Movimentos e Lutas Sociais no Campo; Teoria e Prática na educação Rural.



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Dias, Mª Irenilda de Sousa: Cooperóloga; Esecialista em Gestão Social da Educação Rural e
Profissionalização de Agricultores e em Metodologia do Ensino Superior; MsC. em Hisória, Direitos
Humanos, Território e Cultura no Brasil e América Latina; Extensionista da Emater ? RO.
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Movimentos e Lutas Sociais no Campo.
Mª Irenilda de Sousa Dias.
Antes mesmo que as lutas sociais no Brasil se desenvolvessem estritamente ligadas à questão agrária, elas sempre envolviam o espaço rural em função de que as negociações feitas no espaço urbano que iam desde a criação de leis a acordos políticos e comerciais, bem como a comercialização propriamente, inclusive da mão de obra, se davam em torno dos meios para a produção rural.
O fato das lutas populares estarem sempre envolvendo os oprimidos do campo, fosse na condição de homens livres ou como escravos, não significa que estes estivessem defendendo uma causa da própria ideologia, pois constantemente eram usados por pseudo-líderes e quase sempre eram os punidos e ainda qualificados como desordeiros e agitadores. Para Gohn, 1995, embora o desejo de liberdade fosse comum em todas as manifestações populares do século XVIII, os interesses específicos das categorias envolvidas acabavam por desarticular os movimentos, os quais se quebravam em seu intento, quase sempre por não apresentarem um projeto original de ordem interna, mas estavam focados nos ideais europeus e norte americano.
A Conjuração dos Alfaiates na Bahia, em 1798, retrata essa situação de desarticulação. Embora o movimento estivesse bem politizado pela ação de integrantes que a isso se dedicaram, esse episódio mostrou um lado obscuro dos movimentos sociais, como afirma Gohn, 1995, p22: "O processo de desmantelamento da Conjuração Baiana oficializou a prática da delação e das denúncias, com prêmios, recompensas e benesses oficiais". Ainda no dizer de Gohn, para os grupos daquele período, "a democracia era uma idéia e não uma prática".
A análise anterior nos dá o sentimento de que as formas de participação social têm evoluído consideravelmente dentro dos movimentos sociais no Brasil, onde já podemos vivenciar espaços abertos para construção de poder.
Não se pode negar que estratégias usadas no passado para desmantelar os movimentos e impedir o propósito dos grupos sociais ainda continuam sendo, em muitos casos, usadas pelo poder constituído, seja político ou de qualquer outra natureza. Uma das estratégias usadas ainda hoje com grande poder de desmobilização é a tática de apaziguar os ânimos através do "meio favor" e medidas paliativas ou até de desserviços disfarçadas de políticas positivas. Essas estratégias "apaziguadoras" tendem a ser utilizadas sobre os movimentos sindicais dos trabalhadores urbanos que se mostram vulneráveis quanto ao fator empregabilidade, fortalecendo-se ainda em função de hábitos desenvolvidos e necessidades geradas pelo comportamento social urbano. O campesino, nesse aspecto, tem maior grau de independência; consequentemente, seus movimentos tendem a apresentar maior grau de autonomia. Seus objetivos bem fundamentados é que revelam a autenticidade de sua luta.
Na verdade, a grande massa paga um alto preço por não compreender que os movimentos de trabalhadores precisam buscar o "ser mais" que no dizer de Paulo Freire, 1983, "não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos". Completa ainda dizendo que "ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam...".
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Significa dizer que as categorias não podem continuar nos movimentos que têm a mesma causa buscando interesses particulares e divergentes no âmbito interno dos grupos que compõem o movimento.
Um movimento que busca o "ser autêntico" sabe que as bandeiras de uns são as bandeiras de todos se estão na mesma marcha e que não pode impedir o querer ser de cada um. É o caso de se analisar aqui o comportamento de líderes que se perpetuam no poder, à frente dos movimentos ao longo da existência, não formando ou não acreditando na capacidade de outros companheiros de luta. Esses se colocam na posição de canal único de representação do movimento. Também é o caso de movimentos que se julgam na condição de instrumento único de participação para os grupos sociais e acabam por dificultar o avanço das lutas.
