Eternamente Amigas




Década de 50, anos de muitos conflitos na sociedade mundial, principalmente o preconceito que predominava a todos. A história se passa no ano de 1954 na pacata cidade de 'Genova', que tem comocartão postal o grandeprecipício 'Portão do Inferno' em que já morrerão muitas pessoas. Mas, antes que me esqueça, deixe-me apresentar. Me chamo Carolina, tenho 75 anos. Contareia vocês uma história que ao mesmo tempo será uma lição de vida. Será que existe a amizade eterna?

Morava na cidade de Filadélfia, onde vivia muito feliz com minha família e amigos. Mas como éramos afro-americanos, sofríamos todos os tipos de preconceitos que existiam na época, até que meu pai perdeu o emprego depois que um milionário comprou a empresa e não aceitava pessoas negras trabalhando lá para não denegrir a imagem do comércio. Depois disso, papai não conseguia mais nenhum trabalho e entrou no mundo da bebida até que mamãe resolveu ir morar no sul do país para tentar uma nova vida. Eu ainda muito nova, não entendia porque estávamos saindo da minha querida cidade. Não queria se separar de meus melhores amigos para ir em um lugar que nunca tinha ouvido falar. Mas como não podia fazer nada, fizemos as malas e embarcamos para o nosso novo endereço.

Uma semana depois nos mudamos para a nova cidadezinha que a partir dali, iríamos viver os piores dias de nossas vidas. Mudamos-nos para um bairro bem calmo, onde tinha lindos jardins, pessoas felizes, crianças brincando, tudo que uma garota como eu sempre sonhou. Mas quando cheguei à minha futura casa, o encanto se quebrou. Os vizinhos que por sinal eram brancos, não aceitaram a nossa chegada ao bairro por não gostarem de negros. Papai e meu irmão Felipe estavam descarregando as caixas enquanto mamãe estava fazendo um suco gelado para os dois, por causa do imenso calor que faz no sul.

Estava eu, sentada no segundo degrau da linda casa, com minha boneca de trapos que era tudo pra mim, já que não tínhamos muito dinheiro para comprar brinquedos. Olhando para o céu, que tinha nuvens em formato de cachorrinho, outras de estrelas, em diversos formatos. Uma garota da minha idade que morava ao lado começou a se aproximar de casa até se sentar ao meu lado dizendo:

- oi! Você é nova na cidade?

Olhei para ela e respondi que sim, percebi que ela era uma menina com longos cabelos loiros e com olhos azuis iguais ao céu. Vi também que ela tinha uma linda boneca nas mãos, mas não era de trapos que nem a minha, e sim de plástico. Dei-lhe um sorriso e perguntei:

- qual o seu nome?

- me chamo Bárbara! – respondeu estendendo a mão para mim e perguntado: amigas?

Na mesma hora, lhe dei a mão com toda a felicidade do mundo, iria ter minha primeira amiga branca. Em seguida demos um forte abraço de amigas, mas fomos interrompidas quando um homem alto, com uma cara de mal se aproximou e a chamou, que foi correndo até ele. Esse homem era John, um carrasco que não aceita ter negros em seu país e que quer mandar em todos, por isso sonhava em ser o presidente dos USA, mas como não conseguia, ficava mandando na vida de todos que morava no bairro.

John pegou Bárbara bruscamente pelos braços dizendo que não podia se misturar com pessoas pretas, porque isso era uma praga que tinha na humanidade. Nessa mesma hora, Bárbara se livrou das mãos do carrasco e olhando em seus olhos, lhe respondeu:

- você não é o meu pai para mandar em mim, muito menos para dizer com quem eu devo andar seu idiota!

Após dizer isto, correu em minha direção, mas novamente foi chamada por uma pessoa, mas dessa vez não era John, e sim sua mãe que se aproximou da cerca de sua casa. A mandou entrar e em seguida se aproximou de mim. Perguntou o que eu estava conversando com sua filha, e lhe respondi que estávamos iniciando uma grande amizade. Mas, levei um tapa no rosto enquanto ela dizia:

- nunca deixarei minha filhinha ter uma amizade com uma pirralha negra como você! Não quero te ver nunca mais perto dela, ouviu?

Escorrendo lágrimas por todo meu rosto, não lhe disse nada, apenas balancei a cabeça respondendo que sim. Após a mãe da minha melhor amiga ter se retirado, meu pai se aproxima de mim me dando um forte abraço e pedindo desculpas por eu sofrer tantos preconceitos na vida. Para retribuir o abraço, o beijei e começamos a brincar junto ao meu irmão.

