da ponte e passava uns ratos ali. A única lembrança que eu via, eu falava ai Deus onde que eu estou. Lembro que fiquei em cima, tinha até uma porta e lembro até hoje que os ratos passavam do meu lado, eu falei Jesus onde eu estou".
Todos trazem em sua bagagem de histórias uma gama de experiências que demonstram muito receio, tristeza e certa dose de sofrimento ao recordar. Os exemplos dados como experiências do primeiro dia demonstram bem a questão do tentar vencer a adversidade. J.C deixa evidente que não gostou na primeira noite fora de casa, "Dormi dentro de um container, foi muito ruim. Depois fui pra praça, num sei onde, mas fiquei um tempo lá com uns caras muito estranho".
As tentativas que vão desde a busca de um teto dentro de um container até dormir no meio de um canavial, nos dão percepção de que mesmo sem rumo definido, todos buscam através da mobilidade, um direcionamento para um local seguro e que ao mesmo tempo ofereça ao menos condição para suportar a solidão das ruas.
Na tentativa de suportar eles estabelecem novos vínculos, onde até mesmo a divisão da bebida oferece segurança. Alguns acham graça ao lembrar-se do primeiro dia, L.D é um desses sujeitos. "a primeira vez eu deitei, tomei um gole, foi em Santos, tomei um gole de cachaça (risos) com uns caras lá, que olhavam carros né e fui dormir, peguei uma coberta de um mendigo lá, e dormi e daquela vez em diante eu num quis mais ir pra casa".
Para alguns as lembranças do 1º dia nas ruas deixou marcas de angústia que causam aumento do sofrimento se somada a todos os outros temores de quem efetua uma mudança radical em seu dia a dia.
As lembranças são fortes, os medos da noite são reais e muitos deixam em suas falas a impressão de que essa sensação é a mesma de todos os dias. A.W explica isso ao expor suas lembranças do 1º dia nas ruas, "Lembro lógico, sentei no canal, tava com cinco reais no bolso. Fui andando, ai chegou lá na frente, lá na ponta lá, tinha self service, foi à primeira lixeira que eu mexi, nossa eu num esqueço, queria que o dia fosse, mas eu num queria que a noite chegasse".
Esse despertar sugere maiores reflexões para quem precisa buscar uma adaptação e novas formas de se estabelecer em uma realidade até então estranha para esses sujeitos. Alguns efetuam apontamentos de que mesmo indo para as ruas meditam sobre a possibilidade de não serem aceitos naquele espaço do qual até aquele momento não fazem parte. Conforme explica A. M que é um dos sujeitos da pesquisa, "Senti, ah medo de repressão, entendeu, por você nunca ser da rua, nunca ter ficado na rua e ai você ta na rua e ta dormindo sozinho. Ah eu acho que foi mais a vontade de você viver e tentar alguma coisa que segurou a onda".
4.3- Os fatores condicionantes que impedem a transformação.
Os sujeitos entrevistados permitiram buscar condicionantes da imobilidade ao direcionarem suas formas de proceder na busca de um complemento que reforçasse a necessidade de estar na rua. Estava ai um exemplo claro de imobilidade, pois guardavam em seu intimo o medo de voltar atrás na busca de suas origens e não ser aceito novamente no vínculo familiar.
Notou-se em 70% das respostas uma fragilização dos que responderam sim no tocante ao desejo de recuar e sair dar ruas. Eles bloqueavam seus anseios substituindo-os por tentativas de adaptação á essa realidade que aos poucos era construída. Os medos da não aceitação ou inadequação com a nova realidade da família tornam mais difíceis os caminhos para o retorno.
Seja em respostas positivas ou negativas percebe-se que aqueles que não eram da rua, mas estavam entrando para esse mundo, vinham também sem perspectivas de trabalho, moradia ou até mesmo sem possibilidades concretas que pudessem vislumbrar meios de retornar ao convívio familiar. Alguns carregam a certeza de que o que ficou para trás não será mais possível reconquistar e isso era notados nas respostas obtidas quanto à questão de do desejo de recuar e o impedimento dessa ação.
