TRABALHO ANALOGICO E DEGRADANTE A DE ESCRAVO



INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, o Direito do Trabalho tornou-se um dos principais instrumentos disseminados na sociedade, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista econômico, de distribuição de renda no sistema capitalista.
Desde os primórdios da humanidade até a época atual o trabalho tem sido condição indispensável para a sobrevivência e para o crescimento moral, espiritual, religioso, intelectual, cultural, científico e material o homem. Desse modo, o trabalho é um fato que está na base de qualquer organização social e precisa ser tratado integralmente como tal, nos seus valores subjetivos e objetivos, intrínsecos e extrínsecos, individual ou coletivo, privado ou social, humano e religioso, e não no seu valor meramente ou predominantemente econômico.
O Direito do Trabalho exerce função eminentemente protetora, cujas normas de proteção têm como característica o pluralismo das fontes normativas; assim, a relação trabalhista é regida por normas estatais e por normas não-estatais.
O presente trabalho, sem pretender esgotar a matéria, procurará analisar o trabalho escravo. Embora grande parte da população desconheça, o trabalho escravo não é um evento do passado, mas problema mundial que atinge, principalmente os países subdesenvolvidos. Sua existência é um grande problema para a humanidade, uma vez que se desrespeitam os principais direitos humanos, dentre eles o da liberdade, o da igualdade e o da dignidade da pessoa humana.
Normalmente, o trabalho escravo se utiliza da vulnerabilidade dos trabalhadores que são obrigados a aceitar as facetas dos recrutadores com promessas de trabalho, salário e boas condições de estadia. Com efeito, a prática do trabalho escravo é determinada pelo capitalismo selvagem que sempre impregnou a sociedade e pelo poder patronal que subjuga a pessoa do trabalhador, principalmente quando se trata de pessoa de pouca ou nenhuma instrução, que vende sua força de trabalho para obter o mínimo necessário para a subsistência, sob promessa ou ilusão de condições melhores de vida.
Além disso, há fatores estruturais que contribuem diretamente para a prática do trabalho escravo, dentre eles há a questão da extensão territorial e do Estado dispor de poucos recursos humanos para fiscalização e adoção de medidas eficazes, o que torna essa prática bem dispersa em todo território nacional, refletindo isso tudo na dificuldade de se detectar e punir os praticantes de tão degradante condição de trabalho; inclusive, o próprio Estado é co-responsável indireto, justamente em razão da carência de plano político, social e econômico que promova a oferta de emprego, com educação e qualificação profissional para nossos trabalhadores, proporcionando uma vida digna a grande parte da população que vive na pobreza e até mesmo na miséria, valendo lembrar que a dignidade de todo cidadão é prioridade do Estado Democrático de Direito. (art.1, III, da CF/88).
Assim sendo, o interesse pelo tema é justificado pela importância prática do tema em razão da sua pertinência e ocorrência na atualidade.
Em relação à metodologia de trabalho, a busca conhecimentos deu-se principalmente pela leitura das referências bibliográficas selecionadas, de importância teórica e doutrinária. Outras fontes a serem utilizadas serão jornais, revistas e internet, sempre que contiverem informações relacionadas ao tema e que possam agregar valor à pesquisa. A abordagem adotada é a hipotético-dedutiva, sendo utilizada linguagem científica, com adoção das normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).






