UMA BREVE ANÁLISE DAS DIMENSÕES E INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 11.340/06



1 INTRODUÇÃO

Em decorrência de um drama pessoal de uma cidadã chamada Maria da Penha, sendo então vítima de agressões por parte de seu marido que deixaram marcas permanentes em sua alma e em seu corpo, e que por pouco não ocasionou em sua morte, a República Federativa do Brasil em resposta à sociedade internacional sobre os compromissos firmados por tratados e convenções há mais de dez anos para o combate à violência doméstica contra a mulher, sancionou no dia 07 de agosto de 2006 a Lei11.340/06, que entrou em vigor dia 22 de setembro de 2006, mudando o destino de milhões de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil, onde a cada 15 segundos uma mulher é vítima deste tipo de violência.
É um verdadeiro estatuto no combate à violência doméstica e familiar. Foram muitas as mudanças no ordenamento jurídico: inovações no processo judicial, nos papéis das autoridades policiais e do Ministério Público, alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Uma dessas alterações é a natureza jurídica da ação penal oriunda dessa lei, que vem sendo alvo de discussões e da qual iremos tratar neste trabalho.
Acontece que na prática, os juristas divergem com relação à necessidade de representação da vítima contra o seu agressor, o que interfere sensivelmente na eficácia da Lei em tela, visto que a necessidade dessa representação pode vir a servir como barreira na instauração de inquéritos para apurar os crimes cometidos por esses agressores, uma vez que as vítimas ainda se compadecem de seus companheiros ou mesmo temem suas reações.
Iremos tratar também, do artigo 16 da lei, que prevê a possibilidade de desistência da vítima ao processo em uma audiência especial.
Trataremos das inovações trazidas pela lei, como a criação de varas especializadas para discutir os assuntos que antes só poderiam ser dirimidos em âmbito civil, tais como pensão alimentícia, separação de corpos, o reconhecimento da entidade familiar de pessoas do mesmo sexo, entre outros. A apresentação do presente estudo encontra-se no campo do Direito Penal, Processual Penal e Civil, uma vez que a lei prevê inovações civis dentro da esfera penal. Sendo então embasados através de Doutrina, Legislação, Artigos Jurídicos. Quanto à importância acadêmica, a relevância da discussão desse tema se dá enquanto necessário para a eficácia da Lei ora discutida.
A metodologia na elaboração desta monografia utilizará principalmente as pesquisas bibliográficas, constituída principalmente de artigos científicos e livros.
Serão enfatizadas as conquistas das mulheres a cada Constituição. Destacaremos também o histórico da violência contra mulher no Brasil. Explicaremos o Ciclo de Violência criado pela psiquiatra americana Lenore Walkerl. Dissecaremos os tipos de violência previstos pela lei, faremos uma trajetória pelo histórico das lutas e conquistas contra a violência doméstica no Brasil, e por fim trataremos das ações integradas dos centros de referência de atendimento à mulher em situação de violência e das casas abrigos.
Trataremos da Lei em si, desde sua criação às discussões criadas em torno dela, que são alvos do presente trabalho, destacando a relevância de tais discussões para a eficácia da lei e seu reflexo social.


2 A EVOLUÇÃO FEMININA NO DIREITO E SOCIEDADE


2.1 DIREITOS DA MULHER NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

CONSTITUIÇÃO DE 1934: Pela primeira vez, o constituinte se ocupa da situação jurídica da mulher de forma a proibir distinções ou privilégios em razão do sexo.
CONSTITUIÇÃO DE 1937: Manteve as conquistas das Constituições anteriores e acrescentou o direito ao voto para as mulheres.
CONSTITUIÇÃO DE 1946: Concedeu aposentadoria à mulher com 35 anos de serviços ou compulsoriamente, aos 70 anos de idade; Aos direitos trabalhistas das mulheres é incorporada a proibição de diferença de salário para o mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; O não pagamento da pensão alimentar (inadimplemento) passa a figurar como uma das razões para a prisão civil.
CONSTITUIÇÃO DE 1967: Elaborada pelo Governo Militar. O único avanço no tocante à condição da mulher foi à redução do prazo para a aposentadoria, de 35 anos para 30 anos de serviço.
CONSTITUIÇÃO DE 1969: Não houve alterações com relação aos direitos específicos da mulher.
CONSTITUIÇÃO 1988: O Art. 5º expressa que: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.


Até 1934 as Constituições tão somente afirmavam, de forma genérica, o princípio da igualdade de todos perante a lei, sem, contudo, citar expressamente a proibição da discriminação em função do sexo.
A Constituição de 1988 teve a preocupação de igualar homens e mulheres de forma expressa em vários de seus dispositivos:

CF/88, art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. Parágrafo único do Art. 189 da CF/88: O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei.

CF/88, art. 201, V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202.