J.C foi um dos entrevistados que respondeu com nítida impressão de que sabe da gravidade de seus erros e mesmo dizendo que não deseja recuar deixa a impressão que quer, mas não tem coragem de retornar, "Não, mais também num ia ter para onde, porque num tenho ninguém, to aqui depois lá".
A.M foi outro sujeito que expressou o desejo de sair das ruas, mas deixou claro sua imobilidade para mudar essa realidade. Carrega consigo a certeza de que sua aceitação no retorno ao convívio familiar depende da conquista de um poder aquisitivo, que está longe da sua realidade. "Bom Teve, mas sabia que eu num ia. O que me impediu foi saber que não teria a oportunidade novamente, tipo a não ser que eu conseguisse arrumar um emprego bom e ta bem financeiramente porque isso já foi à segunda vez".
Os 30% que responderam não desejar recuar deixaram impressos em suas falas pontos de indecisão, pois ao mesmo tempo em que um sujeito diz não, ele questiona para onde ele iria se tivesse vontade de sair das ruas. Está presente neste percentual a certeza de que não souberam definir claramente o motivo que os impede de voltar atrás em suas atitudes.
Nessa mesma reflexão sobre a importância do que ficou para trás, notou-se que o peso das recordações trazidas para a vida nas ruas incide em uma questão mobilizadora que é a Família.
A grande maioria que atinge um total de 80% dos entrevistados menciona como resultantes de muita saudade pessoas do vínculo familiar, ou seja, mãe, pai, filhos e também alguns colaterais, neste caso a namorada.
Os 20% remanescentes correspondem aos relatos em que as reflexões são doloridas, carregadas de sofrimento que é misturado à negativa de reaproximação com os familiares revelando assim, fortes sentimentos de mágoa, decepção.
Alguns deixaram evidente a tristeza em recordar e quando questionados sobre o que causa saudade, notou-se a frustração por sentir vontade de falar e não conseguir se expressar e os gestos e lágrimas transmitia suas respostas, este foi o caso de W.L, "Saudade, ah! Do meu pai, porque se o meu pai tivesse vivo eu num taria aqui não. (choro)".

No questionamento sobre as lembranças trazidas para a vida nas ruas, outra surpresa ocorreu, pois cerca de 50% mencionou o conforto de recordar pequenas lembranças e percebeu-se através da observação desses sujeitos que a tristeza expressada havia surgido pela reflexão profunda.
Eles apresentavam desejos ocultos sobre a possibilidade de voltar para família e não pelas recordações que pareciam guardadas em um canto que antes não havia acesso.
O ponto mais delicado de suas lembranças reflete a importância da família e refere-se à falta que sentem de pessoas do convívio familiar que de uma forma ou de outra marcaram na história de vida de cada entrevistado.
Essas lembranças, quando de bons momentos reforçam a luta por sobrevivência nas ruas e o desamarrar do laço familiar causa tristeza para aqueles que deixaram filhos em outras cidades.
Outro fator frágil é referente aos 30% dos entrevistados que afirmaram categoricamente que não tiveram momentos felizes e por isso não possuem qualquer lembrança. Todos são respeitados em suas respostas, mas percebe-se nas entrelinhas de algumas falas que ao se fecharem tentam apenas buscar uma proteção para não voltar atrás.
Muitos acreditam que o retorno ao convívio seria igual à fraqueza. Conforme resposta de S.J "É eu sinceramente, é dos meus filhos, não tem outra coisa a não serem eles". Talvez por esse mesmo motivo outros 20% optaram por não responder essa questão.
Ao responderem sobre a procedência e permanência nas ruas, notou-se nas trajetórias que estes sujeitos são provenientes de diversos locais, pois além dos munícipes da cidade de Guarujá alguns são migrantes de diversos Estados do país, como por exemplo, PR e AL.
4.4 Representações sobre a rua.
Para se entender as representações que as ruas trazem para esses sujeitos, são necessárias que antes se identifique o tempo de permanência dos mesmos no espaço das ruas.
Alguns se recusaram a mencionar o tempo em que estão transitando de uma cidade para cidade.
Verificando o percentual do tempo em que estão pelas ruas das cidades, notou-se que a maioria está mais de um ano vivendo pelas ruas, conforme a tabela abaixo.
