O reverso do mito
A história não muda. O que muda são os personagens. Pensando bem a minha prima deveria ter segredos horizontais que não estão no kama-sutra, mas... Na época eu fazia vista grossa, ou por outra, eu não sabia. Penso que mal acabei de nascer, ao contrario dos outros bebês, eu não chorei, já cheguei fazendo vista grossa. E ao longo dos tempos este artifício me foi muito útil. Tudo o que me incomoda eu faço vista grossa. Aprendi que em determinadas circunstancias temos de fazer vista grossa. Sei que alguém já se perguntou: ela é tola, boba, ou uma artista? Vamos pela vida apenas trocando a mascara como a necessidade nos obriga a conviver com determinadas circunstâncias desagradáveis. Sempre gostei de brincar com as palavras e alimentei o sonho de escrever um livro baseado nas historias de minha família do lado materno. Fui criada com plena consciência de que as mulheres de minha família pelo lado materno, só se comparavam em grandiosidade com bravas mulheres, mulheres guerreiras, batalhadoras, grandes mulheres que só podiam ser comparadas com as figuras mitológicas. E isso foi uma escola em minha vida; aprendi que jamais deveria titubear que deveria honrar tão nobre ascendência. Enfim, honrar minhas vertentes nobres. E durante anos tive pesadelos, por conta disso comecei a desenvolver doenças, eu vivia anêmica, com dor de garganta, e uma alergia de pele que empolava todas as mãos. Tive as mãos escamadas várias vezes. O médico mergulhava minhas mãos numa bacia de água quente e com uma pinça retirava toda a pele das minhas mãos. Todas as minhas amigas têm as famosas manchas de senilidade. Meu marido tem e eu não. Acho que foi o tal processo de escamação. Mas voltando as mulheres fortes, resolvi que se todas eram um mito porque não começar por vovó. O mito vovó, moça bonita, de família tradicional, educada no Colégio Nossa Senhora de Lourdes (Cajuru) por freiras francesas. E parti a procura de material para o meu livro. Foram anos de pesquisas inúteis. Só conheci vovó quando contava 10 anos. Na época que minha mãe, outro mito, bonita, forte, altiva, orgulhosa de suas vertentes, etc, etc, etc, que foi bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, aluna de Maria Holenewa, modelo da extinta casa de alta costura, a famosa Canadá. Suas fotografias eram assinadas pelo famoso fotógrafo Ávilla. Bem, tudo isso foi mamãe que me contou, eu não vi. Pois quando a poderosa, depois de alguns chiliques, atrapalhadas, brigas, desmaios, etc, por conta do fim de sua paixão ? pois a paixão acabou ? ela pegou três meninas com idades entre 2 e 10 anos e abandonou, entre aspas, o motivo de sua paixão e voltou para a casa de vovó. Não se esquecendo de me recomendar que era para permanecer calada, de boca muito bem fechada, pois ela foi sempre cheia de segredos. O bordão da fortaleza era o seguinte: não sei, não vi, não se escreve. E foi assim que eu vim a conhecer as grandes mulheres. Aqui cabe um porem, a sofredora, a mater dolorosa, era a minha mãe. Vovó, ao contrário, era realizada, vivia de chamego com o marido, gostava de festas de igreja, adorava dançar fandango de tamanco, e acho que ela foi a precursora dos bailes da terceira idade. Ela amava sair para dançar. Eu fazia perguntas para a família, mas todos se faziam de desentendidos. Certo dia, cansada, resolvi já que tudo era um segredo do qual ninguém ousava falar, tive uma idéia luminosa: interrogar a costureira que vestia minha mãe quando menina, minha tia e minha vó e que era a mesma que costurava para os jovens da família. Ela vestiu três gerações da família. Pensei, aí está uma fonte segura. Mas quando comecei a esmiuçar os segredos da família, ela não sabia de nada; só sabia o que já era de domínio público. Minha tia, irmã da minha mãe, já cansada de tanta lengalenga resolveu em poucas palavras destrinchar o caso. Vovó ficou órfã cedo, os pais morreram, e quem ficou como tutor dela foi o parente mais próximo, primo-irmão