1 DIREITO DO TRABALHO E A DIGNIDADE DO TRABALHADOR

A dignidade da pessoa humana é admitida na doutrina ora como valor supremo do ordenamento jurídico, ora como princípio (vinculando não somente o legislador, mas também o intérprete), ora como direito subjetivo e ora como necessidade.
A República Federativa do Brasil tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana, é seu objetivo fundamental e promoção de bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e rege-se nas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (artigo, 1º, III e IV, artigo 3º, IV; artigo 4º, II; artigo 5º, II; artigos 6º e 7º da CF).
A dignidade humana, por ser um atributo natural, tem sua base no direito natural cuja doutrina naturalista cuida da pessoa enquanto valor fonte, atribuindo-lhe direitos natos compatíveis com a existência humana, tais como, à vida, à liberdade, à igualdade, ou seja, direitos inseparáveis da condição humana .
Considerando-se que a pessoa humana deve ser o valor fonte de toda sociedade e Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade humana assumiu a feição de norma positivada, impregnada, através da legislação infraconstitucional, de sanção, pois somente haverá liberdade e igualdade numa Nação se o Estado e toda a sociedade preservar e proteger a pessoa humana em seu mais absoluto e supremo valor, qual seja, na sua dignidade .
Nesse sentido, pode-se afirmar que a dignidade humana é o fundamento primário de todo ordenamento jurídico-constitucional, cuja dignidade é admitida e resguardada através do reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais, como o respeito à liberdade, não-discriminação, proteção à saúde, direito à vida, acesso ao trabalho como condição social, humana e digna, etc. Portanto, violadas quaisquer dessas garantias fundamentais, estar-se-á violando a dignidade humana da pessoa.
Para Comparato a dignidade humana se apresenta como fundamento de validade do Direito, em substituição ao fundamento antes encontrado em uma ordem sobrenatural ou em uma abstração metafísica .
No mesmo sentido, Romita afirma que a dignidade influencia o legislador na elaboração das normas de direitos fundamentais e influencia o juiz no momento de julgar; estando presente em toda tarefa de interpretação do ordenamento jurídico . Mas a dignidade não é ela mesma, um direito fundamental, e sim o valor que dá origem a todos os valores fundamentais.
Segue o entendimento Thereza Cristina Gosdal, para quem dignidade humana constitui um valor unificador de todos os direitos fundamentais, enquanto direitos humanos em sua unidade indivisível, servindo como elemento referencial para a aplicação e interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais, notadamente no âmbito do Direito do Trabalho .
Considerando que toda pessoa humana é detentora do direito natural à dignidade, o trabalhador, enquanto pessoa, também é detentor de dignidade, tanto que é titular de direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal, assim, quando se fala em dignidade humana do trabalhador, temos que considerar duas dimensões: dever de consideração e respeito à pessoa do trabalhador (titular de direitos de personalidade) e dever de proteção e promoção das garantias fundamentais, incluindo as sociais, conquistadas após o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social por intermédio de Declarações Internacionais de Direitos, cujas garantias sociais, constituem o "mínimo existencial para uma vida digna .
José Afonso da Silva ressalta que a dignidade da pessoa humana é dotada, ao mesmo tempo, da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspiram a ordem jurídica (...). Se é fundamento, é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional .
Sarlet define a dignidade da pessoa humana como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos .
Ainda segundo o mesmo autor, a dignidade da pessoa humana é norma de status constitucional no aspecto formal e constitucional a dignidade humana detém a função de valor fundamental de toda a ordem constitucional, mas também a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio .
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) assevera que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e os seus direitos iguais e inalienáveis constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz mundial e que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos .
Além disso, ninguém será mantido em escravidão, sendo o tráfico de escravos proibidos em todas as suas formas, de acordo com a própria Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.
Sucede que para alguns empregadores, as normas vigentes de proteção ao trabalhador não garantem os direitos a que fazem jus, exatamente como no caso dos escravos em algumas regiões brasileiras.
Embora seja prática universal, a escravidão decorre de um sentimento de desigualdade entre os seres humanos . No entanto, inexiste desigualdade entre as pessoas, justamente porque todos são iguais perante a lei.
Desta forma, o Direito do Trabalho tem função precípua de garantir a proteção mínima capaz de preservar a dignidade da pessoa humana trabalhadora, visando compensar a diferença sócio-econômica nas relações de trabalho.
1.1 A dignidade do trabalhador
A dignidade do trabalhador permeia a esfera moral, sendo exaltada pela Constituição, além de ser um dos principais bens protegidos pela legislação. Portanto, a violação deste bem maior implica necessariamente na respectiva reparação, a qual, por ser geralmente impossível, em face do caráter extrapatrimonial, incide na conversão em indenização .
Ao integrar a organização empresarial, destinando sua força de trabalho, ocupando a posição jurídica de subordinação, o trabalhador adquire direitos diante dessa nova realidade jurídica, sem perder a titularidade dos direitos fundamentais que mantém como pessoa, pois, conforme bem ressalta Arnaldo Sussekind:
Não paira dúvida que sob o aspecto pessoal e individual e até humanista, o trabalho é instrumento de valorização e promoção da pessoa humana, dignifica a pessoa na medida em que permite sua auto-afirmação no seio da família e da sociedade, incluindo o trabalhador ativamente na vida social, de modo a favorecer a convivência entre todos os cidadãos, eis o sentido do valor social do trabalho, sob o aspecto sociológico .
Nessa linha de raciocínio, o trabalho não só representa progresso humano e social, também é a célula mater do progresso econômico, pois desde os primórdios do desenvolvimento da civilização, o trabalho se destacou como fator preponderante para o progresso econômico através da produção de riquezas, composta pela produção e circulação de bens e serviços para atendimento das necessidades vitais de toda a civilização.
Evidentemente, a dignidade do trabalhador está voltada para o trabalho livre e consciente, cuja liberdade de trabalho, como bem revela sua história e evolução, somente foi conquistada após o surgimento da servidão seguida do corporativismo medieval, culminando com a Revolução Industrial no final do século XVIII e início do século XIX, que deu origem à produção industrial e organização do trabalho voltada para a máquina e especialização do trabalho humano, visando à produtividade e lucratividade.
No período da escravidão, a mão-de-obra humana já era explorada com o fito de lucro, todavia, com o diferencial de que o escravo não tinha o reconhecimento de pessoa humana, tão menos tinha vontade própria; era tratado como res; sua relação com seu amo era uma "autêntica relação real de domínio", sendo a escravidão considerada um status naturalis de sujeição por toda vida e de transmissão aos descendentes .
A dignidade humana é considerada núcleo dos direitos fundamentais do cidadão e, segundo Bobbio, integra, tal como a vida, o direito natural, não podendo haver qualquer tipo de intervenção, salvo quando visar a garantia e proteção pelo Estado .
Ora, se o trabalho é fonte de dignidade humana, e se todo homem tem dignidade, o trabalhador, como pessoa humana, tem dignidade, que condiz com a consciência moral e autonomia individual de atuar segundo as regras morais, valores, princípios éticos e costumes no seio da sociedade.
A dignidade do trabalhador, como atributo natural e individual, não é valorável ou substituível, pois a dignidade não tem preço; seu valor é intrínseco, absoluto, não se justificando encarar o trabalho como meio para satisfação dos interesses capitalistas (produção com máximo esforço, sem limite de horas, e com o mínimo custo), considerando o trabalhador como mercadoria descartável do processo produtivo.
1.2 Direitos da personalidade
Trazer o conceito de direito de personalidade como sendo o conjunto unitário de direitos subjetivos, primordiais e essenciais da pessoa em seu aspecto físico, moral e intelectual. Em face de sua característica ínsita ao homem, eventual silêncio do legislador na enumeração dos direitos de personalidade não tem o condão de inibir a afirmação de sua existência, conquanto a expressa regulamentação torne mais simples a sua aplicação.
Somente a pessoa, enquanto ser dotado de razão e liberdade, além de representar uma unidade espiritual e corporal, possui inerente à sua essência a dignidade, sendo esta, portanto, qualidade peculiar a toda pessoa humana.
A pessoa, ser concebido pela natureza e que transcende o mundo jurídico legal, vista no aspecto da legalidade como unidade jurídica (aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações), possui os direitos patrimoniais (direito de propriedade, por exemplo) que integram as relações jurídico-econômicas, bem como tem inerente o direito da personalidade, cujo conteúdo é extrapatrimonial, posto que condizente a valores inatos no homem tais como direito à vida, integridade física e psíquica, liberdade, honra, intimidade, e outros apontados in opportuno tempore; cujos direitos, embora não sejam economicamente apreciáveis, são indestacáveis, indissociáveis da pessoa do homem, sendo reconhecidos como categoria de direitos subjetivos e tutelados, objetivamente, pela ordem jurídica interna e externa .
De acordo com De Cupis os direitos da personalidade consistem naqueles destinados a fornecer conteúdo à personalidade humana tendo em vista serem compostos pelos direitos subjetivos essenciais sem os quais o indivíduo não teria razão de ser .
Bittar destaca que os direitos da personalidade seriam aqueles reconhecidos à pessoa humana concebida por si mesma, bem como a partir de suas projeções sociais, direitos estes que são previstos no ordenamento jurídico tendo por finalidade a defesa de valores inatos do indivíduo, tais como a vida, a integridade física, etc .
Os direitos de personalidade são aqueles que dizem respeito aos atributos que definem e individualizam a pessoa, protegendo-a em seus mais íntimos valores e em suas projeções na sociedade, cujos direitos de personalidade, embora sejam desprovidos de valor econômico, têm para seu titular valor absoluto e inato, portanto têm como características a irrenunciabilidade, intransmissibilidade e imprescritibilidade .
Segundo Caio Mário Pereira da Silva,
(...) os direitos de personalidade ?inatos? (como o direito à vida, o direito à integridade física e moral) sobrepostos a qualquer condição legislativa, são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis: absolutos, porque oponíveis erga omnes; irrenunciáveis, porque estão vinculados à pessoa de seu titular. Intimamente vinculados à pessoa, não pode esta abdicar deles, ainda que para subsistir; intransmissíveis, porque o indivíduo goza de seus atributos, sendo inválida toda tentativa de sua cessão a outrem, por ato gratuito como oneroso; imprescritíveis, porque sempre poderá o titular invocá-los, mesmo que por largo tempo deixe de utilizá-los .
Os direitos da personalidade integram o rol de direitos fundamentais de todo cidadão, são direitos inerentes à pessoa humana, logo, pertencentes ao plano natural, estando acima do direito positivado e do próprio Estado. Portanto, representam garantias do cidadão perante o Estado e particulares, cujos direitos estão positivados, exigindo desse mesmo Estado ação positiva através da proteção e negativa através do dever de abstenção de eventual lesão, cujo dever é extensivo aos particulares, daí o "jus puniendi" estatal, além das normas positivas que garantem o direito de ação judicial para efeito de indenização por danos.
Todas as legislações dedicam proteção especial aos direitos de personalidade, ou seja, aos atributos inerentes à pessoa, entre os quais podemos compreender: o direito à vida, à integridade física e moral, à liberdade e à vida privada; e que visam preservar e resguardar a dignidade humana da pessoa, tanto que o nosso direito positivo reprime e prevê modos de reação a qualquer conduta que lese os direitos de personalidade, impondo sanção ao transgressor na esfera cível, sem embargo das sanções penais, prevendo a Constituição o direito à indenização por dano moral e/ou material (art. 5º, inc. X).
Ainda que seja um ramo recente do Direito, sua sistematização de princípios já nasceu em posição de proeminência, vez que catalogada no bojo da Carta Constitucional.
Francisco Amaral assinala que, por terem guarida no texto constitucional, pode reconhecer-se que os direitos da personalidade são o terreno de encontro privilegiado ente o direito privado, a liberdade pública e o direito constitucional . Nas palavras de Fernando Noronha, os direitos de personalidade constituem a versão civil dos direitos fundamentais da pessoa humana .
Importante lembrar que a evolução da tutela dos direitos de personalidade iniciou sua regulamentação apenas de forma casuística, tipificando alguns direitos expressos através da técnica de tutela dos direitos subjetivos. Com o passar do tempo e com a crescente necessidade de proteção da personalidade através de uma regra geral que englobasse todos os casos, adveio, na Alemanha, o direito geral de personalidade. No Brasil, o direito geral de personalidade encontra-se previsto no art. 1º, III, da Carta Constitucional de 1988, quando posiciona o valor da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito .
A CLT de 1943 não contemplou nenhuma matéria específica atinente aos direitos da personalidade, exceto a garantia à vida e saúde (física e psíquica) do trabalhador, permitindo a rescisão por justa causa ou a rescisão indireta no caso de lesão ou ameaça de lesão (arts. 482 e 483 da CLT), sendo certo que o direito brasileiro somente com a Constituição Federal de 1988, inspirada nos documentos internacionais que exaltaram a dignidade humana, disciplinou os chamados direitos e garantias individuais, contemplando a valorização da pessoa humana, protegendo seus direitos da personalidade como a vida, integridade, intimidade, liberdade, através do poder-dever do Estado em reprimir as lesões ou ameaças de lesões, a par da garantia dos direitos sociais que também complementam a valorização da pessoa humana.
Entretanto, a constitucionalização dos direitos da personalidade favoreceu a regulamentação infraconstitucional pelo Código Civil que, embora o tenha feito de forma suscinta, não discorrendo de forma taxativa todos os direitos da personalidade, constitui grande avanço, e, por outro lado, apesar de a CLT não tratar de forma específica dos direitos da personalidade, não afasta a aplicação subsidiária do Código Civil e, certamente, da Constituição, embasadora de todo ordenamento jurídico, ao contrato de trabalho, nos termos do parágrafo único do art. 8° da CLT. Inclusive, a CLT tutela o direito da personalidade nos arts. 482 e 483, habilitando tanto o empregador como o empregado a procederem à rescisão contratual pela prática de conduta ou ato lesivo ao direito da personalidade de qualquer das partes contratantes.


