COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL



INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico está em constantes modificações. Isso é inevitável, porque ele deve acompanhar as mudanças que ocorrem na sociedade, amoldando-se a ela. O Direito é fruto da convivência entre os homens. Um contraste disso é a coisa julgada, cujas principais características são a indiscutibilidade e a imutabilidade. Com efeito, uma decisão que adquiriu o status de coisa julgada nunca muda, salvo situações restritas, expressas em lei. A regra, portanto, é a eternização de cada uma das sentenças proferidas pelo Judiciário, após transitadas em julgado. A coisa julgada é necessária como forma de resolver, definitivamente, os conflitos levados ao Estado.
Ocorrem, porém, situações onde é preciso a relativização da coisa julgada, sob pena de incoerências e ilegalidades. Com esse trabalho, pretende-se demonstrar em quais momentos isso se faz necessário e quais as justificativas para essas exceções. Antes disso, fez-se uma breve conceitualização dos diferentes âmbitos da coisa julgada, essencial para a delimitação da discussão em pauta e ainda um apanhado sobre a teoria da relativização.

1 COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL

A decisão que põe fim à atividade de julgar do juiz é a sentença. Esta tem qualidade de coisa julgada, porque definitiva, não podendo ser alvo de discussão em processos posteriores. A coisa julgada, doutrinariamente, se constitui em coisa julgada formal e em coisa julgada material. Note-se que não pode haver a segunda sem a primeira, pois esta é pressuposto lógico daquela. Além disso, é comum a ocorrência de ambas concomitantemente. A coisa julgada formal tem efeitos dentro do processo. Por isso, a indiscutibilidade da decisão judicial dentro do mesmo processo é efeito da coisa julgada processual. Ou seja, é a perda da faculdade de recorrer. A coisa julgada material, por sua vez, remete à indiscutibilidade da decisão em âmbito exterior ao processo. Determinada declaração, com força de sentença, quando transitada em julgado, não poderá ser discutida em processo posterior. A isso dá-se o nome de efeito negativo da coisa julgada.
A coisa julgada formal, como se nota, é endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada. Já a coisa julgada material é extraprocessual, ou seja, seus efeitos repercutem fora do processo.

Para alguns, a coisa julgada material remete à imutabilidade dos efeitos da sentença. Uma análise mais detalhada, no entanto, mostra se operar, na verdade, a imutabilidade do conteúdo da sentença. De fato, a sentença ? que tem como qualidade a coisa julgada material ? é a aplicação da norma abstrata e geral ao caso concreto. Ocorre que as normas abstratas são imutáveis, exatamente para regularem as condutas permanentemente. Elas têm estabilidade. A sentença, por sua vez, é a concreção da norma abstrata, que se torna, agora, particular, incidente sobre as partes processuais. A aplicação da norma ao caso concreto é feita através de um juízo de subsunção. Assim, se a norma abstrata é imutável, quando esta é aplicada ao caso concreto, por meio da sentença, também se observa essa mesma imutabilidade.
A coisa julgada formal se identifica com a preclusão, diferentemente da material, porque se relaciona com a impossibilidade da parte de recorrer dentro do mesmo processo. Destarte, a preclusão é a perda da faculdade que a parte tem de realizar determinado ato processual. Por esse prisma, a coisa julgada formal se constitui na última preclusão do processo de conhecimento, "que torna insubsistente a faculdade processual de rediscutir a sentença nela proferida."
Há ainda uma limitação subjetiva e objetiva da coisa julgada. De fato, a sentença, só pode ser imposta às partes que compõem o processo. Estas tiveram a oportunidade de participar ativamente no fenômeno de convencimento e formação da convicção do juiz, podendo exercer o contraditório e a ampla defesa. Pessoas externas ao processo não poderão sofrer diretamente os efeitos dessa decisão. Pelo mesmo motivo, a sentença deverá abranger apenas os pedidos do autor e, quando houverem, os do réu. Sobre esses pedidos puderam as partes se manifestar e expor suas defesas e provas.