de minha vó, que era um moço muito bom, mas solteiro. Sem ter como abrigar uma criança, a solução que ele encontrou foi o colégio interno, onde ela viveu até os 15 anos. Só saiu de lá para se casar com meu avô, que era bem mais velho que ela e de mau gênio. E que quando minha tia se casou aos quinze anos, a irmã era menor e o irmão bem pequeno. Vovó foi embora de casa, cansada da violência conjugal, na última surra que levou, pegou seus objetos pessoais e fugiu com o moço que fazia entrega de frutas e verduras, etc. e meu avô ficou com os filhos pequenos. Vovó foi morar no sitio Ibicui e como suas roupas não eram apropriadas, pois seu guarda-roupa era elegante, ela passou a tesoura nos laços e babados. E me disse mais: que no sitio a vó não sabia fazer nada, mas que também nada lhe foi pedido, mas aconselharam que ela jamais se aproximasse do engenho de farinha. Mas vovó era mulher e bicho curioso, certo dia foi ao engenho, só para conhecer e lá não encontrou ninguém, a não ser uma cobra enorme, enrodilhada, que depois ela veio saber que era o bicho de estimação do dono da casa, tinha até nome. E que ela se transformou numa pessoa muito simples para agradar o grande amor de sua vida, que era muito mais novo do que ela. No início fiquei a mil com o caso de amor de vovó, mas depois pensando bem, não era nada de tirar o fôlego. Eu, na época, queria era muita adrenalina e passei a projetar o mito em minha mãe. Nossa! Como diz minha filha caçula. Mãe, que bafão! Eu nasci quando mamãe contava 24 anos. Ela era casada com um médico que era bem mais velho que ela e morávamos em um confortável apartamento na Rua Prudente de Moraes, n° 420, em Ipanema. Nessa época, durante as férias, não sei se no Guarujá ou Poços de Caldas, ela se encantou por um crooner de orquestra e não teve dúvidas, largou tudo e na calada da noite me arrastou por não ter onde me jogar (ainda não se usava jogar crianças pela sacada ou no latão de lixo). Ela fugiu com o crooner de orquestra que era o objeto de seu amor. E eu acreditei que ele era meu pai, pois minha memória só se refrescou anos depois. Dele, ela teve mais duas meninas, e quando a paixão acabou, porque sempre acaba, ela vendeu os trastes que possuía, despachou alguns baús de objetos pessoais e uma considerável biblioteca para a casa da mãe dela. Ela gostava muito de romances, e costumava encarnar algumas heroínas. Aos dez anos eu não sabia se estava falando com minha mãe ou com a Dama das Camélias. Acho que vem daí o meu nome, Gardênia. E lá foi ela, depois de sua tragédia pessoal, se abrigar nas saias da família. Saímos de casa no mês de dezembro, um calor de enlouquecer. Eu e as meninas, bem arrumadinhas. E de boca bem fechada. Em um vôo da Cruzeiro do Sul, do aeroporto direto para o campo de aviação; a cidade não possuía aeroporto. Chegamos próximo ao dia de Natal. Mamãe trouxe uma mala marrom, grande, cheia de etiquetas de hotéis famosos, e acomodou na mala, presentes para todos os familiares. Eles não estavam a nossa espera, pois o telegrama só chegou no ano-novo, bem atrasado. Nossa chegada foi uma bela surpresa para todos, e toda a família ficou feliz. E a mamãe foi logo avisando, que antes do início das aulas, meu pai viria nos buscar. Foram dias alegres e mamãe participava de todas as despesas. Verdade seja dita, meio forçada. Era uma coisa mais ou menos assim: minha tia gritava, ô fulano, está na hora de buscar o leite, o pão de leite, o pão chineque e a manteiga para o lanche. E olha, aproveita e já compra mortadela, queijo, café e açúcar. Era hábito da família, deixar um bule enorme no fogão a lenha, cheio de café já adoçado. E mamãe ira correndo apanhar a bolsa para dar o dinheiro para compra do lanche. Depois tinha o lance de comprar lenha: cada criança trazia um feixe de lenha pra casa. Eu nem sabia que existia fogão a lenha. Durante a semana minha mãe fazia listas de coisas para a casa, pois ela sempre foi ordeira. E assumiu