1.2.1 Direitos da personalidade na relação de emprego
A relação de emprego corresponde a uma relação jurídica contratual, através da qual os sujeitos, ou seja, empregado e empregador, convencionam a prestação de serviços de forma pessoal, não eventual, mediante pagamento de salário e sujeição ao poder de direção do empregador, também denominado dependência ou subordinação.
Trata-se de típica relação contratual de trabalho subordinado, de natureza privada, e, mesmo que o Estado estabeleça normas imperativas que visem tutelar o trabalhador hipossuficiente, não retira a natureza contratual e privada da relação contratual trabalhista, que está assentada no princípio civilista da autonomia de vontade, a qual encontra limites nas normas tutelares sobre condições mínimas de trabalho digno, em face da superioridade econômica do empregador, também denominado dirigismo contratual .
Com efeito, o traço característico da relação de emprego é a prestação do labor de forma pessoal, contínua, onerosa e subordinada, entregando o empregado sua força de trabalho em troca de salário, fonte de subsistência própria e de sua família, constituindo, portanto, a relação de empregado um campo fértil para violação dos direitos de personalidade perante o estado de sujeição do empregado ao poder patronal.
A relação pessoal implica a obrigação de prestação de serviços intuitu personae; daí afirma-se que se trata de obrigação personalíssima e intransmissível, conduzindo a outro elemento característico da relação de emprego, que é a relação de dependência ou subordinação do empregado.
A subordinação ou relação de dependência se pode dizer é a característica mais importante da relação de emprego, pois as conceituações legais de seus sujeitos, empregado e empregador, se referem direta ou indiretamente a ela, dispondo que, ao empregador incumbe o poder de direção, através do qual dirige, controla e fiscaliza a prestação pessoal do trabalho, incumbindo ao empregado acatar as ordens impostas através desse poder.
Não obstante as relações de trabalho tenham conteúdo econômico, não se pode olvidar que abarcam conteúdo pessoal, logo, por envolver interesse da pessoa do trabalhador, detentor dos direitos da personalidade, exige a intervenção estatal, pois a defesa dos direitos da personalidade é de ordem pública, portanto, as relações de trabalho não ficam à mercê da autonomia individual com exclusividade, pois, muito embora seja princípio típico do contrato de trabalho, cede ao princípio maior e universal que é a dignidade humana da pessoa do trabalhador .
Diante da subordinação jurídica e da natureza contratual bilateral, sinalagmática e de trato sucessivo da relação entre empregado e empregador, da qual advêm direitos e obrigações para as partes, constitui obrigação primordial do empregado a prestação de serviço com diligência, boa-fé, sempre respeitando a estrutura organizacional do empregador; sendo que a este incumbe a obrigação de fornecer trabalho e instrumentos, pagar salários e demais obrigações acessórias ou complementares, e.g., respeito à dignidade e direitos de personalidade do obreiro.
Para o empregador, o respeito à dignidade e aos direitos de personalidade do empregado deve ser considerado como um ponto de apoio para a relação obrigacional no contrato de trabalho. E, muito embora a obrigação de pagamento pontual de salário seja considerada uma obrigação primordial do empregador, não menos primordial é a obrigação de preservar, garantir e tutelar os direitos de personalidade do empregado, que constituem extensão dos direitos fundamentais do cidadão.
Diversos fatores contribuem para o desequilíbrio da relação de emprego, algumas decorrente do confronto de direito potestativo do empregador e a atitude de aceitação de condições de trabalho em condições precárias que atingem diretamente a dignidade do trabalhador.
A questão, na realidade, se cinge na condição dos interesses capitalistas estarem em confronto com os interesses da coletividade. A atitude de humildade do trabalhador, sujeito de direitos e deveres contratuais perante ao modo de produção apresentado pelo sistema capitalista atinge diretamente a sua dignidade.
Os preceitos da Constituição da República ditam os direitos sociais, clamam pela garantia do equilíbrio social pretendendo garantir a igualdade dentre os cidadãos trazendo os preceitos de dignidade humana .
Portanto, o reconhecimento dos direitos de personalidade na relação de emprego tem como conseqüência, a limitação ao exercício do poder de direção do empregador e a limitação ao princípio da autonomia de vontade, devendo organizar o trabalho e destinar ordens de serviço que atentem à devida consideração à dignidade do trabalhador, e, conseqüentemente aos seus direitos de personalidade.











2 O TRABALHO ESCRAVO
Leciona Vianna que o homem sempre trabalhou; primeiro para a obtenção de seus alimentos, já que não tinha outras necessidades, em face do primitivismo de sua vida . Depois, quando começou a sentir o imperativo de se defender dos animais ferozes e de outros homens, iniciou-se então na fabricação de armas e instrumentos de defesa. Nos combates que travava contra seus semelhantes, pertencentes a outras tribos e grupos, terminada a disputa, acabava de matar os adversários que tinham ficado feridos, ou para devorá-los ou para se libertar dos incômodos que ainda podiam provocar. Assim, concluiu-se que em vez de liquidar os prisioneiros, era mais útil escravizá-los para gozar de seu trabalho.
Segundo Aristóteles, a característica essencial da escravidão é o fato de o escravo ser propriedade de seu senhor, daí ter desenvolvido a seguinte teoria: Propriedade é uma palavra que deve ser entendida como se entende a palavra parte: a parte não se inclui apenas no todo, mas pertence ainda, de maneira ab- soluta, a uma coisa outra que ela mesma. Assim a propriedade: o senhor é simplesmente o senhor do escravo, porém não pertence a este essencialmente; o escravo, ao contrário, não só é do senhor, como ainda lhe pertence de um modo absoluto .
Já para Montesquieu, o traço mais marcante é a sujeição pessoal. Para ele a escravidão propriamente dita é o estabelecimento de um direito que torna um homem completamente dependente do outro, que é o senhor absoluto de sua vida e de seus bens .
Vê-se que as concepções clássicas de trabalho escravo enveredam para a coisificação do homem, entretanto não se dissociam da conceituação de trabalho escravo atual, em que pese essa seja uma tarefa difícil.
A princípio porque, de acordo com a Lei Áurea, não mais existe trabalho escravo no Brasil; ao menos, não existe daquela forma como nos séculos XVI a XIX. No entanto, têm-se outras formas desse tipo de trabalho que se convencionou chamar de trabalho forçado; iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no art. 2º da Convenção 29, da qual o Brasil é signatário:
Para fins desta Convenção, a expressão trabalho forçado ou obrigatório compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.
Conforme se observa, os conceitos guardam vastas semelhanças entre si na maneira de impedir o trabalhador de exercer seu direito de escolher livremente seu trabalho ou até de abandoná-lo quando quiser.