Permanência nas ruas 100%
Mais de um ano 04 40%
Um ano 02 20%
Menos de um ano 03 30%
Sem resposta 01 10%
Percebeu-se em algumas falas a imprecisão quanto ao tempo exato de permanência nas ruas. Isso identifica uma perda da referência de tempo devido aos laços interrompidos. Essa impressão pode ser notada na fala de C.S "isso ai não dá para saber não, porque, depois que eu separei da mulher, entendeu, eu era muito novo, ela também, não sei, porque faz muito tempo, mais de um ano".
Interessante observar que entre as representações da rua, estes sujeitos perdem a noção de tempo e tentam apenas buscar adaptação aos locais onde se instalam.
A maioria considera-se munícipe por estar a mais de um ano e até mesmo há muitos anos morando nas ruas da cidade. Como menciona o entrevistado A. M. "Eu, bom dona, eu vim de alagoas, ah que eu vim de lá um tempão, tem uns oito anos que já to pelas ruas, isso oito anos aqui, pela rua". Outro sujeito disse estar a 20 anos pelas ruas, e que sua cidade de origem é Aracaju.
Importante mencionar que todos que está há muito tempo nas ruas expressam uma ou mais tentativas de sair da vida nas ruas, porém por diversos fatores novamente retornam, como ocorreu com o entrevistado W.S "eu sou de Santos, eu tinha saído da rua. Fui e minha mãe arrumou um canto, fiquei três meses bem, tinha comprado o barco do meu cunhado, tava pagando, e já tinha dado mil de entrada, e pagado mais umas parcelas e fiquei uns três meses bem. E agora tem um mês que to na rua".
Dentro das representações das ruas focando a questão da permanência nas ruas é preciso lembrar que muitos estão realmente há vários anos pela cidade.
Contudo, não é possível ignorar o fato de que cerca de 40% desses sujeitos são munícipes, onde alguns nasceram em Guarujá e outros vieram para cidade com seus familiares e aqui se fixaram.
O período de transição pelas ruas da cidade de Guarujá é um fator interessante que reflete a mobilidade que os leva de um lugar a outro.
Transição nas ruas das cidades
+ de um ano 03 30%
Um ano 02 20%
_ de um ano 02 20%
Sem resposta 01 10%
Ao verificar o período de transição pretendia-se saber especificamente no caso dos migrantes, por quantas cidades estes entrevistados haviam passado. De acordo com as repostas, muitos vivem andando de uma cidade para outra durante anos.
50% dos entrevistados já estiveram em diversas cidades antes de vir para o Guarujá, mas por muitos fatores não se adaptaram. Conforme as respostas de L.M "Quantas cidades eu passei? Ah foi muitas, num tem como contar, muitas, muitas cidades" e W.S "Já passei por muitas cidades. Já faz um bocado de tempo viu. Acho que dois a três anos".
Entre as representações da rua muitos identificaram o processo de vivência e acomodação na rua. Quando os entrevistados foram questionados sobre o entendimento das mudanças de habito e os aborrecimentos causados, cerca de 70% mencionaram que a vivencia na rua sugere realmente a mudança de alguns hábitos.
Em algumas respostas é possível perceber que o abandono do lar foi motivo de muito sofrimento na adaptação com a nova realidade, pois se deixou todo conforto e aconchego para viver em situação de precariedade.
Concordaram que alguns comportamentos seriam inaceitáveis nessa nova realidade. Notou-se que valores simples de higiene pesariam na forma de conduzir o dia a dia nas ruas.


Mencionam as dificuldades, mas não perdem a convicção de que era necessário e por isso não foi ruim. Conforme G.J "Princípio sim né, depois eu fui vendo que era tudo mais fácil né. Incomodou no começo".
30% dos sujeitos entrevistados passaram à impressão de não notarem a brusca transformação da realidade na qual viviam. Porém deixaram oculta a sensação de que os incômodos com a nova vida são muitos.
A mudança na forma de conduzir as ações é outro ponto existente nos sujeitos entrevistados e apresentam um novo foco de observação, pois, a maior preocupação nessa questão é aceitar ou não a transformação que ocorre em sua vida.
