Infecções congênitas - parte II - Toxoplasmose congênita



INFECÇÕES CONGÊNITAS ? II
TOXOPLASMOSE CONGÊNITA
Introdução
A toxoplasmose é uma doença infecciosa que, embora disseminada em toda a população mundial, raramente causa problemas; em indivíduos imunocompetentes, na maioria dos casos, a infecção é assintomática.
Em imunodeprimidos, assim como em fetos, a toxoplasmose é uma doença sintomática, podendo ser grave e levar ao óbito.
Etiologia
A toxoplasmose congênita é causada pelo protozoário intracelular Toxoplasma gondii. O homem, assim como outros mamíferos é o hospedeiro intermediário e o gato, o hospedeiro definitivo.
A contaminação materna ocorre pela ingestão de material contaminado:
- Contato com solo ou água contaminados pelas fezes do gato;
- Ingestão de carne crua ou mal cozida contendo oocistos;
- Ingestão de alimentos como verduras mal lavadas.
Após a infecção durante a gravidez, ocorre a transmissão para o feto através da placenta. A toxoplasmose congênita ocorre, em geral, no caso de infecção primária; em outras gestações é raro o acometimento do feto, a menos que a mãe apresente imunodeficiência.
Epidemiologia
Frequência
A incidência da toxoplasmose congênita varia de acordo com a época em que a mãe é infectada. Se a infecção ocorre no primeiro trimestre, o risco fetal é baixo, 14 a 17%, mas a doença é grave, no segundo trimestre o risco de transmissão é de 25 a 30%. Infecção materna no terceiro trimestre causa toxoplasmose congênita em torno de 65% dos RN, mas a doença é leve ou inaparente ao nascimento. Estas variações na incidência de transmissão são devidas ao fluxo sanguíneo da placenta, virulência e quantidade de parasitos e à capacidade imune materna em restringir a parasitemia.
Morbidade/Mortalidade
Em casos agudos, a evolução pode ser fatal no primeiro mês de vida. Em infecções subagudas, os sintomas só se manifestam algum tempo após o nascimento.
Fisiopatologia
As formas ativas do Toxoplasma, taquizoítos, invadem as células, multiplicam-se, causando ruptura das células com liberação de parasitos que irão atacar outras células. Este processo produz áreas de necrose e reação inflamatória. Após a reação imunológica do paciente, o parasita pode permanecer em vários órgãos, sob a forma de cistos, pelo resto da vida.
Nas lesões cerebrais ocorre necrose periventricular e em torno do aqueduto de Sylvius que se torna obstruído, causando hidrocefalia.
Quadro clínico
Apresenta ampla variação. Em 10% dos RN, a infecção é sintomática com quadros leves, moderados ou graves. As manifestações clínicas encontradas são:


ü Sistêmicas
- Prematuridade;
- Retardo do crescimento intrauterino;
- Pneumonia intersticial;
- Síndrome nefrótica;
- Miocardite;
- Hepatoesplenomegalia;
- Icterícia ? com aumento de bilirrubina direta;
ü Neurológicas
- Encefalite;
- Hidrocefalia;
- Convulsões;
- Microcefalia;
- Retardo mental e psicomotor;
- Calcificações cerebrais difusas;
- Surdez neurossensorial.
ü Oculares
- Coriorretinite - bilateral levando à fotofobia, dor, visão turva e escotomas. Geralmente não apresenta sintomas ao nascimento, manifestando-se tardiamente.
- Estrabismo;
- Nistagmo;
- Microftalmia;
- Descolamento de retina;
- Atrofia do nervo ótico.
ü Hematológicas
- Anemia;
- Eosinofilia;
- Trombocitopenia ? levando à púrpura, petéquias e hemorragias.
ü Cutâneas
- Exantema ? maculares, maculopapulares de cor vermelho azuladas.
ü Endócrinas
- Diabetes insípido;
- Puberdade precoce;
- Hipopituitarismo.
Em caso de infecção materna no primeiro trimestre, o quadro é mais grave com comprometimento principalmente neurológico e ocular.

O quadro característico de toxoplasmose congênita é denominado de Tétrade de Sabin:
- Retardo mental;
- Hidrocefalia ou microcefalia
- Calcificações cerebrais difusas;
- Coriorretinite ?
Estes recém-nascidos podem apresentar seqüelas neurológicas graves: retardo mental, convulsões, espasticidade e distúrbios visuais.
Em 90% dos casos, os RN apresentam-se assintomáticos, mas, sem tratamento, podem evoluir com seqüelas neurológicas e oculares. Estas seqüelas podem surgir meses ou anos após o nascimento.
Diagnóstico
RN com suspeita de infecção congênita deverão ser submetidos a uma rotina diagnóstica que compreende avaliação clínica, laboratorial e por imagem:
? Exame físico detalhado

? Avaliação neurológica, auditiva e oftalmológica.

