CONTROVÉRSIAS ACERCA DOS PODERES INVESTIGATIVOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO



INTRÓITO

Ab initio, se faz necessário a indicação dos ditames constitucionais em que o Ministério Público é tido como função essencial á Justiça, conforme estatui o artigo 127 da CRFB que "o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Neste sentido é de suma importância as atribuições do Ministério Público para a garantia e defesa da ordem jurídica. Salienta-se ainda, o crescimento notável deste órgão ao longo do tempo, inclusive com a ampliação dos poderes em nossa Carta Magna. O Ministério Público, hodiernamente, é órgão governamental que mais do que fiscal da lei (custos legis) torna-se indispensável para a busca da lídima justiça.
Desta forma, o objetivo deste trabalho é colocar em linhas gerais sobre os poderes investigativos do Ministério Público em sede de inquérito policial, tanto na forma em que alguns entendem que é tido como invasão de atribuição e outros entendem como possível a investigação pelo parquet.

USURPAÇÃO DE FUNÇÃO

Muito se tem debatido sobre o presente tema, apesar de haver divergência entre a doutrina e a jurisprudência.
Para alguns, o órgão do Ministério Público ao oferecer a denúncia com base em investigação própria estaria tomando como se sua fosse a função de Polícia Judiciária, inclusive, quanto aos procedimentos administrativos a teor do art. 144, I e IV, da Constituição Federal.
Guilherme de Souza Nucci defende a inviabilidade de propositura de ação penal tendo como espeque em investigações feitas, exclusivamente, pelo Ministério Público. Vejamos:

"Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal." (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 5. ed. rev. atual. e ampl. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 147.)

Deste modo, a função institucional do Ministério Público, dentre as várias citadas é a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III da CRFB), não podendo valer-se na condição de órgão fiscalizador promover, por si só, toda a investigação criminal.
Importante ressaltar que o art. 26, IV, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), por outro lado, autoriza ao órgão Ministerial somente a requisição à autoridade de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e militar.
Sobre o tema, assegura Jacinto de Miranda Coutinho que:

A competência para promover a ação penal (artigo 129, I) não engloba a investigação criminal ? esta competência não é um minus em relação àquela. Trata-se, na verdade, de uma competência diversa e que foi atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não se aplica aqui, portanto, a lógica dos poderes implícitos, pela qual o órgão a quem compete o mais, compete igualmente o menos. (MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A inconstitucionalidade de lei que atribua funções administrativas do inquérito policial ao Ministério Público. Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 2, Curitiba, 2004, p. 445.) (grifos do autor)

Ora, não se pode deixar que o mesmo órgão que fará o papel do Estado em acusar, faça todo o procedimento investigatório, produzindo as provas que lhes seria conveniente. As investigações criminais são providências antecedentes e servem de arrimo conclusivo para inicio da persecutio criminis.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Ministério Público não tem competência para produzir inquérito penal, in verbis:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MINISTÉRIO PÚBLICO - INQUÉRITO ADMINISTRATIVO - INQUÉRITO PENAL - LEGITIMIDADE. O Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação a conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido." (REX Nº 233072, rel. Min. Néri Da Silveira, rel. para o acórdão Min. Nelson Jobim, publicado do DJ de 03/05/2002).

De igual forma é o entendimento do Colendo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

PCO - INSTAURAÇÃO DE PROCESSO CRIMINAL - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ? INVASÃO DE ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. Tendo em vista que não há no ordenamento jurídico, norma expressa que atribua ao "Parquet" competência para promover investigações preliminares na área criminal, e ante os inconvenientes que esse procedimento acarreta, impõe-se a rejeição de denúncia oferecida com base em expedientes produzidos exclusivamente por referido órgão no âmbito administrativo. (TJMG ? Autos n° 4750074-34.2008.8.13.0000, Des. Relator Paulo Cézar Dias, Publicação: 14/01/2009).

Esta é a bandeira levantada por aqueles que defendem a impossibilidade do Ministério Público promover todas as investigações no inquérito criminal.