Essa mudança é reforçada pelo conjunto de informações impregnadas de valores sociais, culturais e religiosos que trazem para a vida nas ruas e que os fazem notarem, que estão modificando seus modos de agir para puramente adaptar-se á essa realidade e não para renegar a vida que teve.
Conforme explica W.S ao responder se a mudança de hábitos causou algum incomodo, "Um pouco. Ah. porque os métodos de agir, meu jeito assim, meu jeito, meu gênero, já não era o mesmo gênero de ter paciência, porque eu tinha paciência pra falar com todo mundo, a calma a tranqüilidade pra saber tratar as pessoas e eu já não tava tendo, eu tava assim, sendo mais ignorante mais rebelde.".
Na observação dessas representações, os sujeitos responderam se tinham conhecimento de que estavam mudando os modos de ser e verificaram-se em algumas respostas as inquietações e as dificuldades para o ser humano que vive nas ruas em reconhecer que há a necessidade de mudanças, conforme a fala de V.A "Com certeza, eu tinha uma linhagem, tinha uma vida que de repente tive que trocar, tive que substituir por uma coisa que eu não esperava".
Ao serem questionados sobre o olhar que tinham para suas vidas e suas histórias, foram despertados sentimentos que aparentemente eram desconhecidos. 50% dos entrevistados souberam exteriorizar essa percepção da diferença entre o que eram e o que se tornaram estando nas ruas.

A.L é um desses exemplos. "olha vou falar para você, meu erro é que eu podia fazer diferente, ao invés de está aqui eu podia estar ai onde a senhora está" e nota-se também na resposta de A.M "Ah logicamente, ah percebia assim, porque a gente quando convive numa casa da gente com o emprego da gente é uma outra forma de vida e a gente estando na rua, você ta desempregado, desamparado é totalmente diferente.".
Mesmo que a explicação seja confusa é possível notar que entendem a mudança que ocorre em suas vidas inclusive na questão da higiene, da forma de dormir, são pontos delicados na mudança de hábitos, mas que também apresentam uma nova forma de ser e de viver aquela experiência. J.L deixa isso expresso com clareza, "Ah, numa certa parte tem né, porque a gente vai de uma cama pra dormir no chão, na rua né!".
20% dos entrevistando expressam de forma reflexiva o desejo por mudança, mas respondem que não possuem conhecimento dessa transformação pela qual passaram e estão passando e os 30% restantes preferiam não responder essa questão.
Ao serem questionados quanto ao que falta para mudarem sua realidade e de que forma modificariam suas vidas muitos foram profundos nas reflexões. 50% reafirmaram a necessidade do trabalho como instrumento inicial de modificação como nos exemplos a seguir onde alguns responderam com uma única palavra "Emprego" e um respondeu simplesmente que falta "Uma chance, um trabalho".
Interessante observar que 20% preocuparam-se com a necessidade de arrumar uma moradia e os documentos, porém nota-se que esses não sabem exatamente de que forma irão direcionar suas vidas.
Outros 20% pedem apenas auxílio e refletem uma condição de acomodação com essa realidade, onde não há interesse em agir a menos que alguém ofereça o impulso que falta, é o caso de P.S, "Ah, uma ajuda, ou um auxílio de alguém" e 10 % não expressou qualquer interesse em responder de que forma mudaria sua vida.



4.5? As perspectivas de futuro frente à realidade das ruas.
Para saber sobre as perspectivas desses sujeitos diante das representações que almejam para suas vidas foi necessário conhecer antes disso o desejo que os mobiliza na busca por mudanças, pois o dia a dia constrói novas histórias de superação, mas também de perdas.
Quanto à percepção do que falta para mudar sua realidade e para finalizar esse processo de vivência, torna-se necessário reforço e persistência na busca de transformação dessa realidade. 40% reafirmaram a necessidade do trabalho como instrumento inicial para modificação dessa realidade. J.L é um exemplo dessa identificação na resposta, "Eu acho que agora, ah, começaria através de um emprego".
