CURRAL



CURRAL ( LIVRO ESCRITO POR JOÃO FREIRE RIBEIRO)
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OFERENDA

PARA VOCÊS

Artur Fontes, Costafilho, Alexandre Dumas, Clodomir de Souza e Silva, Mozart Aboim, Abraham de Brito Lima, João Urubu, Tales Vierira da Silva, Teónas Alves Pereira, Almiro Fontes, Mecenas Peixoto, João Esteves, Gil Pimentel, Nilo Tabúa, Armando Portela, Rosalvo Violão, Ariston Ribeiro ? vocês que foram para o exílio da morte, levando a cidade no coração;

VOCÊS,


João de Dó, João Melo, Carnera, Edgard Duarte, Jerson, João Ribeiro, Alfredo Gomes, Argôlo, Guaraci, João Nogueira, Sales de Campos Zão de Cula, João Moreira, Juca Moraes, Chico Bateria,

VOCÊS,

Que são a saudade, a música e a poesia da cidade do meu amor, a alma e o coração destas páginas que são o coração e a alma de Aracaju.

J.F.R.













Prometi a Bartíria, contemplando a dor da su?alma, que contaria a os homens a sua história. O A.B.C. luminoso e trágico da sua vida. Que a todos diria dos seus sonhos e dos seus desenganos. E a vida de Bartíria aqui está como uma advertência aos felizes, para que se lembrem dos desgraçados. E, ao escrevê-la, para que todos se abracem em nome do amor, num socialismo marcante, ainda vejo o vulto de Bartíria, doloroso e exausto, ao sair do café de Pedro Bigodão, dobrando a esquina da rua em que se fora, perdido e só, para o ventre da noite.
"CURRAL" é um livro que a vida escreveu para os meus olhos,
Livro real, onde aparece a dor das meretrizes famintas, que o Poema suaviza como um raio de luar sobre um pântano. Cenas de Aracaju, minha terra natal, quadros da sua alegria e da sua mágoa.
Aquarelas fixadas pela minh?alma nas viagens encantadoras ou tristes do pensamento. Livro da minha terra para o meu povo, espero que CURRAL concorra para que menos grande seja a dor das almas que se arrastam nos cenários da Humana Tragédia, penando de fome nos mocambos sem luz, até que surja, nos horizontes da Terra, a aurora da tão sonhada e tão esperada FRATERNIDADE.

















ARACAJU, É O PORTO DAS LÁGRIMAS


O navio é alegria do cais, a festa colorida dos "maloqueiros".
Dos "maloqueiros" de Aracaju, os que dormem à sombra amiga das pontes, embalados pelas doces cantilenas do mar.
Dos que fumam "maconha", dizem trovas de amor, afiam "peixeiras", esses meninos do cais, sem rumo certo e sem lar, eternos namorados de Janaína que é a Rainha poderosa de todas as águas. Desses malandros que sabem a linguagem dos ventos e dentro das noites plácidas, sonham com mulheres bonitas e perfumadas.
Os que soletram, no A.B.C. das estrelas, poemas ignorados, poemas que são trapos da infância dependurados na alma, nas paragens do coração.
Histórias de Princesas roubadas por homens fortes, aventuras de Pedro Cem, de bandidos ferozes como Lampião e Corisco. Zé Raimundo, fumador de "maconha", chefe dos "maconheiros" que dormiam à sombra da "Ponte do Entreposto", avistou certa noite, assim ele dizia com os olhos esbugalhados, dentro nas águas sussurrantes do rio, uma linda mulher que o chamava com voz de mel e de amor. Atirou-se n?água para pega-la, mas a mulher era um sonho que a correnteza levava. Quase morreu se não fora o auxílio dos companheiros por quem gritara no desespero da correnteza. Mas a mulher, naquela brancura, naquela forma linda a boiar sobre as águas, naqueles cabelos luminosos, naqueles seios de jambo, ficou nos seus olhos num martírio do inferno. A mulher entrou na su?alma, alastrou-se nos seus sentidos. Certo é que Zé Raimundo entristeceu na saudade da Sião que ficou em seus olhos. Morreu na "Ponte do Lima", sem luz de vela nem palavra cristã.
Amanheceu estirado no tablado escuro da Ponte, com um sorriso inefável nos lábios mortos. Mãe Damiana, dona de um "terreiro" nagô, disse a todo o mundo que Janaina levou Zé Raimundo para o País do Aioká, para o Reino-sem-fim-das- águas-luminosas.
A história de Zé Raimundo ficou na memória das doceiras, dos estivadores, na voz do vento que cochicha com a noite, nos ouvidos sempre abertos do cais. No poema de um Poeta que tomava cachaça no "Vaticano", que fazia discursos inflamados nos sindicatos contra o nazismo e cantava no violão modinhas em lá-menor. Um troveiro errante, boêmio, talvez o último cavaleiro da Saudade e do Amor.
O navio é a alegria do cais, o amigo dos "maloqueiros", o consolo das mulheres da rua, a festa sempre nova do porto. A "Atalaia", ao longe, suspendeu o "sinal". O "Benévolo" apareceu na barra, rumando ao "Carvão": Caminhou pr?a cidade.
Lenços no ar, adeuses, lágrimas. Dizem que Aracaju é a cidade das lágrimas. O porto da saudade e do amor. O que mais acompanha o rastro dos navios na saudade dorida dos marinheiros. O apito do "Benévolo", correu a cidade, entrou em todas as casas, silenciou nas areias brancas do "Borborema.
O navio é a alegria do cais, a festa colorida dos "maloqueiros", grande esperança das mulheres da rua. Todas sabem que a "Brama", à noite, terá mais fregueses, mais cerveja e mais luz. O piano será mais sonoroso no "5 de Julho", de Brasiliano, e na "Petisqueira" de Fenelon, os quitutes mais saborosos. Automóveis correrão nas estradas da noite, buzinando mais forte, cheios de mulheres alegres, de marujos felizes. A roleta dará mais sorte.
O navio é a alegria do cais, a grande esperança das mulheres da rua: das que ficaram sem nome, sem dono, sem horizonte e sem paz.

















BARTÍRIA, CHOROU A PRIMEIRA LÁGRIMA DO CORAÇÃO



Mal o "Benévolo" atracara na Ponte do Lima, Bartíria ganhou o caminho da terra.
Chegava de Ilhéus, de paragens outras que lhe foram felizes. Vinha rever a família, era o que dizia com granfinismo aos passageiros gulosos de suas carnes, na viagem do mar. Ao cair naquela infelicidade, na vida do mundo, vergonhosa dos seus, arribara. E assim, com os olhos de "peixe-morto", boca escandalosamente pintada, distribuíra as cartas do palpitante baralho da sua vida pelos homens de bordo. Vinha a Aracaju, para rever a família. Trazia bons anéis, dinheiro, vestidos espalhafatosos. Ninguém teria vergonha do seu passado que a roupa, os anéis e o dinheiro encobriam. Chegava triunfante ante os olhos mexeriqueiros e indagadores de Aracaju. Deixara nome em Ilhéus onde depenara vários coronéis do cacau. Coronéis de carteiras recheadas e de almas vazias. Chamou um chofer, pagou adiantado, deu endereço. O auto foi rua em fora. Os homens do comércio penduraram os olhos sobre os seus olhos. Bartíria se despetalava em sorrisos cheios de promessas de amor. Em frente ao "Ponto Chique", um malandro chamou-a de "peixe fresco". Bartíria gostou da piada. Era um bom prenúncio. Com certeza a Rua do Siriri estava cheia de peixes-mortos. Naquele tempo as meretrizes de Aracaju moravam nas "Letras Vogais". O auto parou na casa da letra "O". Bartíria, em grande cena, pulou do automóvel, olhou para todos os lados, bateu de com força os sapatos na calçada, espiou pelo buraco da fechadura. A casa estava vazia. Antes disso, a rua enchera-se de mulheres curiosas, de homens safados, de meninos travessos. Na luz suavissima da manhã radiante, Bartíria decepcionada, chorou a primeira lágrima do coração. A sua família não aparecera para esperá-la o seu telefonema ficou sem destino.
Coisas de Aracaju! ? disse numa frase sem pé nem cabeça. Chamou um moleque, deu-lhe a bagagem, rumou com destino à rua de Laranjeiras.