2.1 A escravidão no mundo
A problemática da exploração do trabalho escravo envolve aspectos históricos, biológicos, genéticos, psicológicos, geográficos, econômicos, migratórios e outros, como explica o darwinismo social .
Primitivamente, na época tribal, em diferentes regiões do globo, algumas tribos evoluíram mais rapidamente do que outras, no que tange à agricultura rudimentar, criação de gado, confecção de ferramentas, armamentos, relações comerciais com outros grupos humanos, guerras de conquista e escravização dos inimigos, quer para efeito de aproveitamento do braço escravo, quer para a venda deles ou troca por mercadorias ou bugigangas .
Em meados de 1730 a.C., quando as tribos de Canaã e da Síria derrotaram o domínio das dinastias e o Médio Império dos faraós, tem-se a primeira notícia da história sobre a escravidão. Diz-se que sacrificavam os habitantes e levavam suas mulheres e filhos como escravos. Dois séculos mais tarde, os assírios dominaram e escravizaram os mitânicos, antigo povo da Mesopotâmia .
No século VIII a.C., os babilônios, na conquista da baixa Mesopotâmia, Palestina e Síria, além de aniquilar os povoados e suas riquezas, prenderam mulheres e filhos de seus conquistados para a eles servirem. O Código de Hamurabi continha normas sobre o trabalho escravo, como limitação do tempo de trabalho dos escravos por dívidas, como o direito ao casamento entre escravos e homens livres, o direito à herança e à liberdade dos filhos.
A passagem da Idade Antiga para a Idade Média foi caracterizada pela trans- formação do escravo em servo. Não eram considerados coisas, mas acessórios das terras pertencentes aos senhores feudais e ficavam sujeitos a diversas restrições. O tráfico de africanos para a Europa teve início na primeira metade do século XV, época das grandes navegações e conseqüente descoberta das terras africanas. A princípio, os europeus não se interessaram na ocupação de tais terras descobertas, devido ao clima rigoroso, mas atentaram para o promissor comércio de pessoas para o trabalho escravo .
Portugal e Espanha presenciaram surtos de prosperidade com o tráfico da mão-de-obra negra e, cidades como Lisboa e Sevilha, se transformaram em alfândegas, sendo que na capital portuguesa, de acordo com o Regime da Fazenda de 1514, era recolhido o respectivo imposto. Inglaterra, Holanda e França também ingressaram no negócio e tiveram no comércio de africanos uma de suas principais rendas.
A diferença da escravidão antiga e da moderna é que nesta última o trabalhador não é considerado propriedade do patrão. Ela é revestida de uma falsa licitude, que pode compreender formas de trabalho aparentemente livres, porém degradantes.
No Brasil, a escravidão iniciou-se com a colonização. O processo de colonização foi o principal responsável pelos contornos sociais do Brasil. No perverso sistema colonial, a escravidão foi sem dúvida o fator mais negativo. A mentalidade escravista foi um modus operandi bastante difundido. Os libertos, uma vez livres, possuíam escravos .
A escravidão era uma condição que demonstrava o orgulho de ser possuidor de seres humanos como "mercadorias". Tinha contornos econômicos e foi um regime lucrativo, o qual tinha com características da intolerância e da incompreensão.
Os escravos não eram sujeitos de direitos, quais sejam: à liberdade, à integridade física ou a qualquer outro. Eram mercadorias, não poderiam ser considerados pessoas.
As condições de trabalho eram rudimentares porque os escravos não eram poupados da exposição ao tempo, independentemente se estivessem precisando cuidar de alguma doença que os tivessem acometidos. A integridade física dos escravos não era protegida. Os privilegiados eram os escravos que faziam serviços domésticos. A violência era permitida para o cumprimento da obrigação por patê dos escravos. Os escravos eram tratados como máquinas, como instrumentos para gerar capital, lucro para o "senhor".
2.2 O trabalho escravo na atualidade
A escravidão está proibida em todos os países, no Brasil, ela foi legalmente suprimida com a assinatura da "Lei Áurea" em 13 de maio de 1888, no entanto, ela assumiu novas formas, novos mecanismos de controle e opera a margem da autoridade regulatória do Estado.
A escravidão contemporânea é diferente daquela que existia até fins do século XIX, quando o Estado garantia a compra e venda de pessoas humanas como atividade legal. Hoje, tal tipo de relação não tem apoio na lei, mas no uso da força, do poder policial e da influência social em âmbito local .
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) proíbe a escravidão e o tráfico de escravos (art. IV).
A comunidade internacional proscreveu a escravidão e suas diferentes manifestações, por meio de tratados e convenções. O Primeiro tratado internacional proibindo a escravidão ? a Convenção sobre a Escravidão, foi estabelecido em 1926 pela Liga das Nações. Em 1930, a Organização Internacional do Trabalho - OIT estabeleceu a Convenção n° 29 sobre trabalho forçado, e a Convenção 105, sobre a Abolição do Trabalho Forçado, em 1957.
A Organização das Nações Unidas - ONU, também condenou essa prática ao adotar em 1948 a Declaração dos Direitos Humanos, e ao criar um grupo de trabalho no Conselho Econômico e Social para examinar as formas contemporâneas de escravidão, em 1975 .
Em 1956 a Organização das Nações Unidas promoveu uma convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão, Tráfico de Escravos e Instituições e Práticas Similares à Escravidão, que foi ratificada em 1990, onde ficaram definidas as seguintes situações:
- escravidão: condição de uma pessoa que fica sujeita a outra de modo que esta outra possa exercer sobre ela os mesmos direitos emanados do direito de propriedade;
- servidão: quando uma pessoa fica obrigada "por lei, costume ou acordo, a viver e trabalhar na terra" do proprietário, a prestar-lhe serviços "com ou sem direito a remuneração, e sem ter a possibilidade de mudar seu status" em troca do direito de ocupar uma parcela de terra cedida pelo proprietário;
- peonagem por dívida: quando um credor exige do devedor que lhe preste seus próprios serviços - e até o de outras pessoas sobre as quais o devedor tem algum controle - como forma de compensação de uma dívida; a imobilização acontece sempre que o valor do serviço não seja razoavelmente calculado e corretamente aplicado na liquidação da dívida .
Por sua vez, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho Econômico e Social desse órgão internacional aprovou Resolução (1965) determinando que "a escravidão, o tráfico de escravos e todas as instituições análogas devem ser abolidos".
Legalmente, a escravidão não mais existe no Brasil. Contudo, o trabalho em condições análogas às de escravo tem sido uma questão a ser observada e erradicada na sociedade brasileira. O trabalho em condições análogas às de escravo ataca aos princípios e às garantias individuais previstas na Constituição da República, bem como na Declaração Universal de direitos Humanos, ofendendo a dignidade, a igualdade, a liberdade e a legalidade das relações do homem como um ser individual e social.
Quanto à definição de trabalho em condições análogas às de escravo, embora diversas possam ser e tenham sido formuladas é possível tomar por base a que consta do artigo 2º, item 1, da Convenção nº 29, da OIT, onde consta:
Trabalho forçado ou obrigatório - designará todo o trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade
De acordo com estudos, pesquisas e relatórios divulgados por órgãos internacionais, as normas legais se revelam ineficazes quanto à repressão e punição ao tráfico de "escravas brancas", à exploração do trabalho forçado de crianças e de adultos, assim como o favorecimento da prostituição e o rufianismo, tendo em vista que tais práticas estão sob o controle do crime organizado, que tira proveito disso, sendo manipulado por altas autoridades, civis e militares, componentes dos poderes políticos do Estado, ou seja, os órgãos do Legislativo, Executivo e Judiciário, nos diversos países .
No Brasil, estabeleceu o art. 6º, primeira parte, da Constituição Federal, que são direitos sociais, dentre outros, o trabalho, como fator fundamental à subsistência, afirmação e progresso humanos, como tal o trabalho livre, em oposição à escravidão, que ainda perdura, embora em casos esporádicos, em decorrência do darwinismo social.
A liberdade, um dos princípios propagados pela Revolução Francesa, é um princípio de grande importância no ordenamento jurídico brasileiro. Conceitua-se como o direito de o indivíduo se autodeterminar. Embutido neste princípio e expresso no art. 5º, XIII da Constituição Federal, tem-se o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Isto se traduz na possibilidade de o indivíduo, exercendo seu livre-arbítrio, escolher o trabalho que irá executar ou a profissão que deseja seguir.
De acordo com Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da S. Martins a liberdade de trabalho é própria da condição humana, porque é na escolha do trabalho que ele vai impregnar mais fundamentalmente sua personalidade com os ingredientes de uma escolha livremente levada a cabo .
No entanto, essas práticas são muito comuns. Os trabalhadores, ao perceberem que foram enganados e estão exercendo trabalhos sem nada receber por isso, tendem a querer deixar o local e são impedidos pelos tomadores de mão-de-obra.
Ronaldo Lima dos Santos aponta algumas práticas comuns que configuram o trabalho escravo contemporâneo:
a) a constrição da vontade inicial do trabalhador em se oferecer à prestação de serviços, sendo, por isso, constrangido à prestação de trabalhos forçados sem sequer emitir sentimento volitivo neste sentido (geralmente esta situação ocorre com os filhos de trabalhadores sujeitos a trabalho escravo e seus familiares);
b) o aliciamento de trabalhadores em uma dada região com promessas de bom trabalho e salário em outras regiões, com a superveniente contração de dívidas de transportes, de equipamentos de trabalho, de moradia e alimentação, cujo pagamento se torna obrigatório e permanente, determinando a chamada escravidão por dívidas;
c) o trabalho efetuado sob ameaça de uma penalidade ? como ameaças de morte com armas -, geralmente violadora da integridade física ou psicológica do empregador; modalidade que quase sempre segue a escravidão por dívidas;
d) a coação, pelos proprietários de oficinas de costuras em grandes centros urbanos - como São Paulo - de trabalhadores latinos pobres e sem perspectivas em seus países de origem ? geralmente bolivianos e paraguaios -, que ingressam irregularmente no Brasil.
Os empregadores apropriam-se coativamente de sua documentação e os ameaçam de expulsão do País, por meio de denúncias às autoridades competentes. Obstados de locomoverem-se para outras localidades, diante da situação irregular, os trabalhadores submetem-se às mais vis condições de trabalho e moradia (coletiva) .
Com esta atitude, aquele que explora o trabalho forçado, além de desrespeitar a liberdade de escolha de ofício, desrespeita a liberdade de livre locomoção, estabelecida no art. 5º, XV da CF.
A própria retenção de salários é proibida por lei, no art. 7º, X da CF, qualquer que seja sua forma. Outrossim, a Constituição, em seu art. 5º, XLVII, "c", proíbe os trabalhos forçados como pena para atos ilícitos. Conclusivamente, utilizando-se de uma interpretação extensiva, também não poderiam ser os trabalhos forçados impingidos contra quem quer que fosse.
A escravidão é, portanto, um crime contra a liberdade individual e contra a dignidade humana. Porque, segundo Castilho (1999. p. 93), a dignidade abrange tudo, e a escravidão tira tudo .
É evidente, também, que o trabalho forçado viola o princípio da igualdade, tendo em vista que o trabalhador fica privado de todos os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho e nas demais legislações .
Assim, não imperam para eles regras sobre o registro em carteira, o salário, a jornada de trabalho, os descansos semanais remunerados, licenças, férias, 13º salário, fundo de garantia por tempo de serviço, benefícios da Previdência social, entre outros dispositivos que são aplicados aos trabalhadores em geral.
Nos autos do conhecido processo nº 2003.41.00.003385-5, Justiça Pública x José Carlos de Souza Barbeiro (fazendeiro) e Lídio dos Santos Braga (agricultor), são identificados quinze elementos característicos da escravidão contemporânea no Brasil:
a) falta de pagamento de salários (acrescento ? contumaz);
b) alojamento m condições subumanas (e.g., barracos de lona ou ? acrescento ? casas de taipa ou pau-a-pique, amiúde infestadas pelo inseto Reduviidae ou barbeiro, vetor da doença de Chagas);
c) inexistência de acomodações indevassadas para homens, mulheres e crianças (convivência promíscua);
d) inexistência de instalações sanitárias adequadas e precárias condições de saúde e higiene (e.g., falta de material de primeiros socorros);
e) falta de água potável e alimentação parca;
f) aliciamento de uma para outra localidade do território nacional (que configura, por si só, o crime do artigo 207 do CP);
g) aliciamento e trabalhadores de fora para dentro ou de dentro para fora do país (caso dos hispano-americanos mantidos em condições análogas à de escravo em fábricas têxteis clandestinas nos grandes centros urbanos);
h) truck-system (correspondente, às mais das vezes, ao popular "barracão", no qual o trabalhador se endivida para além dos limites de seus supostos rendimentos);
i) inexistência de refeitório adequado para os trabalhadores e de cozinha adequada para o preparo de alimentos;
j) ausência de equipamentos de proteção individual (EPI) ou coletiva (EPC);
k) meio ambiente de trabalho nocivo ou inóspito (e.g., região de selva, chão batido, exposição a habitat de animais peçonhentos, ambiente excessivamente úmido etc.);
l) coação moral;
m) cerceamento à liberdade ambulatória (direito de ir e vir limitado pela distância e pela precariedade de acesso);
n) falta de assistência média;
o) vigilância armada e/ou presença de armas na fazenda;
p) ausência de registro em CTPS .

