Propedêutica Jurídica - Teoria Geral Do Processo - Iniciação



1. CONCEITOS INICIAIS
Todas as pessoas têm direitos e obrigações entre si e perante o Estado. O Ordenamento Jurídico é um sistema de normas que disciplina esses direitos e obrigações individuais, coletivos e recíprocos. Mesmo existindo todo um sistema de regras impostas a toda a sociedade, não raro ocorrem lesões ou ameaças de lesão ao direito dos indivíduos ou ao direito do Estado.  A fim de manter a paz social o Poder Judiciário existe para dirimir as questões que frequentemente surgem em razão dessas lesões ou ameaças de lesão, não sendo permitido aos interessados tomar diretamente as medidas que entendem corretas para fazer valer os seus direitos. Daí a existência do direito de ação.

1.1. Direito de Ação – Jurisdição
Grosso modo, podemos dizer que direito de ação é o direito de pedir a tutela jurisdicional do Estado.
Vejamos alguns elementos desse conceito simples. O Estado, como dito, tem no Poder Judiciário a função de dizer o direito. Dizer o direito é conhecer dos litígios e apontar quem tem razão, pondo assim um fim à lide. Dizer o direito é a essência do Judiciário, sua função por excelência, função essa que tem o nome de jurisdição. Conquanto a palavra jurisdição seja usada no dia-a-dia muitas vezes sem o estrito sentido técnico de função de dizer o direito, esse conceito técnico advém da própria formação dessa palavra: júris + dictio.
Não se confunda com as placas encontradiças nas estradas com dizeres do tipo trecho sob jurisdição do Dersa, ou qualquer outra coisa semelhante; fique tranqüilo também com o emprego de jurisdição como a área de atuação de determinadas autoridades administrativas. Na verdade em nenhum desses casos existe jurisdição. Existe ali circunscrição, ou seja, uma área que está sob os cuidados ou submetida de alguma forma a um órgão público ou entidade da administração em geral.
Da mesma forma, não têm jurisdição os entes públicos ou privados que não pertencem ao Poder Judiciário, ainda que ostentem a denominação de “Tribunal”. Os tribunais da justiça esportiva, por exemplo, não têm jurisdição e não obrigam senão por conveniência dos clubes administrados pelas entidades que mantêm as práticas esportivas, mesmo com pomposos nomes como “Superior Tribunal de Justiça Desportiva” etc. Nem mesmo os Tribunais de Contas. Tanto os dos Estados como o da União, apesar de serem órgãos estatais, pertencem ao Poder Executivo e servem como instrumentos internos de auditoria. Tenha certeza: Tribunais de Contas não compõem o Judiciário e, portanto, não têm jurisdição.
Enfim, jurisdição é a função estatal de dizer o direito. Ao pedir ao Estado que diga qual o direito aplicável em uma dada situação, estamos pedindo que preste sua tutela jurisdicional. De fato, estamos tutelados, no sentido de protegidos, pelo Estado que nos conforta com a aplicação do direito em concreto. Aplicação do direito em concreto significa tão-somente que o Estado diz qual o direito e promove a aplicação desse direito na solução do litígio levado ao seu conhecimento.
O direito de ação, por outro lado, é um direito público e subjetivo. Isso quer dizer que o direito de ação, que toca a todos os indivíduos, sejam pessoas físicas ou jurídicas (subjetivo), por ser de fundamental importância para a paz social, é um direito público, daqueles que não podem sofrer restrições, que não podem ser tirados. O direito do cidadão cobrar uma dívida, por exemplo, não é um direito público, mas sim essencialmente privado. O indivíduo pode livremente incluir em um contrato que deixará de cobrar uma dívida conforme assim deseje. Mas não poderá ser objeto de nenhum acordo que ele deixe de defender seus direitos perante a Justiça dali por diante. Veja bem: o direito de ação pode até não ser exercido, caso o titular do direito prefira não ir ao Judiciário; o que não é possível é retirar-se dele esse direito, independentemente do livre exercício de sua vontade. O direito público, diga-se, mesmo que seja livremente renunciado em um contrato, levará tal cláusula à nulidade, como se não estivesse escrita. Enfim:

1.1.1. Direito de Ação e Jurisdição - Conceitos
Direito de Ação o direito público subjetivo de pedir a tutela jurisdicional do Estado.
Jurisdição é a função do Estado de dizer qual o direito aplicável e promover a aplicação do direito no caso concreto com a finalidade de eliminar os litígios que são levados ao seu conhecimento.
Entendido o que é o direito de ação e o que é jurisdição, devemos nos debruçar sobre o conceito de competência.