BARTÍRIA, CORPO DE TARDE LANGUE

Aninha, é a veterana do amor livre em Aracaju.
Pelo seu corpo de estrada, homens peregrinaram de sol a sol. Um mundo de beijos morreu nos seus lábios e seus ouvidos ouviram um milhão de suspiros e de palavras de amor. Diziam que Aninha cheirava a defunto. Aninha, num riso largo, dizia que cheirava a bugarí em noite de lua-cheia. Desse comércio em que se metera juntara alguns cobres. Construíra uma série de pardieiros para o amor, refúgio de burgueses endinheirados, de estudantes boêmios, de velhos pecaminosos. Cortiços célebres na vida mulheril da cidade. Num deles, certa noite, ficou estirado numa poça de sangue, um malandro infeliz. Um jogador que perdera a cartada do pôquer acidentado da sua vida, à procura do pano verde de uns olhos.
Diziam os medrosos que o morto aparecia aos homens que procuravam as mulheres nestas noites de sexta-feira. Aos homens covardes que não defendem as meretrizes nas horas amargas. Aninha, queimava incenso e alecrim do mato para afastá-lo. A fama de Aninha ia longe. Andava de boca em boca, no calor das fornalhas, no segredo dos marinheiros, na alma dos vagabundos, no A.B.C. dos troveiros, nas barcaças de Aracaju. Aninha, cantava ao violão modinhas melosas de outros tempos. Chorava ao ouvir a "Casa Branca da Serra", "Longe, bem longe", "Perdão, Emilia". No seu quarto, pregado na parede, via-se o retrato do Poeta Castro Alves, cujos versos Aninha declamara na mocidade distante, extasiando a família nos dias de festa, nas novenas de Santo Antônio. O nome do Poeta era um pedaço feliz do seu outrora, uma flor sempre viva na sua memória. Estribada na fama de Aninha que ia longe, Bartíria alugou um dos seus quartos. Aninha recebeu Bartíria com brilhos e sorrisos no olhar. Fizera, mentalmente, o arroubamento daquele corpo moço e luxuriante. Corpo de canela da Índia, de tarde langue, de terra amorenada. Corpo feito para o desejo do homem, para as carícias do amor.
... Bartíria, pensou no "peixe-fresco" que ouvira da boca do malandro no Ponto-Chique. O negócio foi rápido. Vinte mil réis semanais, pagamento adiantado e, acima de tudo,- ordem e respeito.


ANINHA, É FRANJA DE REDE ALHEIA

ANINHA, está radiante.
É que o nome de Bartíria já pertence à cidade. É uma tenda de amor na Rua de Laranjeiras. Automóveis estacionam à porta dos cortiços de Aninha. Peregrinos chegam do interior para o amor de Bartíria. As outras mulheres, repudiadas pelos fregueses dos velhos tempos, resmungam e praguejam contra a companheira feliz. Uma multidão pede o prestígio de Aninha para o amor de Bartíria, para o brilho dos seus olhos onde dormem crepúsculos; para o morno dos seus seios pálidos como a estrela da aurora; para os segredos do seu amor. Aninha, fica importante: marca entrevistas, aumenta o preço dos expedientes.
Quando vai ao comércio, dá sempre o braço a Bartíria para que todos a vejam. Corre a cidade. Vai aos lugares mais freqüentados, às matinês do "Rex", "Rio Branco", do "Guarani". Mostra a todo mundo a deusa da sua casa e os olhos da multidão seguem-na e contemplam Bartíria que deixa à sua passagem um delicioso rastro de lasciva e perfume.
Há escândalos familiares: um pobre funcionário, de minguados recursos, com dez filhos às costas mulher e sogra, perdeu a cabeça. Gastou todo o ordenado numa farra em homenagem a Bartíria. Em casa, de manso passou a feroz. Nem a sogra o conteve. Ganhou o mundo indiferente à sorte dos filhos e ao choro da mulher infeliz. Enlouqueceu. Pegaram-no na estação de Itaporanga e hoje vive demente e saudoso da grossa farra, no Hospital Colônia de Psicopatas. Aninha, vibrou ante o acontecido. Bartíria passou a ser a trágica, a vampiro, a irresistível. Famílias respeitáveis mudaram-se da rua de Laranjeiras, como outrora, Ló de Sodoma. Um velho pastor, afirmou do púlpito que Bartíria tinha sete demônios. Mas, mesmo assim, vitoriosa e apetecida, um dia Bartíria entristeceu na casa de Aninha. É que um homem, diferente dos outros que a procuravam, levou a su?alma. Um homem que bebeu a luz dos seus olhos, que mediu a profundeza das suas chagas que os outros não viram. Um homem que lhe falou numa manhã de esperança, num mundo novo sem egoísmos, sem fomes, sem mulheres perdidas. A princípio, Bartíria procurou resistir àquela paixão. Buscou fugir daquele home que despertara a sua alma que jazia adormecida nas curvas da vida, no bojo dos séculos.
Aninha, que tudo farejava, previdente e sábia, estrilou. Resolveu despachar da vida de Bartíria aquele homem estranho, aquele poeta e sonhador sem dinheiro. Aninha sabia a história de inúmeras mulheres que se desgraçaram e morreram de fome levada por palavras bonitas e mentirosas. Aninha lembrava-se do bandido que lhe dera a "VIDA DO POETA", livro que lera de um fôlego, gemendo e suspirando nas noites da sua virgindade assaltada. Sim, do bandido que fora, mais tarde, com o seu dinheiro. Aninha era indústria e comércio zelando pela sua fortuna, pelo esplendor dos seus quartos, pela escrita da sua casa. Mas, Bartíria, amava, perdidamente o seu homem. O homem a quem dera a sua alma, o que afagara o seu coração com estranhas caricias. Os fregueses de Aninha, famintos de amor pelo amor de Bartíria, sentiram o alheio dos seus beijos, o falso dos seus suspiros. Viram que Bartíria andava longe com o pensamento. Julgaram-se roubados e traídos. Revoltaram-se contra Aninha, que, prevendo a vazante da maré de Bartíria, estrilou com mais força:
- não! Não! Aquilo não podia continuar! Bartíria estava enrabichada pelo poeta sem dinheiro!
Bartíria prometeu esquecer o Poeta. Aninha, depois de severa busca, queimou todas as cartas que Bartíria guardava no fundo da mala. Aninha sabia perfeitamente que as cinzas do amor não esfriam; que as cartas não morrem, que são as confidências mais altas do coração. Mas, mesmo assim, queimou todo. Tudo, menos o retrato do miserável que parecia com o que lhe dera entre beijos, num distante passado, a "Vida do Poeta Castro Alves".