também a conta do armazém. Durante os três primeiros meses, o correio entregava um aviso e nós corríamos até lá, buscar uma caixa. Na volta a mamãe abria a caixa que continha dinheiro, uma carta da qual eu nunca soube o conteúdo e chocolates Kopenhagen. Eu ficava feliz pois sabia que, por hora, minha mãe ficaria feliz. Só que a felicidade para mamãe sempre foi algo meio surreal, complicado mesmo, que só dura enquanto existe. Ela sempre foi trágica, mórbida, e a felicidade dos outros fazia muito mal para ela. Era coisa difícil de digerir. Nós, crianças, algumas vezes dávamos gargalhadas todas juntas; bem coisa de criança. Ela queria saber o motivo; de que vocês estão rindo? E já dava um safanão que nos jogava contra a parede. Ela sempre teve um talento para ser infeliz e é até os dias de hoje. Passados os primeiros meses, o correio deixou de mandar o aviso e até então ninguém se tocara que o marido não apareceu. E sem aviso, não tinha chocolate, sem dinheiro, pois o dinheiro que trouxera estava acabando, sem comprar no ato, festa se acabou. Sem dinheiro, sem chocolates finos e sem gentilezas o relacionamento das duas irmãs foi esfriando. As crianças da casa foram se tornando grosseiras, até que um belo dia, as duas se pegaram no tapa. Minha mãe de punho cerrado, batia no próprio peito com muita força e gritava, possessa, para quem quisesse ouvir: Eu tenho todo o direito de estar aqui, porque está casa é minha, custou o meu dinheiro e vocês me enganaram. Eu te dei de comer, eu te vesti e vesti seus filhos e vocês me roubaram. Nossa, que baixaria danada! E logo depois, um taxi parou na porta e mamãe já de malas prontas nos arrastou para casa de vovó que morava lá em Deus me livre. Onde Judas perdeu as meias porque as botas ele perdeu antes. No início, acreditando que papai vinha nos buscar, vovó nos recebeu até com certa dose de boa vontade e tolerância, mas logo em seguida, já estava cansada da filha, das netas e já não queria saber de mais nada. Mamãe como sempre foi de ir com a cara e coragem resolveu passar uns tempos na casa de amigos na capital. Fomos hospedados na casa de uma amiga de mamãe que era mãe de duas filhas moças: uma de dezoito e outra de dezesseis anos. A mais velha trabalhava e tinha um namorado para cada dia da semana. Ali não houve brigas e elas se entendiam muito bem. Só um fato perturbava a minha paz, mamãe me ensinou que eu deveria me manter afastada de meninos, porque eles eram maus. Só que ela não sabia que menina ou menino, se não for bem equilibrado, é um perigo. Pois a mocinha cismou comigo e me pedia para me despir na frente dela. Como eu era arisca, ela me perseguia o tempo todo. Eu não trocava roupa na frente de ninguém, mas na hora de tomar banho e dar banho nas minhas irmãs pequenas, ela ficava na porta do banheiro. E quando eu saia do banho, ela puxava a minha toalha de banho e certo dia, ela puxou com tanta força que a toalha caiu no chão. E quando ela me olhou começou a gritar feito histérica: olha, ela tem peitinho! Olha, ela tem peitinho! Eu comecei a chorar e foi aí que ela me disse: se você contar que eu puxei a tua toalha, vou dizer que é mentira e que você é quem quis se mostrar. E você vai levar uma surra de sua mãe. Depois disso eu passei a dar banho nas meninas, tomava meu banho, e saíamos vestidas do banheiro, hábito que mantenho até os dias de hoje. Não sei porque, mas para minha alegria, mamãe nos levou para a casa de uma outra amiga, essa nos alojou no sótão onde tinha quarto e banheiro. Foram tempos de paz, e ela tinha dois meninos, um da minha idade e um maior. Mas eram meninos bons, de boa índole, e mal falavam comigo. Mamãe descia para as refeições e depois trazia as nossas para o quarto. Eu ficava horas a fio sem fazer nada. Nesta ocasião, eu dei aulas de geografia para minha irmã do meio que tinha 4 anos. Ela sabia todos os estados e suas capitais, todos os rios e seus afluentes. E ensinei aritmética, toda a tabuada. Eu