? Laboratório
Sorologia
O diagnóstico é realizado através da detecção de IgG, IgM, IgA e IgE por vários testes sorológicos nos primeiros meses:
- Sabin Feldman ? exame padrão para toxoplasmose, detecta IgG, mas, pela complexidade, é de uso restrito;
- ELISA com captura de IgM ? maior sensibilidade e especificidade;
- ELISA com captura de IgA;
- ISAGA ? reação de aglutinação por imunoabsorção ? maior sensibilidade e especificidade na detecção de IgM, IgA e IgE que o ELISA;
O IgG, inicialmente, não pode ser identificado como do próprio paciente, já que os anticorpos maternos passam através da placenta, devendo ser feita uma curva dos títulos de IgG nos primeiros meses que, caso aumentem, indicam a infecção do RN.
Se a sorologia sugerir infecção congênita, o tratamento será iniciado.
PCR ? em líquido amniótico, sangue e líquor.
Líquor
- Pleocitose;
- Hiperproteinorraquia.
Hemograma.
Provas de função hepática.

? Imagem
- Ultrassonografia;
- Tomografia cerebral ? lesões múltiplas, hipodensas com anel de reforço;
- Ressonância magnética ? exame padrão.
Estes exames são usados para detecção de lesões neurológicas.
Avaliação neurológica, auditiva e oftalmológica.
.Tratamento
O tratamento precoce leva à cura das manifestações e impede as sequelas, por isso, deve ser administrado mesmo em RN assintomáticos.
Medicação
Pirimetamina
Sulfadiazina
Espiramicina
Ácido folínico
Esquema
v Infecção sintomática
- Pirimetamina - 2 mg/kg/dia de 12/12h, durante 2 a 4 dias; 1 mg/kg/dia durante 6 meses; a seguir, 1 mg/kg 3x/semana até 1 ano.
- Sulfadiazina ? 100 mg/kg/dia de 12/12h, durante 1 ano.
- Ácido folínico ? 5 a 10 mg ? 3x/semana.
Em presença de alterações liquóricas, acrescentar Prednisona em dose de 1 mg/kg/dia de 12/12 h enquanto persistirem as alterações com retirada gradual.
v Infecção assintomática
- Pirimetamina + Sulfaziazina + Ácido folínico (doses acima) ? durante 6 meses e, a seguir:
Ciclos mensais alternados - durante mais 6 meses:
- Pirimetamina + Sulfadiazina + Ácido folínico (doses acima)
- Espiramicina ? 100 mg/kg/dia de 12/12h
v Infecção suspeita
- Pirimetamina + Sulfadiazina durante 1 mês e reavaliar o diagnóstico.
v Coriorretinite ? tratar somente se a lesão estiver em atividade.
- Pirimetamina + Sulfadiazina + Prednisona até a regressão da inflamação, pelo menos por 1 mês.
Controle
O paciente deverá receber acompanhamento clínico e as seguintes avaliações:
- Hemograma semanal com contagem de plaquetas - para controle de anemia, trombocitopenia e neutropenia causados pela Pirimetamina;
- EAS ? mensal, para avaliação da toxicidade da Sulfadiazina;
- Sorologia a cada 3 meses, até 1 ano;
- Avaliação neurológica - a cada 6 meses;
- Exame oftalmológico ? a cada 6 meses ou frente a suspeita de comprometimento ocular;
- Avaliação auditiva anual.
Complicações
Portadores de toxoplasmose congênita podem apresentar como seqüelas, retardo mental, surdez, cegueira, convulsões. Estas complicações podem se apresentar em RN assintomáticos ao nascimento, surgindo meses ou anos após.
Prevenção
Importante, principalmente em grávidas:
- Evitar contato com gatos;
- Lavar as mãos após contato com terra;
- Evitar comer carne mal cozida e ovos crus;
- Lavar legumes, verduras e frutas antes do consumo;
- Lavar as mãos após tocar em carne crua;
- Rastreamento sorológico de gestantes ? para identificar fetos em risco.
Conclusão
A toxoplasmose congênita é uma doença com quadro clínico variável, dependendo da época da infecção materna. Pode acarretar seqüelas neurológicas e oculares. A correta avaliação materna e fetal permite o diagnóstico precoce e a instituição do tratamento, que leva à cura e impede o desenvolvimento de seqüelas nos RN sintomáticos e assintomáticos.
Referências:
1) Hokelek M. eMedicine Specialties> Infectious diseases> Parasitic Infections. 2009. www.emedicine.com. Acesso em 30/04/2010.
2) Leblebicioglu H. eMedicine> Pediatrics: General Medicine> Parasitology. 2008. www.emedicine.com. Acesso em 30/04/2010.
3) McLeod R, Remington JS. Toxoplasmose (Toxoplasma gondii). In: Nelson, tratado de pediatria/Robert M. Kliegman... [et al.]. ? 18. ed. ? Rio de Janeiro:Elsevier, 2009. p.1492 ? 1501;
4) Sever JL, Freij BJ. Infecções causadas por vírus e protozoários. In: Avery, neonatologia: fisiopatologia e tratamento do recém-nascido/editoria de MhairiG. MacDonald, Mary M.K. Seshia, Martha D. Mullet; [revisão técnica Marcio Moacyr de Vasconcelos; tradução Marcio Moacyr de Vasconcelos, Patricia Lydie Voeux]. ? Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. p. 1171 ? 1227;
5) Sáfadi PMA, Farhat CK. Toxoplasmose. In: Farhat CK, Carvalho LHFR, Succi RCM, editores. Infectologia Pediátrica. São Paulo: Atheneu; 2007. p. 953 ? 964.
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Autor: Tanha Schmidt


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