BARTÍRIA ? É UM TRAPO DA NOITE QUE O LUAR ESQUECEU.

A voz enchera a paz da noite enorme de palavras de amor.
A voz se derramava do alto de S. Cristovão à procura do coração de Bartíria. Voz sentida e quebrantada de um malandro saudoso num samba pungente de Noel Rosa, acompanhada por violões que prendiam nos bojos sonoros a alma da noite cândida. A lua, imensa e branca, era um estranho bugarí errando na noite, ungindo a terra de uma imensa ternura lírica. No cais do Lima, à sombra da ponte, saveiros dormiam ao balanço das águas de um rio de prata líquida. Dormiam como grandes berços embalando a dor de todos os maloqueiros de Aracaju, de todos os proletários do mundo, de todos os pobres que viviam no cais. Berços que embalavam o sono dos músculos e das almas que ansiavam por um dia de liberdade e de paz, dia que enchesse de luz todos os caminhos da vida em nome de uma grande esperança. Dessa esperança imensa toda cheia da paz da aurora sobre as noites do mar.
A alma de Zé Raimundo era o vento brando que acariciava com mãos invisíveis o cabelo das mulheres aconchegadas como crianças ao peito forte dos marinheiros. Sim, a alma de Zé Raimundo que ainda procurava a mulher que se fora dos seus olhos levada pela correnteza. Grandes adeuses e grandes lembranças rondavam naquela noite o porto de Aracaju, que é o porto das lágrimas. Adeuses dos que partiram à mercê da aventura, levando a paisagem da terra no coração: imensos areais tranquilos, coqueirais de esperança, ruas claras de sol. Fontes do Mané ? Preto, novenas do Santo Antônio, as tardes do Canaã. Adeuses dos que não voltaram, dos que ficaram lá longe, chorando em surdina em terras outras, lembrando Aracaju tão reta e tão clara, toda cheia de sol. A lua, era um estranho bugarí errando na noite. O cais parado na sombra e a sombra falando de amor. De amor que torturava o coração do boêmio do Alto de S. Cristovão. Indiferente a tudo, Aninha falava num quarto para que Bartíria a ouvisse. Falava xingando, ferindo devagarzinho, malvadamente:
- Seis meses, e nem um tostão!...Eu bem que disse, eu bem que disse!
A lua, como que assustada pelas palavras de Aninha, sumiu-se entre nuvens. O malandro, no Alto de S. Cristovão, calou. Só o silêncio era alto na concha da noite. Na rua foliões alegres passavam vindos da "Brama", da "Petisqueira", do "5 de Julho".
Bartíria, nessa desolação infinita, buscou o passado. Mas o passado sempre maltrata a quem o recorda. É o coração da saudade. Bartíria lembrou um soneto de um poeta infeliz, do genial Hermes Fontes, que assim dizia num verso, num verso que d?alma lhe saíra talvez em hora como aquela:
"Que delicia se houvesse o esquecimento"!

Mas, ninguém podia esquecer, ninguém adormecia as patrulhas do coração. Assim ela estava revendo o que sempre procurara olvidar. Um dia que ficou na su?alma parado e sem crepúsculos. Bartíria lembrava a vilazinha alegre em que nascera. A vila de Nossa Senhora do Socorro de Tomár da Cotinguiba, que se crava em suave eminência, como um ninho de paz no cabeço de um monte. Revia a Matriz muito linda, as festas da padroeira na subida do sal. Depois, a Rua do Amparo. Triste rua, atapetada de pessoas que se perderam, adormecida à sombra da Igreja de São Benedito, indiferente à civilização. Rua de altas calçadas cheias de limo verde de velhas rendeiras pelas horas da tarde. Rua de Tá Rufina. Uma negra velha de fala mansa, sempre enfeitada de contas, que rezava o Ofício de Nossa Senhora. Negra que falava de Reis Nagôs, lendários reis do Congo. Que lembrava a Cabínda e a luta nos primeiros engenhos. Nega martirizada na dureza dos "eitos" pelos feitores sem alma, nos ensolarados dias do "corte". Negra santificada pelas suas dores, que também rezava pelo senhor-môço que mamára em seus seios d?ébano e lhe dera a alforria e a paz. Rua de Mestiodozio que lutou no Paraguai, contava proezas de guerra e se dizia amigo de Caxias e Ozório. Nessa rua, num noite morna, Bartíria sentiu o amor num soluço. O amor que a perseguira tão cedo e tão fortemente. Enquanto na Matriz celebravam o Natal de Jesus, ela sentira o natal de sangue do seu amor. Entregara-se amorosamente ao homem amado; dera-lhe o beijo melhor dos seus lábios; o ardor do seu corpo virgem e formoso, a luz mais bela dos seus olhos magoados. Tivera outras noites menos dolorosas para o seu corpo e para o seu sexo.
Depois, a língua afiada, o mexerico das mulheres, a vergonha dos seus, até que um dia, longa espera e nunca mais o retorno do homem-amado para os seus braços. Procurara, nessa agonia imensa, reerguer-se da queda, levantar-se, reagir contra o infortúnio, mas debalde encontrara no coração humano abrigo e consolo para a sua alma. A hipocrisia do mundo fecharam-lhe as portas a que batera. As amigas viravam o rosto à sua passagem e o que mais lhe doía, era saber que nada fizera no ceder aos imperativos do seu amor. E quando não mais podia ocultar o filho que nas suas entranhas era todo inocência, lançaram-lhe à rua, sem abrigo e sem pão, para a grande tragédia da sua vida. Naquela noite Bartíria no lembrar sua história, era flor que se despetalava na tempestade, na rua de Laranjeiras, continuavam a passar os foliões alegres, os bêbedos românticos, as meretrizes ainda esquecidas pela desgraça. Bartíria, adormeceu num soluço: era um trapo da noite que o luar esqueceu...























BARTIRÍA - É VERGA DE SAVEIRO GEMENDO NA TEMPESTADE


Há um ano que Bartíria vive na casa de Aninha.
Os homens, cansados e fartos das suas carícias, fogem do seu corpo que foi bamboleio. É que Bartíria entrou para a lista dos "peixes-mortos". Seu corpo é verga de saveiro gemendo na tempestade, martirizada pelos ventos da noite. Seu leito é praia vazia, perdida para os gozos do amor. Ninguém a procura. Sua cama lembra um pedaço da areia do Cambuís, no alvor dos lençóis, no enfeite das rendas brancas. Há nos olhos de Bartíria a poeira da grande espera. Na sua boca morreram as palavras bonitas da sua mentira. Bartíria sofre, pena na sua mágoa de mulher infeliz.
Seus poucos anos parecem séculos. Os homens adivinharam a sua desgraça. Onde a borboleta dos beijos que voou nos seus lábios?...
Onde os homens que a procuravam famintos das suas carnes, desejosos das suas carícias?
Magra, desfigurada, Bartíria serve de espantalho aos homens que zombam das suas lágrimas, que se vingam das suas zangas no passado feliz.
O batom e o ruge não mais disfarçam a sua tristeza.
Bartíria tosse numa matracar de agonia. Ninguém lhe dá nada. Aninha suga-lhe os últimos cobres graças aos derradeiros anéis que vendera. Aninha só fala em penúria, em desgraça. Bartíria é uma sombra. Um bagaço de amor. Bartíria sente que é um peso na casa de Aninha que precisa de coisa nova, de "peixe-fresco".
Assim, tão só e perdida no meio do mundo, Bartírira foge da casa de Aninha para o Bomfim. Foge dentro da noite, amaldiçoada pelo amor mentiroso de todos os homens, dos que um dia, mendigaram as carícias do seu amor.