CF/88, art. 226, § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

CF/88, art. 7º, XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;


Apesar de que, desde 1934, a Constituição brasileira admite a igualdade de todos perante a lei, a mulher permaneceu em condição de desigualdade.


2.2 HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER


A Violência é um termo de diversos significados, e vem sendo utilizado para nomear desde as formas mais cruéis de tortura até as formas mais sutis da violência que têm lugar no cotidiano da vida social, na família, nas empresas ou em instituições públicas, entre outras. Alguns pesquisadores propõem definições abrangentes da violência que levem em conta o contexto social, a distribuição desigual de bens e informações.
Para compreender a violência devem-se levar em consideração as condições sociais geradoras de violência - sociais, políticas, econômicas e não apenas os episódios agudos, como a violência física explícita. Distingue-se nesse campo de estudo, a delinqüência (ferimentos, assassinatos e mortes), a violência estrutural do Estado e das instituições que reproduzem as condições geradoras de violência e a resistência às condições de desigualdade. Outros autores chamam atenção ao fato de que a preocupação com o problema da violência é recente na história, o que estaria relacionado à modernidade e seus valores de liberdade e felicidade, consolidados na concepção de cidadania e dos direitos humanos. Com base nesses valores, determinadas práticas passam a ser vistas como formas de violência.
A partir da atuação do movimento de mulheres, comportamentos considerados "naturais" passaram a ser classificados como violência - impedir a mulher de trabalhar fora de casa, negar-lhe a possibilidade de sair só ou de ter amigas, impedi-la de escolher o tipo de roupa que deseja usar, impedir sua participação em atividades sociais, agressões domésticas de pequena monta ou desqualificação e humilhações privadas ou em público, as relações sexuais forçadas dentro do casamento. A violência contra a mulher é uma expressão abrangente, incluindo diferentes formas de agressão à integridade corporal, psicológica e sexual. Fatos mais graves também foram duramente criticados pelas organizações feministas.
No Brasil, um marco na história do movimento foi a exigência do fim da impunidade aos criminosos que agiam "em nome da honra". A legítima defesa da honra foi um argumento bastante utilizado por advogados que não hesitavam em denegrir a imagem das mulheres assassinadas para garantir a absolvição de seus clientes. Invertendo os valores de justiça, as vítimas eram acusadas de sedução, infidelidade, luxúria, levando o homem ao desequilíbrio emocional e à atitude extremada do homicídio.
No pólo oposto a situação enfrentada pelos homens, que na grande maioria das vezes são agredidos por pessoas estranhas e no espaço público, a violência contra a mulher ocorre principalmente no espaço doméstico, e é cometida por parceiros, ou outras pessoas com quem as vítimas mantêm relações afetivas ou íntimas, incluindo filhos, sogros, primos e outros parentes. Ela está profundamente arraigada nos hábitos, costumes e comportamentos sócio-culturais. De tal forma que as próprias mulheres encontram dificuldade de romper com as situações de violência, e entre outras coisas, por acreditarem que seus companheiros têm direito de puni-las se acham que elas fizeram algo errado ou infringiram as normas que eles determinaram.
A violência afeta mulheres de todas as idades, raças e classes sociais e tem graves repercussões sociais. Agravos à saúde física e mental, dificuldades no emprego, na aprendizagem, riscos de prostituição, uso de drogas e outros comportamentos de risco. Segundo diversos estudos, com populações de várias partes do mundo, e em diferentes culturas, um grande número de mulheres relata que já foi agredida física, psicológica ou sexualmente, pelo menos uma vez na vida.
Nesse contexto destaca-se a violência sexual, apontada por pesquisadores como uma das principais formas de agressão, que predomina sobre as outras. Embora se classifique a violência em tipos distintos, as diferentes formas de agressão nunca aparecem isoladas. As mulheres estupradas, ou as meninas submetidas ao abuso sexual, em geral são espancadas e sofrem ameaças de toda sorte. Geralmente sob o domínio do medo, elas não denunciam, não procuram ajuda, se fecham em si mesmas e sofrem caladas, até que em alguns casos o fato como a gravidez venha revelar a situação.
A violência física, no mínimo é acompanhada da violência psicológica. Essa diferenciação faz sentido apenas na discussão da abordagem, para que se possa compreender melhor a necessidade que a vítima apresenta ao buscar ajuda. Em qualquer situação, porém, o olhar sobre o problema deve ser o mais amplo possível, para que a mulher, criança ou adolescente agredida, seja vista e acompanhada na sua integralidade.

