Uma história palestina




. Uma História Palestina
Rick Lima


Que vós apiedeis os olhos de amarume com os acontecimentos sombrios, que despontaram da insanidade humana, ao qual, a custo, diligencio a infâmia destas memórias. Decerto, sucumbirei antes de conhecerem tais delineios. Morto como o decrépito tempo que passou. Dalém da manhã que passou. Profiro estas palavras audazes como o voou de Ícaro. Remitam-me se estas se fazem demasiado presunçosas, pois desconheço a ordem e o alcance que me infere este discurso. Sobretudo, espero que vos não nos tomem, também por jugo, como assassinos de cristo ou paradoxo, fanáticos religiosos. Pois, em verdade vos digo que as perseguições e massacres acometido contra nós, hebreus, remontam um inferno dantesco, ao qual desconheço ao certo a sua real origem. Elucidarei a minha história e poderão perceber o clamor arfante que há tempos ressoa como prelúdios da nossa subsistência.

Após os reinos da Palestina e Judá terem sido sitiados e se tornado províncias de Roma, o general Herodes fora proclamado rei dos hebreus pelo o seu próprio exército, sendo consentido por Otaviano, o futuro imperador Augusto. Sobre o seu comando ocorreram inúmeras atrocidades: Muitos homens foram escravizados e levados para suprir às necessidades das tropas com água e alimento durante as campanhas. Com a morte de Herodes, o grande, o império hebraico fora dividido em Herodianas monarquias. No inicio da nossa era, Herodes Arquelau temendo as profecias, mandou eliminar centenas de crianças inocentes, erguendo-as como estandartes de guerra na ponta das lanças para reprimir futuros manifestos de libertação, enquanto muitas mulheres eram violentadas pelos soldados concupiscentes e bárbaros. A submissão era inevitável. A soberania de Roma sobre os dois reinos fazia os hebreus minguarem para um estágio letárgico de resignação, pois pelejavam contra a miséria, labutando por apenas um quarto da sua colheita, já que se definhavam para pagar tributos exacerbados às tropas romanas.

Em um vilarejo ao norte, os palestinos celebravam gáudios o matrimônio de dois aldeões. Casava-se o ferreiro Manaém com a formosa Maria. Dentre todas as mulheres a mais asseada dama. Os seus lábios sinuosos aspiravam à primavera e o encanto dos seus olhos parecia dois cisnes azuis a dançar em um lago de ternura. Não tivera dotes, como as terras que possuíra seu marido, mas resguardava pudente em seu nome o brasão do antigo líder das dez tribos de Judá e os valores étnicos do seu povo quanto à miscigenação. Havia uma grande fogueira a qual cantavam frente a ela. Houvera fartura de vinho e ovelha. Todos os aldeões eram anfitriões e asseguravam os custos do festejo. Privilegio que se dera ao mais dileto membro da vila. O reino em festa quase se esquecera dos seus opressores. Mas, quase... Herodes Agripa chegara meio aos festejos com a sua impiedosa cavalaria, decretando oficialmente a prima note. Todo e qualquer hebreu que pretender desposar uma mulher em casamento, a primeira noite de sua amásia deveria ser com um membro real ou um oficial de Roma; Eis o fel lunar sobre o agridoce palato do matrimonio. E para firmar este decreto, o próprio Herodes reivindicou ser o primeiro a desposar a donzela. Sobretudo, vociferando:

- Recairá sobre àqueles que ousarem selar esta união às escondidas, mortal sentença!

Herodes Fora em direção à Maria, oferecendo-lhe a mão com dissimulada nobreza para que subisse amistosamente ao cavalo. Entretanto, ela se afastava mansamente. Temendo o que lhe poderia suceder. Seus olhos esmorecidos ainda pelejavam contra a moléstia da sua desventura. Relutantes ao acaso. O povo observava imóvel diante do supremo inquisidor. Temiam por suas famílias. Por suas vidas. Mas, quais vidas, se tão longa for a curto amor. Manaém tivera em seu âmago o conhecimento destas palavras e quando Herodes se prostrou decúbito em seu cavalo na intenção de ajudar a infeliz donzela a subir, Manaém despontou como uma seta entre os soldados e furtivo sacou a espada de um comandante que deixara a sua guarda baixa, deferindo um audacioso golpe contra a vulnerável cabeça do imperador dos judeus. O grito de alerta do comandante assaltado avivou em Herodes sua sagacidade militar, que percebendo a investida, ergue-se rapidamente. A campanha fora tão imprecisa e infeliz, que cortara apenas a penugem do seu elmo, mas fora o suficiente para fazê-lo desequilibrar do cavalo e despencar ao chão. Cinco soldados seguraram Manaém asperamente após a insurgência. Os aldeões hesitaram pela a ação ensandecida do companheiro. Estavam apreensivos com as possíveis retaliações que poderiam acontecer. Herodes se ergueu com um olhar sombrio e inesperadamente desprendeu da face rancorosa um estridente riso.

