Tênues saberes renascentistas: Breve olhar sobre o hibridismo da tradição mágico-hermética e os primeiros passos da ciência moderna



Paolo Rossi situa a ciência como o produto mais típico da civilização ocidental moderna, oriundo de um "crescimento indefinido que se realiza por um processo de sucessivas autocorreções" e com origens históricas precisas, isto é, na Europa da metade do século XVI ao fim do século XVIII. Em sua análise, o autor procura desenvolver os principais aspectos da formação desta nova forma de conceber e pensar o mundo, pela "nova ciência" e seus métodos, categorias e instituições contrapostas à visão "mágico-hermética" constante nos séculos anteriores.
Da magia renascentista, os considerados modernos acolheram uma ideia central: o saber não é apenas contemplação da verdade, é também "potência" ou "domínio" sobre a natureza face às crescentes necessidades humanas. Rossi critica a desconsideração dos escritores ao longo do tempo a respeito da importância da tradição mágico-hermética no processo de construção da ciência moderna, em que a noção de progresso era cada vez mais preponderante. Isto é, o saber foi inserido num discurso que recusava a imagem do sábio/mago da cultura hermética.
Em contrapartida ao ocultismo, os cientistas modernos defendiam a transmissão do saber de forma pública em lugar da metodologia solitária e misteriosa dos cultos e iniciações pertencentes ao hermetismo. Foi esta imagem da ciência moderna que se tornou decisiva na elaboração do ideário sobre o progresso, principalmente a partir de três convicções transformadoras na Renascença.
A primeira dizia respeito à crença que o saber científico é algo que aumenta e cresce progressivamente sob a contribuição de diferentes gerações. Segundo, este processo jamais é completo e necessita de sucessivas revisões e integrações. E finalmente, a convicção da existência de uma tradição científica com características específicas composta por contribuições individuais que se colocam uma após outra no tempo, segundo uma perfeição cada vez maior.
A crença no progresso tomou terreno com a ideia de crescimento e avanço do saber, modelando diversos programas científicos ao longo dos séculos XVII e XIX. Assim, contar e julgar com possibilidades reais e operar no mundo com base em projetos movidos pela esperança num futuro desejável foi uma mudança de perspectiva profunda na visão do homem e do mundo. O senso de limitação apareceu frequentemente ligado à possibilidade de mudança, de um futuro melhor, de uma utopia.
O entrelaçamento da ideia de progresso com a história da utopia (inversão do olhar para o passado) reflete a decadência da natureza e o envelhecimento do mundo. Para os modernos "aquilo que se deve realizar é totalmente diferente daquilo que foi realizado e portanto o oráculo mais favorável para o futuro está na confutação do passado". A modernidade propiciou uma época de grandes mudanças e esperanças de um mundo novo. O conhecimento, por exemplo, foi profundamente ampliado através do microscópio: "em cada pequena partícula da sua matéria observamos uma variedade tão grande de criaturas como aquela que antes podíamos contar no universo inteiro".
A atmosfera da novidade se consolidou na "tese da superioridade" dos modernos perante os antigos, que pressupunha que o saber na Antiguidade era parcial e não suficiente para o mundo moderno. Isto marcou um apelo ao futuro pela tentativa de caminhos não antes tentados, correspondendo à limitação dos antigos e à convicção de que não existiam modelos para resolver os problemas dos modernos, conforme as palavras de Bacon. "É preciso extrair a ciência da luz da natureza e não tentar obtê-la das trevas da Antiguidade. Não importa o que foi feito: trata-se de ver o que se pode fazer".
Nesse contexto, os humanistas não foram somente passivos repetidores, conforme a noção de emulação e imitação dos antigos . Estes também confrontaram os antigos. Essa mudança de perspectiva sobre o homem e sua história baseou um novo olhar sobre seu lugar na natureza, associando-o naquela época à experiência da diversidade, dos novos contatos com sociedades e valores diferentes. O mundo inteiro "é conhecido e todas as raças dos homens. Os homens podem agora trocar livremente as suas invenções e ajudar-se reciprocamente nas necessidades, como os habitantes de uma mesma cidade".
A eficácia dos fatores materiais e das invenções mecânicas ? imprensa, pólvora, bússola etc. ? pareciam ditar a necessidade, para os pensadores renascentistas, de que o progresso nas teorias não permanecesse "atrasado" com relação às artes e à conquista do mundo. A ciência seria então capaz de elevar a natureza humana à perfeição. As novas observações e as novas descobertas colocaram o homem num movimento dinâmico, no qual conhecer a natureza significava conhecer a si mesmo. Segundo Agnès Heller, é então na infinitude do mundo que se dá o caráter sem limites da capacidade de conhecimento e potencialidade humana.
A filosofia dos antigos clássicos e a sua própria civilização esboçam seus limites no mundo de valores em que viveram. A empresa científica moderna buscou um caminho diferente que implicou na capacidade de olhar o mundo sem guias (os antigos), uma vez que o mundo daquela época era diferente da Antiguidade. Conforme Pascal, o fato de conhecermos a natureza mais do que eles conheciam permite a adoção de novas visões e opiniões sem ingratidão, podemos afirmar o contrário do que eles diziam, sem contradizê-los.