LEGITIMIDADE E POSSIBILIDADE DA CONDUÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES

A Constituição da República Federativa do Brasil atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública (artigo 129, I). Deste modo, para que se origine a ação penal, necessário que seja feito a colheita de elementos (provas) que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de autoria. Tomando por base este entendimento, o titular da ação penal pública é Ministério Público, ou seja, detém a legitimidade na promoção da mesma.
Não podemos tomar como regra a apuração de um crime apenas pela Polícia Judiciária com a formulação do inquérito policial, pois conforme determina o artigo 39, §5° do Código de Processo Penal, este é dispensável, podendo inclusive, o Ministério Público, assim conforme afirmado pelo Ministro Jorge Scartezzini "denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública" (STJ ? HC 18.060-PR).
Confirmando este entendimento, apreciamos a precisa lição de Júlio Fabrini Mirabete:

Os atos de investigação destinados à elucidação dos crimes, entretanto, não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando expressamente a lei a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas (art. 4º., do CPP). Não ficou estabelecido na Constituição, aliás, a exclusividade de investigação e de funções da Polícia Judiciária em relação às polícias civis estaduais. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder investigações e diligências, conforme determinarem as leis orgânicas estaduais. (MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2002, p. 77.)

Vejamos o entendimento jurisprudencial:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. VIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Denúncia oferecida com base em elementos colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de danos ao meio ambiente. Viabilidade. 2. O Ministério Público pode oferecer denúncia independentemente de investigação policial, desde que possua os elementos mínimos de convicção quanto à materialidade e aos indícios de autoria, como no caso (artigo 46, § 1º, do CPP). 3. Recurso a que se nega provimento. (STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 464893 GO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 20/05/2008.) grifo nosso
"HABEAS CORPUS" - MINISTÉRIO PÚBLICO - OFERECIMENTO DE DENÚNCIA - DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL - EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE INFORMAÇÃO QUE POSSIBILITAM O IMEDIATO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PENAL - INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO - PEDIDO INDEFERIDO. - O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da válida instauração, pelo Ministério Público, da "persecutio criminis in judicio". Precedentes. O Ministério Público, por isso mesmo, para oferecer denúncia, não depende de prévias investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, sob pena de o desempenho da gravíssima prerrogativa de acusar transformar-se em exercício irresponsável de poder, convertendo, o processo penal, em inaceitável instrumento de arbítrio estatal. Precedentes. (STF - HC 80405 / SP - SÃO PAULO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, DJ 18-06-2004.)

O Código de Processo Penal afirma que cabe ao Ministério Público, além da função de custos legis, "promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código" (art. 257, I e II). Se a lei confere ao mesmo o poder de promover a ação penal pública; sintetizando, poderá também desde o seu nascedouro, promover as necessárias investigações para apuração da infração penal.
Não se quer aqui desmerecer o trabalho da gloriosa Polícia Judiciária, que muito tem nos honrado com o deslinde de inúmeros casos, mas traduzir o seu papel de acuidade e importância no cenário criminal em que atua. O que se quer é afirmar que pelo princípio da independência funcional do Ministério Público está apto a promover através de investigações a ação penal pública.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, somos pela possibilidade do Ministério Público promover as investigações necessárias para o ingresso da ação penal pública por meio do inquérito policial, haja vista que este não é imprescindível à propositura da denúncia, desde que tenha elementos convincentes para o inicio da pretensão punitiva.
O que defendemos não é a usurpação de função, mas, conforme dito por Paulo Diogo Queiroz Oliveira em artigo jurídico publicado em notável sítio eletrônico uma "comunhão de interesses do Ministério Público com a estrutura policial, numa relação vertical, porém aberta a sugestões, propiciaria um intercâmbio e uma troca de experiências e conhecimentos que só traria ganho à sociedade".


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 28.02.2011.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9100.htm Acesso em 28.02.2011.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2002.
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A inconstitucionalidade de lei que atribua funções administrativas do inquérito policial ao Ministério Público. Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 2, Curitiba, 2004.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 5. ed. rev. atual. e ampl. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA, Paulo Diogo Queiroz. O Ministério Público como órgão persecutor. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2009/O-Ministerio-Publico-como-orgao-persecutor. Acesso em 28.02.2011.
Supremo Tribunal Federal ? www.stf.jus.br
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ? www.tjmg.jus.br.



Autor: Harley Jonas Loiola


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