costumava colocar as duas meninas na janelinha do sótão e ficava arrumando a nossa mala, separava roupas, dava banho nelas, enfeitava, e colocava novamente na janelinha. Essa andança pela casa dos outros, durou até o mês de julho, que foi quando mamãe me levou para o internato por um longo período. E nesse meio tempo, ela conheceu por intermédio de uma parente, um respeitável solteiro, ex-boemio, incasável, que caiu de amores por ela e suas filhas. Ele era dono de um cartório, pessoa de ótima formação moral. Eu não gostei da história, pois se meu pai ficou de vir buscá-la, como ela já estava alinhavando outro! Fui contra e fiquei de castigo no colégio. Logo ela engravidou, teve uma filha dele, ele estava realizado e feliz. Mas ela não. Seu humor continuou caustico. Tinha de tudo, já comera o pão sovado pelo diabo. Isso eu vi. O que ela poderia pedir mais. Nunca aceitou que nós estávamos crescendo, ficando mocinhas, e que o tempo estava passando e ela queria ser eternamente jovem. E por conta disso, voltou a massacrar as filhas. Quando não era com bordoada, era com a língua. Não cansava de arrastar correntes, gemendo: eu era jovem, bonita, era amada. Amada? Aí me olhava e dizia: você foi meu atraso de vida; você fique sabendo que um bom homem leu a minha mão e disse que você só ia me dar trabalho e desgosto. Você é uma peste, uma excomungada. Você há de chorar lágrimas de sangue. E esse é o refrão até hoje. Só porque um dia eu tive a ousadia de dizer para ela, depois de ter sido espancada, que os amigos nós escolhemos e parentes nós herdamos. Eu era uma menina boa, fazia minha artes, como pintar o cachorro branco de cor de rosa, pintar meu cabelo de verde. Fora isso eu era muito quieta. E fingia que não via nada. Mas quando ela ficava irada era uma loucura. Certa ocasião meu padrasto foi viajar e as filhas estavam em torno da mesa de jantar. E ela procurando confusão o tempo todo. E nós quietinhas. Até que uma das meninas, que tinha um olhar meio de lado, olhou para o rosto de mamãe. Ela estava levando o garfo à boca, e não teve dúvida, atirou o garfo que ficou preso no rostinho da menina. Neste dia eu tirei o garfo do rostinho dela, não deixei mamãe se aproximar, peguei ela no meu colo, com um guardanapo limpo segurando o ferimento e voei para a farmácia mais próxima. No caminho eu chorava e pedia: não diga que foi mamãe, porque se alguém souber que foi ela, nós vamos parar em um orfanato. A pequena dizia não, eu não vou contar. E não contou. E eu, com ela no colo, fui rezando até a farmácia. Tive medo, medo do tétano, pois eu sabia que ferimento no rosto, aliás do pescoço para cima, é muito perigoso e pode atacar as meninges. Mas anos depois eu viria a consolar a minha mãe e senti uma grande pena dela e de seus castelos de areia. Vi que estava na estaca zero novamente pois vovó não era um mito, mamãe não era um mito e eu tinha uma família tresloucada. E eu carecia de material para meu romance. Foi quando pensei na minha prima que sabia segredos do Kama-Sutra. A moça nunca teve um namorado, casou com o primeiro que apareceu, mas... casou nove vezes! Eu só compareci ao primeiro, fui madrinha do noivo no religioso pois minha prima era católica de carteirinha e confessava todos os domingos. Casou cândida, pura e luxuosa. Só fui convidada para ser madrinha porque o padrinho era um general, isso na época da ditadura militar, mas eu não vi, alias eu não vi nada... O noivo, um rapaz simpático, filho único de um militar brigadeiro da marinha de guerra já falecido; o rapaz era bem franzino, uma tez meio amarelada, rosto marcado de bexigas, carinha de fuinha, era do ramo cafeeiro e o namoro já iniciou procurando o caminho do altar, contava 24 anos. A noiva, 18 anos, do tipo nem bonita, nem feia, baixinha e gordinha, cabelos castanhos claros rebeldes, mais para sarará, e quando falava fazia caras e bocas, a voz débil infantilóide, dizia "benhê"; só a vi uma vez dentro de um maiô escuro. Olhei