Trata dos valores e representações que guardam com as perspectivas de mudança foi um ponto de observação que permitiu chegar ainda mais próxima dessa realidade que é a vida nas ruas.
Continuou-se na tentativa de verificar as possibilidades de esses sujeitos abandonarem a vida nas ruas. Para entender essas representações tornam-se necessário saber de que forma eles interpretam sua realidade e se conseguirão abandonar a vida nas ruas.
20% expressaram alguns vestígios de religiosidade e a questão da fé funciona como alavanca de transformação. A busca religiosa esteve refletida em algumas falas como se a mudança dependesse mais desse contato com Deus do que da ação do sujeito.
Para expressar de que forma mudaria a realidade, esses sujeitos da pesquisa demonstram que a fé é a ponte de ligação com o que desejam para suas vidas. Está refletida na resposta de G.J "Pedindo a Deus. Fazer muito oração e ir na igreja né. Pedir a Deus, porque só ele mesmo pra ajudar" e também na resposta de A.W " Ah., eu primeiro faria uma aliança com Deus".
Outros 20% respondem de maneira ponderada e focando a melhora no tratamento do ser humano para com o outro, pois alguns apontam à falta de solidariedade e de confiança no outro, como fatores que incomodam muito e nas observações foi possível perceber que estes sujeitos haviam presenciado ou sofrido com desprezo da sociedade.

Aqueles que deixam claro o desejo da mudança e também a melhora em suas vidas, expressam também sua necessidade de uma escuta acolhedora, J. L deixa claro em sua fala, que precisa da confiança de seu próximo. "O que falta? Falta o ser humano confiar no outro" e P.G ainda menciona a necessidade da atenção do outro. "Falta compreensão e solidariedade, isso é que falta".
Os 20% restantes não expressaram claramente de que forma modificariam suas vidas caso tivessem oportunidades, mas entende-se que estes sujeitos também desejam mudança da mesma forma que os outros.
A tentativa de descobrir fatores que direcionam as perspectivas guardadas para o futuro permite que chegue ao eixo norteador dessa pesquisa. O direcionamento apresenta a tentativa de identificar o impedimento nesses sujeitos que rejeitam a possibilidade de sair das ruas.
Sendo questionados sobre os motivos pelos quais não saem das ruas, notou-se que os fatores desencadeantes da desestruturação são semelhantes ou iguais aos que prendem os moradores de rua na rua.
Apresentou-se a necessidade de um olhar ampliado sobre a questão do que mantém esse sujeito preso a condição de morador de rua, pois 70% responderam de forma contestadora Alguns responderam que condicionados por morar na rua devido à falta de compreensão ou falta de confiança das pessoas. A questão é delicada, pois as falas eram curtas e revelavam receios escondidos.
As respostas sobre estar preso à condição de morador de rua vinham impregnadas, de sentimentos de rejeição, de preconceito, de exclusão e alguns expressaram enorme carência de atenção. As falas sobre não ter compreensão, solidariedade entoavam um apelo por ajuda, como por exemplo, J.L que deixou evidente o anseio de ter um acolhimento e uma escuta "É a falta de compreensão mesmo, a falta de solidariedade, às vezes também é terrível"
70% dos entrevistados estavam mais condicionados á refletirem sobre essa questão e responderam de forma contestadora possibilitando a percepção em algumas falas sobre a necessidade real que sentem de uma escuta mais adequada.

20% dos sujeitos apresentaram um ponto engessante em suas ações na tentativa de sair das ruas, mencionaram a falta de emprego e de moradia como motivos de permanência as ruas e acreditam que tendo uma oportunidade no mercado de trabalho terão condições de se movimentar em direção ao rompimento do vínculo com a vida nas ruas.
Os 10% restantes são motivos de preocupação por outro aspecto, pois mencionam que não conseguem sair das ruas por ter nela a convivência com seus afins. Nem todos se juntam de forma aleatória, ou pelo simples fato de serem da rua.
Muitos desses sujeitos indicam que vivendo nas ruas são forçados pela vida a fazer novas escolhas de como ficar, onde ficar e qual companhia aceitam do seu lado. Eles aceitam essas condições mesmo estando em buscam da reconstrução de suas vidas e de meios para obtenção de moradia, para reconquistar sua dignidade, sua auto-estima e desta forma, sair definitivamente das ruas será um presente.