"A tese da superioridade dos modernos não nasce no plano de uma contenda, mas da constatação de que o tempo colocou problemas novos que eram desconhecidos e pela constatação de que interveio a possibilidade de escolher um caminho diferente daquele que foi percorrido pelos antigos e no qual o que realmente conta é a exatidão da via empreendida e não a velocidade com a qual se caminha". (grifo nosso)

Da confrontação e do fortalecimento da ideia da superioridade dos modernos destaca-se a contraposição da ciência à história, do "novo" à "tradição"; dos antigos como arcaicos e distantes da modernidade. Nessa visão, a Antiguidade passou a ser vista como a juventude do mundo. A partir de então, segundo Paolo Rossi, a imagem do saber como crescimento e acumulação atravessou toda cultura europeia, bem como a doutrina do progresso no pensamento moderno foi associada cada vez mais à visão de história que afirma a existência de origens bárbaras dos homens, suplantada pela civilização e a sociedade.

"O lento acumular-se da experiência é a fonte e a garantia do progresso do gênero humano. Com base numa nova imagem da ciência como construção progressiva ? uma realidade nunca finita, mas cada vez mais perfectível ? foi formando-se também um modo novo de considerar a história humana. Esta podia agora aparecer como o resultado do esforço de muitas gerações, cada uma delas utilizando os trabalhos das gerações anteriores, como o lento acumular-se de experiências sucessivamente perfectíveis". (grifo nosso)

A novidade humanista foi a alternativa à imagem do saber concebido pela tradição hermética, isto é, a recusa do caráter secreto e iniciático da ciência e o abandono do mito da idade de ouro perdida nas trevas do passado. Ao contrário do pensamento mágico-hermético, o saber para os cientistas modernos era algo universalmente laico, democratizado e público; discutido e operado em instituições como escolas e universidades. A multidão de ignorantes e poucos eleitos em condição de "lapidar" a verdade oculta pela iniciação nos mistérios foi quebrada pela nova ciência e a ideia da história como evolução lenta e gradual da barbárie à ordem civil.
Esta profunda transformação da visão de mundo marcou o afunilamento da ciência e do progresso, levando à destruição do mito de Adão e à ideia do crescimento gradual da civilização, da racionalização dos instintos e de uma passagem da idade das sensações e das imagens simbólicas para a "idade da razão" e das abstrações conceituais. Certamente, as amplas discussões sobre a origem e formação do mundo e do homem contribuíram incisivamente na formação da ideia de progresso, coincidindo esta com a noção de uma ordem providencial e uma necessidade natural para os pensadores da ciência moderna, a evolução coincide com o progresso.
Como consequência deste "modus operandi" (modo de operação) de conceber o mundo, consolidou-se uma "inabalável fé no progresso". Segundo Rossi, esta fé se baseou em preceitos como a crença de que na história está presente uma lei que tende, através de graus e etapas, à perfeição e à felicidade dos homens. Este processo de "aperfeiçoamento" estaria condicionado ao desenvolvimento e ao acumulo do saber científico e técnico, sendo estes conhecimentos determinantes ao progresso político e moral.
Duas outras consequências deste modo de pensar são: a convicção de que o progresso é necessário e não põe limites às esperanças do homem, e o distanciamento do homem cada vez maior da natureza como "operador" era latente. Como ponderado por Heller, a noção renascentista de unidade da natureza se perderá sob a perspectiva da exterioridade da natureza humana, constituindo um marco que culminou na fragmentação da ciência ? inseparável até o século XVII da concepção de mundo, filosofia, religião e estética.

Nesse mundo o "sucesso" parece baseado nas ilimitadas capacidades criativas do homem; a idéia de luta e de conquista se associa ao culto pelo homo faber capaz de domesticar a natureza e de civilizar os povos bárbaros [...] A realidade aparece inteira e sempre controlável por meio de uma série de escolhas responsáveis e construtivas. A natureza se configura como uma entidade integralmente dominável. (grifo nosso)