2.3 O CICLO DA VIOLÊNCIA


A violência doméstica contra a mulher se configura em ciclos, de acordo com a teoria desenvolvida pela psiquiatra americana Lenore Walker, o primeiro ciclo caracteriza-se pela "Fase de Tensão", que costuma consumir emocionalmente a mulher e durante a qual ela geralmente se anula para tentar apaziguar o seu parceiro; A segunda fase é a da "Explosão" , quando ocorre a violência praticamente dita, e segundo a psiquiatra dura em média de 2 a 24 horas; e por fim o ciclo se completa com a fase da tranqüilidade, chamada pela criadora da teoria de "lua de mel" quando o agressor faz juras e promessas.
Não é raro que uma mulher que é agredida há anos acelere a fase da pancadaria para chegar logo à fase da "Lua de mel". (Ver anexo logo abaixo)

Ilustração do Ciclo da Violência:


1º Fase: A Construção da Tensão no Relacionamento;
2º Fase: Explosão da Violência, a prática da violência propriamente dita;
3º Fase: Lua-de-Mel;

Obs: Observa-se em geral uma gradação na prática dessa violência, o que a princípio inicia-se com palavras agressivas pode culminar na morte da vítima.


2.4 TIPOS DE VIOLÊNCIA EXISTENTES


O perverso ciclo da violência doméstica contra a mulher faz com que ela seja tratada como se fosse objeto, é um verdadeiro agravo a dignidade humana.

PSICOLÓGICA: É uma agressão emocional configurada por uma ação ou omissão que causa dano à auto-estima, identidade ou desenvolvimento da pessoa. Se expressando pelas: Injúrias, humilhações, ameaças, chantagem, isolamento da família e amigos, negligência, configurando a vis compulsiva.

FÍSICA: Uso da força que resulta em lesões de natureza leve, grave e gravíssima e o homicídio (último estágio). Ofende a integridade e ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes naquilo que se denomina vis corporalis.

SEXUAL: Ato sexual através da coerção ou intimidação psicológica. Se expressa como: estupro, sexo forçado no casamento, atentado violento ao pudor e assédio sexual. Inclui: carícias indesejadas, exposição de material pornográfico, impedimento do uso de métodos contraceptivos, etc.

PATRIMONIAL: Conduta que configura retenção, subtração, destruição total ou parcial de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, recursos econômicos, recursos de direitos pessoais.

MORAL: Qualquer conduta em que consista calúnia, injúria ou difamação (Crimes contra Honra).

É importante ressaltar que a violência de gênero não discrimina classe social, grau de escolaridade, renda ou idade. É uma violência silenciosa, que afronta a dignidade individual e corrói os valores e a estrutura das famílias.


2.5 MULHERES BRASILEIRAS E A LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A ação do movimento de mulheres brasileiras no enfrentamento da violência doméstica e sexual, de forma mais sistemática, data do final da década de 1970, quando as feministas tiveram participação ativa no desmonte da famosa tese da "legítima defesa da honra". Foi, portanto, no campo do Poder Judiciário a primeira manifestação organizada contra uma expressão cultural tradicionalmente utilizada com êxito pela defesa de homens que assassinavam a mulher (namorada, esposa, companheira). De fato, tal tese, até o final daquela década, encontrava aceitação tranqüila e pacífica nos diversos tribunais do júri do país. Certamente, foi pela atuação insistente do movimento de mulheres, que enfim, em 1991,o Superior Tribunal de Justiça rejeitou essa idéia de forma explícita.
Ainda no final dos anos 1970, alguns grupos feministas, particularmente nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, criaram os SOS Mulher, experiências não-governamentais de atendimento às vítimas de violência e que foram o embrião das delegacias especializadas de atendimento à mulher (DEAM), criadas na década seguinte. É válido ressaltar que as Delegacias da Mulher se expandiram nacionalmente e ganharam visibilidade como espaços necessários à luta contra a violência de gênero.