1.2. Competência
Na Ciência Jurídica muitos são os termos técnicos retirados do idioma comum, não raro com sentido próprio que muito difere do original. Isso é o que acontece com a noção de competência. Não tem nada a ver com aptidão profissional. Um médico que não ostente o adestramento necessário e exigível para realizar uma cirurgia, por exemplo, será um cirurgião incompetente, como se diz vulgarmente. Já um juiz, por mais brilhante que seja, poderá ser tido por incompetente para julgar uma causa.
Competência é, consoante a doutrina clássica, medida de jurisdição. É preferível abordar o conceito por outro aspecto, até mais intuitivo: competência é critério de distribuição da jurisdição. A jurisdição é exercida pelo Judiciário a todos quantos peçam a tutela jurisdicional, como visto. A jurisdição portanto deve estar distribuída pelos vários órgãos do Judiciário, não só do ponto de vista territorial como pelo tipo de assunto que o juiz deverá decidir.  O homem comum sabe que existem processos criminais e processos cíveis, mesmo que não saiba exatamente tais denominações. Sabe que para assuntos trabalhistas existe um juiz certo que deve ser procurado, não adiantando ir ao Fórum comum que conhece em sua cidade. É isso mesmo. Deve procurar o juiz competente, aquele a quem foi distribuída a jurisdição para assuntos trabalhistas.

1.2.1. Competência - Conceito
Competência é a distribuição da função jurisdicional nos vários órgãos judiciários.
A competência, ou seja, a distribuição da função jurisdicional, se dá por critérios diferentes que podem caracterizá-la como relativa ou absoluta. A competência que obedece ao critério territorial é relativa; as demais formas de competência são absolutas. Oportunamente veremos que existe o critério de distribuição da jurisdição pelo valor da causa, tradicionalmente denominado como valor de alçada. A competência pelo valor de alçada pode ser relativa ou absoluta conforme o particular queira ou não abrir mão do valor que ultrapassa o limite de alçada. Calma, não fique tenso. Mais adiante esses conceitos ficarão mais claros.

1.2.2. Competência territorial – Competência relativa
Tomando como exemplo a Justiça Comum Estadual, o Judiciário se espraia por todo o território do Estado-Membro a que pertence. Assim, as causas sob sua competência estarão necessariamente dentro dos limites físicos do Estado-Membro. As causas ajuizadas por pessoas residentes em São José dos Campos deverão ser conhecidas e julgadas por um juiz da comarca de São José dos Campos.  Não nos preocupemos agora com as exceções, apenas com a regra geral. Essa competência é estabelecida na lei de organização judiciária, em obediência às regras estatuídas na lei processual.
A Justiça Comum Federal divide-se Regiões relativas a grupos de Estados-Membros. Cada Região subdivide-se em Seções Judiciárias tocantes a cada um dos Estados-Membros que compõem a Região. As Seções Judiciárias, por sua vez, subdividem-se em Subseções Judiciárias, que abrangem normalmente mais de uma cidade. Uma ação a ser proposta perante a Justiça Federal por um particular residente na cidade de Jacareí deverá ser conhecida e julgada pelo juiz federal sediado na Subseção Judiciária de São José dos Campos. Mais uma vez: não se preocupe por enquanto com as exceções, apenas com a regra geral.
Todos os ramos do Judiciário dividem-se em áreas territoriais nas quais estão definidas a competência dos vários órgãos jurisdicionais que os compõem. É uma necessidade até de cunho prático. Cada juiz tem o seu território de atuação. Como esse critério de competência se assenta em um aspecto que não leva em consideração questões jurídicas, mas tão-somente de distribuição territorial, a jurisdição assim distribuída é de competência relativa. Isso quer dizer que a regra de competência deve ser obedecida mas, se não o for e ninguém impugnar dentro de certos prazos, o juiz inicialmente incompetente poderá conhecer da causa.