1.1 Coisa Julgada e Estado Democrático de Direito

Uma das funções primordiais da coisa julgada está relacionada com seu papel dentro do Estado de Direito. Com efeito, ela garante a segurança jurídica das relações estabelecidas no contexto do Estado Democrático de Direito. A segurança jurídica, deve-se esclarecer, não estabelece o que é justiça, mas sim confere ao cidadão o direito de saber o que se tem por justo. Semelhantemente, é falha a relação que comumente se faz de coisa julgada com verdade. Na realidade, a coisa julgada não é a verdade e nem tão pouco é uma presunção de verdade. É apenas uma opção do magistrado ? aquela que lhe parece mais satisfatória  para solucionar determinado conflito. Essa decisão tem força de coisa julgada, e por isso imutável, devido à opção do legislador, que privilegia a estabilidade das relações sociais. Trata-se de uma auto limitação ao poder estatal, que se vê impossibilitado de discutir continuamente a solução determinada por ele para um conflito.
É certo que a definitividade da coisa julgada pode estabelecer situações indesejáveis. Todavia, ela não deve, em função disso, ser desconsiderada. O Poder Legislativo tem diante de si a certeza jurídica e a estabilidade. A primeira pressupõe um exame mais acurado de cada caso, reflexão mais detida do julgador para então proferir a sentença. Isso levaria, inevitavelmente, à demora na solução dos conflitos, ensejando a maiores injustiças. A segunda, no entanto, embora mais susceptível a erros e a soluções injustas, tem a seu favor a celeridade e economia processual, trazendo de forma ágil a resposta às lides trazidas ao Estado.
Para as atividades do Poder Judiciário, a manifestação do princípio do Estado Democrático de Direito ocorre por intermédio do instituto da coisa julgada. Em outras palavras, a coisa julgada é elemento de existência do Estado Democrático de Direito.

A coisa julgada é também uma garantia para as partes, porque elas devem ter a certeza de que seu conflito terá um fim, dado pelo Estado. Destarte, a garantia de termo para o processo é fundamental para a efetivação do direito de acesso à justiça. "De nada adianta falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente." Uma vez que o Estado trouxe para si a responsabilidade de solução dos conflitos, impedindo os cidadãos de praticarem a autotutela, é obrigação sua trazer uma resposta definitiva às causas levadas diante dele.



2 A TEORIA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Atualmente, os processualistas têm procurado dar ênfase também à justiça nas decisões judiciais sem esquecerem a importância da segurança jurídica. Têm-se buscado uma conciliação entre segurança e justiça, de forma a ser possível o cumprimento mais efetivo e completo da função jurisdicional do Estado. Assim é que, a despeito do caráter de definitividade da coisa julgada, alguns doutrinadores admitem a possibilidade de rediscussão da sentença - independentemente de ação rescisória -, flexibilizando-se os efeitos da coisa julgada. Segundo eles, tal poderia se dar em casos de decisões manifestamente injustas ou incorretas, ou ainda em situações onde a sentença é inconstitucional. Seria a revisão atípica da coisa julgada, pois ocorreria sem a necessidade de ajuizar ação rescisória, ou após o término do prazo decadencial de dois anos para a sua propositura.
A primeira situação, quando a sentença é injusta, é bastante discutida pela doutrina. A amplitude axiológica do termo justiça não possibilita uma definição objetiva que sirva de referencial para as decisões. De fato, o justo para um não é necessariamente o justo para o outro. Além disso, não raramente uma sentença em favor de uma das partes desagrada a outra, sendo categorizada como injusta por esta. A desconsideração da coisa julgada, por esse prisma, possibilitaria inúmeras revisões, a cada vez que a sentença insatisfizesse uma das partes, aniquilando a segurança e a celeridade dos processos. Portanto, a maior parte dos defensores da relativização a prevêem apenas para os casos de sentenças inconstitucionais.
Cumpre observar, antes de qualquer coisa, que a designação de relativização da coisa julgada é um termo incorreto. Ele expressa com impropriedade o real objetivo da referida doutrina. O termo relativização significa tornar relativo algo antes absoluto. É certo, porém, que a coisa julgada não é absoluta, mas relativa. Como qualidade ou atributo da sentença, pode ser eliminada pela ação rescisória, no âmbito civil, ou pela revisão criminal, no campo penal. Não se pode pretender relativizar algo já relativo.