2.6 MUDANÇAS NO CÓDIGO PENAL

Em 2005, a Lei 11.106, alterou diversos artigos do Código Penal, em grande maioria claramente discriminatórios. Assim, por exemplo, o artigo 5º dessa lei declara revogados os incisos VII e VIII do artigo 107 do Código, que considerava extinta a punibilidade do estuprador que se casasse com a vítima ou quando a vítima se casasse com terceiro e não requeresse o prosseguimento do inquérito ou da ação penal.
A Lei 11.106 também revogou o artigo 219, que considerava crime somente o rapto de mulher "honesta". Da mesma forma, o adultério, culturalmente utilizado como argumento contra as mulheres, deixou de ser considerado crime, tendo sido revogado o artigo 240. Outras alterações foram feitas por essa lei. No artigo 128 do Código, que trata do seqüestro e do cárcere privado, foram criados novos incisos no seu parágrafo 1º, que trata da punição mais grave para esses crimes. Foi alterada também a redação do artigo 215, que diz respeito à posse sexual mediante fraude, e do artigo 216, que trata do atentado ao pudor mediante fraude, retirando-se o qualificativo de "honesta" na caracterização da vítima mulher.
A nova redação do artigo 226, que trata de situações que aumentam a pena, passa a incluir outros agentes, tais como madrasta, tio, cônjuge e companheiro,não previstos até então. Por essa nova redação, fica definitivamente caracterizada a situação de estupro marital ou cometido por companheiro. Já o artigo 231, que tratava do tráfico de mulheres, mudou sua redação para falar de tráfico internacional de pessoas, podendo, portanto, ter como vítimas também os homens.
Além disso, o Código foi acrescido do artigo 231- A, que trata do tráfico interno de pessoas. As importantes alterações introduzidas no Código Penal não incluíram, no entanto, a descriminalização do aborto ou mesmo a ampliação dos permissivos legais para a interrupção voluntária da gravidez além dos já listados no artigo 128, II, apesar de o Estado brasileiro ter assinado os Planos de Ação das Conferências realizadas no Cairo (1994) e em Pequim (1995), que recomendaram, para países que ainda punem essa prática, o abrandamento da punibilidade.
As alterações do Código Penal, em grande medida, foram às indicadas nas Recomendações do Comitê da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), quando se apresentou o Relatório Nacional Brasileiro, em 2004. Esse Comitê também recomendou que o Brasil elaborasse uma lei sobre a violência doméstica contra as mulheres, ratificando, dessa forma, as demandas do movimento feminista. Para os grupos feministas, é importante que a nova legislação retire do âmbito da Lei 9.099/95, portanto da competência dos Juizados Especiais Criminais, os crimes praticados com violência doméstica contra as mulheres.





2.6.1 Legislação polêmica


A Lei 9.099/95 instituiu Juizados Especiais Criminais para julgar delitos considerados de menor potencial ofensivo de pena máxima não superior a dois anos. Por essa lei, o crime de lesão corporal de natureza leve, tipificado no Código Penal, no artigo 129 caput, e o crime de ameaça, previsto no artigo 147, passaram a ser considerados delitos de menor potencial ofensivo. Eles perderam também o caráter de crimes de ação pública (quando qualquer pessoa pode denunciar) e foram transformados em crimes de ação pública condicionada à representação da vítima. Isso significa que a ação penal só tem início a partir de denúncia da própria vítima contra o acusado.
Pela Lei 9.099/95, as Delegacias de Polícia preenchem somente o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), mas não realizam, necessariamente, o inquérito policial. Essa lei prevê, ainda, a possibilidade de conciliação entre a vítima e o agressor, que, se realizada, põe fim ao procedimento judicial. O autor dos crimes de pena não superior a dois anos não perde a sua condição de réu primário.
De modo geral, teoricamente a Lei 9.099/95 apresenta uma solução rápida para o conflito, permitindo a sua composição sem a interferência punitiva do Estado e reforça a possibilidade de aplicação de penas alternativas à prisão. Para muitos, representa um avanço em termos do Direito Penal, considerando-se as partes como tendo o mesmo poder para aceitar ou não o acordo.
No entanto, levando-se em conta a natureza do conflito e a relação de poder presente nos casos de violência doméstica, essa lei acaba por estimular a desistência das mulheres em processar o marido ou companheiro agressor. Com isso, estimula também a idéia de impunidade presente nos costumes e na prática que leva os homens a agredirem as mulheres. Após dez anos da aprovação dessa lei, constata-se que cerca de 70% dos casos que chegam aos Juizados Especiais Criminais envolvem situações de violência doméstica contra as mulheres. Do conjunto desses casos, a grande maioria termina em "conciliação", sem que o Ministério Público ou o juiz tomem conhecimento e sem que as mulheres encontrem uma resposta qualificada do poder público à violência sofrida.
No início da década de 1980, um movimento de mulheres definiu reivindicações que incluíam, na questão da violência, a criação de delegacias de mulheres, centros de referência de atendimento à mulher em situação de violência composto de serviços social, jurídico e psicológico, casas abrigos, linha telefônica de SOS e reestruturação do Instituto Médico-Legal, além da revogação de diversos dispositivos discriminatórios do Código Penal. Essa pauta ganhou espaço político a partir de 1982, no processo de redemocratização do país.
Assim, já em meados daquela década, estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro passaram a contar com conselhos estaduais e Delegacias da Mulher. Em 1985, com a criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, tais demandas foram incluídas na agenda política do governo federal, que estimulou, em boa medida, articulado ao movimento de mulheres, a expansão desses serviços nos estados e municípios.
As lesões corporais e as ameaças contra as mulheres, provocadas por pessoas de sua intimidade, independentemente de uma legislação mais severa ou mais branda contra os agressores, tendem a ter baixa punibilidade, por motivo de seu sexo, ou os crimes de natureza sexual, como o estupro ou o atentado violento ao pudor, ou ainda os praticados com abuso de autoridade por agentes do Estado.
São vários os fatores que estão por trás disso, desde as razões culturais, como no caso da violência doméstica, até as de absoluta fragilidade social da vítima, como nas situações de abuso de autoridade contra mulheres presidiárias.
Nos homicídios praticados por maridos contra as mulheres, os criminosos continuam utilizando a tese da "legítima defesa da honra", apesar de manifestação de sua ilegalidade por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em sentença histórica, de 1991, condenou essa justificativa. Cabe ressaltar que o processo legislativo brasileiro tem sido acompanhado contínua e sistematicamente pelo movimento de mulheres com o objetivo de pressionar o Congresso Nacional a legislar, tendo como meta a igualdade e eqüidade de gênero e impedir as possibilidades de retrocessos.