1.2.3. Prorrogação da Competência
Imaginemos que a ação foi proposta por alguém residente na cidade de Jacareí perante a Justiça Comum Estadual de São José dos Campos. O réu não impugna a competência do juiz da comarca de São José dos Campos (teria que fazê-lo no prazo da contestação, em incidente autônomo a ser apensado aos autos principais --- não se preocupe ainda com isso). Ocorre então o fenômeno da prorrogação da competência. O juiz de São José dos Campos a partir de então será competente plenamente para o conhecimento e julgamento da causa. Eis aí, na prática, o caráter relativo da competência territorial: pode ser prorrogada, ou seja, o juiz inicialmente incompetente poderá vir a tornar-se competente caso a parte contrária da ação proposta não ofereça impugnação. Saiba desde logo que essa impugnação à competência é chamada exceção de incompetência. A competência relativa só pode ser impugnada pela parte contrária ao autor da ação, ou seja, pelo réu. O juiz não pode declarar-se incompetente nesse caso. Como se diz no jargão processual, o juiz não pode declarar a incompetência de ofício --- de ofício é uma expressão usada quando o juiz faz alguma coisa ou declara algo por iniciativa própria, sem a provocação ou pedido de nenhuma das partes.
Invocando o exemplo dado para a seara da Justiça Federal, imaginemos que o particular, residente na cidade de Taubaté, ajuizou na Subseção Judiciária de São José dos Campos uma ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social. O juiz federal não poderá remeter os autos para o seu colega da Vara Federal de Taubaté, já que a competência territorial é relativa e o juiz, como visto, não pode declarar-se incompetente de ofício. Se o INSS não oferecer exceção de incompetência, o feito deverá progredir em todos os seus termos perante o juiz federal de São José dos Campos a quem foi originariamente distribuída a causa.

1.2.4. Competência em razão do valor
O conteúdo econômico da lide, ou, no caso de demandas penais, a quantidade de penda prevista em abstrato na lei, é um critério que a lei pode utilizar para fixar a competência de determinados órgãos judiciários. Havia os Tribunais de Alçada na Justiça Estadual, extintos há alguns anos, mas que servem de exemplo. Acima de determinados valores só o Tribunal de Justiça podia julgar os recursos das ações cíveis; no caso de processos-crime, iam para o Tribunal de Alçada Criminal, dentre outros, os processos com condenação exclusiva à pena de detenção, excluindo-se os feitos com condenação à pena de reclusão. Recentemente, com a criação dos Juizados Especiais Federais, a questão voltou a ser relevante no dia-a-dia forense. Até 60 (sessenta) salários mínimos o particular deve ingressar, se a causa versar sobre direito previdenciário, nos Juizados Especiais Federais Previdenciários.
Em princípio a competência em razão do valor é absoluta:
LEI 10.259/2001
Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
(...)
§ 3o No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.
Diz-se em princípio porque situações há em que o rigor se destempera. Se o particular entrou com a ação no Juizado Especial Federal Previdenciário e já na petição inicial deixa expresso que renuncia a eventuais valores que ultrapassem a alçada daquele órgão judiciário, poderá o processo tramitar naquele Juizado.
LEI 9099/95
  Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
(...)
        § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.

1.2.5. Competência absoluta
Fora a competência estabelecida por critério territorial, existem várias outras, definidas por outros critérios, agora sob matiz jurídico. A competência absoluta deve ser avaliada de ofício pelo juiz, podendo eventual incompetência absoluta ser declarada a qualquer tempo. O réu não impugna a competência absoluta através de exceção de incompetência, em apartado, mas sim como preliminar da contestação, nos mesmos autos portanto. Será visto oportunamente.

1.2.6. Competência em razão da matéria
Esse critério distribui a jurisdição conforme o assunto sobre o qual versa o litígio. Um juiz criminal, por óbvio, não conhecerá nem julgará causas relativas a direito de família. Da mesma forma, um juiz trabalhista não poderá julgar uma ação que discute direito eleitoral. Esse tópico em muito se relaciona com a estruturação do próprio Poder Judiciário.
Existem as Justiças especializadas e as Justiças comuns. Justiças Especializadas são a Justiça Militar, a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral. Paralelamente existe a Justiça Comum dos Estados e a Justiça Comum Federal. A distribuição da jurisdição se dá por critério de exclusão: tudo o que não for assunto trabalhista, militar ou eleitoral será conhecido na Justiça comum. O artigo 109 da Constituição Federal elenca os casos de competência da Justiça Comum Federal. Se a matéria não for trabalhista, eleitoral, militar, nem estiver naquelas dispostas no artigo 109 da CF, a causa será conhecida e julgada pela Justiça Comum Estadual. Mesmo no âmbito de uma única comarca poderão existir as Varas Criminais e as Varas Cíveis. Cidades grandes e a capital costumam ter Varas da Justiça Comum especializadas, tais como Varas de Família, Vara das Sucessões, Vara das Execuções Penais, etc. Na Justiça Federal, da mesma forma, existem em uma mesma Subseção Varas de Execuções Fiscais, Varas de Crimes contra o Sistema Financeiro, Varas Previdenciárias etc.

