Resenha - Pedagogia de Immanul Kant



Resenha:
Kant, Immanuel (1724 -1804). Sobre a pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. 2ª Ed. Piracicaba : Editora Unimep, 1999


PREFÁCIO


O presente trabalho tem como substrato de suas reflexões o livro Sobre a Pedagogia de Immanuel Kant, tradução de Francisco Cock Fontanella, 2ª ed. Piracicaba, Editora Unimep, 1999.
O prefácio expressa as dúvidas a respeito da autenticidade da obra fundada sobre as anotações dos alunos de Kant.
O original representa um texto da 2ª metade do século XVIII, muito conciso e de redação ligeira. Foi escrito em alemão, língua de difícil tradução para línguas neolatinas. A tradução brasileira coteja o texto nas versões italiana e francesa. O tradutor comenta a dificuldade para encontrar o termo exato em determinados momentos do texto.
Nessa direção, demonstra como a tradução não pode ser literal, mas contextual levando em consideração outras obras do mesmo autor.
Em decorrência dessas limitações, o tradutor brasileiro reconhece que seu trabalho estará sujeito a críticas tendo em vista sua proposta de tradução.


INTRODUÇÃO

A reflexão inicia-se com a definição do homem como única criatura que precisa ser educada. A educação representa o cuidado, a disciplina e a formação da criança. Ao contrário, os animais requerem nutrição, não cuidados.
A disciplina transforma a animalidade em humanidade.
O homem tem necessidade de sua própria razão. Ele precisa formar por si mesmo o projeto de sua própria conduta. Portanto, a espécie humana é obrigada a extrair de si mesma, pouco a pouco, com suas próprias forças todas qualidades que pertencem à humanidade.
Embora uma geração eduque a outra, esse processo não é mecânico.
A disciplina e a instrução representam um papel fundamental na humanização do indefeso ser humano, enquanto aquela é puramente negativa, porque tira do homem sua selvageria; esta o conduz à liberdade.
As crianças vão cedo à escola não para aprenderem alguma coisa, mas para conhecerem as leis e para, no futuro, obedecerem aos ditames sociais, assim como não sigam seus caprichos.
Ao longo de sua existência, porém, o ser humano conhece a liberdade e a ela tudo sacrifica. Por esse motivo preciso, é conveniente recorrer cedo à disciplina e aos preceitos da razão.
No homem, a brutalidade requer polimento por causa de sua liberdade; no animal bruto, isso não é necessário em razão de ter instinto. " Fica evidente, portanto, que nesse primeiro bloco de reflexões o emissor do texto faz uso do recurso da oposição para explicitar sua afirmação inicial:" O homem é a única criatura que precisa ser educada." Os pares opositivos são: homem/animal, disciplina/liberdade, selvageria/liberdade.
A análise avança com o conceito de disciplina como o meio que impede ao homem de desviar-se de seu destino, de desviar-se da humanidade, através de suas inclinações animais. Nova oposição: disciplina/ instrução. A primeira negativa, porque tira do homem sua selvageria. A segunda, pelo contrário representa a parte positiva da educação.
A disciplina submete o homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis. Neste momento, o enunciador do texto repete o argumento já utilizado anteriormente a respeito da importância da escola nos primeiros anos de vida da criança como elemento disciplinador, não pedagógico.
A disciplina opõe-se à liberdade a que o homem tudo sacrifica, porque através dela segue seus caprichos. Por isso, não concorda com Rousseau que considera que os selvagens possuem a nobre tendência à liberdade, uma vez que estes não desenvolveram a humanidade em si mesmos numa certa medida.
Nesse sentido, o autor considera que, no homem, a brutalidade requer polimento por causa de sua inclinação à liberdade; no animal bruto, isso não é necessário por causa de seu instinto.
Neste momento, introduzem-se outros conceitos: cuidados, formação e instrução. Necessidades humanas, não animalescas.
O homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele só pode recebê-la de outro homem, o qual a recebeu de outrem.
Um pássaro emitirá seu canto, mesmo que tenha crescido longe dos seus pares. O mesmo não ocorrerá com o homem.
A afirmação é categórica: "Quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem". "A falta de disciplina é um mal pior que falta de cultura, pois esta pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina."
Kant lança um olhar sobre o futuro da educação nas gerações que virão, alimentando uma Idéia quimérica, um belo sonho de que a educação garanta a felicidade da espécie humana, ainda que os obstáculos existam.
Ao defender a autenticidade da Idéia de uma educação que desenvolva no homem todas suas disposições naturais, o autor em questão introduz uma sombria análise sobre a educação de seu tempo, enfatizando a diversidade da educação familiar. Considera que sua geração vai desenvolver em proporção adequada as disposições naturais e desenvolver a humanidade a partir de seus germes e fazer com que o homem atinja sua destinação.