para ela e pensei, ela perdeu a vergonha e não voltou para procurar. Quando ela ficou noiva e de casamento marcado eu contava 17 anos. Ela foi com o noivo em minha casa fazer o convite formal. Fui convidada para ficar no altar para fazer par com o general por que ele era viúvo e era irmão do pai do noivo. Convite feito, convite aceito; a certa altura a noiva me recomendou que eu deveria usar um salto brotinho para não ficar mais alta que o general que era idoso, baixinho e feio. O idoso e feio foi por minha conta. Isso eu vi... Usei salto 8 1/2, e me mantive heroicamente no altar, só que na saída eu me perdi do general, não vi na recepção. Ele andava a minha procura para tirar fotografias pois tinha a mesa dos padrinhos, meus pais estavam lá pois foram padrinhos da noiva, mas eu não vi a tal mesa, e quando o general me encontrou eu fui com ele fazer as fotografias. Ele tentou me arrastar para a mesa, disse que meus pais estavam lá. Eu fui e perguntei para o meu padrasto: você acha que tem algum inconveniente se eu for ficar com as minhas amigas? Ele disse que não, pode ficar com sua amigas porque esta mesa é só para os mais velhos. E foi assim que eu passei a festa inteira me rebolando e uivando ao som estridente da época, mandando todos para o inferno. O general desistiu e acabou ficando com a mãe do noivo, pois se ele pensou que no pacote estava incluso ser sua companhia, se enganou. A noiva, na ocasião, usou um vestido confeccionado pela Rainha Casa de Noivas. O vestido foi igual ao da princesa de Mônaco, só que a princesa era alta e frágil e ficou linda. Minha prima, pesada e baixinha e sem saltinho, parecia um repolho. Meu vestido era um modelo do Dener, costureiro famoso da época. Detalhe: a música dos noivos, o tema de Lara. Depois do casamento eu soube que o general comentou que eu era muito bonita, educada e elegante, mas muito arredia. È que ele não me viu dançando e cantando, mas acho que ele não entendeu. Ou entendeu? Que eu estava feliz e radiante, vivendo cada dia como se fosse o último, me sentia cinematográfica, época dos sonhos fáceis e das pernas que eu era obrigada a manter bem fechadas. Isso durou até os 23 anos. A noiva, no dia seguinte, estava em nossa casa para apanhar a certidão de casamento, pois casou no civil no cartório do meu padrasto. Ela me chamou em um canto e me aconselhou: olha, se você não casar até os 18 anos, não casa mais e vai ficar para titia... Casei aos 23... sábios conselhos... Este foi o primeiro casamento de minha prima e na volta da lua de mel ela foi visitar a irmã dela, no norte, e lá conheceu um rapaz alto, bonito, morenão do tipo que tomou um torrão de sol e nunca mais voltou à sua tonalidade de pele normal. Ele era jogador de futebol, na época não era moda moça de tradicional família se casar com jogador. Quando ela voltou para casa já voltou grávida e como não sabia como cuidar da sua casa e não se acostumou longe da mãe, o resultado foi morar com a mamãe. Quando a criança nasceu ela já estava de volta ao ninho materno. A criança nasceu logo em seguida, um menino com cara de fuinha e cor esquisita, tadinho parecia ter caído de uma nave espacial, e o casamento acabou. Ela era honesta, despachou o filho do brigadeiro e ficou com o jogador de futebol. Não aceitou nada do ex-marido. A mãe dela criou e educou o neto e ela teve dois filhos do jogador. Foi feliz enquanto durou e durou bem pouco. Ela voltou para a casa da mãe trazendo mais dois para a titia criar. Titia aceitava tudo de uma maneira tão natural, aliás ela como mãe era muito engraçada, viva passando a mão na cabeça de suas crias, sempre deu apoio, pena que os meninos não tiveram sorte na vida! O filho mais novo era o encrenqueiro, machão, briguento e era promotor de eventos, foi lesado por todos. Ele era bem intencionado, tadinho. E certa ocasião ele cismou com um rapaz que morava fora e era filho de um deputado. Todas as vezes que o rapaz chegava para visitar os