1.2.7. Competência funcional
Esse critério remonta à processualística de Chiovenda. Serve-nos integralmente porque a estruturação do Poder Judiciário distribui a jurisdição também por força da função jurisdicional em particular. Os Prefeitos Municipais são julgados, nos crimes de responsabilidade, pelo Tribunal de Justiça e não pelo juiz criminal que, em tese, teria competência tanto territorial como material para tanto. Ao contrário do que se costuma dizer, a competência funcional não se refere à função da pessoa envolvida, no caso o Prefeito; refere-se à função judicante do Tribunal, que a lei invoca e nela inclui o conhecimento e decisão sobre a causa. Juízes estaduais e juízes federais, desde que cometam delitos, serão julgados pelas suas respectivas Cortes também. É caso de competência funcional. A regra básica é a seguinte: se em tese houver a competência de um determinado juiz, tanto pela matéria como pelo território, mas a lei determinar que o caso em particular seja incluído na função jurisdicional de outro órgão judiciário, ter-se-á competência funcional.

1.2.7.1. Competência em razão da pessoa
Existem muitos que defendem a existência do critério da competência em razão da pessoa. Assim, ao invés de competência funcional, existiria a competência em razão da pessoa para o caso referido dos prefeitos, dos juízes etc. O que importa considerar é que a competência estabelecida, seja considerada funcional, seja considerada em razão da pessoa, é definida em lei e absoluta. Como tal, não é passível de prorrogação.

2. ELEMENTOS DA AÇÃO
Como já destacado, direito de ação é o direito público subjetivo de pedir a tutela jurisdicional do Estado. A ação em si, concretizada perante o Judiciário, é promovida através do ajuizamento de uma petição inicial. Nessa petição inicial o indivíduo, através de Advogado, vai expor os fundamentos de sua pretensão e pedir uma determinada providência jurisdicional. Cada um desses aspectos será oportunamente abordado. Interessa agora apenas considerar quais são os elementos da ação. São eles: partes, objeto e causa de pedir.

2.1. Partes
As partes de uma ação são o autor e o réu. Não há expressões mais tradicionais no direito processual. São também chamados de postulante e postulado, suplicante e suplicado, requerente e requerido etc. Existem ações e incidentes processuais em que as partes têm nome específico. Nos mandados de segurança, por exemplo, o autor é chamado impetrante e o réu (que no mandado de segurança não é propriamente réu) impetrado.

2.1.1. Autor e Réu
Basicamente autor é a pessoa (física ou jurídica) titular do direito que se quer fazer valer em juízo; simetricamente, réu (pessoa física ou jurídica) é aquele em face de quem o autor pretende fazer valer o seu direito. A legitimidade do autor e do réu (ou seja, saber se o autor e o réu estão corretamente apontados na ação) é assunto tocante às condições da ação, ponto que será visto depois.

2.2. Objeto
Objeto da ação é a pretensão em si. Trocando em miúdos, o objeto da ação é aquilo que se pede ao juiz. Orozimbo se julga filho de Austregésilo, conquanto não tenha sido assim reconhecido na lavratura da certidão de nascimento; ingressa com uma ação de investigação de paternidade; o que Orozimbo pede ao juiz? Pede que declare Austregésilo seu pai. Esse é o objeto da ação. Diferente da situação de Temístocles. Acha-se ele lesado em um contrato firmado com Himeneu. Procura a Justiça e em sua ação pede ao juiz que anule o contrato e condene Himeneu em perdas e danos. O objeto da ação é o pedido de anulação do contrato e de condenação em perdas e danos. Infinitos exemplos poderiam ser anexados.

2.3. Causa de Pedir
Causa de pedir são os aspectos que legitimam a pretensão deduzida em juízo, ou seja, são as justificativas do autor para o objeto da ação. Divide-se em causa próxima e causa remota.

2.3.1. Causa próxima
São os fatos em que a pretensão se sustenta. Corresponde àquilo que aconteceu ou que está por acontecer na vida do autor e que o faz necessitado da tutela jurisdicional.

2.3.2. Causa remota
São os fundamentos jurídicos do pedido. É a exposição de como o Ordenamento Jurídico disciplina o direito que o autor busca defender ou reconhecer em juízo.