Uma vez estabelecida, a ideologia do "ser mais", que se contrapõe ao regime opressor do "ter mais", acaba por se expandir, permitindo-se perder o controle de si mesma. Já não é de quem idealizou, mas a serviço de quem acredita. Nesse percurso ganha também oposição porque assume o caráter de contínua construção para consolidar o que chamamos de democracia ? espaço de participação cujas regras serão sempre inacabadas pela própria natureza a que se propõe o processo.
Com relação à exploração humana exercida pelo regime capitalista de produção que domina a América Latina, os movimentos sociais do campo começam a se dar conta dos seus efeitos e lutam para combatê-la, embora lhes falte ainda compreender a relação de exploração também existente de uns para com os outros dentro da mesma categoria, na medida em que por vezes o outrora oprimido, uma vez passando ao poder, se torna então opressor; ainda assim, mesmo que olhando para fora, confirmam o que parece ser a bandeira principal de luta de um movimento que busca a humanização das relações sociais: "O aspecto mais conseqüente da luta da oposição popular ao regime está ligado à defesa dos direitos humanos, pois atinge o capitalismo latino-americano em sua essência de regime espoliador e caduco" (Freire, 1979, p 160). Ainda para Freire, nesse regime de exploração, "o que prevalece é a realidade de uma economia baseada no trabalho assalariado que faz com que todas as burguesias se tornem solidárias quando se trata de enfrentar a classe operária". Nesse contexto, os movimentos sociais por sua vez, ao permitirem as desarticulações internas, enfraquecem o seu conjunto e seus integrantes tornam-se presas fáceis, por vezes a serviço do opressor. É preciso, portanto, unir-se a uma práxis que afaste o risco do "movimentismo" e viabilize a prática do movimento fundamentada em projetos engajados com o ideal libertário do trabalhador; e que este vá da simples condição de mão de obra à condição do "ser mais" humanizado, que transforma e é transformado pelo exercício da participação, onde questiona, intervém e organiza instrumentos de mudança.
Os movimentos sociais no campo vêm ganhando destaque em sua luta, especialmente pela maneira como têm se dedicado à formação de seus membros, fundada em metodologias que contemplam a formação integral dos agricultores e agricultoras para o agir transformador da realidade social, entendendo o humano como um ser em construção permanente. E talvez porque o espaço agrário, visto em sua forma multidimensional, não se permite ao domínio individual, os campesinos se envolvem numa relação de coletivo como
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forma de dominação e ocupação do espaço onde estão imersos. Desta forma têm construído avanços significativos na história agrária do país.
Gohn, 1995, relata os movimentos e lutas sociais no Brasil, donde extraímos alguns destaques a cerca das lutas campesinas. Nestes, a autora fala de um movimento envolvendo várias categorias (índios, negros e ribeirinhos) reconhecidas hoje como segmentos da agricultura familiar, conhecido como Cabanagem, que se deu no Pará em 1835 e ocupou o poder na província, chegando a constituir um "Governo popular de base índio-camponesa".
Um outro movimento conhecido como Revolução Praieira, em Pernambuco, teve entre seus ideais a reforma agrária e a extinção do latifúndio, e foi uma reação contra a "monarquia baseada na aristocracia agrária escravista". O movimento lutou contra o monopólio comercial estrangeiro e a concorrência aos produtos nacionais exercida pelas importações, sinalizando o desejo nacionalista do estabelecimento de uma economia diferenciada, antes mesmo que o país fosse invadido pela globalização que já fazia exclusão no século XIX.
Um forte foco de resistência do campesinato foram os movimentos messiânicos que embora tivessem conotação religiosa, militavam em função da questão agrária, destacando-se a Revolta de Canudos na Bahia (1874 a 97), que chegou a constituir um "espaço geopolítico totalmente distinto do território nacional". Também em São Paulo destacam-se movimentos como as lutas dos "colonos" das fazendas de café, onde se somava trabalhadores escravos e imigrantes europeus que lutavam contra a injustiça estabelecida no regime de parceria.
Contra a ameaça de expulsão de áreas ocupadas, posseiros criam organizações diversas, destacando-se em 1955 a criação do "Estado Livre de Trombas e Formoso", numa área de 10.000 km² no estado de Goiás, num movimento que recebeu trabalhadores de vários estados brasileiros.