Neste momento, o autor lança uma definição: "A educação é uma arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias gerações. Cada geração, de posse dos conhecimentos das gerações precedentes, está sempre mais bem aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as disposições naturais na justa proporção e de conformidade com a finalidade daquelas, e, assim, guie toda a humana espécie a seu destino.".
Convém destacar os elementos essenciais do conceito proposto. Se a educação é uma arte, seu exercício não é para qualquer ser humano, tão somente para aqueles com dons especiais, portanto, poucos; a educação presente busca no passado seu substrato; a educação tem proporção e conformidade em relação a seu público alvo; a educação visa ao bem do homem e da humanidade. A definição proposta no século XVIII mantém no século XXI sua atualidade.
Duas descobertas humanas são, segundo Kant, dificílimas: a arte de governar os homens e a arte de educá-los.
Fica evidente, portanto, que as disposições naturais do ser humano não se desenvolvem por si mesmas. Em vista dessa verdade, a educação é uma arte. Sua origem pode ser mecânica ou raciocinada. A primeira contém erros e lacunas, já que não obedece a plano algum. A segunda parte dos exemplos da família e dos príncipes a quem as crianças são confiadas, hábito da nobreza da época.
Neste momento, Kant critica a política da época, denunciando: a falta de atenção do poder em relação à educação: "... alguns poderosos consideram, de certo modo, o seu povo como uma parte do reino animal e têm em mente apenas sua multiplicação." Em oposição, as pessoas particulares devem, em primeiro lugar, estar atentas à finalidade, mas devem, sobretudo, cuidar do desenvolvimento da humanidade, e fazer com que ela não seja somente mais hábil, mas ainda mais moral...".
Para resumir essa introdução teórico-filosófica, seguem-se parágrafos sintetizadores, nos quais o estudioso esclarece as linhas de sua reflexão, afirmando:
Na educação, o homem deve, portanto:
1. Ser disciplinado impedindo que a animalidade prejudique seu caráter e a sociedade.
2. Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. Essa habilidade é, de certo modo, infinita, graças aos muitos fins.
3. Desenvolver a civilidade, isto é, modos corteses, gentileza e prudência para ser querido em sociedade e possa desempenhar influência nela.
4. Ter disposição de escolher apenas os bons fins.
Tais objetivos encaminham-se ao ponto essencial: saber pensar.
Kant reflete como a sociedade de sua época não trabalha com a moralidade, deixando-a para o pregador, questionando:" Como poderíamos tornar os homens felizes, se não os tornamos morais e sábios?"
No momento seguinte, Kant analisa rapidamente o funcionamento das escolas experimentais e normais. Ele defende aquelas, porque permitem aos educadores a liberdade de trabalhar segundo seus próprios métodos.
Mais uma característica da educação: ela abrange os cuidados e a formação. Esse aspecto vai separar os professores em dois grupos: aquele que ministra a educação da escola e outro que ensina a vida.
Para Kant, uma educação pública completa é aquela que reúne, ao mesmo tempo, a instrução e a formação moral. Ela seria desenvolvida nos institutos de educação. Por várias razões, entretanto, eles são muito caros. Por isso, ele conclui que ficam reservados às crianças ricas. O fato demonstra como a escola no mundo ocidental, na sua base, é aristocrática.
A educação privada é dada pelos próprios pais ou por outras pessoas que os ajudem nessa tarefa, mediante recompensa.
Para o autor, a educação pública é mais vantajosa que a privada, tanto em relação à habilidade, quanto em respeito ao cidadão.
A questão debatida a seguir consiste na duração da educação formal. Sua resposta é precisa: até quando se desenvolva no educando o instinto sexual, ou melhor, até os dezesseis anos. A partir dessa idade o jovem passará por experiências informais que procurarão preencher o espaço da escola.
Para Kant, um dos maiores problemas da educação é o poder de conciliar a submissão ao constrangimento das leis com o exercício da liberdade. É preciso habituar o educando a suportar que a sua liberdade seja submetida ao constrangimento de outrem e que, ao mesmo tempo, dirija corretamente a sua liberdade.
Algumas regras são propostas pelo autor do texto:
1. dar liberdade à criança desde a primeira infância;
2. estimulá-la a aprender o que lhe é ensinado;
3. demonstrar-lhe que o constrangimento que lhe é imposto tem por finalidade ensinar a usar bem sua liberdade.
Nessa ótica, a da autonomia, a educação pública representa a melhor imagem do futuro cidadão.
Encaminhando para a conclusão, Kant divide a pedagogia em dois campos: a física e prática. Aquela refere-se aos cuidados com a vida corporal, esta diz respeito construção da cultura do homem para que possa viver como ser livre.
Portanto, a educação consiste: na cultura escolástica, na formação pragmática e na cultura moral.
Seu objetivo fundamental é que o educando se conheça, conheça o mundo, saiba agir sobre ele com prudência, tornando-se um cidadão feliz e produtivo.

SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA

Nesta parte do livro, o filósofo procura analisar os cuidados materiais prestados às crianças ou pelos pais, ou pelas amas de leite, ou pelas babás. Embora o texto analise a sociedade do século XVIII, tal necessidade mantém-se viva no século XXI industrializado, em que a mãe para se alimentar e alimentar os filhos precisa deixá-los com um guardador, seja pessoa ou escola.
Em um primeiro momento, ele destaca o valor da amamentação e o processo de alimentação da criança. A reflexão extende-se a outros aspectos da primeira infância: o dormir, o chorar, o cair, o andar, o comer, o brincar, chegando à cultura da alma que também é física.
Neste momento é preciso distinguir a formação física daquela prática, sendo esta pragmática ou moral. O aspecto lúdico também representa uma característica da cultura livre, ao passo que a escolástica é um trabalho.
Kant defende que as crianças aprendam a trabalhar e tenham também suas horas de recreio, preenchendo seu tempo livre de modo a evitar o ócio.
Da mesma forma, ele condena os romances, cuja leitura considera funesta aos alunos, porque debilita a memória.
Nessa direção, ele proclama que as distrações de qualquer natureza são dispersivas.
Como cultivar a memória. Através da retenção dos nomes que se encontram nas narrações; através da leitura e da escrita, mas de cabeça sem precisar soletrar; pelo estudo das línguas apenas de ouvido. Também se inicia o estudo das ciências, da história e da geografia. As narrativas de viagem desempenham aí um papel fundamental.
O fim global da educação é a cultura geral da índole, que pode ser física ou moral. A primeira é passiva em relação ao discípulo, o qual deve seguir orientações de outrem. A segunda é ativa, porque o educando conhece o fundamento e a conseqüência da ação a partir do conceito de dever.
A cultura particular da índole visa à inteligência, aos sentidos, à imaginação, à atenção e à espirituosidade. O filósofo se detém sobre cada uma delas no sentido normativo.
Ele enfatiza que a faculdade de julgar e a razão são potências do entendimento. Aprende-se mais solidamente e se grava de modo mais estável o que se aprende por si mesmo.
As reflexões representam orientações práticas sobre como conduzir as crianças em todos os aspectos da vida prática, na família e na escola.
Destaca-se a importância da obediência na formação do caráter de uma criança. Essa faculdade deve proceder da autoridade e da confiança. Toda transgressão de uma ordem por parte da criança é defeito de obediência, que acarreta punição, a qual pode ser física ou moral.
A reflexão considera como elementos essenciais da formação do caráter a veracidade e sociabilidade. Sobre cada uma delas, o filósofo tece suas características e recomendações na realidade do dia a dia.
Na conclusão, ele enfatiza que toda proposta educacional, seja da família ou da escola deve adaptar-se à idade da criança ou do jovem. Ao mesmo tempo, ele condena o narcisismo e a vaidade.