2.3 Fatores que contribuem para o trabalho escravo na atualidade
Existem determinadas situações que contribuem para a incidência do trabalho em condições análogas à do escravo. Tais razões contribuem para que o ilícito ainda aconteça nos dias atuais.
a) trabalho por dívida
Esse fator contribui para a submissão do empregado, tendo em vista que a relação se baseia e se perpetua na dívida "eterna" que o empregado tem com o patrão. Na relação de trabalho, as mínimas condições de integridade do empregado não são observadas porque a remuneração do empregado está submetia a descontos e outros acertos por conta do domínio econômico que o patrão estabeleceu através da criação de dívidas grandiosas.
Comum é a prática do crime usando-se o expediente de débitos que não se pagam nunca no armazém do empregador, referindo-se a tal conduta o legislador ao proibir a restrição à liberdade (que deixe o emprego, por exemplo), em razão de dívida, tanto faz com o empregador quanto o preposto, chamado de "gato". Expediente que repugna pelo motivo abjeto que sempre esconde, ou seja, o lucro a qualquer preço, mesmo ceifando esperança de gente humilde e que, quase sempre ou nunca, podem-se defender
Com efeito, o trabalho forçado através de dívida significa que o trabalho tem um caráter forçado de cunho pecuniário independentemente se os trabalhadores sofrem alguma forma de ameaça a sua integridade física.
Conforme Ricardo Resende Figueira, os trabalhadores podem adentrar no processo de arregimentação de duas formas: ou eles já partem de casa efetivamente aliciados e, por conseguinte, com uma dívida constituída (o abono) ou resolvem se deslocar do seu lugar de origem e são recrutados e submetidos ao trabalho cativo por dívida nas fazendas .
Corroborando o descrito acima, vale registrar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 398.041/PA:
O trabalhador se instala no local lhe sendo cobrado, inclusive, os custos da viagem. Vai para o caderninho. Alimentação que é fornecida. O par de botas furadas que é vendida ao trabalhador quando deveria ser dado de graça para que ele prestasse serviço, assim como a lâmina para ele amolar o facão, todos os instrumentos de trabalho que são de obrigação do empregador fornecer são cobrados do trabalhador. Isso vai para o caderninho. Aquilo ali vai sendo anotado como dívida do trabalhador e ele não consegue pagar porque ele não ganha o suficiente para isso. E a cada mês são fornecidos alimentos com preços superfaturados, o que faz que a dívida dele só aumente. Isso identifica o trabalho forçado. Ele não tem liberdade de contratação. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 398.041/PA, Recorrente: Ministério Público Federal, Recorrido: Sílvio Caetano de Almeida, Ministro Relator Joaquim Barbosa, Data do Julgamento: 30/11/2006).

b) Isolamento geográfico
A extensão territorial do país contribui para o isolamento geográfico em que o geográfico, em que essas relações ocorrem. As fazendas, em geral, são localizadas em localidades distantes e de difícil acesso para a fiscalização. O empregado, por sua vez, sem qualquer condição financeira ou de transporte, acaba se sujeitando ao trabalho forçado na esperança, em vão, de um dia poder se libertar. Vale destaca que muitas vezes esses empregados são levados à fazenda e vigiados por seguranças armados que evitam que eles escapem do local de trabalho.
c) impunidade
A impunidade tem se apresentado como dos principais fatores que contribuem para a prática do trabalho escravo. A falta de atuação dos fiscais do Ministério do Trabalho e de outros órgãos de fiscalização impedem o término desta prática abusiva. Não há um trabalho preventivo da Justiça, de forma que haja um acompanhamento das empresas ou empregadores que já foram fiscalizados, evitando que situações desta natureza se repitam.
A demora para a verificação das irregularidades após denúncias feitas, acarretam um tempo que possibilita os empregadores inibirem as provas que comprovem a prática do ato ilícito. Os patrões ou os seus capatazes "escondem" as irregularidades para que quando os fiscais chegam não encontrem rastros do trabalho em condições irregulares. Assim, por falta de fiscalização, os atos ilegais continuarão acontecendo.
Através de dados obtidos pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, no Brasil, a maior parte do trabalho forçado está concentrada nos Estados do Pará, Mato Grosso e Maranhão, sendo 53%, 26% e 19% respectivamente .
O trabalho da criança e do adolescente ocorre, também, através dos gatos. Os gatos "contratam" os adultos e conseqüentemente os seus filhos que são "capturados" pelo trabalho cativo na Amazônia. (processo criminal nº 91.002500-3). O trabalhador do campo se ilude em pensar que trazendo a sua família poderá pagar a dívida mais facilmente.rural imagina que ao trazer a mulher e os filhos para a fazenda vai poder "saldar" mais rapidamente .








3 O CÓDIGO PENAL E O TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO
Embora a legislação trabalhista nacional não trate de forma específica sobre o trabalho escravo ou forçado, uma grande inovação sobre esse assunto ocorreu no Código Penal que, através da Lei n. 10.803 de 11/12/2003, deu nova redação ao art. 149, in verbis:
Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhados forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Dispõe, ainda, esse artigo do Código Penal que também é penalizado quem "cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho", estabelecendo como agravante o cometimento do crime contra criança ou adolescente e por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A submissão de outrem a condição análoga de escravo, não é somente a supressão de determinado aspecto jurídico da liberdade, mas a destruição da dignidade da pessoa humana, que se opõe a que ele se veja sujeito do poder incontrastável de outro homem, e, enfim, anulando a sua personalidade e o reduzindo praticamente a condição de coisa.
Inexiste previsão de escravidão no Código Penal Brasileiro, e sim, a repressão à condição análoga a de escravo, segundo a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal de 1940, no item 51 acerca do crime de redução a condição análoga à de escravo "o fato de reduzir alguém, por qualquer meio à condição análoga à de escravo, isto é, suprimir-lhe, de fato, o "status libertatis" sujeitando-o o agente ao seu completo e discricionário poder.
A privação da liberdade por motivo de dívida (escravidão por dívida) é uma prática comum na área rural, cuja privação da liberdade é uma forma de reduzir o trabalhador à condição análoga à de escravo, cujas dívidas contraídas pelos trabalhadores pelos motivos supramencionados são cobradas arbitrariamente, tornando-se maiores que os salários (truck system), ficando os trabalhadores impossibilitados de se retirem do trabalho porque não conseguem quitar a dívida, e acabam trabalhando em troca de mercadorias para a sobrevivência em mínimas condições.
Aliás, a maior parte dos trabalhadores que se sujeita à condição análoga à de escravo está concentrada no meio rural, no setor agropecuário da economia, cujas fazendas, em geral, são localizadas bem distantes e isoladas, dificultando o acesso e saída dos trabalhadores que não têm meios de condução e também são vigiados para não fugirem. Inclusive a prática de trabalho escravo ou forçado é intensa e alarmante nas regiões norte e nordeste do país, justamente onde o índice de analfabetismo, pobreza e pouca oportunidade de trabalho são bem maiores, sendo comum o aliciamento de trabalhadores dessas regiões para outras regiões do país mantendo os trabalhadores distantes de suas casas e impedidos de retornarem, pois lhes são subtraídos meios e recursos para tanto .
Consoante as lições de Cezar Roberto Bitencourt33 é irrelevante que a vítima tenha ou disponha de relativa liberdade, pois esta não lhe será suficiente para se libertar do jugo do sujeito ativo. Para o aludido autor ser submetido à condição de escravo é privar o indivíduo de amor-próprio do orgulho de ser pessoa:
O bem jurídico protegido neste tipo penal é a liberdade individual, isto é o "status libertatis" assegurado pela Carta Magna brasileira. Na verdade protege-se aqui a liberdade sob o aspecto ético social, a própria dignidade do indivíduo, também igualmente elevada a nível constitucional. Reduzir alguém a condição análoga a de escravo fere, acima de tudo o princípio da dignidade da pessoa humana, despojando-o de todos os valores éticos sociais, transformando o em res, no sentido concebido pelos romanos. E neste particular, a redução à condição análoga à de escravo (...) vem acrescida de outro valor preponderante, que é amor próprio, o orgulho pessoal, a dignidade que todo indivíduo deve preservar enquanto ser, feito a imagem e semelhança do Criador .