- Ah, enfim um valente. Soltem-no. Ordenou Herodes. ? Venha cá meu rapaz.

Aproximou-se Manaém taciturno e cautelosamente.

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- Agora todos saberão quem realmente foi o carrasco de Israel. Você viverá para contar a quem se deve a desgraça do seu povo. Lúcius, Felipe e Ienobargo, queimem tudo. Aos demais, vamos embora.

Herodes avança contra Maria, segurando-a entre os braços. Manaém, imobilizado e amordaçado por Lúcius e Felipe, reluta debilmente contra os seus inimigos. Esforço estéril e vão. Observava lamurioso o encanto e a ternura de Maria se esvaírem com a tropa em retirada. Os seus olhos embotados de cólera e lágrimas, incapazes de reagirem solitários, oscilavam absolutos entre o corpo apático.

Antes que Ienobargo pusesse a cidade em ígnea calamidade, os palestinos corriam desesperadamente para resgatar, à proporção do tempo concebível, alguns de seus pertences. A balbúrdia assolava todo o vilarejo. Velhos foram pisoteados. Várias crianças, abandonadas pela avareza, foram arrastadas e esmagadas pelas carruagens que partiam desgovernadas. O soldado retirou duas flechas da sua aljava de couro de carneiro, dirigindo-se a Manaém, rasgou-lhe a camisa, dividindo-a em duas partes, amarrando-as cada qual em uma flecha. Em seguida, mergulhou-as em uma jarra de aceite. Acendeu-as na fogueira e lançou-as simultaneamente em direção ao telhado de palha de uma das casas. Utilizando os trapos das crianças mortas, repetia aprazível e incansável à ação infame.

Manaém observava com aflição o sofrimento do seu povo e a destruição da vila. Mas, quando Ienobargo passou a sua frente e umectou a bucha com óleo para incendiar à casa de Maria, libertou-se agilmente de Felipe, retirando-lhe a adaga e cortando-lhe o pescoço. Antes que Lúcius empunhasse a espada, Manaém sorrateiramente jogou-lhe areia aos olhos, cegando-o momentaneamente e transpassou-o com a alabarda de Felipe. Retirou rapidamente a lança ensanguentada e arremessou contra Ienobargo, acertando-o mortalmente. Desta vez fora tão preciso e ágil que os três soldados quase foram ao chão ao mesmo instante. Uma senhora que passava pelo local com seu filho ao colo presenciou todo o acontecimento e gritou, chamando aos demais aldeões para que vissem o ocorrido. Todos os que ainda estavam na vila se aproximaram. Contemplavam, extasiados, àquela situação como um ato de libertação. Não mais temiam a presságios. Em uníssono, os palestinos saudavam a Manaém como o libertador da tirania romana e relembravam saudosos, os lideres de sua linhagem.

Fora ele, filho de Isaú, o líder dos sicários. Mais conhecidos como adagas curtas. Juntos construíram a fortaleza de massada. Um verdadeiro lugar seguro. Quando souberam, pelos seus batedores, que a segunda legião romana se encontrava a três dias de viagem para invadi-los, procuraram o apoio dos Judeus para conter a invasão. Isaú traçara uma audaciosa estratégia de guerra. Abrigaria as mulheres e as crianças dos dois reinos na fortaleza. Como os romanos avançavam pelo sul, os sicários fariam o cerco e atacariam com uma chuva de flechas quando os centuriões ordenassem a formação de ataque aos decuriões. Por conseguinte, quando os romanos se agrupassem fazendo a formação tartaruga para se defenderem das flechas, atacaria com a cavalaria, pois os soldados inimigos estariam vulneráveis empunhando apenas os escudos. Assim, disponibilizaria de tempo necessário para que os judeus evitassem o conflito direto e se refugiassem na fortaleza. Os romanos, coagidos, seriam obrigados a seguí-los pelas montanhas, mas quando chegassem aos portões, os judeus já estariam a postos adentro das muralhas e lançariam óleo fervente sobre eles, enquanto os palestinos alvejavam mais uma chuva de setas em chamas, fazendo-os cair do penhasco. Mas, os judeus não aderiram à aliança, e quando os romanos chegaram, negociaram a sua liberdade em troca da fortaleza de massada, fornecendo-lhes informações valiosas sobre passagens de acesso. O reino da Palestina caiu com os sicários, que surpreendidos, renderam-se sem ao menos empunharem as espadas. O reino de Judá também caiu, pois as promessas não se cumpriram, instituindo tempos de servidão.