2.7 AÇÕES INTEGRADAS, CENTROS DE REFERÊNCIA E CASAS ABRIGOS


Em 1996, o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos, que, entre outros compromissos, destacava a implementação das decisões da Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena, de 1993, que define a violência contra as mulheres como violência contra os direitos humanos; além da implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres e da IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, de 1995.
Entre as metas a serem cumpridas pelo governo federal, destacavam-se o apoio: ao Programa Nacional de Combate à Violência contra as Mulheres; à criação de centros integrados de assistência a mulheres sob risco de violência doméstica e sexual; às políticas dos governos estaduais e municipais para prevenção da violência doméstica e sexual contra as mulheres; à pesquisa e divulgação de informações sobre a violência contra as mulheres e sobre formas de proteção e promoção dos direitos da mulher; e ao projeto que trata o estupro como crime contra a pessoa, e não mais como crime contra os costumes.
O Programa Nacional de Combate à Violência contra as Mulheres definiu como principal objetivo a articulação de ações interministeriais de enfrentamento a esse problema, observando as competências das instâncias federal, estadual e municipal e estabelecendo os termos de cooperação e convênios, quando necessário.
Em decorrência dos compromissos assumidos em especial entre o conjunto de mulheres brasileiras, a Secretaria Especial de Políticas para as mulheres desenvolveu, em parceria com o movimento feminista, de mulheres e demais movimentos sociais, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, surgindo então os Centros de Referência de atendimento a mulheres em condição de vítima de violência doméstica, sendo esta uma estrutura essencial ao programa de enfrentamento à violência e a construção da cidadania por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico, de orientação e informação) à mulher em situação de violência.
Devem exercer o papel de articuladores dos serviços organismos governamentais e não governamentais que integram a rede de atendimento às mulheres em situação de vulnerabilidade social, em razão da violência de gênero. Sob a direção do Conselho Nacional, (CNDM) foi elaborado, em 1997, o documento Termo de Referência para a Implantação e Implementação de Casas-Abrigos, que buscava viabilizar a celebração de convênios com estados e municípios para a construção e manutenção desses equipamentos sociais.
Deve-se lembrar que as Constituições estaduais e Leis Orgânicas Municipais prevêem a criação desses serviços. Após a Lei Maria da Penha, as demandas pelos serviços dos centros de referência, e por casas abrigo para as vítimas de violência doméstica aumentaram.

3 A LEI MARIA DA PENHA

Fruto de um longo processo de elaboração, em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a lei 11.340/06 ficou conhecida como "Lei Maria da Penha", por homenagear uma cidadã brasileira que foi vítima de violência doméstica e familiar. A biofarmacêutica Maria da Penha casou-se com Marco Antônio Herredia Viveiros quando tinha 31 anos. Ela relata em seu livro, "Sobrevivi e posso contar" que as agressões começaram após três ou quatro anos do casamento. Primeiro as agressões psicológicas e verbais no sentido de desvalorizar a pessoa. As agressões progrediram.
Em 1983, o então marido de Maria da Penha tentou matá-la, com um tiro nas costas, enquanto ela dormia. Ela ficou paraplégica e acreditou na versão contada por Viveiros à polícia, de que ela teria sido vítima de uma tentativa de assalto. Em outubro daquele ano, quando ela teve alta e retornou para casa, o ex-marido tentou eletrocutá-la, enquanto ela tomava banho.
O caso Maria da Penha chegou ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) por intermédio da própria Maria da Penha, bem como pelo Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher. Em virtude de tal provocação a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou em 16 de abril de 2001 o Relatório 54/2001, documento indispensável ao entendimento da situação da violência doméstica contra a mulher no Brasil. Dada sua repercussão, inclusive internacional, culminou com o advento da "Lei Maria da Penha".
Dentre diversas conclusões o Relatório ressaltou a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação. Mostrando "a falta de cumprimento do compromisso do Brasil em reagir adequadamente à violência doméstica". Mas somente em 08/08/06 foi publicada a lei que entrou em vigor no dia 22/09/2006, para "coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher" (art. 1°).
Foram muitas as mudanças: inovações no processo judicial, nos papéis das autoridades policiais e do Ministério Público, alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Trata-se de um verdadeiro estatuto no enfrentamento à violência doméstica e familiar que tipifica a violência doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos, altera o Código Penal e possibilita que os agressores sejam presos em flagrante, ou tenham sua prisão preventiva decretada, quando ameaçarem a integridade física da mulher e prevê ainda, inéditas medidas de proteção para a mulher que corre risco de vida, como o afastamento compulsório do agressor da vítima.
Porém, a lei 11.340/06 trouxe consigo diversas discussões acerca de sua constitucionalidade e procedibilidade, estas ultimas serão alvo de nossa análise neste trabalho.