3 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Semelhantemente à incorreção do termo relativização da coisa julgada, coisa julgada inconstitucional também não é a melhor forma de nomear o instituto. A sentença ? mais exatamente seu conteúdo ? pode apresentar alguma inconstitucionalidade. A coisa julgada não, pois é apenas um atributo da sentença transitada em julgado. "A rigor, trata-se de ?sentença inconstitucional? revestida de coisa julgada." Aliás, a coisa julgada, como atributo que é das sentenças definitivas, sempre é constitucional. Esse instituto "[...] mais bem se chamaria sentença inconstitucional transitada em julgado."
Os argumentos utilizados para defender a flexibilização da coisa julgada inconstitucional são bastantes e variados. Segundo alguns, as sentenças eivadas do vício da inconstitucionalidade são inexistentes. Por isso, não têm a qualidade de coisa julgada material. Elas não têm aptidão para transitarem em julgado. Não é cabível a ação rescisória, sendo suficiente para desconstituí-las uma ação declaratória. Para outros, as decisões que afrontam algum princípio constitucional são inteiramente nulas e por isso podem ser desconstituídas a qualquer tempo. O certo é que a inconstitucionalidade é um vício insanável e por isso uma sentença inconstitucional transitada em julgado não deve estar imune aos meios de controle de constitucionalidade. Se assim fosse, ter-se-ia que admitir que o juiz tenha o poder, através de sua decisão, de modificar a Constituição Federal. Essa perspectiva também levaria à insegurança jurídica.
De fato, a impossibilidade de revisão de uma sentença inconstitucional e sua consequente imposição às partes macula a função jurisdicional do Estado e atinge resultado oposto ao pretendido com a indiscutibilidade da coisa julgada. Ao cidadão não é suficiente a certeza de ter seu conflito resolvido definitivamente. É preciso a convicção de que a resposta dada não será arbitrária, mas estará de acordo com parâmetros - pré-estabelecidos em um nível constitucional  direcionadores do julgamento do magistrado, evitando as arbitrariedades. Ao afrontar princípios e preceitos de superioridade hierárquico-normativa, a decisão inconstitucional leva à insegurança jurídica e, em última instância, compromete o devido processo legal. São várias as hipóteses onde se pode constatar a ocorrência da coisa julgada inconstitucional:
a) sentença amparada na aplicação de norma inconstitucional; b) sentença amparada em interpretação incompatível com a Constituição; c) sentença amparada na indevida afirmação de inconstitucionalidade de uma norma; d) sentença amparada na violação direta de normas inconstitucionais ou cujo dispositivo viola diretamente normas constitucionais; e) sentença que, embora sem incidir em qualquer das hipóteses anteriores, estabelece uma situação diretamente incompatível com os valores fundamentais da ordem constitucional.