Manaém consentiu a indignação do povo e proclamou o fim da repressão. Eleazar, o irmão mais jovem do então líder revolucionário saiu a cavalo em disparada para convocar os retirantes da aldeia a se unirem a eles a fim de lutarem pela liberdade. Após contar com brio a façanha do irmão àqueles que estavam ausentes, regressou com quatrocentos homens armados com os seus instrumentos do campo. Ao total se assomavam quinhentos e cinquenta homens mal equipados e sem qualquer treinamento de guerra.

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Em seu âmago, há muito Manaém nutria a insurreição do seu povo, e como um líder visionário, não estaria um ferreiro completamente inerme. O oficio que aprendera com o seu pai não fora a esmo. Fora a sua casa e descera por um alçapão cujo acesso ficava embaixo da sua cama, atravessando a passagem subterrânea até uma espécie de porão, recolhendo às escondidas cem piques, sessenta lanças, duzentos arcos, quatro mil flechas, quinhentas espadas e quatrocentas adagas com afiação e resistência descomunal. Apesar de todo esse arsenal bélico, Manaém tivera consciência de que era insuficiente para derrotar os quatro mil soldados da legião de Herodes. Para isso, teria que incitar a revolta entre as outras vilas e elaborar uma estratégia de combate eficiente, que suplantasse todo o poderio adversário.

Manaém encarregou uma pequena comitiva, liderada por Eleazar, para convocar milicianos dentre os hebreus e assim compor tropas auxiliares, enquanto os demais se caberiam a apagar o incêndio e a reunir alimentos para ser dividido entre os aldeões.

Eleazar percorreu a todos os vilarejos palestinos e retornara com quatrocentas pessoas a procura de refúgio. Pois, quando Herodes soubesse do incidente com os seus abrasadores soldados, o facínora dizimaria de vez todos os Palestinos. Dentre os desabrigados, apenas duzentas e vinte se faziam aptos para lutar. Com um contingente inferior ao esperado, a única esperança era procurar respaldo em Jerusalém com os judeus. Mesmo Eleazar utilizando sua grandiloqüência, os judeus não aderiram às causas da revolta e novamente se esquivaram da luta, como poltrões abnegando a liberdade. Não obstante, na tentativa de evitar uma possível desforra contra o seu povo, mandaram informar a Herodes sobre a rebelião que se formava e quem era o líder. Após tomar conhecimento dos fatos, Herodes mandou soltar Maria, mas não antes de fustigar-lhe a carne e roubar-lhe a inocência. Acreditava que, com esta barbaria, Manaém o procuraria vingativo e decerto acabaria de vez com o pequeno manifesto após a morte do líder.

Enquanto o exército rebelde se agrupava, saíra Manaém com doze soldados pela madrugada à procura de sua amásia. Encontrara Maria ensanguentada e maltrapilha entre os arredores de En-Gedi. Próximo ao principal castelo do rei Herodes. Manaém a abraçou fervorosamente e observando a moléstia que transparecia rente aos seus olhos, arfava enfurecido por vingança. Quisera ir sozinho ao castelo do rei para um acerto de contas, porém seu irmão interveio:

- Se gostas realmente de Maria, aceite-a como está e se queres ser livre, não lutes por um causa própria, mas sim, por um ideal comum a todos.

Manaém concordara com o Eleazar. Percebe os olhares esperançosos dos seus companheiros a lhe espreitar. Não poria tudo a perder pela disseminação do ódio. Teria que agir com prudência. Através da centelha divina, em um momento de revelação súbita, decide atacar sorrateiramente a fortaleza de Massada com apenas treze homens, através de um túnel secreto que somente o seu pai tivera conhecimento e lhe confidenciado quando ainda jovem.