Muitos sujeitos deixaram claro que vieram para a rua dispostos a arriscar tudo e trouxeram na bagagem apenas frustrações, mágoas, decepções e desilusões. E neste caso é forte o receio de retornar e não conseguir se readaptar ao convívio familiar.
A imobilidade também é notada nos pontos de rejeição da realidade que ficou no passado e esses sujeitos travam qualquer atitude na tentativa de sair da condição de morador de rua. P.G trouxe para sua realidade marcas dessas mágoas que representam feridas que ainda não cicatrizaram.
"Imagina uma pessoa chegar pra você e falar que é sua tia, escute dona Ana, e que vai passar um tempo em Ribeirão Preto nas férias e quando chega em Ribeirão Preto vai falando que é sua mãe. É porque meu pai morreu eu fui adotado por outra família em São Paulo, morava no bairro do Alemão. Eu era novinho, tinha 09 anos. ai chegou uma senhora baixinha, falando que era minha tia. Ai quando chegou em Ribeirão Preto ela falou que era minha mãe. Hoje to com 42. O único homem era eu, três mulher e eu de homem só nessa família. Mas eu muleque, e a mulher tinha adotado eu, mas depois minha mãe me tomou eu, sei lá o que aconteceu, porque eu acho que minha mãe quer esconder alguma coisa. Foi duro"
A vida na rua é cronificada pelas companhias, pelo uso de álcool ou outro tipo de drogas, ou por não terem para onde voltar. O ponto delicado é que alguns não desejam sair das ruas e se notam incapazes de abandonar essa realidade que se tornou rotina, esses hábitos, os costumes ou até mesmo os vícios na rua e da vida na rua. G.J é um exemplo de sujeitos que escolhem bem onde e com quem ficar nas ruas, "Ah o que é, Ah, num depender de ninguém, única coisa que eu num gosto de andar, é com pessoal que se usou droga perto de mim, agora se colocou um tubo de cachaça na minha frente, pode ficar."
O universo de pesquisa foi questionado quanto à possibilidade de abandonar a vida nas ruas caso tivessem tudo que fosse necessário para tal ação e quase 100% da demanda entrevistada respondeu positivamente. Podemos observar nos exemplos a seguir, que novamente temas de extrema importância veio à tona, ou seja, a necessidade eminente do emprego e moradia.
Alguns sabem que podem, mas não identificam de que forma e mesmo sem rumo definido entendem que precisam agir, A. M. respondeu "É tem que mudar né, o que eu faria, esperando mais um pouco, arrumando um serviço e arrumando um cantinho pra mim ficar né". Outros entendem que suas perdas são frutos de suas escolhas V.M indica isso, "Isso é uma coisa que eu num posso te responder por que já tive várias oportunidades, já tive de tudo, e não dei valor e estou do jeito que estou aqui".
Para acrescentar na questão dessa imobilidade, esses sujeitos responderam sobre o que falta verdadeiramente para que saiam das ruas e percebeu-se a importância de uma mobilização para forçar a reflexão dos órgãos gestores sobre a questão do atendimento e da oportunidade de trabalho para esses sujeitos.
A maioria expressou categoricamente essa necessidade, enquanto uma mínima parte menciona a falta de documentação, outra requer um auxílio que também incide na questão do emprego.
Alguns mencionam a falta de moradia para sair definitivamente das ruas, porém alguns querem moradia, mas não desejam voltar para suas famílias e outro agravante é sentirem-se discriminados por conta da condição em que se encontram. G.J diz "Eu, só meu cantinho pra mim ficar e continuar meu serviço, te minha responsabilidade"
Outros reforçam que querem trabalhar e associam a não contratação com a falta de confiança na capacidade desses sujeitos. Essa impressão está expressa na reposta de P. "O que falta? Verdadeiramente? Tirando a minha força de vontade que já é demais, entendeu? a única coisa que falta é as pessoas confiarem e darem um trabalho pra gente"

Os sujeitos entrevistados demonstraram um misto de reflexão com auto-afirmação ao responderem as questões. Notou-se nas explanações um desejo de encontrar um direcionamento positivo e buscam isso no significado da vida.