Cabe, no entanto, ressaltar a inviabilidade da relativização indiscriminada da coisa julgada. Tal prática leva também à arbitrariedade e à insegurança jurídica, ao possibilitar a revisão freqüente das sentenças. Por isso, é preciso delimitar em quais casos pode haver a desconsideração da sentença transitada em julgado e, consequentemente, quando o efeito de indiscutibilidade deve ser anulado.
A questão da inconstitucionalidade pode surgir antes da relação processual ou ser concomitante a ela. Nessa situação, haverá uma questão incidente ? através do controle concreto de inconstitucionalidade, por via difusa ? ou poder-se-á recorrer à ação rescisória, conforme o caso. Todavia, pode ocorrer de a inconstitucionalidade ser superveniente ao processo, quando já há a coisa julgada. É o caso de pronunciamento do STF ? caso de controle abstrato, via Ação Direta de Inconstitucionalidade ? que torna inconstitucional determinada norma, fundamento de certa sentença. Nesse caso, o instituto se torna merecedor de atenção mais detida e de mais profundas reflexões.
Conforme o princípio da nulidade, toda lei declarada inconstitucional deve ser, desde logo, retirada do ordenamento jurídico, porque inválida. Assim, a lei torna-se automaticamente nula. A Lei nº 9.868/99, que trata do processo e julgamento da ADIn e da ADC perante o STF, prevê a possibilidade de mitigação dos efeitos de nulidade da declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Dessa forma, passam a existir três momentos, a partir dos quais essa norma inconstitucional pode deixar de ter efeitos: desde quando começou a vigorar (efeitos ex tunc), a partir da sentença do tribunal, ou em momento posterior (efeitos ex nunc). Nesse último caso, a lei permanece vigente e válida, durante o tempo determinado pelo STF, a despeito de ter sido declarada inconstitucional.
O Tribunal Constitucional Austríaco, por exemplo, somente afasta as leis declaradas nulas, de maneira ex nunc. Assim também a maioria das cortes da Europa. É possível, como demonstrado, permitir que a lei inconstitucional tenha eficácia durante certo período, onde o Legislativo tomará as medidas necessárias para a solução do problema. O motivo para essa resolução é óbvio. É necessária a prorrogação da validade da lei inconstitucional, de forma a possibilitar ao legislativo o tempo preciso para a alteração da parte inconstitucional da norma ou produção de nova lei, a revogar a primeira. Visa-se com isso evitar situação de ainda maior inconstitucionalidade, possível principalmente em caso de lei com grande período de vigência. Não há dúvida, uma norma que não assegura plenamente a observação de determinado direito fundamental ? como a do salário mínimo do trabalhador, com capacidade para atender as necessidades vitais básicas e às de sua família ? ainda é menos inconstitucional que norma alguma.
Quando a decisão de inconstitucionalidade tiver efeito retroativo, é clara a necessidade de revisão das sentenças cujas decisões foram fundamentadas na lei inconstitucional "[...] a hipótese seria de retroatividade da decisão de inconstitucionalidade para apanhar a coisa julgada". Se a lei foi considerada inconstitucional desde o início de sua vigência, não estava ela apta a fundamentar sentenças ou criar quaisquer efeitos no mundo jurídico ou social. É, na verdade, como se nunca tivesse existido. Quando, no entanto, os efeitos se dão a partir do julgamento do STF ou em momento posterior, o que importa é saber se a decisão de inconstitucionalidade pode retroagir para atingir a coisa julgada material.
A Lei nº 9.868/99, em seu Art. 27, especifica os casos onde a declaração de inconstitucionalidade não deve retroagir ao momento de publicação da lei, a saber: Razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social. Ocorre que, em certos casos, a nulidade com efeitos ex tunc pode significar ainda mais insegurança ao sistema jurídico. Isso pode ser freqüente em caso de lei antiga que, devido às mutações constitucionais, deixou de ser constitucional, ou, ainda, de normas com grande amplitude de alcance. Esses dispositivos, quer pelo longo período de vigência, quer pela amplitude, estabeleceram e fundamentaram um grande número de relações jurídicas. A nulidade retroativa levaria à necessidade de rever cada uma dessas relações e os efeitos causados por elas, levando ao caos jurídico. No caso de lei tributária, com vigência durante vários anos, a declaração de sua invalidade, com efeito retroativo, poderia causar sérios danos ao orçamento público, comprometendo a efetividade de projetos em andamento para promover a efetivação de diversos direitos constitucionais.
Pelos mesmos motivos, razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, a inconstitucionalidade com efeitos mitigados não deve alcançar retroativamente a coisa julgada. Assim, apenas a lei declarada inconstitucional desde a sua criação deve ensejar a revisão da coisa julgada. Os demais casos, quando a invalidade da lei se dá a partir da declaração de inconstitucionalidade ou em momento posterior, devem produzir efeitos apenas nas sentenças concomitantes e posteriores a essa decisão.
Existem, contudo, autores a defenderem a imunidade da coisa julgada, até mesmo diante de declaração com efeitos ex tunc: "Ainda que não se possa cogitar de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito fundado em lei inconstitucional, afigura-se evidente que a nulidade ex tunc não afeta a norma concreta contida na sentença ou acórdão". Ora, tal argumentação não se sustenta, porque a força cogente de uma norma aplicável ao caso concreto tem origem na norma abstrata, de onde ela foi criada. Se essa norma nunca existiu, porque declarada inconstitucional, não pode haver nada derivado dela. Do contrário, estaria o Poder Judiciário invadindo competência exclusiva do Legislativo.
Há ainda quem defenda a revisão das sentenças apenas quando a declaração de inconstitucionalidade contiver essa especificação. Essa solução causa estranheza, porque não confere um efeito uniforme à declaração que, por vezes, ensejaria a revisão da coisa julgada, enquanto noutras, não.