3.1 Antecedentes históricos
O Código Criminal do Império prescrevia: reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse da sua liberdade, visto que a escravidão como condição de direito deixou de existir no Brasil após 13 de maio de 1888 .
Contudo, o Código Penal de 1890 passou a silenciar quanto à matéria. Só o projeto Alcântara Machado tipificava o ato de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.
O Código Penal de 1940 previu a figura penal em seu art. 149, reproduzindo o texto do projeto Alcântara Machado acima referido.
Já o Código Penal de 1969 previa duas figuras legais: a) redução a cativeiro (reduzir alguém à condição análoga à de escravo); b) ajuste sobre pessoa humana (realizar ajuste que tenha por objeto pessoa humana).
O anteprojeto de 1984 manteve a figura penal e seguiu a orientação do Código Penal de 1969, incluindo o injusto de ajuste sobre pessoa em seu art. 153 (promover ou intermediar a entrega de menor a outrem, com o fim de lucro). Sob outro ângulo, efetivamente, o projeto busca resolver um grave problema social que passa a existir no país, que é a procriação de agências que intermedeiam mediante "taxas" as adoções de crianças recém-nascidas de mães solteiras e em estado de penúria moral e econômica, para famílias abastadas e sem filhos que residem no exterior. A Comissão atenuou o texto de 1969 (realizar ajuste que tenha por objeto pessoa humana) para melhor adaptá-lo à realidade social, cominando a pena de reclusão, de dois a quatro anos, e multa .
O anteprojeto de 1999 atendeu aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, delimitando, com exatidão, a conduta típica. Volta-se para a realidade brasileira e busca coibir a atividade reprovável dirigida ao lucro, tornando a pessoa humana objeto de contrato, eliminando completamente a sua dignidade. Aduziu ao tráfico de menor. Assim, o tipo básico fica com a seguinte redação: Estado análogo à escravidão. Colocar ou manter alguém em estado análogo à escravidão ou torná-lo objeto de contrato: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. Parágrafo único. Considera-se em estado análogo à escravidão quem é induzido a fornecer, em garantia de dívida, seus serviços pessoais ou serviços de alguém sobre o qual tem autoridade, ou seja obrigado contra a vontade a viver e trabalhar em determinado lugar, remunerada ou gratuitamente. Contrato sobre menor ou incapaz. Promover ou intimidar a entrega de menor de dezoito anos ou incapaz a outrem, com o fim de lucro: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Tráfico de menor. Promover, facilitar ou intimidar o envio de criança ou adolescente para o exterior, sem a observância das formalidades legais ou com o fim de lucro. Pena - reclusão, de quatro a oito anos, e multa .
A redação atual do art. 149 do Código Penal, tanto em relação ao caput e à inclusão de seus parágrafos advém da Lei nº 10.803, de 11.12.2003.
A nova lei trouxe a definição do que seria a condição análoga à de escravo. Pelo novo ordenamento jurídico, a situação análoga à de escravo está caracterizada quando a vítima for submetida a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.


3.2 Objetividade jurídica
A redução à condição análoga à de escravo é a ação de se fazer sujeitar uma pessoa ao domínio de outra. Reduzir uma pessoa à condição de escravo é reduzi-la a uma coisa, tratá-la como sua propriedade, colocando-a em um estado de sujeição total.
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo significa, portanto, submeter pessoa a uma situação semelhante à de escravo, em que o fim, quase sempre, será a prestação de trabalho, embora tal não seja exigência legal . É que o delito se configura também quando outro tipo de submissão se apresenta, como é o caso, citado por Magalhães Noronha, do pai que vendeu sua filha ao harém de um sultão. É bem verdade que aqui se pode ver, antes, um crime contra os costumes.
O objeto jurídico é o status libertatis da pessoa humana, isto é, a proteção da liberdade pessoal do trabalhador. Não se trata de supressão de determinado aspecto da liberdade, mas dela própria, por inteiro, destruindo a dignidade do homem, que fica reduzido à condição de coisa, como outrora se denominava o escravo .
Todavia, a autonomia e especificidade deste tipo de injusto passam pela recondução do bem jurídico à tutela da dignidade dá personalidade humana individual, pois situar tão-só no status libertatis equivaleria dar-lhe apenas uma função simbólica, diante das outras manifestações da liberdade já esta tuteladas por outros tipos penais.
O objeto material da ação é a pessoa (com relação de vínculo trabalhista) sobre a qual incide o atuar reprovável.
A liberdade é um produto da democracia sócio-liberal do Estado moderno, em que o Estado se autolimita, e o indivíduo ostenta diante dele e de seus representantes uma série de direitos subjetivos consagrados nas constituições sob a rubrica de direitos individuais ou direitos da pessoa humana, cujas violações estão tipificadas nas legislações penais. Desse modo, delinqüência contra a liberdade em sua faceta política encontra a proclamação dos direitos individuais frente ao poder do Estado, como resposta. Trata-se de crime comum, doloso, comissivo, de forma vinculada, material, permanente, plurissubsistente .
Sucede que raramente se tem notícia de alguém ter sido preso pela prática do artigo 149 do Código Penal, a própria falta de definição clara do tipo penal em questão suscita dúvidas e torna difícil a aplicação da lei.Segundo Amauri Mascaro Nascimento, o texto penal não contém uma definição geral de trabalho em condição análoga à de escravo, enumerando os casos e situações que considera como tal. Com a edição da Lei nº 10.803/2003, tal condição será caracterizada quando a vítima for submetida a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva quer pela restrição, por qualquer meio, da sua liberdade de locomoção direta ou em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto .
3.3 Sujeitos do crime
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, mas se for praticado por funcionário público, com abuso de função ou simplesmente a título de exercê-la, configura o abuso de autoridade .
O sujeito passivo só pode ser desde que empregado ou o trabalhador, que se encontra na condição de empregado, homem ou mulher, adulto ou criança, imputável ou inimputável; pode ser qualquer pessoa civilizada ou não, pois a pessoa humana tem a sua liberdade inalienável. Quanto aos imputáveis, a redução ao estado de escravidão pressupõe, no geral, a prática de coação física ou psíquica, ou a exploração de uma dependência econômica, sendo a pessoa tratada como coisa, destituída de dignidade humana, objeto do domínio do autor típico .
O Código Civil prescreve que a locação de serviços não se poderá convencionar por mais de quatro anos, embora o contrato tenha por causa o pagamento de dívida do locador, ou se destine à execução de certa e determinada obra. Todavia, com a vigência da Lei nº 10.803, de 12.12.2003, só poderá ser sujeito passivo aquele que se encontrar na condição de contratado, empregado, empreiteiro, operário do sujeito ativo, isto é, requer como pressuposto a existência da relação de prestação de serviço.
Trata-se de tipo de injusto de forma vinculada, diante das condutas taxativamente elencadas: a) submeter a vítima a trabalhados forçados ou jornada exaustiva; b) sujeitá-la a condições degradantes de trabalho; c) restringir, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregados ou prepostos; d) cercear o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhor, com o fim de retê-lo no local de trabalho; e) manter vigilância ostentiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou de objetos pessoais do trabalho, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
3.4 Elementos Objetivos
A ação consiste no atuar do sujeito ativo sujeitando o sujeito passivo que se encontra na condição de contratado ao seu domínio, extinguindo o seu status libertatis e a sua dignidade humana. Consiste na situação de fato, sendo indiferente o meio empregado .
O injusto se consuma ao ser submetido o sujeito passivo ao próprio poder do agente, reduzindo-o ao estado completo de submissão, através das formas já elencadas e, sendo permanente, protrai-se a execução enquanto existe a sujeição. É admissível a tentativa.
Não há necessidade da prática de maus-tratos ou vexames à vítima; basta a sujeição ao poder de fato (físico, psicológico e econômico) de outrem. É condição a existência de certa duração, e a libertação posterior não ilide o injusto penal.
Também não se exige que o sujeito passivo permaneça enclausurado, ou seja, transportado de loco ad locum, bastando a relação empregatícia. O domínio não é apenas físico, mas também psíquico.
O injusto do tipo de redução à condição análoga à de escravo absorve os outros tipos penais relativos ao mesmo bem jurídico, porém deve ser reconhecido o concurso com outros tipos penais.
O consentimento tácito da vítima é irrelevante, pois ensina Florian:
Constitui-se em uma completa alienação da própria liberdade, em um aniquilamento da personalidade humana, em uma plena renúncia de si: coisa que se contrapõe aos escopos da civilização e do direito, e a qual o ordenamento jurídico não pode prestar auxílio através da própria aprovação .
A dignidade humana e a conseqüente personalidade jurídica individual são fundamentos de todos os bens jurídicos, motivo pelo qual há indisponibilidade absoluta do bem jurídico protegido por este tipo de injusto.
3.5 Elemento subjetivo
O elemento objetivo é o dolo, vontade livre e consciente de reduzir uma pessoa a escravidão de fato. Não há forma culposa por ausência de previsão legal .
Há exigibilidade do dolo com o especial fim de agir nas hipóteses dos incisos I ("cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, a fim de retê-lo no local de trabalho") e II ("mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o fim de retê-lo no local de trabalho") do § 1º e no inciso II ("por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem") do art. 149 do Código Penal .