Em 1960, no Rio Grande do sul, cria-se o MASTER- Movimento dos Agricultores Sem Terra, numa luta pela posse de uma área ocupada por 300 famílias de agricultores.
No Nordeste Brasileiro a luta dos campesinos evidenciou-se com a criação das Ligas Camponesas a partir de 1955, quando é criada a primeira liga no Engenho Galiléia, zona da mata de Pernambuco. O movimento ganha força nos anos 60 quando passa a articular a criação de sindicatos entre os camponeses. O movimento é banido em 64, mas deixa plantada a semente da resistência agrária que deu origem a outros movimentos e formas de luta.
Em 1979 é criado o MST ? Movimento dos Sem Terra, o qual a historiografia registra como "A principal frente de luta pela terra no campo" nos anos 90.
Por vezes a luta dos campesinos necessita de apoiadores e assessores que se juntem aos ideais de liberdade e justiça dos trabalhadores e se unam aos movimentos para promover o protagonismo dos envolvidos como se deu nas lutas pela libertação de escravos no país.
Em decorrência da repressão política feita sobre os homens já inseridos no contexto das lutas sociais, e ainda em decorrência das injustiças praticadas no tratamento com a mão de obra feminina por ocasião de sua inserção no mercado de trabalho urbano, as mulheres passam a manifestar publicamente o que antes já faziam nos bastidores das lutas, na condição de apoiadoras dos movimentos. Agora as mulheres começam a aparecer no cenário dos movimentos, como nos
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demais espaços de participação social e política. Na verdade, as mulheres sempre trabalharam, tanto na produção de bens como na produção ideológica, embora esse trabalho tenha estado em função da assunção do poder masculino, o que deixou a mulher sempre na posição de adjutora, "escondida atrás do sucesso dos homens." Mesmo que a voz da mulher esteja saindo de casa para ganhar vez nos espaços sociais, ainda é muito tímida essa participação, especialmente no campo, onde poucas mulheres tomam parte nas organizações, e quando o fazem, estão quase sempre lideradas por homens.
Nas organizações rurais a participação das mulheres é fundamental em todo o processo produtivo. No entanto, raras são as vezes em que as mulheres ocupam cargos, especialmente os de "maior status" e com maior poder de influência e decisão. O mesmo ocorre com os jovens que, se por força da lei são impedidos de assumir posições de responsabilidade, por discriminação dos adultos são considerados incapazes de coordenar os processos. Também porque as lideranças, via de regra, não se interessam em formar sucessores.
Em recente discussão num espaço de participação social em Porto Velho, Rondônia, gerou-se um questionamento a cerca do trabalho dos filhos de agricultores familiares, quando chegou-se à constatação a muito já sabido pelos descendentes e militantes da agricultura que o agricultor trabalha em média 55 anos de sua vida, mais de meio século se assim preferir, até que a previdência social reconheça o seu direito de se aposentar. Embora muitos técnicos e burocratas desconheçam essa realidade, sabe-se que financeiramente é mais barato dizer que é "proibido o trabalho infantil" e que "não se deve incentivar o trabalho da criança, impedindo-lhe a escola". Não se trata de incentivar, nem é que as famílias tirem seus filhos da escola pra explorar sua força de trabalho precocemente, mas trata-se de uma realidade cultural, onde o aprender a ser agricultor começa no espaço das vivências familiares. A lei que ignora as vivências de uma criança do meio rural mais parece querer se eximir da responsabilidade em admitir que o rural tem peculiaridades que exige leis diferenciadas daquelas aplicadas ao meio urbano. O que fazer rural em meio às atividades familiares, diferentemente da venda da mão de obra infantil a empresas rurais ou urbanas, trata-se de uma vivência que possibilita o conhecimento do acúmulo dos saberes da família, carecendo apenas que a escola reconheça essa realidade e sistematize em seus currículos o conteúdo dessa vivência como parte do aprendizado e uma etapa na formação do educando/ jovem agricultor. Para isso, a participação do jovem e dos pais/família na escola, quando da elaboração dos currículos, seria de grande valia e uma cooperação positiva.
