Desigualdades no Território Recifense



INTRODUÇÃO

As desiguais ocupações do território indicam um problema ocorrido desde o início do capitalismo, trazido junto ao advento da industrialização e à idéia de tornar a morada uma mercadoria, instalando-se uma questão a ser enfrentada. Sobre o que Engels (1979) afirma haver certo desinteresse por parte da classe dominante em resolvê-lo, como estratégia para fazer a classe operária pressionada pela constante necessidade de venda da força-de-trabalho e subordinada pelos patrões no campo habitacional.

Percebe-se um elevado número de habitações construídas fora do mercado formal, o que demonstra a negligência por parte das políticas públicas frente a essa questão. Afirma Maricato (2001, p. 131): "A autoconstrução em loteamentos ilegais nas periferias urbanas e os domicílios em favelas tornaram-se prioridade para a habitação dos trabalhadores e da população pobre de um modo geral a partir de 1930." O estilo Laisseferiano predominou no uso e ocupação do solo na maioria das cidades durante sucessivas décadas, devido à ausência do planejamento urbano, o que se define pelos interesses privados rentistas e lucrativos e pela ignorância em relação ao assentamento da maior parte da população. Maricato (2007, p. 123) alega que:

A ilegalidade é, portanto funcional ? para as relações políticas arcaicas, para um mercado imobiliário restrito e especulativo, para aplicação arbitrária da lei, de acordo com a relação de favor. [...] a segregação territorial e todos os corolários que a acompanham ? falta de saneamento ambiental, riscos de desmoronamentos, riscos de enchentes, violência ? estão a ele vinculados.

O RECIFE E SEUS CONTRASTES

Na cidade do Recife, segundo o IBGE, a população moradora de favelas chega a 40%. Os dados mostram que a ocupação ilegal de terras é quase mais regra do que exceção nas grandes cidades, e o Recife não é exceção. Segundo o seu Atlas do Desenvolvimento Humano com dados do ano 2000, 815.720 pessoas habitavam em Áreas de Interesse Social - o que corresponde a mais de 57% da população total do município naquele ano. Desse total, 89.565 habitavam em aglomerados subnormais, dos quais 7.232 na área em que o Assentamento Airton Sena está inserido (Zeis Vila União/ Área Pobre do Detran). Diante das amostras coletadas pela visita, deduzimos que praticamente 100% da população do referido assentamento tinha esse tipo de habitação.

No percurso pelos estreitos becos que constituem o Assentamento popular Airton Sena, percebe-se que a ocupação recorrente de seus moradores é a catação de lixo e atividades relacionadas à reciclagem. As crianças não têm alternativa de espaço para lazer, passando a dividir o espaço em terra batida com os animais e o lixo, que por ausência de serviço de coleta é acumulado nas ruas ou deixados à beira do Rio , que consequentemente servirá de depósito. É notória a falta de esgoto com seus inúmeros dejetos a céu aberto, e nem toda população conta com os serviços de energia elétrica e água, esta ocorre em dias alternados, com 22h com água e 24h sem abastecimento.

Há enchentes no inverno que invadem as casas e torna a moradia difícil nesse período. Como existem moradores há mais de 15 anos que não tem outro local para residir, terminam por acostumar-se com a atual situação calamitosa de morar às margens do Rio Capibaribe.
A infra-estrutura da área é marcada por desiguais características entre as áreas de assentamentos populares e territórios ocupados pelas moradias nobres, o que Piquet (2005, p. 11) analisa como sendo contrastes onde "sofisticados equipamentos da moderna engenharia civil convivem lado a lado com as mais miseráveis condições de sobrevivência". A autora afirma que a criação desse espaço é fruto de contradições e tensões, pois nele estão envolvidos os interesses do Capital em seus diversos segmentos, da força de trabalho e do Estado.

Após transitarmos pelo local, fomos à ponte da salvação, via de acesso entre o assentamento popular Airton Sena e o bairro de Monteiro, onde percebe-se as desiguais formas de habitar. Enquanto vemos à margem direita um cenário de pobreza e péssimas condições de habitabilidade, na margem direita do Capibaribe o que se vê são prédios luxuosos com requintes. Pela Ponte da salvação é possível ter uma vista por cima dos barracos, que nos permite analisar um pouco da forma de ocupação do solo, os becos e as casas subdivididas para acolher mais de uma família num mesmo espaço. Dá para perceber que o tamanho das casas é muito pequeno e suas paredes não muito altas.