Mas nossa brincadeira foi interrompida quando John se aproximou de nós dizendo a papai que iria fazer de tudo para nos expulsar de seu bairro para terem paz novamente por ali. Papai apenas me pegou no colo e segurando numa das mãos de meu irmão, entrou em casa sem dizer nem só uma palavra se quer. Os meses se passaram, a amizade entre eu e Bárbara se tornou ainda maior. O símbolo de nossa amizade eram os vaga-lumes. Encontrávamos-nos todos os dias à noite às escondidas na floresta que ficava no "Portão do Inferno". Sei que era perigoso, mas como não ia ninguém naquele lugar, aproveitávamos para nos encontrar e ficar brincando a vontade para não nos incomodar.

Na escola, estávamos sempre juntas. Mas tínhamos alguns inimigos, como Ricardo, filho de John. Num dia ensolarado, juntas como sempre, estávamos lanchando quando Ricardo se aproximou com seus amigos e começaram a jogar ovo podre em nós. Rapidamente, eu e Bárbara nos levantamos enquanto eles nos diziam nomes horríveis. Sai correndo para o banheiro enquanto Bárbara vinha atrás de mim. Chegando ao banheiro, Bárbara me encontrou aos prantos sentava num vaso sanitário.

No dia seguinte, no mesmo lugar onde sempre nos encontrávamos, Bárbara me disse que na noite anterior tinha apanhando da mãe por ainda continuar a andar comigo. Após a chegada da minha família, o bairro se transformou num verdadeiro inferno. Havia os contras e os a favor de morarmos no lugar. Meu pai novamente acabou voltando a beber por não conseguir emprego e as brigas eram constantes em casa. Cada vez mais, John estava mais decidido de nos expulsar do bairro, queria isso a todo custo, parecia até loucura. Quem mais sofria nessa história era Bárbara, que lutava para acabar o preconceito das pessoas em nossa amizade.

Mas num certo dia, recebi um bilhete de Bárbara me dizendo que queria me encontrar urgentemente no "Portão do Inferno". Como sempre, fui ver o que estava acontecendo. Chegando lá, a encontrei sentada no chão, escorrendo lágrimas em seu rosto. Sentei-me ao seu lado e perguntei o que estava acontecendo até ela me dizer que iria embora do bairro com a mãe por causa da amizade de nós duas. Pedi desculpas a ela por estar fazendo isso em sua vida. Ela apenas me respondeu com um forte abraço e disse que nossa amizade seria para sempre e que nada no mundo iria a fazer acabar.

Começamos a brincar e a brincar quando ouvimos alguns passos se aproximando do local em que estávamos. Apavoradas, saímos correndo até o penhasco e paramos, já que não tínhamos para onde ir. Uma grande sombra começa a aparecer com alguma coisa na mão até que aparece John dizendo:

- então quer dizer que é aqui que as amiguinhas se encontram?

Ele disse se aproximando de nós, enquanto vimos que ele estava segurando uma arma numa das mãos. Bárbara começou a gritar para ver se tinha alguém por perto para nos ajudar, mas não serviu de nada, porque nenhuma alma ficaria ali naquele horário. Gritando, John começou a dizer:

- eu sempre fui o líder do bairro e nunca aceitei nenhuma peste como você e seus pais morarem lá. Por mim, já teria exterminado todos dessa raça maldita como você é sua negra desgraçada. Não sei por que Hitler não os exterminou em vez dos judeus. Mas como ele não fez isso, eu mesmo farei!

Ele diz apontando a arma em direção ao meu estomago, e quando dispara Bárbara entra na minha frente levando o tiro em meu lugar. Ela cai em meus braços enquanto John solta a arma e vai ver o que aconteceu com ela. Desesperada, sai correndo do local, deixando apenas Bárbara e John. Apenas vi entre as folhas, John jogando o corpo do penhasco. Não tive coragem de ir ver o que realmente tinha acontecido e fui correndo para casa aos prantos.

No dia seguinte, que perceberão o desaparecimento de Bárbara, começaram a busca pela garotinha que tinha uma amiga negra. Os meses foram se passando e ela foi dada como morta, mas eu sabia que John era o assassino e que havia há jogado do penhasco. Os anos se passaram e comecei a crescer, casei e tive filhos na mesma cidade. Todas as noites antes de dormir, pedia perdão á ela por não ter a ajudado naquela noite. Acabei entrando em depressão e em todos os lugares que ia, via minha melhor amiga me chamando para brincar de boneca, mas quando me aproximava, ela desaparecia. Comecei a me isolar do mundo, a ficar trancada em meu quarto me culpando pelo que havia acontecido com Bárbara, a garota que fez de tudo para nossa amizade durar até o fim. Não aceitava sua morte, escrevia cartas a ela, mandando para o endereço de sua casa, que hoje está aos pedaços por causa de uma tempestade que levou quase tudo, pensando que ela ainda morava lá. Sua mãe, que se culpava por ter matado a filha, a deixando no mesmo bairro onde eu morava acabou indo para um asilo, já que não teve mais filhos.

