Cotas X Status Quo: Minha Visão



"Ora, a vaga deve ser destinada àqueles que forem aprovados pelo mérito". A fala é de um ex-reitor da USP. Como sempre, vejo pela TV mais uma das dezenas de reportagens polêmicas sobre o tema da inclusão de afro-brasileiros e indígenas no ensino superior. Ora professor, concordo, o mérito deve prevalecer. Mas eu indago: neste país, 90% dos privilégios vão para 05% daqueles que tiveram toda uma estrutura suficiente, necessária ao ingresso na universidade pública, seja federal ou estadual.

Um(a) jovem de classe média, branco(a), estudando línguas estrangeiras desde pequeno(a) boa alimentação e ótima estrutura social-familiar, seguramente, ocupará o tão desejado "mérito" nas desigualdades acadêmicas, tão reforçadas por regras escusas, elitistas e pouco interessadas em promover o objetivo político das cotas étnicas: oportunidades históricas. Negar a dívida histórica que esta nação possui com a população negra seria o mesmo que teorizar "democracia racial" no Brasil, ao passo que nos EUA – onde a violência do etnicismo é mais explícita culturalmente – as lutas por direitos civis foram mais incisivas e emblemáticas. Da mesma forma, hispânicos, árabes, judeus ou ciganos sofrem tanto quanto negros naquele país.

O Brasil está preparado para promover uma discussão sobre racismo? Em que setores da sociedade, há mais resistência para ampliar o debate sobre cotas? O espaço universitário, embora seja considerado centro da produção intelectual, também conserva todos os tipos de eugenias, neo-fascismos, anti-semitismos devidamente defendidos ideologicamente. Já travei diálogos intensos com professores reacionários que se identificam com as idéias do uspiano supracitado. Outro fator interessante é como os anti-cotistas agimentam autoritarismo e democracia. Propagam conceitos capazes de confundir muito mais do que conscientizar. Sabem que terão de conceder espaço para setores mais excluídos da sociedade. No contexto científico, percebem claramente uma ameaça ao establishment da ordem institucional academicista.

Não interessa a tais pessoas, por exemplo, ter um laboratório científico onde 50% dos biomédicos ou físicos sejam de pele mais escura. Então pergunto: médicos, psicólogos, padres, advogados, juízes ou engenheiros negros existem neste país? Onde está a Casa-grande e a senzala modernas? Ao invés de ocuparem igualmente estes postos profissionais, o leitor os verá – se não for um deles – como garis, jardineiros, coletadores de lixo (também um trabalho digno!) e, o que é pior, mais da metade da população carcerária ou jovens assassinados no país em grandes metrópoles, são afro-brasileiros.

Exatamente por isso, torna-se crucial esclarecer a eficácia das cotas étnicas – não como um fim, mas um meio – para minimizar as desigualdades sociais provocadas por mais de 300 anos de escravidão portuguesa no Brasil. Fomos o último país das Américas a abolir o escravagismo (1888) e suas conseqüências histórico-sociológicas são desastrosas em pleno século XXI.

As cotas devem ser entendidas como políticas afirmativas, proporcionando visibilidade e integração sócio-econômica em contextos geográficos (comunidades de baixa renda, quilombos ou manifestações culturais) onde o abismo social desta parcela populacional é maior.

Tomemos o exemplo de Mandela, Luther King, Malcom X, Gandhi, Rosa Parks e Elza Soares: personalidades, militantes pacifistas capazes de radicalizar o debate e propor mudanças. Eis a questão: uma teoria contundente, uma prática eficiente. Espaços que perpetuam o preconceito precisam ser reestruturados organicamente. Desta forma, caminharemos em direção à igualdade de oportunidades para o futuro.


Autor: Paulo Milhomens


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