A lei e a sociedade urbanizada, esta última em especial, tem reforçado o preconceito em torno das vivências rurais, criando o mito da menor valia aos saberes dos campesinos, forçando os jovens agricultores a saírem de seu meio para buscar "maior valor" nas vivências urbanas. A escola sim, essa precisa chegar mais cedo ao campo, com a proposta de reconhecer esses fazeres como uma dupla forma de participação ? na produção do conhecimento que leva o jovem a melhor desempenhar sua atividade profissional e na produção de bens propriamente. Não é a necessidade familiar da mão de obra que afasta o jovem da escola e lhe rouba o tempo, mas é a escola afastada do campo (nos vários aspectos) que o impede de concluir o ensino regular. A falta de adequação da
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escola à realidade rural tem afastado ou impedido a participação de meninos e meninas, estas últimas em especial. Ainda mesmo quando se tenta superar as distâncias pela existência do transporte escolar e o aparelhamento das escolas pólos, o tempo de deslocamento fatiga e prejudica o rendimento. O calendário escolar parece estar dormindo a séculos da realidade agrícola e não consegue respeitar o tempo diferenciado pra cada situação, pra cada grupo social. Quisera pudesse entender as autoridades da educação que há "tempo de plantar e tempo de colher". Mas esse não é o aspecto mais grave da questão: conteúdos desfocados e impraticáveis inibem a participação do educando na construção do conhecimento, uma vez que não se constrói a partir de bases ocas.
Os movimentos sociais dos povos do campo têm lutado por uma educação mais justa, que considere as peculiaridades do mundo rural. E assim têm surgido pedagogias alternativas à inclusão educacional dos jovens agricultores. É o caso da pedagogia da alternância e da ecopedagogia que têm levado em conta a realidade das famílias rurais, sua práxis e suas necessidades; porém é preciso ainda que se amplie essa prática nas escolas de formação agrícola, assim como a quantidade dessas escolas e dos educadores preparados para essa missão.
Como se pode observar, ainda há muito a se fazer para oportunizar a isonomia da participação dos gêneros e das gerações, e ainda nem ousamos discutir a participação dos idosos ? os mais experientes nas questões rurais, cujos conhecimentos bem que seriam de grande importância dentro das escolas e das organizações sociais de modo geral, embora sua participação tenha ficado à margem dos processos decisórios.
Retomando ainda a questão da participação da mulher nas organizações sociais e nos espaços de construção do poder, bastou que se reconhecesse a existência de empreendimentos informais de produção coletiva para se encontrar a atuação das mulheres como maioria nessas frentes de luta pela vida. O movimento da Economia Solidária, cuja prática é tão antiga quanto a humanidade, inovou em ter reconhecido pelas instituições o fato de que uma economia diferenciada está acontecendo entre os grupos populares e que as mulheres, embora nem sempre estejam à frente da representação dos empreendimentos, estão diretamente envolvidas na produção de bens, serviços e ideologias que sustentam esse movimento secular agora descoberto pelas políticas públicas.
Ironicamente, a permissão para "se distrair" num grupo de vizinhas acabou dando a muitas mulheres a oportunidade que precisavam para desenvolver um potencial reprimido e acabam produzindo muito mais do que "coisas". Elas constroem agora uma liberdade com que muitas nem se permitiam sonhar. Estão participando. E embora a economia solidária seja uma estratégia de enfrentamento à economia capitalista, a cultura do ter mais persistente na mentalidade de muitos é que motivou a liberação de esposas e filhas para se ajuntarem aos grupos de produção. Sabiamente fizeram mais: se uniram pra discutir as relações sociais, de gênero, e fazer a releitura da vida. Isso ocorre porque a participação é um processo educativo e a educação de fato não é um processo neutro.
Os empreendimentos de economia solidária a que nos referimos e onde essas mulheres estão fazendo a oportunidade para participação viabiliza uma prática de ensino ? aprendizagem porque se constituem em ações de construção do
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"ser mais" humanizado. ?São práticas fundadas em relações de colaboração solidária que coloca o ser humano como sujeito e finalidade da atividade laboral, e vão desde a ação de reciprocidade entre vizinhos (grupos informais) até a ação das sociedades cooperativas. Formas que vão sendo construídas no espaço e no tempo dos diferentes contextos socioculturais. As mulheres desses empreendimentos são transformadas e querem transformar a matéria prima mais importante que possuem - sua capacidade, em ação. Elas fazem uma revolução que começa num pequeno espaço de participação, um grupo de produção artesanal, e ganham o sonho de transformar um mundo. E isso é um movimento.