2.3.2.1. Exemplificando
Olegário deixa de pagar os aluguéis do imóvel locado de Astrogildo, que, assim, resolve ajuizar uma ação judicial. Causa próxima: o fato de Olgário não ter pago os aluguéis. Causa remota: o direito do locador em rescindir o contrato por descumprimento, cobrando perdas e danos.
A lei processual exige que o autor delineie em sua petição inicial os fatos e fundamentos jurídicos do pedido – artigo 282 do CPC – numa alusão expressa à causa próxima e à causa remota da ação.

3. CONDIÇÕES DA AÇÃO
Além de seus elementos constitutivos, a ação apresenta requisitos imprescindíveis para sua validade. Esses requisitos, denominados condições da ação, são a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade para agir e o interesse de agir.

3.1. Possibilidade jurídica do pedido
O pedido submetido ao Judiciário deve ser daqueles plenamente possíveis, isto é, daqueles sobre os quais não recaia nenhuma proibição do Ordenamento Jurídico. Ainda mais: o pedido deve não apenas estar isento de proibições como deve também estar em consonância com o Ordenamento Jurídico para o seu exercício. Assim, conquanto não constitua infração à lei apostar dinheiro (desde que não constitua exploração de loteria desautorizada), é juridicamente impossível fazer a cobrança judicial de uma dívida oriunda de aposta. Por mais forte razão não se pode pedir em juízo a prisão civil do locatário devedor. Não podemos pedir para o juiz nos declarar isentos da tributação fora dos casos previstos na lei.

3.2. Legitimidade para agir
A regra básica é: os direito devem ser defendidos por seus titulares. Se Aritana tem o seu carro furtado, não pode Touro Sentado pleitear em juízo a cobertura do seguro negada administrativamente.
Essa regra comporta exceções como no caso do direito de pessoa absolutamente incapaz. O direito será defendido pelo representante do incapaz, seja seu pai, tutor ou curador, conforme a situação. De qualquer modo, vale a regra-base: não se pode pleitear direitos alheios.
A lei prevê a representação de coletividades por instituições como sindicatos ou associações, mas estritamente naquilo que os respectivos atos constitutivos prevejam e nos termos da lei.
No que pertine aos direitos difusos, o Ministério Público tem legitimidade para agir. Basicamente direitos difusos são aqueles que interessam ao ente coletivo em geral, independentemente de qualquer associação constituída.

3.3. Interesse de agir
Mesmo sendo juridicamente possível o pedido e sendo o titular do direito quem o pretende submeter ao Judiciário, é preciso ainda que exista a necessidade da prestação jurisdicional e a adequação da via processual adotada.

3.3.1. Necessidade da prestação jurisdicional
No que diz respeito à necessidade da tutela jurisdicional, o titular do direito não pode acionar a máquina judiciária se na verdade o direito não tiver sofrido lesão ou não estiver ameaçado de sofrer lesão.
Asdrúbal não pode ingressar no Judiciário e pedir que o juiz declare o seu direito à vida, ou o seu direito de receber gratificação natalina em seu vínculo de emprego celetista.

3.3.2. Adequação da via processual
Filomeno não pode ajuizar uma ação consignatória para pedir a aquisição de domínio imobiliário por usucapião, ou a concessão de benefício previdenciário. A ação e o rito processual devem ser adequados à pretensão, sob pena de falta de interesse de agir.
O mandado de segurança, por hipótese, exige direito líquido e certo, isto é, direito que poder total e plenamente comprovado de plano, já com os documentos que instruem a petição inicial. Se Oristânio ingressa com mandado de segurança para pedir o reconhecimento de direito que exige comprovação por atos a serem realizados (audiência, perícias etc), não tem ele interesse de agir (modalidade adequação).

3.4. Carência de ação
Sempre que faltar quaisquer das condições da ação, diz-se que o autor é carecedor de ação. Carência de ação, portanto, é a ausência de qualquer uma das condições da ação.
Situação relativamente comum no dia-a-dia forense da Justiça Federal é o aforamento de mandados de segurança para pleitear a concessão de benefícios previdenciários. A concessão de um benefício previdenciário subentende a prática de atos administrativos compostos, que demandam um série de averiguações por setores distintos da Autarquia Previdenciária (INSS). O benefício só é concedido se todos os requisitos legais e de fato (é necessário exame médico-pericial) estiverem presentes. Assim , não há interesse processual na modalidade adequação, já que o mandado de segurança é via processual destinada a direitos líquidos e certos, como visto.

Autor: Marco Aurélio Leite da Silva


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