As respostas sobre o que representa a vida e o que esperam do futuro indicam pensamentos fortes sobre si mesmos. 30% respondem que vida é tudo ao mesmo tempo em que demonstram ter consciência dos erros cometidos e do desrespeito para com suas próprias vidas.
"A vida pra mim é, é a razão de tudo, entendeu, eu não, num falo mal da minha vida, porque eu procurei o caminho, eu que saí, entendeu. Eu não me senti bem na situação que eu tava, então eu sai, então a vida pra mim é linda, é maravilhosa. Do futuro eu espero bastante coisas. Espero um dia ainda construir, ter minha casinha, construir a minha vida, sabe voltar a viver, voltar a ser visto como um ser humano"
As impressões nas falas sobre o desejo para o futuro carregam de forma oculta, o desejo de reconstrução dos vínculos pessoais, sociais, familiares e econômicos. 40% dos entrevistados mencionam não saber explicar a vida, mas que o futuro desejado está ligado ao bem estar de seus filhos. A resposta de W.S reflete isso, "O que a vida é uma coisa que, sei lá, num tem explicação, só Deus mesmo pra dá o auxilio mim pode dizer. Dar um melhor para os meus filhos, porque nada do que eu passei quero que passe na mente deles, nem que imaginem".
30% dos sujeitos ao falar sobre seus entendimentos sobre a vida deixaram impressões fortes do reconhecimento de que a realidade em que vivem não é adequada. Sabe que nada na vida nas ruas representa qualidade, saúde e desejam mudanças positivas mesmo sem saber expressar de que forma irão buscar essa transformação de suas realidades.
Falar sobre a própria vida parece simples, mas não é. Trata-se de um misto de alegria, preocupação, angustia, decepção, saudade, medo, anseios, entre outros, vieram à tona mesmo no silencio de alguns gestos. Aqueles que falaram pouco, também deixaram muito de si nas imagens registradas por minha visão que ansiavam por fragmentos vidas aparentemente perdidas em seus espaços de rua.
Ao pedir que presenteassem esse trabalho de pesquisa com uma mensagem que seria repassada a outros moradores de rua surgiram novas reações que jamais serão retiradas de um arquivo de memória.
Observar os gestos e as expressões desses sujeitos tornou-se uma experiência rica e única. Mesmo de forma desordenada, com falas que aparentemente podem não expressar sentidos, notou-se uma explosão de emoções que foram controladas ao longo das entrevistas.
Refletindo sobre o que falariam para seus semelhantes vieram à tona sentimentos de subjetividade que os transportava para o lugar do outro e assim, muitos deixaram expressos desejos do que gostariam de ouvir em algum momento de suas vidas. "Dona, eu diria assim, nós podemos querer um trabalho para sair daqui, mais temos que acreditar que Deus está olhando por nós e logo isso vai acontecer."
"Ah, eu deixaria assim, que lute e não se entregue, que acredite sempre em Deus, porque não existe nada melhor do que a vida da gente, e às vezes não pensando só em si próprio, mas em ajudar alguém também próximo."
"Ah! uma coisa é esquecer da cachaça, criar um pouquinho mais de coragem, porque a rua num é futuro pra ninguém não entendeu! é difícil dormir na rua, eu estou aqui porque não tem outro jeito (respiração profunda e lágrimas)"
"Que as ruas não dão nada, não terá futuro, nem nada, só apenas ilusões e ilusões. (Silêncio e cabeça baixa)"
"Mensagem que eu levo assim comigo Ana, depois de hoje, uma ajuda, já me negaram muita coisa na rua (choro) aprendi que amor se dá a um cachorro, imagine então para um ser humano (Choro). Nossa fazia tempo que num chorava, obrigada. (choro)"
"Eu falaria a mesma coisa, pra deixar de beber, deixar esses negócios, esses cara que usa muita droga também, tem que conseguir sair."