A participação de homens e mulheres no contexto dos empreendimentos solidários tem suscitado um questionamento a cerca da ética dos movimentos e das organizações. As sociedades cooperativas que por vezes têm desvirtuado os seus próprios princípios, agora vivenciam uma releitura de sua prática para que se confirme a verdadeira vocação do movimento cooperativista. Ademais, a cooperativa, como qualquer outra organização social, tem a alma do grupo social que coletivamente exerce sua gestão. ?A organização social caracteriza-se pela existência de três pilares de sustentação: o grupo social que promove a ação; o objetivo definido pelo grupo social envolvido na ação; a estratégia para alcance do objetivo definido pelo grupo social envolvido na ação. Portanto, à medida que os grupos evoluem no seu modo de pensar e agir, também suas organizações evoluem na sua prática enquanto espaço de participação e construção coletiva.
As cooperativas, sindicatos, associações e qualquer outra forma de organização criada no âmbito do movimento campesino vão ser sempre o reflexo do pensamento e da ideologia do campesinato. Lamentavelmente muitas organizações de agricultores, especialmente associações (essas são em maior número), têm sido fabricadas e manipuladas a serviço do poder político e até mesmo do capital, para venda do crédito rural, despejo de equipamentos industriais e insumos agrícolas.
As organizações cuja iniciativa de criação parte da necessidade descoberta e avaliada nos movimentos campesinos, essas resistirão enquanto o movimento subsistir ou até que tenham cumprido sua função social, visto que se constituem em instrumentos viabilizadores da participação social e política dos grupos organizados.
Referencias bibliográficas
1. Gohn, Maria da Glória, Movimentos e Lutas Sociais. Ed. Loyola, S.Paulo, 1995.
2. Freire, Paulo. Multinacionais e Trabalhadores no Brasil. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1979.
3. Freire, Paulo, Pedagogia do Oprimido, 15ª edição. Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1985.
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¹Ruy, Afonso. A Primeira Revolução Social Brasileira ? 1798. São Paulo, Ed. Nacional, 1942.

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Teoria e Prática na Educação Rural
Mª Irenilda de Sousa Dias¹.
A construção do conhecimento requer o aprender e praticar. E somente quem consegue reconstruir algo a partir do que diz ter aprendido pode afirmar que apropriou-se do conhecimento sobre o conteúdo que se dispôs a aprender. Mais ainda, num processo educativo as novas práticas se constroem a partir da análise das características das práticas anteriores, das quais se considera o bom e o que precisa ser renovado. Toda prática gera conhecimento; e como tal, não pode ser desconsiderada para a construção de novos saberes e novas práticas, podendo assim se dizer que a nova maneira de pensar e agir em função do desejo de mudar para melhor é, portanto, o essencial do conhecimento.
Isso requer de quem se propõe educador investimentos positivos na maneira como atua no processo de construção do conhecimento. Se o educador apenas faz saber ao proposto educando que existem fórmulas e respostas das quais ele necessita, não se dispondo a elaborar essas respostas numa cooperação que envolva a experimentação a partir da vivência do educando, apoiada na técnica proposta pelo educador, se não permite, inibe ou dificulta a experimentação dos saberes existentes, priva o educando da compreensão dos fatos, negando a construção do conhecimento.
O educador não pode ser um mero instrumento de repasse da teoria unilateral e conclusiva que não se permita experimentar em sua veracidade e eficiência.
Ao inibir a experimentação das práticas já existentes nas comunidades e desconsiderar o saber local - o conjunto do conhecimento já acumulado, o educador torna-se "invasor da cultura" no local onde propõe a intervenção. Isso ocorre em processos de ensino ? aprendizagem tal como na elaboração de planos de desenvolvimento em processos de gestão pública.
Nesse contexto, é preciso deixar fluir com simplicidade as coisas que são essenciais, tendo a capacidade de diferenciar o que é real do que é forjado no cotidiano da comunidade. O medo do desconhecido como a necessidade de conhecer, não pode ser ainda mais mistificado e tornado complexo.