3.1 CONQUISTAS DA LEI MARIA DA PENHA


Os avanços da nova lei são muito significativos, segue abaixo um quadro comparativo da evolução ocorrida com o advento da Lei 11.340/2006:

ANTES: LEI MARIA DA PENHA:
Não existia Lei específica sobre a violência contra a mulher Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral)
Não tratava das relações de pessoas do mesmo sexo Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual
Aplicava a Lei dos JECRIMs para casos de violência doméstica. Pena de até dois anos Retira dos JECRIMs a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher
Permitia aplicação de penas pecuniárias como cestas básicas e multa Proíbe aplicação destas penas
Os JECRIMs tratam somente do crime, a questão de família (pensão, separação) tem que ser encaminhada para Vara de Família Prevê a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher com competência abrangente - CÍVEL e CRIMINAL
Procedimento Policial - TCO Prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para com as vítimas
Vítima podia desistir do procedimento na DEAM Vítima somente poderá renunciar perante o Juiz
Vítima, em alguns casos, entregava a intimação ao autor É vedada a entrega da intimação pela mulher ao agressor
Não utilizava a prisão em flagrante do agressor Altera o CPP para possibilitar ao Juiz a decretação da prisão preventiva quando existir riscos à integridade física ou psicológica da mulher
A mulher geralmente não era informada quanto ao andamento dos atos processuais A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão, do agressor
A vítima, em geral, ia desacompanhada de Advogada(o) ou Defensor Público nas audiências A vítima deverá estar acompanhada de Advogado ou Defensor em todos os atos
A violência doméstica contra a mulher não era considerada agravante de pena Altera o Art. 61 do CPB para considerar este tipo de violência como agravante da pena
Pena para o crime de violência contra mulher era de 6 meses a 1 ano A pena do crime de violência doméstica passa a ser de 3 meses a 3 anos
A violência contra a mulher portadora de deficiência não aumenta a pena Pena aumentada em 1/3
Não prevê o comparecimento do agressor a Programas de recuperação e reeducação Altera a Lei de Execuções Penais para permitir que o Juiz determine o comparecimento obrigatório a programas de recuperação e reeducação


É chegada a hora de resgatar a cidadania feminina, é imprescindível a criação de mecanismos de proteção que coloquem a mulher a salvo do seu agressor, para que ela tenha coragem de denunciar sem temer represálias por parte do agressor.



3.2 A NATUREZA DA AÇÃO PENAL ORIUNDA DA LEI MARIA DA PENHA


Uma questão relativa à procedibilidade da Ação Penal oriunda da violência doméstica que vem levantando discussões nos doutrinadores e operadores do Direito diz respeito à natureza dessa ação. Inicialmente o entendimento dos tribunais superiores era de que o delito de lesão corporal de natureza leve era de ação penal pública incondicionada, no entanto recentemente as cortes superiores voltaram a ter um novo posicionamento em relação a esta matéria, onde passou a prevalecer a posição de que é ação penal pública condicionada a representação da vítima, quando se tratar de violência doméstica e familiar contra mulher.
No entanto há divergências quanto à matéria no meio jurídico. Conforme afirmam Gonçalves e Lima (2006, p. 1), senão vejamos:

A Lei não fez expressamente qualquer menção à natureza da ação penal nas infrações de que trata, no entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando-se os princípios que regem a matéria, e os tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos, induz à conclusão que tais crimes não mais dependem da vontade das vítimas para seu processamento.


Afirma ainda sobre esse assunto, Dias (2006, p.07), em artigo publicado na internet:


Com referência às lesões corporais leves e lesões culposas, a exigência de representação não se aplica à violência doméstica. Esses delitos foram considerados de pequeno potencial ofensivo pela Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95, art. 88), mas sua incidência foi expressamente afastada por outra lei de igual hierarquia (Lei 11.340, art. 41): aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95.


Corroborando, Joveli (2006, p. 1), em publicação de artigo virtual, preleciona o seguinte:

Penso, numa análise perfunctória e salvo melhor juízo da interpretação que por certo advirá da melhor doutrina nacional, que não mais depende de representação a ação penal para o crime previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal, quando a vítima for do sexo feminino, não se podendo falar, conseqüentemente, em eventual renúncia à representação em toda a persecução penal respectiva. E assim deve ser por uma simples razão. O legislador quando deseja que apenas uma parcela de determinada lei criminal seja aplicada ou afastada, o faz de forma clara e determinada, como por exemplo, o artigo 94 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), determinando que se aplique o procedimento previsto na Lei 9.099/95, aos crimes previstos naquela Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos.