Como aponta Ribeiro:

A produção popular das grandes cidades está marcada pelo signo da luta quotidiana e por situações de vida que lançam a população pobre em situações sem legitimidade e legalidade reconhecidas (favelas, loteamentos clandestinos, comércio informal de rua). O não-reconhecimento jurídico dessas condições da sobrevivência urbana faz com que, de fato, seja alvo permanente dos aparelhos de repressão e controle social.

Ao falar nessa repressão o autor nos remete às investidas contra esse tipo de habitação desde a década de 1960 (Campanha contra os Mocambos), por parte dos governos nas três instâncias: municipal, estadual e federal. Atualmente se tem não só uma preocupação com o embelezamento das cidades, como em projetos passados, mas graças aos movimentos sociais, se luta por projetos que ofereçam condições dignas de moradia para os mais pobres, permitindo que também possam ter qualidade de vida para si e para todos da comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática da habitação social e da territoriedade envolvem a dinâmica do assentamento Airton Sena constituindo um local que carece de equipamentos coletivos como abastecimento de água, luz, transporte, calçamento, saneamento urbano, coleta de lixo e demais elementos de infra-estrutura.

Atualmente, a responsabilidade de assegurar as moradias é, sobretudo, do Estado, devendo prover o direito de habitar aos que não dispõem de recursos, através da Política Habitacional com vistas a minimizar o déficit de moradias na sociedade, seja criando condições para residir nas áreas de assentamentos com melhorias na infra-estrutura e no fornecimento de água, energia elétrica e criação de rede de esgotos, como na posse-da-terra aos assentados, garantindo a possibilidade de fixarem-se ao local, ou através da construção de conjuntos habitacionais para aumentar a possibilidade de aquisição de um imóvel às famílias.

Cabe-nos exercer o mecanismo de controle social, buscando que sejam garantidos os direitos da população, sobretudo no que tange ao direito à cidade, que muitas vezes é negado às populações pobres no intuito de pressionar o Estado que viabilize por meio de políticas públicas o acesso a equipamentos coletivos e infra-estrutura necessárias ao melhor aproveitamento do espaço urbano, como no caso estudado do Assentamento popular Airton Sena, que a prefeitura do Recife, por meio do Programa Capibaribe Melhor, prevê melhorias na infra-estrutura da área, visando diminuir as desiguais formas de residir no território.

REFERÊNCIAS

ENGELS, Friedrich. A questão da habitação. Belo Horizonte: Aldeia Global, 1979.

MACHADO, Regina Coeli Vieira. Rio Capibaribe, Recife, PE. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2009.

MARICATO, Ermínia. Reabilitação de centros urbanos e habitação social. in: ______. Brasil, cidades: Alternativas para a crise urbana. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. (125-151)

_______. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. Planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, Otília et. al. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 4 ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2007. (121 ? 192)

MIRANDA, Lívia. Desenvolvimento Humano e Habitação no Recife. Disponível em: . Acesso em: 09/11/2009.

PIQUET, Rosélia. Os marcos da intervenção do Estado no urbano. In: ______; RIBEIRO, Ana Clara Torres. O desenvolvimento urbano em questão: textos didáticos. 2. ed. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2001.(09-39)

PREFEITURA DO RECIFE. Atlas do Desenvolvimento Humano no Recife. Recife, 2005. Disponível em . Acesso em 09/11/2009.

________. Projeto Capibaribe Melhor: Avaliação Ambiental. Recife, 2005. Disponível em: . Acesso em: 06/11/2009.

SOUZA, Filipe Costa de. Políticas públicas em infra-estrutura e desenvolvimento em Pernambuco: a experiência recente. TCC - Bacharelado em ciências sociais econômicas . UNICAP. Centro de ciências sociais (CCS) Depto. de economia e administração. Recife: 2005.





Autor: Kássia Cristina Uchôa Soares Barbosa


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