"A liberdade de mover-nos, de arriscar-nos vem sendo submetida a uma certa padronização de
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fórmulas, ... pelo poder invisível da domesticação alienante que alcança a eficiência extraordinária no que venho chamando burocratização da mente"
( Freire, 1996).
É preciso que o entendimento a cerca dos fatos sejam clareados por quem vivencia.
Assim, o que tem a dizer o educador rural que não vivencia a realidade agrícola e como pretende entregar fórmulas prontas ou regras de desenvolvimento para uma comunidade campesina com quem não interage? O educador não pode agir de modo que torne ainda mais complexo o entendimento das coisas, mas deve ser o facilitador de um processo de desmistificação da realidade local, atuando como ponte para a construção do desenvolvimento que pretende a comunidade.
O processo implica em identificar e promover a junção dos saberes daqueles que pela própria vivência constroem as respostas no enfrentamento de suas necessidades. Por conseguinte, se apropriam do conhecimento gerado para uso nas diversas situações de sua realidade.
O cotidiano de algumas ruralidades é marcado por conformações que tendem a explicar os fatos a partir do sobrenatural. Isso ocorre em função do desconhecimento das razões naturais, no que obviamente o educador, ao colocar-se na posição de alguém que trás as respostas prontas, ainda que as tivesse, não deve inseri-las de forma invasiva. Ao contrário, precisa contextualizar as razões para tais respostas e abrir espaço para a construção do entendimento a cerca da situação exposta.
Tornar complexa uma resposta simples apenas pela vaidade de se fazer necessário, sobrepondo seu próprio saber em detrimento do espaço de construção social, constitui-se num ato irresponsável do educador diante de quem anseia libertação quando a ignorância é o cativeiro das situações indesejáveis a que estão submetidos vários grupos sociais.
Portanto, o exercício da educação rural é também uma questão de ética.
Quando o educador rural se despe das vaidades acadêmicas e aceita pensar e agir como receptor interativo dos saberes da comunidade e não apenas como um pretenso doador, permite o binômio do processo ensino-aprendizagem: o educando lhe mostra o cotidiano das coisas e o educador, por sua vez, lhe abre o leque das razões, do conhecimento racional. Ambos passam a construir mais que respostas pontuais. Constroem juntos o conhecimento.
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"Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, na verdade a educação é uma troca de aprendizagem e conhecimento, através do ato reflexivo e conscientizador" (Freire, 1983).
A construção do conhecimento é um processo dialógico que só pode se dá pela interação dos saberes e culmina com o surgimento de novos saberes. E isso é o fenômeno da educação.
Ao educador, cujo papel é facilitar o processo ensino-aprendizagem, cabe reunir meios, somar recursos e articular condições para que a construção aconteça.
"A direção pedagógica do professor consiste em planejar, organizar e controlar as atividades de ensino, de modo que sejam criadas as condições em que os discentes dominem conscientemente os conhecimentos e métodos da sua aplicação e desenvolvam a iniciativa, a independência de pensamentos e a criatividade" ( Libâneo, 2002).
É necessário que o educador perceba as características da cultura local e as práticas decorrentes dessa cultura e as considere em seus planos, formando um conjunto do saber técnico harmonicamente organizado com o saber do local. Desse modo, torna inteligíveis os conteúdos propostos, permitindo a interação escola ? comunidade, numa perspectiva de mudar para melhor o que a comunidade deseja que seja mudado, entendendo a mudança para melhor como pressuposto do desenvolvimento.
Referências Bibliográficas:
Freire, Paulo. Extensão ou Comunicação? 10 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
Libâneo, J. C. Didática. 21 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2002.
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¹Dias, Mª Irenilda de Sousa. Cooperóloga; Esp. Gestão Social da Educação Rural e Profissionalização de Agricultores; Metodologia do Ensino Superior; MsC. História, Direitos Humanos, Território e Cultura no Brasil e América Latina; Extensionista da Emater-RO.
Autor: Maria Irenilda De Sousa Dias


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Gohn, Maria Da Glória.teoria Dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos E Contemporâneos, 5ª .ed. São Paulo: Loyola, Abril De 2006.