Por sua vez Sanches e Batista (2006, p. 2), em artigo publicado, concluiram:
Em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada.


Porém tal entendimento não é pacífico, conforme encontramos no Manual de Capacitação Multidisciplinar (2006.3):


O fato é que o crime de lesões corporais simples, por se tratar de delito "de massa", de ocorrência difusa, e em face das suas conseqüências diminutas, sempre gerou inquéritos que, em virtude das prioridades do sempre deficiente aparato de segurança pública, acabavam prescrevendo nas delegacias, promotorias e fóruns, levando a uma situação de quase certa impunidade. Além disso, ocorriam casos ? sobremaneira entre os delitos que envolviam o universo intrafamiliar ? em que a autoria do crime de lesão era negada pelas próprias vítimas, que frequentemente mudavam sua versão em juízo ou mesmo já na delegacia alguns dias depois. Assim sendo, a ação penal pública incondicionada para os crimes de lesão corporal simples, por sua condição de absoluta rigidez, onde não se permitia à vítima sequer uma palavra sob sua condição, não apenas levava a uma situação clara de impunidade, como desviava a atenção dos órgãos policiais e jurídicos, que assim ficavam impedidos de priorizar crimes relevantes.


Acompanho esta última corrente de que é necessária a representação da vítima deste delito de lesão corporal de natureza leve, pois se os crimes de violência doméstica voltarem a ser de ação incondicionada arrebatarão das vítimas o direito de optar sobre sua própria condição, bem como irão sobrecarregar as delegacias e fóruns.





3.3 DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO


O artigo 16 da Lei 11.340/06: "Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público".
Alguns doutrinadores entendem haver falha no caráter processual e social deste artigo, partindo do ponto de que renúncia significa abdicação do exercício de um direito, clara está a impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, quando, na realidade, pretendeu se referir à retratação da representação, ato da vítima, reconsiderando o pedido-autorização antes externado. Mas mesmo essa alternativa encontra óbice na letra do artigo 25 do CPP, que não admite retratação depois de ofertada a denúncia. A audiência tratada no dispositivo em estudo é realizada quando já se tem a denúncia, conforme o final do artigo 16, onde não mais seria admitida a retratação. Assim, a lei em tela configurou uma nova visão ao artigo 25 do CPP e 102 do CP, uma vez que nos casos de violência doméstica e familiar será admitida retratação, mesmo após a oferta de denúncia.
Partindo para o lado social, conforme os Ciclos de violência abordados anteriormente neste trabalho identificaram que o que ocorre na prática é uma reincidência dos agressores de forma gradativa, ou seja, uma agressão que começou com uma leve alteração de voz pode culminar em lesões mais graves. Sendo assim, a possibilidade de "renúncia" ao processo por parte da mulher vítima de violência doméstica deverá se apresentar como um fator de risco a sua própria vida.
Entendem ainda que deveria sim ficar a critério desta mulher o seu envolvimento emocional com esse agressor, mas não a punição que ele deverá sofrer diante do crime cometido, uma vez que o Ministério Público é o titular da ação penal, a ele deveria ficar o critério da punição do agressor, e não à vítima, que não poucas vezes se encontra fragilizada, inclusive emocionalmente para tomar tal decisão.
3.4 AS INOVAÇÕES DE CARATER CIVIL DENTRO DE UMA LEI PENAL


A Lei Maria da Penha inovou, trazendo em seu corpo a criação de varas especializadas, com competência cível e criminal ao mesmo tempo, para punição de crimes cometidos contra a mulher em âmbito familiar e julgamentos de questões que antes só eram tratadas em esfera civil tais como medidas de urgência, que poderão obrigar o agressor a deixar o lar imediatamente; pagamento de pensão alimentícia; determina a separação de corpos ou o afastamento da mulher do lar sem prejuízo dos seus direitos aos bens do casal, guarda dos filhos e alimentos.
No Brasil o Tribunal de Justiça de Mato Grosso foi o primeiro a instalar no país os dois primeiros Juizados, e mais de 100 Varas Criminais que ganharam competência para julgar os crimes de violência contra a mulher. No Rio Grande do Norte já contamos com a presença dessas varas, o que trouxe a funcionalidade de tais inovações de uma lei penal dentro da esfera civil.
Outro aspecto civil abordado pela lei diz respeito ao reconhecimento da entidade familiar de pessoas do mesmo sexo, quando em seu artigo 5º prevê:


Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - omissis
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual." (grifou-se)


Até o advento da lei Maria da Penha a resistência do legislador brasileiro em enfrentar a questão da união homoafetiva, principalmente após o advento do Código Civil de 2002, foi expresso por Pereira (2004, p. 3):
Desta feita, o legislador demonstrou nítido esforço em adaptar-se às novas conquistas. Sua coragem não foi suficiente para impulsioná-lo aos avanços dos sistemas jurídicos mais adiantados; optou pelo esforço de buscar um questionável equilíbrio em meio às controvérsias já enfrentadas pela Doutrina e pela Jurisprudência no dia-a-dia dos Tribunais. Mirando ao longe as modificações que se faziam necessárias, preferiu recuar numa atitude marcada pela dificuldade de confrontar-se com o novo.