NA PAZ DA NOITE, ONDE O "CURRAL" APARECE

O poeta veio da Rua João Pessoa, do centro da cidade, para ver o "CURRAL".
Veio para sondar a dor silenciosa e incompassavel das mulheres da rua.
Das irmãs de BARTÍRIA.
Veio com a lira nas mãos e um grito na alma. Grito de socorro à agonia das que se abismam no lodo e na lama, na lama e no lodo, enquadradas no "CURRAL" da morte, da desgraça, da desesperança e do amor.
E cantou no Poema a tragédia das sombras,- sombras que foram esperanças, sombras que foram vida, sombras que foram amor:


Maria, Amélia, Zefinha,
Já forma novas e belas.
Mas, agora, o que são elas
Assim tossindo, amarelas,
No fundo da camarinha? ...

Maria, Amélia, Zefinha
Já foram moças, donzelas.
Maria que se definha
Coberta de mil mazelas
No fundo da camarinha ...

Tinha a pureza da estrela
Que fulge na madrugada.

Amélia risonha e bela.
Era tarde amorenada,
Não vivia assim prostrada
Tão desgraçada e amarela.


Zefinha, teve brinquedos:
Fora rica e a sorte crúa
Mudou seu riso de lua
Num gemido sem igual.

Maria, Amélia, Zefinha
Já foram novas e belas.
Mas, agora, o que são elas? ...

São farrapos de alegria
Que dor imensa crucia
Nos martírios do "CURRAL".

























A RUA DO BOMFIM, - É A RUA MAIS ALEGRE DE ARACAJU

A rua do Bomfim é a rua mais alegre de Aracaju.
É a rua dos humildes, dos homens que carregam os pesos da vida. A rua dos operários, dos artistas, das casas alegres, da música dos bilros pelas horas da tarde, dos meninos travessos, do "pinga-tostão". É o caminho do Aribé, da casa do Irmão Fêgo, um velho taumaturgo de longas barbas, que faz milagres, que tem a água da fonte de Siloé. É a rua das festas sanjoaninas de Lau Azevedo; das cocadas cor de ouro, do milho assado. A rua que dá para o Cambuís o cemitério dos pobres, dos que entram na terra sem cerimônias como filhos que retornassem à casa materna depois de uma longa viagem. Quando a noite desce com a grande paz das alturas, a Rua do Bomfim é uma festa: operários regressam do trabalho diário, acarinham as esposas, contam aos filhos histórias de Pedro Cem. As casas de "mungunzá" acendem lanternas vermelhas como lábios que sorriem na noite, convidando a freguesia gulosa. Seresteiros cantam, tudo palpita dentro da noite sergipana da Rua alegre. Aos sábados, inúmeras salas de dança funcionam. Os cafés transbordam de fregueses álacres. Misael, ilumina a fachada do "ARABUTAN" e todos vão ver pela milésima vês o grande filme, - "AS AVENTURAS DE BUFALO BIL". Centros espíritas abrem-se com grandes com grandes freqüências às segundas e sextas. Cartomantes, quiromantes, macumbeiros, dão longos expedientes no aliviar os medrosos da vida e da morte. Mas a rua do Bomfim não é só alegria. Também possui lágrimas e tristezas humanas. Meretrizes vivem num cenário de catacumba, de sub-solo. As que chegaram da cidade, as que tiveram cartazes no "5 de Julho" "Brama", na "Petisqueira". As desvalidas que a sociedade esqueceu, depois de atirá-las à rua. Maria, Amélia, Zefinha, buscaram o Curral, deixaram o Bomfim. O "Curral" ... Um verso que Dante esqueceu de escrever nas páginas do seu "Inferno". O inferno de Aracaju, o Curral. Ali, naquele quadrado de casas miseráveis, de mocambos escuros fincados na terra, vive e se é que vive, a borra da humanidade que ficou no fundo da vida. Mocambos mal-assombrados, de ventos uivantes como lobos famintos. Ventos que vem da outra vida assoprados pelas bocas da morte. Lágrimas e beijos, beijos e lágrimas, gemidos longos que o silêncio estrangula. E na noite sem paz para os que vivem no Curral infeliz. Candieiros com língua de fumo e fogo cauterizando o barro das paredes sem reboco, iluminando com uma luz de agonia a tragédia das almas. Curral, porto das que vão partir para os reinos da Morte, cais sem retorno, rima de um poema de sangue. Abrigo temporário das galeras desarvoradas do amor. Lenço das grandes lágrimas dos olhos da suprema tristeza. Maria, Amélia, Zefinha... fome sem pão, desesperança, agonia. Nomes sem eco ante a surdez dos ouvidos felizes. Curral, cemitério de sombras vias de onde a Morte, com longas mãos piedosas leva para o Cambuís o farrapo silencioso das que amaram , sofreram e morreram sem luz.




























MÃE DAMIANA NÃO VIU YEMANJA


Noite de Umbanda, noite d?África, noite de há milênios, noite inquietante, morna, cheia de farrapos da Eternidade. Velhos "babalaôs" rezam a oração dos mortos pelos Reis de Angola, pelos Reis de Congo, pelos Reis da Costa.
Carapinhas brancas de lua iluminam o Mistério.
O Rei Saravak ronda na invocação esplendente dos "orixás" poderosos. O silêncio é solene na poesia da Morte: há lágrimas nos olhos amedrontados da Vida...
MÃE, DAMIANA, aparece, cheia de simbolismo do Nada.
É a hora sagrada, a hora do "arrebate".
Zabumbas e atabaques rasgam as mortalhas de um silêncio de seda e de paz.
Ervas cheirosas embalsamam o "terreiro" onde longa é a noite. Longa, estirada no tempo, nas estradas do espaço.
Noite que avança na própria noite.
Noite que vem dos mundos distantes, do País do Aioká.
Dos reinos de "Oxossí" que ronda o "terreiro", que vive na lua, na noite sem fim. BARTÍRIA é a vida que foge da norte, a mote que ronda o seu corpo moreno de corça do amor.
BARTÍRIA é a dor que procura o alívio.
MÃE DAMIANA recebe Bartíria no seu coração e Bartíria chorando, no choro mais triste, deseja o remédio de D. yemanjá, que é Janaina, a senhora das águas, dos rios do mundo, dos reinos do mar.
DAMIANA olha a noite...
As estrelas distantes espiam o "terreiro": o céu é um mar vazio e sem águas, ilhado de nuvens, de estrelas também.
As danças começam ao som dos tambores, nos ritos do Além.
As ervas e o incenso se evolam no ar.....
As lindas mulatas, vestidas de branco, volteiam a dançar, e Bartíria penando almeja o sossego das sombras errantes, vagando sem lar.
Os "santos" não ouvem a dor de Bartíria... Bartíria é a morte em suprema agonia e Mãe Damiana, no rito solene, não vê Yemanjá.
A noite se alonga, caminha no espaço e se estira no tempo.
Bartíria, coitada, sofrendo mil dores, já sabe o seu fim, pois Mãe Damiana, no rito solene, vestida de branco, com búzios da Costa, não viu Yemanjá...































