DO LATIM (VULGAR) AO PORTUGUÊS



A origem e o desenvolvimento de tão diferentes e numerosas línguas no mundo é uma complexidade a ser discutida, mas, é fato que as línguas são resultado de uma evolução histórica e que se caracterizam no tempo e no espaço pela (des) continuidade de transmissão, constância de uso e interação cultural.
Os acontecimentos políticos e sociais também são fatores importantes que inevitavelmente desencadearão a seleção e a fixação de determinados aspectos a serem mantidos. Exemplo disso é o processo de origem e formação da língua portuguesa e demais idiomas românicos.
Sabe-se, com certeza, que a língua portuguesa e os demais idiomas românicos são resultados de uma lenta e conturbada transformação do latim. O latim era a língua dos latinos ? povo que habitava a região do Lácio. Essa região tinha posição estratégica e por isso não tardou a se desenvolver. Com o aumento do poder e a ambição por conquistas, o exército deste povo não tardou a começar a se expandir durante séculos, dominando e impondo a todos seus costumes.
A dominação não era feita apenas no aspecto político e social, mas também no aspecto lingüístico. Para que o processo de aquisição do latim fosse efetivo, foram utilizadas diversas estratégias e o papel de alguns atores sociais foi bastante importante para essa difusão.
O processo de dominação na Península Ibérica ocorria da seguinte forma: depois que as legiões romanas conquistavam um território, o qual chamava de província, enviavam muitos cidadãos romanos, como pequenos funcionários públicos, soldados, artesãos, agricultores, etc., enfim, gente do povo que ia colonizar as novas terras conquistadas para o Império Romano.
É sabido que essa gente não falava o latim clássico, o latim dos grandes oradores, dos poetas e dos filósofos, de Cícero, Horácio ou Virgílio. Essa gente falava um latim simplificado, com regras mais flexíveis, mais práticas que as do latim clássico. Essa gente falava o latim vulgar.
Foi esse latim vulgar que os habitantes das províncias conquistadas aprenderam, pois o contato era muito maior com os romanos simples do que com as camadas sociais mais altas. Com os contatos lingüísticos há a interação das línguas e falares, seja entre classes sociais, a nível regional ou entre gerações.
Não há dúvida que o domínio Romano contou como elemento decisivo para a formação e a própria evolução da língua portuguesa, mas não se pode, porém, desprezar por completo a influência das diversas línguas faladas na região Ibérica antes do domínio romano sobre o latim vulgar. Daí, o latim passa por diversificações, dando origem a dialetos que se denominava romanço ? que significa, falar à maneira dos romanos.
Com várias invasões bárbaras no século V, e a queda do Império Romano no Ocidente, surgiram vários destes dialetos, e numa evolução constituíram-se as línguas modernas conhecidas como: neolatinas. Na Península Ibérica, várias línguas se formaram entre elas o catalão, o castelhano, o galego-português ? de onde resultou a língua portuguesa.
Da evolução da língua portuguesa destacam-se alguns períodos: fase proto-histórica, do Português arcaico e do Português moderno. Anterior do século XII, a fase proto-românica tinha os textos escritos em latim bárbaro. A fase do português arcaico ocorreu entre os séculos XII e XVI, onde durante os dois primeiro séculos os textos eram escritos em galego-português e nos dois séculos conseguintes houve a separação entre o galego e o português.
A fase do português moderno ocorre a partir do século XVI quando a língua portuguesa se uniformiza e adquiri as características do português atual. A rica literatura renascente portuguesa, produzida por Luís de Camões, teve papel fundamental nesse processo. As primeiras gramáticas e dicionários da língua portuguesa também surgiram do século XVI.
Portanto, da fase arcaica a moderna os processos de transformação e evolução da língua vieram a reboque das modificações, agregações e/ ou conservações dos traços da língua, seja fonológica ou morfologicamente. O vocabulário fundamental do português - compreendendo nomes de parentesco, de animais, partes do corpo e verbos muito usuais - é formado, sobretudo, de palavras latinas, de base hereditária. Esse fundo românico usado na conversação diária constitui, assim, a grande camada na formação do léxico português.
Dentro dessa perspectiva temporal, a língua necessitou ampliar e renovar o seu vocabulário. Essa renovação é realizada com base nos vocábulos já existentes e se dá através de diversos mecanismos, um deles é a composição.
A composição acontece quando dois vocábulos se associam e formam uma nova palavra. Essas associações ocorrem basicamente de dois modos: pela justaposição ? associação de radicais que mantêm sua integridade fonológica e acentual; ou pela aglutinação ? onde os radicais envolvidos sofrem alguma alteração fonológica em decorrência do processo, modificando sua forma e padrão acentual.
Há ainda o mecanismo da locução, onde cada nome conserva sua individualidade como é perceptível em respublica, que deriva de res (coisa) e publica (adjetivo). Estes vocábulos foram associados para formar uma nova palavra para designar o governo romano.
Além da composição, outros processos também contribuíram na ampliação e renovação do léxico português, como a derivação. A derivação ocorre quando a partir de uma palavra já existente se forma outra pela anexação dos afixos: prefixo ? partícula posta antes da palavra-raíz; ou sufixo ? partícula acrescida ao final da palavra-raíz.
Bem como, os processos de formas convergentes ? palavras de étimos diferentes que apresentam mesma escrita, mas diferentes significados; e divergentes ? palavras de provêm do mesmo étimo que apresentam formas e significados diferentes, arcaísmos ? palavras, formas ou expressões que caíram em desuso; e neologismos ? palavras ou expressões novas introduzidas na língua ou mesmo, o uso de um vocábulo já existente, mas com acepção nova.
Após a descrição de tantos processos mutativos e expansionistas, torna-se até desnecessário afirmar que a língua é uma instituição viva, por isso, em permanente evolução. A Língua Portuguesa gerou-se numa progressiva emancipação face a outras línguas, que lhe são anteriores, das quais se destaca o Latim. Ao longo dos séculos veio sofrendo alterações, umas mais tênues outras mais profundas, até se constituir como sistema lingüístico autônomo.
Apesar de o latim ter sido o patriarca da formação do léxico português, modernamente, em virtude das relações políticas, culturais e comerciais com outros países, continua natural a ocorrência de empréstimos lingüísticos. Assim, incorporaram-se ao léxico português palavras provenientes do francês (chefe, hotel, jardim, paisagem, vitral, vitrina); do inglês (futebol, bife, pudim, repórter, sanduíche, piquenique); do italiano (andante, confete, gazeta, macarrão, talharim, piano, mortadela, serenata, salame); do alemão (valsa, manequim, vermute).
Essa possível continuidade demonstra a estreita ligação que o processo de formação e mudança lingüística tem com a história sócio-político-cultural de um povo.


* Co-autoria: Núbia Enedina Santos Souza


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CAMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 34ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

CAMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. História e estrutura da Língua Portuguesa. 3ª Ed. Rio de Janeiro:Editora Padrão, 1979.

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WILLIAMS, Edwin B. Do latim ao português. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.







Autor: Jamille Rabelo


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