O reconhecimento legal da família constituída por vontade expressa, permite uma interpretação no sentido de englobar um casal homossexual, no presente caso, especificamente o casal composto por mulheres.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Procuramos abordar neste estudo as divergências e as inovações trazidas pela Lei Maria da Penha. Enfatizando as conquistas das mulheres a cada constituição, bem como destacando o histórico da violência contra a mulher no Brasil. Exemplificamos o ciclo da violência. Tratamos dos tipos de violência prevista pela lei, da luta das mulheres brasileiras contra a violência doméstica, e da conquista relativa às ações integradas dos centros de referência de atendimento à mulher e casas abrigos.
Versamos também sobre as mudanças no código penal. Já no que diz respeito à Legislação polêmica, explanamos sobre as divergências relacionadas à procedibilidade da lei em si, tais como a necessidade de a vítima representar ou não contra seu agressor, e as conseqüentes barreiras que essa representação ou mesmo a falta dela poderá trazer em relação à eficácia da lei e conseqüentemente a resposta social que ela trará.
Fizemos também um quadro comparativo relativo ao antes e depois da lei. Outro aspecto que abordamos foi à impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, quando se referiu a uma possibilidade de renúncia, quando, na realidade, pretendeu se referir à retratação da representação, uma vez que renúncia significa abdicação do direito de representar. Dentre as fontes pesquisadas concordamos com o entendimento do Manual de Capacitação Multidisciplinar disponível no site da Presidência da República quando afirma que se os crimes de violência doméstica voltarem a ser de ação incondicionada retirarão das vítimas o direito de escolher sobre sua própria condição, bem como irão abarrotar as delegacias e fóruns deste país.
Porém, muitos doutrinadores têm entendido serem tais crimes de ação condicionada à vontade da vítima como Maria Berenice Dias, quando afirma entender que uma vez afastada a lei 9.099 dos crimes de violência doméstica, tais crimes passam a serem de ação pública, não havendo possibilidade de desistência ou renúncia por parte da vítima.
Por fim, tentamos trazer de forma aprovadora as inovações que essa lei prevê em âmbito civil, uma vez que ela cria varas especializadas para tratar de questões cíveis, tais como pensão alimentícia e separação de corpos, questões essas que não poucas vezes são as ensejadoras da própria violência doméstica.



ABSTRACT


The law 11.340/06, also known as Lei Maria da Penha, brought discussions related to its prosecution, such as criminal law enforcement on domestic violence against women. The law changes the Penal Code, allowing an aggressor to be arrested not only in the act of committing an offence, but also preventively, if the aggressor's freedom is determined to be a threat to a victim's life. The law also provides for gender-based crimes against women to be judged in special courts. The law became official in September 22th, 2006 and include new articles, creating new levels of specialization to decrease questions once before made in civil matter such as: Child support, physical separation and recognition of same sex partners. The purpose of the study is to approach doctrinal discussion about the prosecution of the Maria da Penha Law and its power to social efficacy, and also shows the new women?s condition in society exposing the social and juridic conquering.
Word- Key: Violence domestic. Women. Lei Maria da Penha.
REFERÊNCIAS

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. Editora: RT 1ª edição, 2007, São Paulo.

LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Isonomia entre os sexos no sistema jurídico nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

CUNHA, Rogério Sanches. Violência Doméstica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais 2007.

Bastos, Marcelo Lessa. Violência domestica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns Comentários. Disponível em: .

FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi... posso contar. Fortaleza : Edição do autor, 1994

FERREIRA, Cáio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. V. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GONÇALVES, Ana Paula Schwelm. Lima, Fausto Rodrigues de. A lesão corporal na violência doméstica: nova construção jurídica. http://www.cfemea.org.br/violencia/artigosetextos/detalhes.asp?IDTemasDados=35.

JOVELI, José Luiz. Breves considerações acerca da Lei nº 11.340/2006. A questão da representação da ofendida. http://jus.uol.com.br/.

PINTO, Ronaldo Batista. CUNHA, Rogério Sanches. A Lei Maria da Penha e a não aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais. http://www.conjur.com.br/2007-dez-04/lei_maria_penha_usada_juizados_especiais

Manual de Capacitação Multidisciplinar. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/publicacoes/

Autor: Tereza Mariana De Azevêdo


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