4 O MINISTÉRIO PÚBLICO E O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
O Ministério Público do Trabalho constitui o ramo do Ministério Público da União que atua processualmente nas causas de competência da Justiça do Trabalho. O desenvolvimento do Ministério Público do Trabalho ocorreu de maneira concomitante ao desenvolvimento da Justiça do Trabalho, porém foi com a promulgação da CLT, em 1943, que a instituição restou desse modo denominada, conforme disposto nos artigos 736 a 754.
Consoante Sergio Pinto Martins, na Constituição de 1934, o Ministério Público somente era considerado como órgão de cooperação nas atividades governamentais. As Constituições de 1946 e 1967 incluíram o referido órgão no capítulo do Poder Judiciário. A Emenda Constitucional n° 1, de 1969, transferiu o Ministério Público para o Poder Executivo, passando a ser um dos seus órgãos .
Determina o artigo 127 da Constituição Federal de 1988, que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Ministério Público do Trabalho encontra-se expressamente referido no art. 128, I, "b", da CF. As suas funções constam da Constituição Federal e tanto funciona como agente (titular do processo ou como substituto processual) ou como interveniente na qualidade de fiscal da lei (custos legis).
O Ministério Público do Trabalho tem por finalidade defender a ordem pública, o regime democrático, os interesses indisponíveis da sociedade e dos indivíduos.
Diante disso, compete ao Ministério Público do Trabalho promover ação civil pública, no âmbito da Justiça do Trabalho, quando restarem violados direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, conforme previsto no artigo 129, inciso III da Constituição, bem como no artigo 83, inciso III, da sua Lei Orgânica.
De acordo com Sérgio Pinto Martins, o Ministério Público não atua como representante da parte nem como substituto processual. Atua em nome próprio, exercendo função institucional .
O Ministério Público avançou muito na luta contra o trabalho escravo, graças às prerrogativas adquiridas com a Constituição de 1988. O constituinte transformou o Ministério Público e, em especial, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em um grande escritório de advocacia de defesa da sociedade, devido às questões de enorme apelo social.
4.1 Interesses metaindividuais ou transindividuais
A percepção pela doutrina e pelo legislador da existência dos interesses metaindividuais ou transindividuais trouxe, de plano, duas conseqüências visíveis. Em primeiro lugar, verificou-se que a clássica divisão de interesse público e privado, o primeiro como sendo o interesse cujo titular é o Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público (interesse público secundário), e o segundo como o interesse do indivíduo em sua relação com seus pares, já não atendia à demanda dos interesses metaindividuais. Isto porque esta categoria de interesses encontra-se em patamar mais elevado em ordem de relevância, do que os interesses meramente privados, e, muitas vezes, ultrapassam em importância até mesmo o interesse público secundário, desmoronando, de certa forma, esta tradicional dicotomia interesse público/privado, como assinalamos no tópico anterior, falando-se num tertium genus, representado pelos interesses coletivos lato sensu.
De outra banda, a constatação da existência dos interesses metaindividuais trouxe para os estudiosos da questão nova perplexidade, concernente à legitimação ad causam para a postulação em juízo em defesa dos referidos interesses, que não podem ser afetados a um determinado indivíduo, tampouco, ao próprio Estado.
A transformação por que passou a sociedade, principalmente a partir do século XX, ensejou o surgimento da denominada sociedade de massa, com toda a sorte de tensões decorrentes dos fenômenos socioeconômicos inerentes a este modelo de socialização.
Os interesses em disputa deixaram de ser meramente individuais, alcançando dimensão meta ou transindividual, na medida em que não se resumiam a uma pessoa determinada, atingindo, pelo contrário, pessoas indeterminadas integrantes de uma coletividade. Ao Direito Processual coube, então, encontrar meios adequados para proporcionar uma resposta rápida e eficaz às lesões típicas deste novo modelo de sociedade emergente, já que, para atender aos anseios de uma sociedade de massa, haveria a necessidade de um processo coletivo, destituído dos ranços do processo civil, de concepção nitidamente individualista .
Assim, no contexto de democratização do processo, surge em nosso ordenamento jurídico-positivo a Lei 7.347, de 24.07.1985, instituindo e disciplinando a ação civil pública, primeiramente para a tutela do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A ação civil pública só passou a ter aplicação na defesa dos interesses transindividuais decorrentes das relações de trabalho a partir da promulgação da Constituição Federal de 05.10.1988, que em seu art. 129, III, alargou o raio de incidência da referida ação para outros interesses difusos e coletivos .
a) Interesses difusos
Os interesses ou direitos difusos, segundo o estatuído no art. 81, parágrafo único, inc. I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
Os direitos difusos, na esfera trabalhista, têm consonância com os direitos sociais do trabalhador, como por exemplo, recolhimento de FGTS, intermediação de mão-de-obra regular, não ao trabalho escravo, meio ambiente de trabalho digno, dentre outros.
Todavia, como adverte Carlos Henrique Bezerra Leite há quem sustente não existirem direitos e interesses difusos no campo trabalhista, pois já se sabe de antemão quais são os sujeitos da relação de emprego, vale dizer, empregado e empregador (individual ou coletivamente considerados), os quais são determinados ou determináveis .
b) Interesses coletivos
Os interesses ou direitos coletivos, segundo o disposto no art. 81, parágrafo único, inc. II, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), são os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Aqui, os indivíduos atingidos pela lesão são, a princípio, indeterminados, mas perfeitamente passíveis de determinação ou de identificação, exatamente pelo fato de estarem ligados entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base, que na seara trabalhista, se trata do conceito de categoria profissional ou econômica (o que liga os interessados entre si) e da relação de emprego (o que os ligam com a parte contrária) .
Tanto os interesses difusos quanto os coletivos têm natureza indivisível, sendo este o ponto comum entre as duas espécies de interesses metaindividuais. No entanto, os interesses coletivos se diferenciam dos difusos, em virtude da possibilidade de determinação dos indivíduos interessados, por integrarem um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (serem empregados de uma mesma empresa, por exemplo), o que não acontece quando se trata de interesses difusos, pois seus titulares são ligados apenas por circunstâncias fáticas (dependerem do transporte coletivo, por instância, na hipótese mencionada da greve em atividade essencial).
Dentre os interesses metaindividuais, os coletivos são os interesses de maior afinidade com o Direito do Trabalho, pois correspondem eles à idéia de um segmento caracterizado de indivíduos, como as categorias econômicas e profissionais, na firme definição do art. 511, da CLT, sob cuja guarda sindical existe um universo determinável de trabalhadores .
c) Interesses individuais homogêneos
Os interesses ou direitos individuais homogêneos, segundo o estatuí- do no art. 81, parágrafo único, inc. III, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), são os decorrentes de origem comum.
Os interesses ou direitos individuais homogêneos representam uma novidade no Direito brasileiro, introduzida pelo Código de Defesa do Consumidor. Os interesses individuais homogêneos somente são coletivos no seu sentido lato, tendo em vista se tratar, de fato, de direitos individuais, cuja defesa coletiva em juízo é autorizada por lei, em virtude da origem comum dos referidos interesses. Por outro lado, os titulares dos direitos individuais homogêneos são perfeitamente identificáveis e, ao contrário do que ocorre com os interesses difusos e coletivos, seu objeto é passível de divisão e de ser conferido a cada interessado, individualmente considerado, na exata proporção do que lhe caiba. Por este motivo, a defesa de tais interesses em juízo poderá ser realizada individualmente, pelos próprios interessados, ou de forma coletiva, pelos entes legitimados de que trata o art. 82 da Lei 8.078/90, na qualidade de substitutos processuais das vítimas, conforme se depreende do estatuído nos arts. 81 e 91 do CDC. O que caracteriza o interesse individual como homogêneo é exatamente a sua origem comum.

4.2 A ação civil pública e a defesa dos interesses individuais homogêneos
As ações cíveis públicas promovidas pelo Ministério Público do Trabalho têm importante papel no combate a escravidão, justamente, porque tem se tornado instrumento eficaz dos trabalhadores submetidos a condições de escravos. Ademais, os valores a serem cobrados pelas indenizações tem sido maiores, tornando prejuízo econômico para os escravocratas a manutenção da mão-de-obra escrava.
A ação civil pública tem condão reparatório, condenatório e contém em seu bojo, obrigação de dar (pagamento da multa estipulada), fazer ou não fazer. Seu interesse está na tutela dos interesses difusos, quando desrespeitadas as conquistas constitucionais dos trabalhadores. Como bem salientou Sérgio Pinto Martins, não se busca a criação de novas condições de trabalho, mas a observância e o respeito a normas já existentes .
Na ação civil pública contra trabalho escravo a liminar pretendida tem natureza satisfativa, mandamental, uma vez que antecipa os efeitos da sentença, resultando geralmente numa obrigação de não fazer, como a proibição de permanência de empregados sem as respectivas anotações na CTPS, descontos em salários dos trabalhadores acima de 25% dos mesmos, evitando, dessa forma a servidão por dívidas, dentre outros pedidos englobados na medida.
Nesta hipótese, a ação civil pública objetiva obter uma providência jurisdicional preventiva, no sentido de se evitar a ocorrência de novos danos ou a continuidade da conduta lesiva do réu, constituindo-se, portanto, no provimento jurisdicional mais importante que se pode auferir com a ação em apreço.
Quando a ação civil pública tiver por objeto a condenação em obrigação de fazer, ou não fazer, nos termos do disposto no art. 11 da Lei 7.347/85, o juiz deverá determinar o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.
Nesta hipótese, a sentença que acolher o pedido do autor terá natureza condenatória mandamental, já que a norma autoriza o juiz a determinar que o réu aja segundo o comando sentencial, fazendo ou deixando de fazer alguma coisa. O descumprimento da ordem judicial configura o crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal.
É a Justiça do Trabalho a competente para processar e julgar esta ação civil pública, a competência territorial será designada de acordo com o local da libertação dos trabalhadores submetidos à condição de escravo, ou sob forma de trabalho degradante.
Sempre que se verificar a ocorrência de dano material ou moral aos interesses metaindividuais (LACP, art. 1º, caput), por atitude comissiva ou omissiva do réu e não for possível o retorno ao status quo ante, é cabível a condenação em dinheiro (não se trata de multa e sim, de indenização pelos danos causados), sem se perquirir se o agente causador do dano agiu ou não, com culpa. Isto, porque a Lei 7.347/85 preocupa-se tão-somente com a ocorrência do dano, sem se ater à existência de culpa, cuidando, portanto, de responsabilidade objetiva.
Justifica-se a preocupação legal, a partir do momento em que se tem em mente que a ação civil pública não se presta à tutela de interesses meramente individuais, mas sim, à defesa dos interesses metaindividuais da sociedade, alcançando, muitas vezes, toda uma coletividade e até mesmo toda a população do país.
Os valores pagos pelos réus, nas indenizações por dano moral coletivo, são transferidos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Com a arrecadação, o Grupo de Fiscalização, que atua na repressão ao trabalho escravo, é aparelhado. Há condenação em obrigação de fazer, que geralmente consiste na construção de alojamentos para os trabalhadores. Destaca-se que as condenações têm cunho pedagógico e principalmente inibitório.
Segundo Ives Gandra Martins Filho, a utilização do FAT como destinatário da indenização imposta no caso de lesão a interesses difusos na órbita trabalhista decorre da inadequação do Fundo previsto no art. 13 da Lei 7.347/85 para a reparação dos danos causados nas relações laborais. Como o objetivo do fundo é gerar recursos para a reconstituição dos bens lesados, deve ser usado com certa flexibilidade, podendo ser destinado a finalidade compatível com sua origem. No caso da defesa dos interesses coletivos na área trabalhista, deve-se buscar um fundo compatível com o interesse lesado. Nesse sentido, tanto a multa prevista no termo de compromisso firmado perante o Ministério Público, quanto àquela postulada em juízo através da ação civil pública, pode reverter a favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), instituído justamente para proteger o trabalhador contra os males do desemprego .