"Faça da tua vida uma estrada aonde que todos caminhem nela e nunca deixe essa estrada, nem que ninguém pare nela, mas que todos assim como você, apenas passem por ela" (Silêncio)
"Fé em Deus e bola pra frente sempre. Eu aprendi isso na bíblia também, porque na própria palavra de Deus disse sede inteligente para que possas captar as mensagens que ele nos envia".
"Nunca desista dos seus sonhos".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A elaboração deste trabalho forneceu subsídios para apresentar observações pertinentes aos interessados em conhecer o que impede os sujeitos da pesquisa de saírem das ruas. Diante de todas as exposições sobre os moradores de rua, novas impressões surgiram e oportunizaram a possibilidade de um aprofundamento no conhecimento da mobilidade que faz com que esses sujeitos mudem de lugar, mas não conseguem mudar de vida.
Buscou-se demonstrar ao longo deste trabalho de que forma estes sujeitos exteriorizam seus desejos, seus esforços pela realização pessoal, onde suas exposições diante de sua mobilidade representam primeiramente uma busca por emprego e moradia e que na maioria dos casos não sabem exatamente como começar.
Notou-se que aqueles que são realmente moradores de rua não pedem esmolas, tentam vender sua força de trabalho e mesmo que seja informalmente e precarizada sentem orgulho de gerar o mínimo de sustento e sentem vergonha de pedir.
Vivem na precariedade, mas não roubam e não agridem ninguém, enquanto os sujeitos que apenas ficam nas ruas e se infiltram no meio dos moradores de rua são em sua maioria usuários de drogas que encontram nas ruas os meios de alimentar seus vícios. Estes acabam por piorar ainda mais a imagem dessa demanda de moradores de rua que tenta sobreviver diante da exclusão e do preconceito.
Desta forma, as considerações que foram construídas através da análise dos resultados da pesquisa indicam que estes sujeitos que vieram de diversos locais e estão construindo vínculos sólidos com o espaço em que vivem mesmo em movimento constante de variação nos locais para dormir.
Para esses sujeitos basta não correr perigo com a vida nas ruas. Porém em suas falas é possível perceber que essa aparente segurança cai por terra quando o assunto é família. Todos sentem falta de alguém e as mágoas e os sofrimentos que causaram aos seus entes queridos são ferimentos que não cicatrizam.
A pesquisa mostra que os pontos determinantes na vida desses sujeitos são iguais aos mencionados no levantamento efetuado pela Pesquisa Nacional.
Esses sujeitos apresentam muito tempo de rua, de transição, diferentes níveis de escolaridade, anseios por emprego, entre outros. Para entender esses sujeitos é necessário despertar um novo olhar para esse foco populacional, não importa onde estejam todos sentem necessidade de reconhecimento.
O que dificilmente será identificado em qualquer pesquisa é o desejo que muitos desses sujeitos ocultam por mudar sua realidade, pois até mesmo aqueles que abandonaram tudo e todos em algum momento de suas vidas sentem necessidade dolorosa de um contato pessoal, humanizado, repleto de respeito para com eles e suas histórias.
Para saber a causa à imobilidade que os impede de transformar a realidade, não foi preciso hipótese. Havia uma certeza de que os valores que fortalecem a permanência desses sujeitos nas ruas são pequenos perto da necessidade de uma política de atenção que seja não apenas de direcionamento desse quadro, mas sim de intervenção direta para auxiliar na mudança da realidade desses sujeitos.
A imobilidade resulta do medo da rejeição, de não realizar perspectivas de sucesso, e principalmente de ser excluído novamente pela família e pela sociedade da qual certamente um dia esse sujeito participou ativamente. As barreiras invisíveis da imobilidade devem ser rompidas e medidas devem surgir na direção desses sujeitos.
Enquanto isso não ocorre muitos dos moradores de rua continuam construindo uma nova identidade coletiva onde sua única busca é por uma chance de recomeçar, partir do zero não será o problema, pois sobreviver nas ruas é enfrentar e vencer as adversidades todos os dias, o difícil é ter a chance de fazer esse zero inicial acontecer.

Ana Cláudia de Araújo
Conclusão do Curso de Serviço Social/2008









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Autor: Ana Claudia Araújo


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