SOBRE EDUCAÇÃO PRÁTICA

A educação prática tem como metas orientar o educando na direção da habilidade, da prudência e da moralidade. A habilidade deve, antes de tudo, ser bem fundada, para tornar-se, pouco a pouco, um hábito de pensar.
A prudência consiste na arte da dissimulação, isto é, esconder os próprios defeitos e manter a aparência externa. No fundo, para Kant, representa saber conviver sem desrespeitar seus princípios, harmonizando-se com a sociedade. Ser enérgico, sem ser violento.
A moralidade diz respeito ao caráter, o qual conduz a domar as paixões. Portanto, significa aprender a privar-se de algo, quando este lhe é negado. Essa capacidade exige coragem e certa inclinação. A compaixão deve ser exercitada, enquanto a piedade representa um mal, porque consiste apenas em lamentar sem cessar.
O autor define que quanto à habilidade vale mais saber pouco, mas sabê-lo bem.
Fica evidente até aqui que a educação para Kant representa a formação do ser humano completo, não aquele que detém apenas o conhecimento, mas aquele que realiza os deveres em relação a si mesmo e aos demais.
Deveres para consigo mesmo: não renegar em sua própria pessoa a dignidade da natureza humana, entregando-se à embriaguez ou a vícios de qualquer sorte.
Deveres para com os demais: inculcar desde cedo nas crianças o respeito e a atenção aos direitos humanos, assim como a sua prática. Solidariedade também se aprende.
É fundamental para educar as crianças um catecismo de direito voltado aos princípios que devem nortear a vida prática e a prática das virtudes.
Analisam-se situações cotidianas como exemplares para ilustrar os comportamentos desejáveis e os indesejáveis, para chegar à seguinte questão: o homem é moralmente bom ou mau por natureza? Nem bom, nem mau por natureza por que não é um ser moral. Torna-se moral apenas quando eleva sua razão até aos conceitos do dever e da lei. Na educação tudo depende de uma coisa: que sejam estabelecidos bons princípios e que estes sejam compreendidos e aceitos pelas crianças.
O filósofo argumenta que o ensino religioso tem lugar na escola enquanto uma forma de reflexão sobre um SER Supremo, cuja dimensão é ser PAI. Se a religião não vem acompanhada pela consciência moral, permanece ineficaz, um culto supersticioso. Deve ficar claro que o verdadeiro modo de louvar a Deus consiste no agir segundo sua vontade.
Para que tal se realize, a criança deve aprender a reverenciar a Deus primeiro como Senhor da vida e do universo, depois como providente e, finalmente como seu juiz.
As noções devem ser poucas, mas relacionadas.
Por fim, na conclusão, ele acrescenta reflexões sobre os jovens.
Em primeiro lugar, pondera sobre o instinto sexual, cujas informações devem ser trabalhadas de modo claro e preciso. Por outro lado, considera que a voluptuosidade voltada a si mesmo é totalmente contrária à natureza humana.
Quando trabalha a questão sexual, o filósofo perde totalmente a naturalidade da linguagem, que se torna reticente e temerosa.
Ao concluir, o filósofo retoma seu ritmo pregando orientar o jovem para a alegria e bom humor, retomando os deveres para consigo mesmo e para com os demais.
Afinal que eles sejam alegres e felizes e apreciem o valor da vida.
A leitura do texto é profícua e motivadora, porque o filósofo desenvolve suas reflexões com um espírito comprometido, sério, mas também realista com o olhar voltado para seu tempo. Não esconde, porém, que a educação, ainda que seja uma arte, representa um poderoso mecanismo de controle do ser humano e da sociedade.




Autor: João Gussi


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