Ficava sentada ao lado de uma enorme janela, olhando para o horizonte, imaginando o que teria acontecido se ela não tivesse morrido por minha culpa. Será que iríamos ser mesmo amigas para sempre? Me perguntava todos os dias. Passava o dia inteiro num enorme quarto, onde só se encontrava uma cama e um armário e sem ter contanto com ninguém, apenas eu e a lembrança de Bárbara que estava viva em meu coração.

Meus filhos achavam que eu estava ficando louca e acabaram me internando num hospício, onde eu talvez iria recuperar a consciência e iria voltar a ser uma mulher feliz. Um novo dia havia começando, quando abro os olhos, vejo Bárbara em minha frente me chamando. Quando me aproximei, ela saiu correndo pelos corredores, enquanto eu a seguia, passando por tudo e por todos para ver novamente a minha fiel amiga de coração que um dia me fez tão feliz com suas risadas, suas brincadeiras, com sua coleção de vaga-lumes.

Acabei chegando num lindo jardim e a encontrei em cima de uma árvore me chamando para se sentar junto a ela. Rapidamente comecei a subir na árvore até que em um certo ponto que acabei caindo e batendo a cabeça numa pedra e perdendo a consciência. Acabei adormecendo e quando acordei, vi que estava voando no céu, onde havia nuvens por todos os lados em que podíamos flutuar, e que muito longe dali, estava Bárbara sentada numa delas chorando. Sai correndo atrás dela até que acabei caindo de uma das nuvens. Enquanto eu estava caindo, via passar todos os momentos felizes que tive com Bárbara, até que cai num imenso jardim que tinha lindas rosas e que era esplendido, nunca tinha visto tamanha beleza em um só lugar. Comecei a caminhar até uma imensa cachoeira e comecei a beber de sua água cristalina. Senti uma mão em meus ombros, e quando olho para trás, vejo Bárbara, a quem eu tanto procurava. A primeira coisa que eu fiz foi abraçá-la fortemente e quando percebo, eu não era mais adulta, e sim uma criança como da primeira vez que eu e Bárbara tínhamos nos vistos.

Segurei firmemente em suas mãos, se ajoelhei pedindo perdão por não ter coragem de denunciar John e por não ter a ajudado. Mas, Bárbara me levantou dizendo que a culpa não era minha, eu era apenas uma garotinha e que tinha medo. Comecei a olhar para todos os lados e perguntei:

- onde estamos?

E ela me respondeu dizendo que estávamos no jardim encantado que quando crianças imaginávamos morar um dia. Num mundo belo, sem violência, sem preconceito, sem a ganância do homem, um lugar onde o amor prevalecia tudo e a todos. Pedi-lhe para ficar juntamente a ela para sempre naquele lugar, mas Bárbara me disse que não havia chegado minha hora, que um dia eu iria ficar junto a ela ali para o resto da eternidade. Perguntei por que eu á via em todos os lugares me chamando e ela me respondeu:

- porque eu estive todo esse tempo em seu coração, eu não poderia estar junto a você fisicamente, mas espiritualmente estava sempre ao seu lado. Não se esqueça de que eu estarei sempre ao seu lado te protegendo, sempre que você quiser me ver, eu aparecerei para você! E lembre-se, seremos amigas para sempre, até na eternidade.

Apenas lhe retribui com um sorriso e a tocando pela última vez. Bárbara começou a caminhar até desaparecer. Fechei meus olhos e quando abri, estava em um hospital rodeada de médicos pulando de alegria dizendo que era um milagre eu ter voltado ao normal e fui recebida pelos meus filhos com muitos beijos e abraços. Deixei a culpa de lado e decidi a viver uma vida mais felizes. A partir daquele dia, comecei a dar mais amor aos meus filhos que já eram adultos e meus primeiros netos começaram a nascer me fazendo mais feliz ainda, e sempre lembrando de que um dia eu estaria com todos que amasse no lugar em que eu e Bárbara criamos para a nossa felicidade, um lugar cheio de amor, de paz, um lugar onde todos seriam eternamente amigos!

"Somente o calor

De uma amizade

Pode quebrar o

Gelo do preconceito

E do egoísmo

Para durar até o fim"






Autor: Douglas Pavani


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