PEDRO BIGODÃO É O REI DO BOMFIM


PEDRO BIGODÃO, é o rei do Bomfim.
Dentro da noite o seu cabaré convida para o amor os operários, todos os que transitam sob a cumplicidade das sobras amigas.
Bandeirolas de papel de seda ornam o ambiente lascivo, centro da mais perigosa e legítima sífilis nacional. Mulheres tristes, enfeitam de alegres risos mentirosos a caveira da vida. Mulheres que tem fome e morrem matando. Homens fumam charutos baratos e espiam gulosamente o lombo das mulheres que esperam os chamados do amor. Os "bambas" das zonas, lá dentro, na sala dos fundos, dançam ao compasso estridente do "reco-reco". A harmonia tem soluços trementes numa valsa arrastada. O Cabo Vira Mundo, à frente da patrulha, ronda o Bomfim. Pedro Bigodão chama à tenção dos fregueses e meretrizes. Seu cabaré é "ORDEM E FRATERNIDADE".
Bartíria é uma pobre sombra que foi mulher.
É o destino amargo das mulheres da rua. Bartíria, a pedidos, canta ao violão uma modinha saudosa. Ao violão que um malandro dedilha numa expressão de fuga e de sonho.
Canta. ? "Longe, bem longe", de Julio Dantas.
Os "bambas" enleiam-se na voz de Bartíria que chora cantando. A fumaceira dos charutos baratos que fugiram ao luxo do selo, entorpece todas as lamas sempre virgens aos chamados da poesia. Bartíria sabe que essa é a última noite que a vida lhe dá. Sabe que não mais voltará ao "Salgadinho", ao "Castro Alves". Sabe que não há mais lembrança para o seu nome na memória dos que a possuíram no resplendor do passado. Sabe que é baiacu que o mar vomita na praia. Sabe que está no rol das outras que se foram na correnteza, que não mais voltará para o amor que prodigalizara a todos os homens famintos da sua carne, os homens que esmolavam os seus beijos na casa de Aninha. Sabe e pensa no poeta que amara. Onde o mundo de que ele falara todo cheio de paz? Onde essa aurora tão esperada por todos os tristes e por todos os pobres? Assim, no cabaré de Pedro Bigodão, Bartíria esfarrapa as últimas ilusões da su?alma, os últimos sonhos da sua mentira num adeus á vida, sob a indiferença de um céu estrelado. Bartíria sabe que partirá bem cedo do mocambo onde mora quase por piedade das companheiras tristes, para o "Santa Izabel", último porto que receberá o saveiro perdido do seu corpo moreno.
Bartíria termina a canção num soluço que se crava num acorde em surdina:

"Estrela segue à radiosa estrada,
Rescende aromas, orgulhosa flor,
E oh, nunca sonhes que assim foste amada,
Oh, nunca saibas que eu morri de amor!".

Palmas, vivas. Aplausos dos boêmios saudosos, dos bêbados românticos, dos homens do mar, dos operários, dos soldados, dos moleque da rua, dos maloqueiros de Aracaju.
As meretrizes, olham-se medrosas. Sentiram a desgraça que as ronda na voz de Bartíria. Voz que adverte, voz que alanceia, voz o amor moribundo saída da garganta estrelada da noite.
Pedro Bigodão, manda que a harmonia sapeque um chorinho. É mister levantar a moral do seu cabaré, alegrar as almas que por um instante escorregaram na lama da vida. Distribui cachaça de graça. Ri alto para espantar a morte do seu cabaré. Dá um viva ao amor.
Bartíria sai apressadamente. Some-se na noite enorme.
É o fim.
O fim de uma vida que mais parece a viagem de uma flor de sangue, levada pela correnteza da morte, à sarjeta da rua.
Pedro Bigodão sorri satisfeito. O cabaré retorna ao costumeiro ambiente, ao chorinho miúdo na dança a que não faltam rapazes do comércio que se iniciam nos mistérios do amor.
A flor do cabaré é Celeste, uma mulata que se requebra num máxime infernal. Tilintam copos em louvor a Celeste que enrabicha por um sujeito de dente de ouro e de pulso de aço. Branca, faz das suas: agarra o amante e o leva bêbedo e vomitando ao alcouce que o espera.
Zefinha, que não gosta de Branca, exclama:
- Já vai com teu lixo?
- Lixo é tu, coro velho!...
Zefinha, levanta-se, Branca, puxa a peixeira e espera, mas Pedro Bigodão, com voz de comando, faz com que a calma retorne ao "Ordem e Fraternidade" que, livre da sombra de Bartíria que se foi para o catre, é um grito de amor pela noite sem fim...
































NA TERRA SAGRADA DO CAMBUÍS


Na manhã belíssima, Aracaju resplandece no noivado de um sol de novembro.
Um sol que se derrama nas areias, nas areias imaculadas de Aracaju e alegra as lavandeiras do "Mané Preto".
Os cajueiros enchem-se dos primeiros frutos. Ao longo, na "Barra dos Coqueiros", os homens do mar calafetam barcaças e canoas, canoas e saveiros de Aracaju, que são grandes mariposas aquáticas, de velas pandas, rio-abaixo e rio-acima. Saveiros de Maroim e de Laranjeiras ... Laranjeiras, um postal de antanho, adormecida no ninho de gloriosas recordações. Maroim, a terá do padre Dantas, caudilho tonsurado da Democracia a serviço da Liberdade. Saveiros de Aracaju, esquadras de Zé Menino, Mané Brasil, Zé de Quintino e Coréba na luta do comércio de todo dia.
O "Bairro de Santo Antônio", onde mora o Poeta Garcia Rosa, que envelhece sorrindo e cantando no seu amor à beleza, é uma aquarela transfigurante. Rios de luz escorrem da colina para a cidade. As fabricas "Sergipe Industrial" e "Confiança", vibram na música dos teares. Navios cochilam na "Ponte do Lima", do "Entreposto", do "Brown". Trens fumegantes chegam do interior, apinhados de gente, apitando numa alegria doida, atirando fumaça para o rosto branco das nuvens. Nessa hora de tanta luz, de tanta alegria e de tanta vida, no "Santa Izabel", Bartíria sente a aproximação da hora eterna. As sombras da noite sem aurora rondam os seus olhos: que viram o mundo, o mundo das dores, o mundo do sofrimento, do amor.
Bartíria procura gritar, pedir socorro.
A voz quase que já lhe morreu na garganta. Exclama em surdina:
Que foi minha vida?
Onde o sol que iluminou meu caminho?...
- O teu sol é Jesus! Diz-lhe a Irmã que a vigia.
- Sim, Jesus, o amigo dos pobres e dos tristes! ? responde Bartíria.
Seus olhos moribundos, num derradeiro clarão misericordioso, divisam na parede branca da enfermaria silenciosa, Jesus, pregado na Cruz sagrada do seu martírio.
Jesus, o grande incompreendido. O Poeta do Amor e da Paz.o que não dorme e vigia na noite de todas as dores. Bartíria, pena e morre: da sua boca que bebeu o silêncio, corre um fio de sangue. Bartíria morre na Santa Casa, sem epitáfio. Uma freira pálida, cerra-lhe os olhos, cobre-lhe o corpo. Nada mais há daquela que fora um dia um grande imã para o desejo insaciável dos homens. Nada mais a não ser a matéria que a morte regela. Bartíria vai para a terra, a terra silenciosa e sagrada do Cabuís. Não há adeus nem lágrima no seu enterro. Argila dolorosa e humana só a areia a espera no enorme silêncio da sua noite sem astros, em carícias, sem palavras de amor.
Vai à procura do Cambuís levada pela carroça dos pobres ante a indiferença do cocheiro que pigarreia, acende um charuto, coça a cabeça, chicoteia o cavalo. Ele tem pressa. Quer no mais breve aliviar-se daquele trambolho, defunto que nada rende, que não pinga gorjeta. E Bartíria vai rua afora até que o "Cambuís" aparece.
É o fim da viagem, da ultima e dolorosa viagem de Bartíria nos caminhos da terra. O cocheiro, resmungando, entrega uma guia ao coveiro. Depois, algumas pazadas da terra fofa, um corpo que tomba, enxadas que fecham um buraco. No fundo do cemitério maxixes e carrapichos são uma alegre mancha verdejante na areia branca. A vida continua na sua marcha. Aracaju resplandece no noivado de um sol de novembro. Na curva do Aribé, o bonde, num cansaço moroso, range nos trilhos gastos, assuntando as crianças, os travessos meninos do Aribé que espiam o Irmão Fêgo, que, de longas barbas e olhos sonhadores, se vai à procura do Cambuís, sob um céu muito azul.
O "Benevolo" nesse dia, mais uma vez atracou na Ponte do Lima. Granfina, bamboleante, cheirosa, bonita, uma mulher rumou para a terra. Vinha de paragens outras que lhe foram felizes. Os homens sorriam à sua passagem. No Ponto Chique, um malandro chamou-a de peixe-fresco. Inconsciente no seu sonho de louca, a recém-vinda sorriu. Sorriu e nem seque ouviu que os ventos vagabundos soletravam aos seus ouvidos o nome de Bartíria que se perdera na noite.