4.3 O Inquérito Civil
A atuação do Ministério Público do Trabalho não se reduz à esfera judicial. Na esfera administrativa, destaca-se o papel investigatório do Ministério Público, através do inquérito civil, com fulcro no art. 84, II, III, V, da LC n° 75/93, qual seja (DINIZ, 2004, p.186):
II- instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos socais dos trabalhadores;
III- requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos de proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo acompanhá-los e produzir provas;
[...]
V- exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade.
O inquérito civil, instaurado, conduzido e concluído pelo Ministério Público, ente estatal, deve ser enquadrado dentro de uma das funções do Estado. Independentemente de tentarmos, em vão, inserir o Ministério Público dentro de um dos "Poderes" constitucionalmente previstos, tarefa árdua e desarrazoada, posto que goza de autonomia e independência frente a todos, preferimos concluir simplesmente que inserido está no aparato estatal.
O inquérito civil constitui um instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público. Na esfera trabalhista, visa apurar a veracidade de ilícitos que atinjam as garantias sociais e direitos consagrados na Constituição, CLT e leis especiais que atentem contra a ordem e a dignidade da pessoa humana.
O objetivo precípuo do inquérito civil é investigar a materialidade dos fatos potencialmente ou efetivamente lesivos a um direito transindividual, identificando os responsáveis pela sua prática. O objeto do inquérito civil é o mais amplo possível, podendo se referir a um fato determinado, ou a um conjunto de fatos que revelem um estado de coisas contrário aos interesses da coletividade. Na atual sistemática pode o inquérito civil ser utilizado para investigar qualquer tipo de ofensa a direito transindividual, e até de direitos individuais indisponíveis cuja defesa seja de atribuição do Ministério Público. O adjetivo civil qualifica a função do inquérito para investigar fatos da órbita não penal. Mas nada impede que na apuração de um ilícito civil se constatem indícios de materialidade e autoria de um delito penal, podendo os dados obtidos no inquérito civil servirem como elemento para a propositura de uma ação penal.
O inquérito civil é um verdadeiro "instrumento de cidadania", e muitas vezes a sua própria instauração aborta a possibilidade do conflito transindividual, ensejando a participação da sociedade, organizada ou não, na esfera pública .
A atuação do Ministério Público do Trabalho é articulada entre: Auditor fiscal do trabalho, Procurador do trabalho e Policia federal. Essa é a composição do Grupo Móvel que se desloca até a fazenda e faz a libertação dos escravos, obrigando aos escravocratas ao pagamento dos direitos dos trabalhadores, além da propositura da competente ação perante a Justiça do Trabalho .

4.4 O Termo de Ajustamento de Conduta
O termo de ajustamento de conduta consiste numa medida administrativa de composição, no qual o infrator enquadra sua conduta nos dispositivos legais. Essa tentativa em firmar um termo pelo Ministério Público vem seguindo uma tendência conciliadora e mais célere na solução dos litígios
A Lei de Ação Civil Pública não previa TAC, que foi inserido pelo CDC (Lei nº 8.078, de 11.09.1990), que acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 5º da Lei nº 7.347/85, passando a dispor:
§ 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
O TAC é um título executivo extrajudicial, cujo objeto é restrito ao cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, oriundas de imposições legais. Para melhor compreensão é importante conhecer o que dispõe o Código de Processo Civil sobre títulos executivos:
Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:
VII ? todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
Para ser objeto de execução, o título a ser cumprido deve ser líquido e certo, ou seja, as cláusulas do termo devem ser claras e precisas (art. 745 do CPC). Mesmo assim, o documento extrajudicial permite dilação probatória em sede de embargos de devedor, quando se abre nova via cognitiva. Para tanto, dele deve constar que o compromissado admite a ocorrência do dano ou do risco do dano, o que evita possível discussão sobre a ocorrência do fato e dificulta a interposição de embargos do devedor. Deve conter: qualificação completa das partes, admissão do fato e que o descumprimento gerará execução, prazo de vigência do compromisso, descrição precisa do objeto, valor do investimento, cronograma de execução e de implantação com metas trimestrais, multas, foro competente, testemunhas e MP como anuente.
Segundo Mazzilli, na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, os co-legitimados ativos à ação coletiva não agem em busca de direito próprio, ou, pelo menos, não são os titulares únicos do direito lesado; estamos aqui em face de interesses metaindividuais, cujos verdadeiros titulares estão dispersos na coletividade .
Para Pereira a empresa desrespeitante dos direitos humanos e trabalhistas, pactua, sob pena de multa (astreintes) por descumprimento de obrigações de fazer ou de não fazer, omitir-se de praticar atos que caracterizam o trabalho forçado, bem como a obedecer, doravante, a legislação trabalhista .
O TAC é forma paralela de solução de conflito através de uma flexibilização ponderando-se vários interesses públicos convergentes: a preservação ambiental, o desenvolvimento econômico e a segurança social. O órgão público fica restrito aos princípios da moralidade administrativa, da proporcionalidade e da precaução ao tomar o termo, pois o agente público que toma o ajustamento não tem liberdade para estabelecer o conteúdo, que é definido através de estudos. Seu conteúdo deve abarcar a totalidade das medidas necessárias à reparação do bem lesado, ou o afastamento do risco ao bem jurídico de natureza difusa ou coletiva. Ele é um acordo extrajudicial que dispensa homologação judicial para que possa produzir seus efeitos, tanto assim que um TAC firmado com um co-legitimado desobriga o ajustado em relação aos demais se for o mesmo objeto.
Na hipótese de descumprimento do TAC, o Ministério Público do Trabalho promoverá a execução do título, sendo competente para presidir o feito o juiz que teria competência para o processo de conhecimento relativo à matéria (art. 877-A da CLT).
O compromisso descumprido caracteriza o tipo do art. 68 da LCA, que tipifica o atuar daquele que tiver o dever legal ou contratual de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental deixe de fazê-la. A propositura da Ação de Execução não é atividade discricionária do tomador, configurando o crime de prevaricação a omissão. Caso ela ocorra, sem prejuízo das medidas administrativas, civis e penais em face do agente público, qualquer outro co-legitimado poderá executar o TAC obtido por outro. Ele pode ser assinado durante o Inquérito Civil, antes da propositura e no curso da Ação Civil Pública.
A combinação das multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e das indenizações por dano moral, coletivo e individual, são atualmente eficazes, porque punem economicamente aqueles que se utilizam mão-de-obra análoga à de escrava desestimulando a sua utilização pelo âmbito financeiro.












CONCLUSÃO
A escravidão contemporânea é caracterizada, principalmente, pelo aliciamento de trabalhadores e de sua imobilização por dívida adquirida. Neste sentido, é certo que a escravidão no Brasil foi apenas formalmente abolida, pois ela ainda ela ainda é presença constante neste país. Destaca-se ainda o fato de que erradicar o trabalho escravo é uma necessidade de todas as nações, tendo em vista que escravidão é uma das mais graves violações aos direitos humanos, eis que não retira do ser humano apenas a sua liberdade, mas também a sua dignidade.
A continuidade da escravidão é uma realidade propiciada pela evidente exclusão social, já que os trabalhadores submetidos à condição análoga a de escravos se encontram marginalizados com pouca ou nenhuma instrução, portanto, representam mão-de-obra desqualificada.
Ao instituir como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade humana, o legislador constituinte buscou dar-lhe efetividade através da tutela dos direitos e garantias fundamentais. Com a aquisição dos direitos e das garantias fundamentais é inaceitável relegar o ser humano às condições análogas às de escravo. Entretanto essas condições ainda existem de fato, mas não são reconhecidas como trabalho escravo, porque essa forma de exploração da pessoa natural foi abolida do ordenamento jurídico brasileiro. Talvez por esse motivo a sociedade não conceba esse tipo de trabalho como trabalho escravo, além disso, na maioria das vezes, ele está dissimulado como se fosse outra relação jurídica.
O Ministério Público do Trabalho atua na apuração de denúncias envolvendo trabalho escravo. O Ministério Público do Trabalho, através da sua atuação no campo judicial e extrajudicial apresenta-se como um importante personagem no combate ao trabalho escravo no Brasil.


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Autor: Elonete Cassemiro


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