Maria se escondera entre os arbustos. Espreitou à investida a distancia. Os rebeldes penetraram na fortaleza como pragas que se propagam à surdina e mataram as sentinelas, dizimando as guarnições que ali estavam aquarteladas. Depois que retomaram a fortaleza, Maria alertou-lhes que fora Jerusalém os delatores dos insurgentes e o seu castigo tiveram por álibi. Para mortificar os delatores a fim de que não se opusessem mais contra os seus ideais, os palestinos saquearem dois falconetes e marcharam em direção a Jerusalém. Atirando impiedosamente contra o seu templo, deixando-o em ruínas. Proclamavam a cada disparo que não reconheceriam outra autoridade além de Javé. Ao cessarem o atentado de sobreaviso, saquearam o depósito de mantimentos da cidade, para poder resistirem por algum tempo ao despotismo de Herodes.

Eleazar e mais dois homens foram ao encontro dos aldeões para levá-los à Massada, enquanto Manaém e os outros bloqueavam com gigantescas pedras, todas as passagens secretas. Quando todos os hebreus estavam abrigados e protegidos, Manaém explodira a única entrada nas montanhas que dera acesso a fortaleza com mil quilos de pólvora que encontrou entre o arsenal romano. A explosão produziu uma cratera de duzentos metros que levava direto para o abismo. Herodes subestimara a inteligência dos hebreus, e quando chegara próximo à fortaleza com a sua legião, não acreditou na insanidade que vira. Replicando presunçoso ao feito:

- Deixem-lhes morrer de fome e sede, se não os assolarem a peste, sobreviverão como canibais. Em alguns meses estaremos livres desses excomungados. Por hora, retornaremos a Jerusalém e destruiremos o que sobrou da cidade. Tomem a todos como escravos, pois enquanto vida tiver, nenhum Judeu será livre.

3


Meses se passaram. Maria dera a luz a uma nobre criança, chamada Jacó. Manaém ostentava com brio a divina condição de pai. Enfim, alcançaram a paz. Mas, Apesar do abismo conter o avanço inimigo, reformas impressionantes foram feitas na fortaleza: Edificaram mais dez torres de vigília e reforçaram as muralhas com um reduto de madeira na parte interna. Entre os troncos e o muro, os aldeões preencheram com areia e pedras, para quando ou se, por desventura, os romanos conseguissem transpassar o abismo e tentassem demoli-lo com os seus aríetes colossais, aterrassem ainda mais a barreira, tornando-a sólida e inexorável. Quanto aos recursos básicos, os palestinos escavaram nas pedras uma imensa cisterna para coletarem água da chuva e construíram depósitos de alimentos que foram abastecidos, durante algum tempo, por saqueadores palestinos que se apoderavam das reservas de Herodes, que transpunham o túnel durante a madrugada e regressavam com fartura antes do por do sol. Mas, devido à incomensurável capacidade de se sobressaírem, promoveram a auto-suficiência do refúgio com o plantio de grãos nas montanhas e o clandestino comércio noturno.

Herodes ficara impotente defronte aos sorrateiros rebeldes, e para conter a grande revolta que ameaçava as províncias romanas, o general Vespasiano fora enviado a frente da guerrilha. Mas, ao saber do suicídio do imoderado imperador Nero, regressou a Roma para reivindicar para si a autoridade suprema. Inúmeras guerras civis aconteceram no ano dos quatro sucessivos imperadores, deixando os revoltos para o segundo plano. Assim que Vespasiano derrotou o compatrício Vitelino e assumiu o império, atribuiu ao procurador Flavio Silva a missão de restabelecer a ordem nas províncias hebraicas, designando duas legiões ao seu comando e mais o auxilio do destronizado rei Herodes.

Sete anos se passaram, mais o procurador fora pacientemente astuto como uma raposa, observando as atividades dos aldeões do cume de uma colina próxima da fortaleza, enquanto os seus soldados acercavam massada para que ninguém saísse à procura de alimento ou fugisse. De fato era impossível transpassar tal vigília, pois os romanos espreitavam os derredores como verdadeiras esfinges. Construíram uma rampa de acesso com duzentos e dez metros para atravessarem o abismo, sendo concluída com sucesso, pois não desperdiçaria Manaém seu escasso armamento para contê-los, já que se configurava um confronto iminente.

