IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DA NARRATIVA NO FILME A ODISSÉIA.



A primeira divisão dos gêneros literários data da Grécia Antiga e é feita por Aristóteles, em sua Arte Poética. Segundo Aristóteles, é possível identificar três gêneros de manifestação literária: o lírico, o épico e o dramático, cada um deles correspondendo à expressão de determinada experiência humana.
Na Grécia Antiga, os poetas apresentavam suas composições com o acompanhamento de instrumentos musicais. O preferido era a lira, do qual deriva a denominação gênero lírico. Este ressalta o mundo interior, onde o poeta apresenta emoções, sentimentos e estados de espírito.
Aristóteles considerou ainda que alguns textos fossem escritos para serem representados, encenados, que, aliás, é sentido original da palavra drama (= ação). No contexto dos gêneros literários, seria considerado dramático o texto escrito para ser apresentado em público, com atores, cenários, etc.
O terceiro gênero literário identificado por Aristóteles foi o épico. Nos temas épicos são tematizados os feitos grandiosos relacionados às personagens heróicas. Ressalta-se o fato de que, mesmo caracterizadas individualmente como heróicas, as personagens de uma epopéia cumprem a função mais importante de representar sentimentos e valores coletivos. Há a preocupação de a todo tempo informar a que povo o herói pertence ou qual a sua filiação. Por associação ao herói, a família e o povo a que pertence também se engrandecem com as ações extraordinárias. Prova disso é a sacralização do arco de Odisseu e a afirmação da superioridade do povo grego na vitória sobre os troianos.
A narração dos feitos heróicos funciona, então, como símbolo do valor e das virtudes do povo que representam. Esse aspecto narrativo do poema épico pode ser compreendido no trecho inicial da Odisséia, de Homero.
"Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso que muitos Peregrinou, dês que esfez as muralhas sagradas de Tróia; muitas cidades dos homens viajou, conheceu seus costumes, como no mar padeceu sofrimentos inúmeros na alma, para que a vida salvasse e de seus companheiros a volta." (Homero. Odisséia)
Neste trecho fica claro que o poeta pede inspiração às musas para contar a história de um herói ? Odisseu ? que peregrinou por muitas cidades e Ilhas, sofrendo provações desde que desfez as muralhas de Tróia e levantou a fúria de um deus ? Poséidon.
Variante do épico, a forma característica da narrativa pode ser apresentada como aquela em que um narrador conta uma história com personagens que se envolvem em ações que transcorrem em algum espaço, durante um tempo determinado.
O filme A Odisséia é um bom exemplo desta variante. O enredo baseia-se nas atitudes de Odisseu e seus companheiros, onde cada atitude tem uma conseqüência e os conjuntos de fatos vão se sucedendo e desencadeando conflitos. O narrador é o próprio personagem principal, Odisseu, e relata suas impressões sobre a história. Vale lembrar que o narrador não é o autor da história. O espaço onde transcorrem as ações são os mares, ilhas e cidades percorridas pelas personagens, no tempo transcorrido de dez anos.
Assim como nas epopéias clássicas, no filme os deuses também são apresentados como seres reais que ajudam ou prejudicam o herói. Os perigos enfrentados por Odisseu são enfrentados com bravura e coragem, mas ele não teria chance de sobreviver se não recebesse ajuda superior como exemplo, de Atena.
Mesmo sabendo ser impossível fugir das provações impostas por Poséidon, Odisseu não fraqueja, a todo tempo busca cumprir seu destino e consagra-se, por isso, como ser humano superior, extraordinário, digno de ser imortalizado pelos seus feitos. Exemplo disso é quando ao chegar a Terra dos Faécios ele não se apresentar pelo nome, pois o mesmo foi amaldiçoado, e só em contar seus feitos, é reconhecido.
A verossimilhança está presente na narrativa fílmica com o desencadear dos acontecimentos, com a "organização lógica e coerente dos fatos". A possibilidade de estar mais próximo de Ítaca tornava-se possível a cada ilha visitada e a cada obstáculo vencido. Os fatos contados e vividos por Odisseu no filme não precisavam corresponder à lógica da realidade, pois com os recursos imagísticos e de produção cenográfica do filme, o espectador tem a impressão de que era verossímil sim a ocorrência daqueles fatos naqueles contextos.