pais era espancado e voltava todo engessado. O tio e o pai do rapaz foram falar com titia, ponderaram que aquilo não podia continuar, pediram uma explicação. Pois não tinha explicação, o filho dela era um menino de coração de ouro e a culpa era do outro e pronto! Pois a vítima sumiu por uns tempos e quando retornou foi logo tratando de passar na praça, lugar onde os jovens da época se reuniam para paquerar. Foi sô o meu primo saber que ele estava na praça pela turma do deixa disso, mas que na realidade adorava ver o circo pegar fogo, pois quando o meu primo chegou na praça e cutucou o rapaz, levou a maior surra que se tem notícia até hoje. Explica-se: o rapaz cansado de apanhar fez um curso de luta livre para se defender do seu algoz. Titia teve o desplante de procurar os familiares do rapaz para se queixar, e recebeu o troco: meu primo nunca cresceu! O terceiro casamento de minha prima quando voltou para casa de titia com mais dois filhos e muito desalentada pelo final de sua união. Titia resolveu mandá-la para um spa e lá ela conheceu o primeiro evangélico da vida dela e gostou tanto que se converteu e de conversa em conversa acabou se casando na igreja dele e nova dela. Com ele nasceu mais um bebê, ela estava muito feliz. Segundo ouvi dizer, o vestido de noiva, estilo vestal azul com uma coroa de pedrarias, estava muito bonito. Passado o primeiro ano, com mais um filho, ela ficou muito triste, engordou novamente e novamente foi para uma clinica famosa. Titia dizia a todos que ela estava muito mal com o fim do casamento, mas como até a tristeza é passageira, lá a minha prima conheceu um fisioterapeuta legal, bonitão, com pinta de galã de filme mexicano, e já engatou uma primeira com o bonitão. Casaram mas não foram felizes para sempre. No casamento minha irmã, que foi madrinha, disse que ela estava muito linda de noiva. O vestido da noiva era de cetim todo bordado e nas costas milhares de botõezinhos para fechar (Nossa! Que trabalhão para o noivo encontrar o recheio!) e com uma cauda de 10 metros e que foi lindo ver o noivo levantar o véu para beijar a noiva. Só que o quarto casamento acabou sem comentários e sem filhos. E foi nessa ocasião que minha prima resolveu lecionar em outra escola pública, já cansada de tanta fofoca. Época que ela fez uma viagem de estudos; o que ela foi estudar eu não sei, não vi, mas não demorou a chegar o quinto convite de casamento do tipo entrada para uma peça de teatro; o convite era verde e todo o elenco em destaque com letras douradas de gosto duvidoso, mas como eu poderia parecer despeitada, e para não demonstrar estar com inveja, porque ela podia tudo, resolvi achar lindo! Mas não compareci pois eu estava grávida mas como minha irmã sempre prestigiou todos os casamentos anteriores, foi madrinha novamente do quinto casamento. A noiva usou um vestido verde metálico bem rodado. O corpo foi um espartilho com mangas e decote de ombro a ombro, com detalhes dourados. Os sapatos verdes, buquê verde e branco, na cabeça um diadema estilo princesa, de pedrarias. Os filhos foram os pajens e a decoração da igreja e da festa também verde com branco. Porque verde com branco: cores da esperança e da paz, coisa que ela não encontrou e logo se separou. Não tiveram filhos. Foi mais uma tragédia: tão nova e passou pelo fogo cruzado de cinco casamentos. Mas como o ser humano tem memória curta, ela logo esqueceu todas as dores do mundo. Ela passou a freqüentar a igreja evangélica. Era muito atuante e logo foi se tornando a irmã mais crente que o pastou conheceu, mulher distinta, espírito elevado, pois casou com o pastor. Participava dos estudos bíblicos, teve um filho que não conheço e foram morar no Estado do Rio de Janeiro e não se acostumou com o clima e ficou longe dos filhos e da mãe. Era de dar muita pena, e não falo pena de galinha, quero dizer dó, compaixão. Se bem que aí eu penso que o negócio era sem paixão e sem a dita o casamento acabou. Deste