SANGUE NO MAR AZUL, GRITOS NA NOITE, TRISTEZA NOS COQUEIRAIS

Anos correram no Tempo...
O nome de Bartíria naufragou no passado, perdeu-se da memória dos homens.
Outras mulheres sucederam-na na vida fácil e triste, povoando de sonhos coloridos e passageiros, as casas de Aninha, os "castelos" do Alto Cristovão, os pardieiros de Bá, de Dóra e Glória Bagaço.
Mulheres que, mais adiante, também passariam como estrelas errantes que se abismam na noite.
Muita menina caiu na vida. Levada pela fome ou pela ostentação da falsa riqueza. O "Cambuis", encheu-se de mais cadáveres que se aglomeraram em derredor do túmulo do Dr. Táles, um homem rico e amigo do povo, que desejou adormecer para sempre no cemitério dos pobres, onde as tumbas de areia são varridas pelos ventos eternos e acariciadas pela luz do luar vagabundo.
O "5 de Julho", tornou-se o ponto predileto dos granfinos de Aracaju.
Grandes atrizes chegaram de outras terras, de avião, para o cassino Brasiliano. Cartazes de fama. Bartírias de vento em popa.
Bela Cubana, Cidália Matos, Maria Estér.
Um homem, meio-mulher, cantava em falsete, árias da "Traviata", da "Lúcia" e da "Norma" despertando ódio no seio das meretrizes.
A "BRAHMA" , do Oscar, não resistiu ao "5.
Entrou na vazante. Ninguém aparecia para alegrar suas noites, cheias tão somente dos acordes, ao piano, do velho Lemos.
Só Maria Macaco e meretrizes que esperavam as compulsórias do amor, apareciam no cabaré da Rua João Pessoa, outrora famoso, deslumbrante e freqüentado, quando Betinha cantava lindas canções brejeiras.
O mulherio da Ruas das Estância e dos cortiços da Aninha, só freqüentava o "5", onde corre o dinheiro. Julio Moreno e Julio Morais, são as atrações masculinas do cabaré da Rua de Itabaianinha. Júlio Moreno, filho de Portugal, ao piano, dedilhado por Carlos Rubens, canta enlanguecentes "fados", que assim terminam:

"Quem quer que sejas, não fujas
Da mulher que se perdeu:
- na lama das ruas sujas
Brilham as estrelas do céu.

Morre meu filho de fome,
Ai, meu Deus, quanta aflição!
Quem que comprar o meu corpo
Por um pedaço de pão?..."

Júlio Morais, baritóna trechos clássicos e comanda a reação das mulheres de Aracaju, contra as bailarinas do Sul, apresentado, em grande cena, a "DUQUEZA DO BAL TABARIN"
Ao "cunca" e ao "poker", não faltam parceiros.
Homens apaixonados disputam as mulheres de fora, que sabem sugar as "granas" com voz chorosa, de perene aflição, no fingir grandes paixões, depenando com muita elegância, burgueses ingênuos.
O algodão, é dinheiro vivo e da "chance" aos fazendeiros que chegam do interior, para as noites do "5".
Brasiliano, remoçou vinte anos: bate palmas, fiscaliza as mesas, manda servir a champanha que estoura no delírio sem fim.
Brasiliano, esqueceu revoluções em que se metera, à musica doce da concertina.
O cabaré, no dizer de um malandro, "é cada dia mais respeitável".
Gente chique, advogados, médicos, jornalistas, banqueiros, povoam as noites, maravilhosas do "5", e, quando Maria Ester, no "LA CUMPARSITA", requebra o corpo adorável, serpenteando, serpenteando, todos dizem que o "5" é um ninho de amor.
Aracaju, renovou-se. Um sopro de agitação construtora, correu, despertando o sossego sonolento das suas ruas. ALTENESCH, construiu uma série de bangalôs que se tornaram o encanto de Aracaju. O Carnaval, como nos velhos tempos, nos dias em que esplendiam "Mercurianos" e "Cordovinicos", "Baccho" e "Arranca", reviveu no coração do povo nos três dias alucinantes.
A política, assanhou-se. Surgiram partidos e programas, programas e partidos cheios dos condimentos de sempre, que são palavras de salvação, de esperança, de grandezas para o futuro. A cidade, pegou fogo. Correrias de automóveis pelo interior, nas pregações democráticas, a que não faltavam intrigas do inferno e os terribilíssimos boatos de Aracaju.
No Aribé, Carlos Correia, Avelino Ribeiro e Julio Soares, chamaram aos postos eleitorais amigos e afeiçoados.
Julio Soares, vibrante e irrequieto, que foi sub-delegado de Aracaju por mais de um trintenio, lembrava, sorridente e feliz, as eleições de outrora, "a bico-de-pena" onde apareciam, nas listas de vortação, defuntos e analfabetos, exercendo o direito do voto, reforçando as fileiras dos Partidos mais venturosos.
E, dando um muchocho, como se ainda ouvisse o espocar dos foguetes e a vibração dos dobrados, nos vivas ao Partido vencedor, exclama:
-Bom tempo! Bom tempo!
Nana e Mestre Daniel, macumbeiros de fama, anunciavam vitorias eleitorais e dos tambores dos seus "canzuás", acordavam o silêncio das noites de Aracaju.
Os dias passaram no cortejo fugitivo das horas. Brasiliano, cerrou as portas do "5" e Fenelon, apagou, na "Petisqueira", o fogo das suas panelas.
Aracaju, começo a sentir as desgraças do Mundo...
Já não parecia a cidade lírica que, no passado, com João Teixeira e Horacinho, cantavam ao luar que se refletia, como um cisne de prata, nas águas sonolentas do "Cais Dourado".
Já não era a cidade-menina, de tacape, virgem e nua como nasceu.
Cidade Armando Freire, Antero e Nenen Magro. De Almir Souza, Zão da Cula, Jerson e Nilo Tabua, cantando e sambando nas noites de São João, nem Aracaju, nos esplendores da mocidade, que, no "Grêmio Esmeraldino", à Praça da Matriz, com José Ribeiro, João Campos, João Mascarenhas e Laudelino Freire, dançava valsas vienenses, nas noites inesquecíveis.
Não era mais Aracaju, de Herculano Samango de Alexandre Dumas, da casa de pasto de Luiz Pena, de Robalo Corcunda, de Plácido Gama, de Maria Teles, de Cabo Lino, de Matôsargento, de Pedro Corréto, de Dona Guilhermina. Essa Aracaju bíblica, que dançava nas terras do "Canaan", cheia de cabaças, com Julio Ourives, Izaac e Abrahão. Aracaju de Jeronino-bom-foguinho, de João Cabelo-de-arroz, de Zé Hermenegeldo, de Nezinho, do "doutor" Miguel, de Zé Noxeti, de Troca ?chapeu, de As Lalá, de Jazon Valadão, do lenço afamado de "Seu Batistão", do cantor Madureira.
Essa Aracaju, que vivia sonhando, nos versos de Garcia Rosa e de Artur Fortes. Aracaju de Arestides Peito de Aratú, do inesquecível João Urubú. Essa Aracaju-nunca-mais, de Constancio Vieira, de Milton Tenório, nas traquinadas do Ateneu. Aracaju ilustre, de Alfredo Montes, Severiano Cardoso, Baltazar Goes, Felix Barreto, Bricio Cardoso e do genial Gumercindo Bessa, o solitário da "Fundição". Aracaju, das feiras natalinas, com o carrossel de "Seu Juvenal", com o negro Tobias ao realejo, alegando a meninada travessa. Aracaju, que vendia na quitanda de Zé Jangadeiro,

