Ruas, de todos e de ninguém!



Edson Silva

Penso que viver é ter capacidade de se emocionar e de se indignar. Vamos então da emoção para indignação. No ponto do ônibus vi mãe e duas meninas bem vestidas e cuidadas, deviam ter três e seis anos, respectivamente. O olhar se fixa na criança mais nova, que parece sonolenta, esta grudada ao braço da mãe e a fragilidade se acentua pelo olhar triste, pelo gesto de chupar o dedo. A menina maior não está encostada na mãe, mas está bem perto e aparenta ser mais confiante, menos frágil.

Por segundos, a cena me leva ao ano de 1984, numa situação tensa que determinou meu início na carreira jornalística. Na Praça Carlos Gomes, eu e outros amigos da Faculdade de Comunicação da Puccamp preparávamos para gravar vídeos com garotos de rua, viciados em "cola de sapateiro". De repente, confusão, correria e apenas eu fico no local e busco filmar o que fosse possível. A poucos metros de nosso grupo chegara um desconhecido e matou um dos garotos com um tiro na boca.

Era a violência da rua ao vivo e cores nada alegres. O caso repercutiu em jornais, meu nome saiu (estudante universitário registra parte de tragédia), fui chamado a trabalhar em rádio e não sai mais do Jornalismo, profissão para qual me formei em 86. Na época convivi diariamente com centenas de ocorrências de todos os tipos registradas em Campinas e região. Tinha um "Raio X" claro da violência e perigos das ruas. Vieram meus filhos e era nítida a diferença da criança cercada de carinho e escola e com as que viviam, ou sobreviviam, nas ruas.

Estamos falando de quase há 30 anos. Quase não havia oportunidade de escolas, muito menos a infinidade de programas destinados a tirar crianças das ruas e incluí-las em cultura, esporte e lazer. Não me conformava como ditos comerciantes lucravam de consciência tranqüila, vendendo cola aos garotos de ruas. Se não se importavam com a saúde deles, deviam se preocupar sobre como conseguiam dinheiro, pois sempre ocorriam assaltos com mortes.

Passado o tempo e a droga da "moda" é o crack, que arrebanha crianças, jovens, velhos, homens e mulheres, deixando-os como "zumbis" pelas nossas praças, ruas e calçadas. Nem me surpreendeu um dia desses, um oficial da Polícia Militar da região dizer na TV que centros se tornaram cidades desconhecidas dentro dos municípios. É a epidemia de crack fazendo das ruas terra de todos, porém de ninguém!

Edson Silva, 49 anos, jornalista da Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sumaré

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Autor: Edson Terto Da Silva


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