casamento vi as fotografias dos noivos com os padrinhos, lindo, lindo! Perguntei para o meu amigo médico: o que você acha? Ele me olhou e respondeu que era um caso sério. A noiva usou uma roupa igual a roupa do noivo. Ou foi o noivo que usou uma roupa igual a da noiva? Era casaco curto na frente e caindo abaixo da cintura. Nas costas um babado todo bordado com saia longa rodada, tudo pérola. A casaca do noivo era do mesmo tecido e cor. Um discreto véu curto na frente e comprido nas costas. Na recepção ela tirou o véu grande e ficou o curtinho. Os dois estavam bem bonitinhos. Quando o amor acabou ela não se explicou, mas titia disse que ela estava muito doente do coração, que o coração estava pesando três quilos. Sem querer ser debochada eu ouvi a historia e dividi o peso do coração por seis, meio quilo por casório. E assim acabou o sexto casório. O sétimo casamento ela estava toda remendada, se internou para retirar banha do abdômen. Fez lipo, colocou silicone, tirou as pelancas, mas continuou gorda, e fez uma cirurgia do hímen. Não soube para que. Isso eu vi, pois foi quando a titia faleceu, foi atropelada na calçada. Estava com a mulher do neto. O filho do primeiro casamento de minha prima é pastor. Na ocasião foi muito triste, faleceu titia, a neta que estava grávida de cinco meses e a bisneta de dois anos. Minha prima após o enterro estava muito abalada, mas com a corda toda, pois estava casando novamente. Perguntei por delicadeza contra quem. O noivo era comerciante, não sei que comercio, ela não disse o ramo, mas eu fiquei feliz por ela e pensando bem, até com um pouco de inveja, eu ainda estava casada com o mesmo homem, meu filho estava com quinze anos. Uma vidinha medíocre. Não compareci, acho que não fui convidada, mas minha irmã, como heroína da resistência, estava lá, firme e forte, me contou por telefone que a noiva estava de vermelho, véu, vestido, sapato e buque, que mais parecia uma hemorragia e não deu mais qualquer informação. Não vi mais minha prima mas uns três anos depois minha sobrinha foi morar na nossa casa para fazer a faculdade, e me falou que a prima descasou e casou logo em seguida, mas que minha irmã não o convite para ser madrinha porque as filhas já moças estavam pensando ser sem cabimento esses casamentos estapafúrdios e que na opinião delas isso já era pouca vergonha. Mas eu penso que minha prima gostava da festa de casamento, do vestido de noiva, do cenário e do figurino. A dificuldade era o dia a dia, que nós enfrentamos heroicamente. Mas o que ninguém entendeu é que ela estava em busca do tempo perdido. Enquanto eu estava queimando neurônios estudando e levando a vida, ela estava casando. Foi aí que me vi carente de material para o meu romance. Eu procurava uma Anita, uma Inês de Castro, Só consegui descobrir que nossa família era carente de mulheres fortes. A heroína não pode ser vovó porque a vida dela era tão previsível, comum. Mamãe e suas tragédias, seus amores e desamores, e o drama que ela ainda representa, está lúcida, firme e forte e mais dramática ainda... Finalmente no último inverno recordei que mamãe sempre teve orgulho de uma avó francesa. Busquei informações e nada e cheguei a conclusão que a minha trisavó era a Odette de Crecy, aquela que enlouqueceu Swan, entendeu poupeé? Que pena, encontrei o mito tarde pois Marcel chegou antes. Sabe o que mais? É melhor continuar fazendo vista grossa e passar batido, porque todos que tem suas vidas despedaçadas, pensam que suas vidas dariam um romance e que tem uma historia muito especial. È inerente do ser humano pensar que esta ligado a alguma coisa importante. Não está! Da minha parte só encontrei vagabundagem oficializada e uma tia que possuía uma cartola de mágico de onde brotava o dinheiro para bancar tanta loucura!
Autor: Nadia Foes
Artigos Relacionados
Na Mocidade - Sexta História
A Gripe Da TelevisÃo
Dr. Salut Ii
Homenagem às Mães
História De Família - 12 História
Lembranças
Larápios.