Os romanos conseguiram atravessar com os seus carros. Flavio Silva ordenara o primeiro ataque com os aríetes, enquanto os besteiros davam cobertura com suas flechas a quase trezentos metros de distância. Nenhum palestino esboçou qualquer reação. Todos os aldeões estavam protegidos em uma caverna, que lhes serviram como abrigo, com exceção de Manaém, Eleazar e mais dez homens, que observavam extasiados a solidez de sua muralha. Quando o procurador percebeu que a sua estratégia não tivera resultados, ordenou a Herodes que avançassem com as torres de assalto. Manaém, pressupondo a investida, convocou a todos os homens para que retomassem a posição de defesa com óleo fervente, que arremessou com enormes pedras e flechas em chamas contra os romanos, destruindo assim as suas torres. A obstinação de Flávio provinha dos privilégios que lhe seria concedido. Reivindicaria para si a posse da província conquistada. O futuro rei dos judeus dera o comando e as coordenadas para que as catapultas investissem contra o enorme portão, enquanto Herodes e seus soldados buscavam a esmo alguma passagem que desse acesso à fortaleza. Manaém empalideceu apreensivo. Sabia que o portão principal não resistiria por muito tempo aos ataques e precipitadamente ordenou que os arqueiros lançassem as suas flechas. Mas, estas não alcançavam ao menos cem metros, tão pouco aos inimigos, com suas bestas que atiravam três vezes mais distante para atingir o seu alvo. Ordinariamente Flávio Silva alterou o alvo de uma das catapultas, redimensionando as coordenadas para as torres da fortaleza, exterminando os arqueiros com enormes pedras. Só com a destruição da primeira torre, Manaém tivera uma baixa de vinte companheiros e com a queda das torres dois, três e quatro, assomavam-se, ao todo, cento e vinte mortos. Diante da angustiante sensação de morte, o pensamento humano epiloga sua vida, mensurando o que deveras fora o seu legado.

Eleazar Observava o torpor do seu irmão, que parecia entregar-se ao infausto destino. Trazia consigo duas grandes aljavas com pólvora, e fitando a Manaém com ditosa sensatez, segurou-lhe o exaurido dorso e proferiu suas últimas palavras:

- Irmão, não faça do meu comedido ato um vão dispêndio. Morrerei como um homem livre. Reconheceis igualmente que vós sois o sal da terra e a cultivas com o primaveril sonho de liberdade.

Manaém em pesar baixara sua cabeça, consentindo a fraternal centelha de esperança. Todos os palestinos reverenciaram, ainda que aturdidos, a suicida tentativa de conter o avanço romano. Quando os portões se abriram, Eleazar saiu em disparada em seu cavalo Hermes. Conquanto uma chuva de setas negras caísse sobre eles, o veloz Hermes as entrecortavam como o prodigioso filho do vento. Mas, quando Eleazar se aproximou a cerca de vinte metros das catapultas, um robusto soldado auxiliar, de origem judia, atravessou-lhe o peito com uma lança arremessada. Manaém observou letárgico o seu irmão cair do cavalo e se erguer intrépido com as aljavas em mãos. Dera aproximadamente dez sacrílegos passos à frente e arremessou-as entre as três catapultas, que se despedaçaram com a explosão.

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Os palestinos vibraram com o êxito da investida como se fosse o fim da guerra. Mas, grandes danos os instrumentos de ataque causaram ao primeiro portão. O procurador indignado ordenou aos soldados que retomassem a ofensiva com os aríetes. Porém, desta vez, iriam com capotes de madeira e com os escudos encobrindo-os para se protegerem das flechas e do óleo. Flávio Silva iria pessoalmente comandar o ataque ao portão.

Ao avistar o posicionamento inimigo, Manaém mandara trazer pedras maiores. Para cada dez romanos abatidos, vinte assumiam a posição. Aglomeravam-se como um enxame entre o procurador que estava ao centro. Se porventura tivesse sobrado um pouco de pólvora, Manaém exterminaria o líder dos tiranos e acabaria com a guerra com apenas um disparo do seu falconete, estrategicamente localizado na torre sete. Mas, para cada disparo era necessário um carrego de duas aljavas de pólvora.