4 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
No atual contexto em que se encontra o direito processual, houve o desvio de seu foco para a realização da justiça e efetiva tutela jurisdicional que se sobrepõe a preocupação excessiva com o formalismo, bastante priorizado outrora, porém não se esquecendo da segurança que deve rondar os atos do Estado que envolvem questões jurídicas. Em conseqüência desse novo paradigma, muitos processualistas viram a necessidade de se relativizar a coisa julgada, nas decisões que se operarem graves injustiças e ferimentos de princípios fundamentais à dignidade humana.
Tendo em vista que a realidade social é dinâmica e a lei, na maioria das vezes, não consegue acompanhá-la, torna-se necessário o abarcamento desta através de meios subsidiários para que se faça efetivo o princípio da inafastabilidade do poder judiciário. Um desses meios é a jurisprudência. Nesse diapasão, ganha notoriedade o fenômeno da relativização da coisa julgada, que por vezes não é suficiente para dirimir os conflitos existentes na sociedade. Grande defensor dessa tese, Cândido Rangel Dinamarco afirma que desde a década de 1980, já se visualizava julgamentos no sentido de desconsiderar absoluta a imunidade da coisa julgada, como exemplo, cita algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que permitia a realização de nova perícia em imóveis desapropriados, mesmo depois da sentença, que fixava o valor indenizatório, já ter passado em julgado. De acordo com ele, o conteúdo dos votos dos Ministros se fundava no sentido de ponderar a garantia de imutabilidade da sentença pela garantia de uma indenização justa, prevista na Constituição . Outros julgados também já apresentaram o mesmo teor, como o posicionamento do Ministro José Augusto Delgado do Superior Tribunal de Justiça, afirmando que "a segurança jurídica, que embasa o instituto da coisa julgada, não pode sobrepor-se a outros princípios também importantes, como a moralidade pública" .
Na atualidade, um dos casos em que se verifica o enfrentamento da problemática de forma direta é o da ação de investigação de paternidade em que a superveniência do exame de DNA nega a decisão que produziu a coisa julgada. Em virtude disso o STJ tem admitido a propositura de ação rescisória com fundamento no art. 485,VII, CPC, considerando o exame de DNA como documento novo .
Para Barbosa Moreira, essa decisão não se funda na relativização da coisa julgada, outrossim, trata-se de interpretação extensiva do dispositivo anteriormente citado, ou seja, "[...] o Tribunal de modo algum declarou nula a sentença rescindenda, limitou-se a enquadrar a espécie na lei processual, mediante a flexibilização, perfeitamente razoável, do conceito de documento novo."
Dessa forma, não se pode admitir que a flexibilização de conceitos (como "documento novo") se confunda com o comprometimento da intangibilidade da sentença transitada em julgado. Os meios de questionamento dos litígios já resolvidos não podem ultrapassar os casos legalmente previstos, sob pena de instaurar-se um nível de insegurança tamanha a ponto de se criarem conflitos infinitos justificados por toda e qualquer mudança social que ocorrer.

CONCLUSÃO

A coisa julgada é uma garantia estabelecida constitucionalmente, cuja função principal é assegurar a efetividade das sentenças propugnadas pelo Judiciário. As sentenças dotadas desse atributo tornam-se irrecorríveis, evitando-se assim a insegurança jurídica e a discussão infindável das decisões tomadas para a resolução dos conflitos levados a juízo. No entanto, para ter validade, uma sentença deve estar legitimada pela observação do devido processo legal, onde é indispensável o livre convencimento motivado. Assim, todas as decisões devem ser fundamentadas em leis e princípios pertencentes ao sistema jurídico brasileiro.
Toda sentença sustentada em lei que foi, posteriormente, declarada inconstitucional, deve ser revista, se essa declaração tiver efeitos retroativos à edição do dispositivo. Essa medida é necessária porque uma decisão que carece de fundamentação é plenamente nula. Exceção ocorreria, obviamente, se tal decisão for motivada por mais de um dispositivo e se aquele declarado inconstitucional não fora essencial para o juízo de direito do magistrado.
Ideal seria se mesmo as sentenças fundamentadas em lei considerada inconstitucional, cujo efeito de nulidade tem início no momento da declaração ou posteriormente, pudessem ser revistas. No entanto, essa prática acarretaria em graves implicações, sendo completamente inviável. Por esse motivo, essas sentenças não deverão ter seu atributo de coisa julgada mitigado. Trata-se de uma convenção, baseada em razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, cuja finalidade é preservar a possibilidade de o Estado resolver os conflitos sociais que a ele são confiados.

REFERÊNCIAS

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NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
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Autor: Conrado Alvares Ewerton


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