TATÚS, CAMALEÕES E OUTROS INSETOS.

Aracaju, que inaugurava o Cemitério Santa Izabel, para
- "uso e gozo da população".
Aracaju do "Alhambra", do "Fenix" do "São José", do "Eden" com a flauta de Joaquim Abél, de seu Pugitori, de Simeão do Tagarela, do orador Barbadinho, de Rodrigues Vianna, do Curió-sem-rabo, de Dananinha Parteira, de Sá Bazú.
Da tremenda e terrível polícia do Major Boa Ventura, do Professor Zé Rodrigues, de João Grande, do negro Agripino, que tinha a alma de neve. Dos lambe-sujo, comandados pelo Preto Leandro, dos despachos, dos catimbós, das cheganças, da taieiras, dos parafusos, dos cacumbis, dos reisados que assim cantavam!

"Alevanta, Janeiro,
Da fulo do gaio,
Alevanta a cabeça
Balança o chocaio."

Aracaju da casa Veneza, de Serafim Freire, de Rodrigues Fernandes, Antonio Jorge, Chico da Esquina e João do Beque. De Cocórote, das festas do Pau-Grande, de João Pererué, do Batalhão "21", da Fonte da Nação, da Arueira, da Chacara do Velho Cazuza Barros , de Rei Menino,

"Rei-carrapicho,
Trinco,
Capitão-do-porto,
Almirante,
Rei, meus criados!"

De Carôcha, amorosa e langue, recitando,

"Jolinda, linda, primorosa rosa..."

Aracaju, de Aracaju-não-presta, de Cajueiro e Purcina, de André Doido, de Manzuá, do violino de Mata Escura, de seu Alho, de Jacaré, do delicado Juvino-meu-nêgo, de Maria Inocentinha, de Canção, de João Falador, da bengala "Suzana", do Cabo Luz, de Maria Dente de ouro, de Ritinha, de Pedro Fixa, de Amaral Roskoff, de Zé Dentão, de Pé de Gancho, de Costinha, de Sempre-Viva, de seu Bardomero que,

"com seus olhos de vidraça,
Inventou fogo-de-vista
Com garrafa de cachaça".

Não,- Aracaju era outra: começava a sentir e encarar o problema universal das angustias.
Aracaju, que envelhecia aos poucos, tendo as areias do Borborema, nos primeiros cabelos brancos...
A Europa, tornou-se um horror permanente. Pierrot, substituiu Arlequim. O nazi-fascismo, procurou estrangular os anseios vitalisantes da Liberdade. O clarão dos incêndios do Velho Mundo, chegou ao Brasil.
A nação, ficou em vigília. Num dia triste, Aracaju sentiu fundo o barbarismo nazista, quando, "Benévolo" seu navio querido, desapareceu torpediado nas águas atlânticas. Depois... Sangue no mar azul, gritos na noite, tristeza nos coqueirais.
Cadáveres de crianças, de homens, de mulheres, de soldados, num estranho mosaico de coisas tristes. Deram ás praias de Aracaju, para mais tarde, repousarem, sem epitáfios, no "Cambuís".
Outros, ficaram nas tumbas movediças do mar, no reino verde das grandes águas.
Nos Países de yemanjá que tem os olhos de esmeralda e os cabelos de ouro. Sob as ondas que os ventos embalam e, nas noites imensas, são as orquestrações tremendas da tempestade.
Dentro do mar sem fim, envoltos no Pavilhão Estrelado, sob as bênçãos do "Cruzeiro do Sul".
A dor da Pátria, ecoou em todos os peitos, estrugiu nas pororocas do Rio-Mar, nas coxilhas do Sul, na alma da terra, dos rios e dos céus brasileiros.
Os cabarés, emudeceram na noite. O cais perdeu a alegria. As mulheres da Rua, choravam grandes lagrimas, recordando os seus homens que o mar levou.
O Brasil, levantou-se pela Liberdade, marchou pra os campos da Honra e da Glória, à procura dos seus alevantados destinos na História e no Tempo.


















MENSAGEM AOS HOMENS DE BOA VONTADE


Prometi escrever e escrevi, viva e real, a história de Bartíria, que é um símbolo da vida angustiante das mulheres da rua. Essa promessa, que vem de longe, presenciaram-na companheiros da mocidade, poetas e sonhadores, nós que vivíamos dentro das noites enluaradas, seguindo a Ansou Silva, o grande Poeta, que encarnava, nessas andanças sentimentais, Francois Villon, pela espontaneidade das suas estrofes e pelo inigualável do seu lirismo. Éramos assim, um punhado de corações procurando, em prélios memoráveis de pensamento, o eterno ideal da Beleza.
Tales vieira da Silva e Teónas Pereira, eram os Mirabeu e Musset. Tales, revolucionário e revolucionador nos comícios em que se coroava da palmas e de glórias. Teónas, no soneto impecável, descantando as musas das suas inspirações como essa "CARMOSITA" de fala em "Sociedade" o historiador Sebrão Sobrinho, nosso inseparável companheiro nas lutas do "O CÁLAMO", com Ferraz Alvares, jornal esse onde publicávamos os primeiros versos e os primeiros acrósticos muito ao sabor de Sales de Campos, que, ao violão, dedilhava valsas encantadoras quando não cantava modinhas sentimentais. Como já escrevi no pórtico deste livro, foi no Café de Pedro Bigodão que conheci Bartíria, que me desvelou a história de sua vida que hora apresento aos olhos dos felizes para que se lembrem dos desgraçados. Para focalizá-la tive que percorrer, à luz do sol, enfrentando os olhos mexeriqueiros de Aracaju, alcoces e cabarés, castelos e espeluncas que foram os roteiro de Bartíria desde a sua esplendente chegada no "ANIBAL BENÉVOLO", até o seu repouso final nas areias do Cabuís.
É que o escritor moderno, deve trazer para as paginas das suas obras, não o que lhe dita a inspiração no sentido da arte pela arte, mas o que lhe ditam os lábios da verdade, no observar, longe de gabinetes, a realidade com que a vida, através dos seus múltiplos cenários, movimenta os seus personagens na tragédia ou comicidade dos seu instantes.
É no meio do povo, no contato diuturno com as massas, que se escreve a verdade que merece dita, muito principalmente, na focalização desses assuntos que muita gente não deseja saber, - não por um pudicícia que se justifique, mas por um desumano feriseismo que foge aos ensinamentos do CRISTO, aquele tão esquecido amai-vos uns aos outros, que, posto em prática, seria o alicerce indestrutível da pás e da concórdia universais. Quando iniciamos no "SEGIPE -JORNAL", a publicação dos primeiros capítulos deste livro, recebemos, de um anônimo, uma carta ameaçadora que assim terminava:

"... a sociedade não quer conhecer as misérias e infortúnios dos alcouces.
Mande ver se Freire Riberio não está reclamando um exame de sanidade mental".

Dizer a verdade; paletar com justeza o sofrimento e a dor das multidões infelizes; mostra a vivo o sofrimento amaríssimo das meretrizes que compõem um dos departamentos da Sociedade, - o que merece a nossa grande assistência, - é, no bolorismo dos cérebros estagnados à civilização e aos grandes assuntos sociais, - "caso de exame de sanidade..."
DEO GRATIAS, pela luta e pelo ataque da imbecilidade a este meu livro, filho dileto do meu pensamento a serviço das multidões ulceradas que gemem, penam e morrem, numa das paisagens mais tristes de Aracaju, - esta cidade a que dei a minh?alma e o meu coração.
Sofrer por que se ama, é gozo que se não mede.
Sofrer-se apuros porque se desvela um ponto negro que cancerisa o alvor da areias natais, mancha que merece desaparecer pela ressurreição da fraternidade, é gloria ao que arroteia nos campos do pensamento, muito principalmente na mesma arena em que sofreram a incompreensão dos tartufos, dentre muitos, Prado Sampaio, Manoel dos Passos de Oliveira Teles, e esse Genial Gumercindo Bessa, o solitário da "Fundição" e uma das glórias do Direito, no Continente.
A carta anônima, fruto da verdade que se irradia das paginas do "CURRAL", foi a primeira condecoração que recebeu meu espírito, no desvelar a vida da humanidade infeliz que se abisma nos lodos do meretrício.
Assim este livro é uma Mensagem aos que, no materialismo sempre crescente do Século em que vivemos, ainda não se esqueceram do "amai-vos uns aos outros", do Divino Poeta do Amor e da Paz.
Um grito de socorro, um S. O. S. , ao aniquilamento da meretrizes famintas, a essas sombras da humana agonia que se projetam nas telas de pus e lama do CURRAL infeliz.
As mulheres, que são a dor sem remédio, precisam crer verdadeiramente na FRATERNIDADE e na CARIDADE;na assitência que se propala, todos os dias, em CONGRESSOS, ASSOCIAÇÕES e LIGAS DE DEFESA SOCIAL.
Discursos, não matam fome, flores, enfeitam e poetizam ambientes, mas nas valem diante da chagas que abrem nos corpos apodrecidos; frases de propaganda, refrãos, são clarinadas cujos sons se perdem ao vento da falsa caridade, na ostentação sem limites.
O dia dos felizes, é a noite sem aurora dos desgraçados.
Vamos enviar ao "CURRAL", nas horas alegres, um pouco do nosso riso, da nossa alegria.
Nos bailes, nos aniversários, nas reuniões chiques, vamos fazer correr uma "bolsa" em prol dos famintos do "CURRAL", dos enfermos que ali apodrecem sem a mínima assistência sem o menor conforto.

A SOCIEDADE, tem que se interessar pela miséria e pelo infortúnio dos alcouces, e esse é um dos pontos mais altos do Direito Contemporâneo e da Sociologia, na luta pelo bem do próximo.
Calar ouvidos e cerrar os olhos à miséria dos nossos irmãos desvalidos, é tarefa de fariseu que não engana os olhos eternos e vigilantes do CHRISTO.
Quero que compreendam verdadeiramente o alto e superior sentido deste livro, páginas em que ARACAJU aparece inédita para muita gente que desconhece a dor do "CURRAL", onde se morre à fome todos os dias.
CURRAL, PEDE PÃO,
CURRAL, PEDE AMOR,
CURRAL, PEDE PAZ!...

Sem uma verdadeira assistência e uma compreensão verdadeiramente cristã para todos os desvalidos, caminhamos irremediavelmente para o báratro das revoluções mais sangrentas, frutos do desequilíbrio social, que, como adverte LEÃO XIII,

"dividiram o corpo social em duas classes e cavaram entre elas um imenso abismo".

Numa margem,- os que se desesperam nas lutas da fome, do remédio e do pão; na outra, os que não desejam conhecer as "misérias e infortúnios dos alcouces", a fome das crianças sem lar e a doença que esfarrapa o organismo, pela falta de dinheiro, em remédios de que necessita para a salvação.
Precisamos ser realmente bons e realmente dignos do sacrifício de CRISTO, vítima do nosso caincismo e da nossa maldade.
É LEÃO XII, o Grande Pontífice, que ainda adverte nas páginas eternas da "RERUM NOVARUM":

"O século passado, destruiu sem as substituir por coisa alguma, as corporações antigas, que eram para elas uma proteção; todo o princípio e sentimento religioso desapareceu das leis e instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores isolados e sem defesa têm visto, com o decorrer do Tempo entregues à mercê de senhores desumanos e à cúbica duma concorrência desenfreada.
Uma usura vorás, ( a que chamamos de cambio negro,) veio agravar ainda o mal.
Condenada pela Igreja, não tem deixado de ser praticada sob uma outra forma por homens ávidos de ganância e uma insaciável ambição.
A tudo isto deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papeis de crédito, que se tornam o quinhão de um pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo servil à imensa multidão dos proletários".

O meretrício, é o resultado do desequilíbrio social, filho da fome que devasta a pobreza e concorre para que o "CUURAL" seja um cemitério de sombras vivas.
Vamos lutar cristã e humanamente pelo soerguimento das que tombaram nessa paisagem dolorosa de Aracaju.
Homens de boa-vontade! Lutai pelo saneamento moral e material do "CURRAL" .
Vamos fazer uma campanha eminentemente humana a que não falte o apoio dos ricos, que se não enquadram na passagem EVANGÉLICA.

HOMENS DE BÔA-VONTADE!
No romper das auroras;
Sob o sol intensíssimo das horas
Caniculares;
No desmaio das trades, na sanguínea
Do ocaso;
Nas noites negra ou de luar de carícia,
Todas as horas, todos os instantes,
"CURRAL"
- PEDE PAZ!
- PDEDE PÃO!
- PEDE AMOR!


Aracaju, 1942, à rua Santa Luzia, 575.

Autor: Arionaldo Moura Santos:.


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