A violência dos impactos provocados pelos aríetes fez o portão ceder um pouco. O procurador ordenou que parassem a investida para que ele pudesse examinar o motivo de tamanha resistência. Constatou que havia, na verdade, dois enormes portões fixos conjugados, contendo entre eles, gigantescos troncos horizontais de seringueiras, que servira de escoras. O acesso se dava através de um portão inferior, cuja passagem se fazia, ao máximo, um homem a cavalo por vez, sendo que, logo após a passagem, era imediatamente bloqueado por uma pedra colossal. O perspicaz comandante também percebera que as muralhas eram conjugadas com madeira da mesma forma e resolveu incendiar astuciosamente os portões ao leste da fortaleza. Próximo dos suprimentos e da cisterna.

Manaém diligenciou entre apagar o incêndio a fim de proteger os grãos que serviam de alimento, ao mesmo tempo resguardando as barreiras ao leste para conter a invasão inimiga e o dispêndio de água, que resultaria na miserável seca que esmoreceria os palestinos. Decidiu conter o incêndio com areia e dois terços da água que possuíam. Mas, enquanto combatiam o incêndio provocado pelo despótico comandante, o general Herodes e os seus soldados incendiavam o portão principal com óleo. O fogo propagou-se rapidamente. Do refúgio da caverna, o pequeno Jacó avistou a fumaça que se alastrava. Tomou o arreio de um cavalo e partiu em direção ao seu pai como um viril soldado a defender a sua pátria. Manaém não acreditou no que ouvira. Fora atraído para uma emboscada. Como pudera Deus, com toda a sua onisciência, não o revelar sorrateira estratégia. Era o fim. Seriam massacrados no combate corpo a corpo contra os doze mil soldados. Certamente seriam escravizados com as suas famílias. Presenciariam as suas mulheres e filhas serem violentadas, enquanto os seus filhos eram fustigados e preparados para morrerem como futuros gládios para a sádica diversão helênica.

Manaém e Jacó retornaram ao refúgio com os combatentes e consentiram que a peleja estivesse chegando ao fim. Mas, o seu líder replicou que morressem como homens livres, como homens alados, pensadores alados, e não se prostrassem servis a tirania, que os enclausurariam por toda a medíocre existência. Assim profetizou o meu pai:

- Morreremos todos não pelas mãos dos tiranos, mas pelas nossas próprias mãos. Cada um de vós eis de matar suas famílias e em seguida matarão um ao outro simultaneamente. Tiraremos a sorte para saber quem será o único sobrevivente que porá fogo em tudo e cometerá o suicídio. Quando os romanos derrubarem estes portões e contemplarem o que lhes sobrou de assalto, não será nossa a derrota.

Manaém com vários gravetos de madeira em mãos pede para que todos peguem um. Após sacarem a sua sorte, declara quem fora o infeliz encarregado de defender os seus ideais:

- Jacó, meu filho, tu ficaste com o menor graveto, foste tu o escolhido. Agora segure esta adaga e mate-me.

- Não quero matá-lo! Não farei isso! Retruquei insistentemente.

- Faça o que digo seu bastardo! Mate-me agora. Anda, mate-me! Esbofeteando Maria impiedosamente.

- Deixe a minha mãe, seu maldito. Cravando a adaga em seu abdômen, vi o meu pai arfar e esmorecer sem pestanejar os olhos ou lacrimejar em condolências. Acometia-me o repúdio devido à promiscuidade e ao desamparo paterno, que servira tão fugaz afeto, quando o meu âmago ansiava por um herói prestante. Sobretudo, durma amado alpendre, ainda que em meu ser tu fosses ausente, para muitos te apresentaste bravo herói.

Os palestinos seguiram as ordens do seu velho líder. Incendiei toda a fortaleza, mas preservei a vida da minha mãe, da mulher de Eleazar e as suas quatro filhas, escondendo-as no porão da caverna. O que os Romanos combateram, quando eles penetraram na fortaleza fora apenas à inaudível cumplicidade de ideais. O ser e o não ser se completam no sentido de existir. Herodes reconhecera a minha mãe, que temerosa, confessou-lhe o ocorrido. Tive desafortunadamente a pena comutada. Pelejo contra o tempo como um ordinário serviçal, devido à nobreza do meu sangue, mas que não deixara de ser bastardo. Em sonhos não sou romano, não sou sicário. Sou um Ícaro palestino.


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Autor: Rick Lima


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