Para que uma narrativa seja completa é preciso que além de começo, meio e fim, haja fatos, personagens, lugar e tempo. E todos estes constituintes necessitam de uma mola propulsora e incentivadora da trama. Como exemplo, se o filme mostrasse as aventuras de Odisseu sem ter revelado no início a atitude ultrajante do herói para com um deus, o filme seria sem graça e não teria sentido e incentivo o espectador assistir ao filme sem saber a causalidade das ações, o conflito.
Esse conflito tende a ser expresso na história, logo após a introdução. Isso é observado no filme, quando nos primeiros capítulos Odisseu narra o nascimento do filho, a relação com a esposa e sua situação como rei de Ítaca e em meio a esse contexto se vê obrigado a partir para a guerra de Tróia. É importante ressaltar que numa narrativa pode haver diversos conflitos e isso é percebido ao assistir as cenas em que Telêmaco e sua mãe, Penélope, não aceitam a dedutiva morte de Odisseu e com ansiedade e temor, buscam meios para burlar os pretendentes e ganhar tempo para conseguir um indício que negue a morte do rei.
O desenvolvimento do filme compreende os acontecimentos, que em episódios sucessivos, Odisseu narra as aventuras que viveu desde a sua saída de Tróia: a estada na ilha dos Ciclopes e a luta com o ciclope Polifemo; o episódio na ilha de Éolo, rei dos ventos, onde seus companheiros por ganância liberam os ventos e provocam uma violenta tempestade, que os leva ao país dos canibais; o encontro com a feiticeira Circe, que transforma os companheiros em porcos; sua passagem pelo Hades, país dos mortos, onde reencontra sua mãe ; a libertação da Ilha de Calipso e a chegada a terra dos Faécios.
Com a ajuda dos Faécios Odisseu volta para Ítaca, com a ajuda de Atena ele é transfigurado em um velho mendigo e através desta imagem lhe é dado a oportunidade de voltar ao seu reino sem ser reconhecido e poder ver o que estava acontecendo durante a sua ausência. Mesmo estando transfigurado em mendigo, Odisseu é reconhecido pelo seu filho e por uma criada, que ao lavar os seus pés o reconhece pela cicatriz (flashback).
Aqui os telespectadores já estão ansiosos para ver o ponto culminante da trama, o desenrolar e concluir do conflito. E todos estes elementos podem ser vistos na cena da prova dos pretendentes à mão de Penélope: aquele que conseguisse armar o arco de Odisseu e lançar uma flecha, que deveria passar pelo elo de doze machados enfileirados, seria o escolhido. E Odisseu estava lá, sentado em meio aos pretendentes esperando o momento oportuno para o ataque.
O desfecho é violento, mas feliz. Ao fim da prova nenhum pretendente havia conseguido armar o arco, então Odisseu o arma, lança a flecha e com a aparência refeita, é reconhecido por todos. As portas então se fecham e enfim Odisseu e Telêmaco fazem justiça aos dez anos de desrespeito à imagem do rei.
A última cena se passa no quarto de Odisseu e Penélope, onde os dois estão felizes por estarem juntos novamente e após se amarem, olham para a árvore de cujo entorno surgiu Ítaca.
O filme foi baseado no poema de Homero, é dramático e tem características narrativas. O caráter da personagem principal ? Odisseu, marcado por obstinação, lealdade e perseverança em seus propósitos, funciona como elemento central da obra. Mesmo sendo um recurso áudio-visual, é possível perceber na película, fundidas ou combinadas, uma série de lendas pertencentes a uma tradição oral com fundo histórico, por isso a presença de mitos como seres monstruosos. Pela extrema perfeição de seu todo, esse filme prende a atenção do espectador, ainda que este não tenha conhecimento algum sobre história, filosofia ou gregos.

* Co-autora: Núbia Enedina Santos Souza

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOARES, Angélica. Gêneros Literários. 7ª Edição. São Paulo: Ática, 2007.
ABAURRE, Maria Luiza. PONTARA, Marcela Nogueira e FADEL, Tatiana. Português: língua, literatura e produção de texto. Volume único. 2ª Ed. São Paulo: Moderna, 2004.
ABAURRE, Maria Luiza. PONTARA, Marcela Nogueira. Literatura brasileira: tempos, leitores e leituras. Volume único. São Paulo: Ed. Moderna, 2005.
Website: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/odisseia Acesso: 27 de junho de 2008 às 23h50min.

Autor: Jamille Rabelo


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