A sociedade parece ser, então, uma máquina devastadora da natureza do homem. Neste terreno, a nova ciência constituiu em vários âmbitos o saber científico e técnico, sendo que este conhecimento operou o crescimento intelectual, num contexto mais amplo que compete à religião, à moral e à política, conforme apresentado na análise de Paolo Rossi. Através da construção da ideia de progresso, concomitantemente ao desenvolvimento da ciência moderna, sem desconsiderarmos as contribuições da tradição mágico-hermética neste processo, podemos observar profundas transformações na vida do homem renascentista e a forma pela qual este passou a olhar sua existência e sua história e do mundo, marcada por uma profunda inversão, com vistas ao futuro, à acumulação do saber e ao desenvolvimento civilizatório, sobretudo ocidental.
Como ponderado, a secular tradição do hermetismo priorizou o olhar para o passado com vistas ao remoto "ouro sepultado", um tempo verdadeiro, puro e santificado. Com o advento e a consolidação da ciência moderna, observamos que há uma forte inversão deste olhar durante a Renascença; objetiva-se o futuro, e não mais o passado remoto, concomitantemente à formação da ideia de progresso, contraposta à imagem mágica do mundo e do homem.
Os estudos herméticos se baseiam no caráter secreto e iniciático da ciência, em busca da mencionada áurea e originária sabedoria perdida nas trevas de um passado distante. Nesse prisma, a visão de mundo e da história é compreendida pela unidade e continuidade na concepção do mago. Nesta forma de conceber o mundo e o homem, a verdade oculta é destinada somente para poucos eleitos aos sagrados mistérios. Dessa forma, a comunicação direta entre mestre e discípulo marca a tradição mágico-hermética e a sua faceta obscura e enigmática.

A tendência a colher a unidade que ? no fundo ? está subjacente ás diferenças, a conciliação das distinções numa unidade mais ampla, a pacificação final no Um-Todo: essas são algumas entre as características fundamentais da visão mágico-renascentista do mundo. Cada objeto do mundo é repleto de simpatias ocultas que o ligam ao Todo: a matéria está impregnada de divino; as estrelas são viventes animais divinos; o mundo é a imagem de Deus; o homem é a imagem do mundo. O mago é aquele que sabe penetrar dentro dessa realidade infinitamente complexa.

Como vimos, com a análise de Paolo Rossi, todo este quadro hermético e espiritual será recusado paulatinamente pela nova ciência, de modo que o saber será tratado de forma contrária: é algo que deve ser público e legível para todos. O homem mudou com a ampliação das práticas herméticas e a emergência da racionalidade moderna, mediante uma transposição do homem dos quadros sociais e mentais do medievo. Isto é, o ser humano não era mais um mero espectador/contemplador das maravilhas divinas; tornou-se o homem "operador", que buscava extrair forças da ordem divina e natural. Foi graças à magia e a cabala que o homem aprendeu a "operar". Os sucessivos aperfeiçoamentos, a aceitação de alguns parâmetros herméticos e a negação de grande parte destes (não aceitação dos talismãs, por exemplo), foram essenciais para estruturação da ciência moderna.

A capacidade de trabalhar com as mãos, combinada com a curiosidade, fizeram do homem um inventor ativo, que não se limita já a tomar o mundo como o encontrou, mas procura cada vez mais moldá-lo às suas necessidades, reais ou imaginadas. Daí sua constante experimentação de materiais possíveis para comida, vestuário, habitação, as insistentes escavações na terra para extrair metais de cuja existência dificilmente poderia suspeitar à partida; o fascínio pelo fogo e pela água, e seus respectivos efeitos na panificação, na secagem e na fermentação, o constante aprofundar do conhecimento causal na adaptação tecnológica dos meios aos fins, tal o caso da invenção de uma série de instrumentos antigos e máquinas simples. (grifo nosso)

Uma das maiores contribuições das operações herméticas às realizações práticas da moderna ciência aplicada foi o uso e a reverência ao "número", considerando a raiz de toda a verdade. Segundo Frances Yates, a magia renascentista pontuava o número como uma possível chave de operações, sendo que a subsequente história das realizações do homem, na ciência aplicada, demonstrou que o número é realmente uma "chave-mestra". Conforme o esquema da magia e da cabala formulado por Henrich Agripa , havia um lugar especial para as ciências matemáticas genuínas e suas aplicações com objetivo de produzir "operações" no mundo.
Para Agripa, aquele que fosse versado em matemática poderia executar realizações maravilhosas mediante meios puramente mecânicos. Assim, um mago que conheça "a filosofia natural e as matemáticas, entendendo também de mecânica, pode fazer coisas extraordinárias e o mago deve conhecer as ciências que produzem tais maravilhas, como parte necessária de seu treinamento". Para Frances Yates, possivelmente a magia tenha incrementado a mecânica ao longo da Renascença. A autora apresenta outros exemplos de influências da tradição mágico-hermética, nos primeiros passos da ciência moderna, como os intelectuais John Dee e Paracelso.
Conforme Yates, Dee era um matemático genuíno profundamente interessado em diversos estudos e na aplicação da matemática pelos números e pela magia. O que desejava aprender dos anjos eram principalmente os segredos da natureza como modo de praticar a ciência em alto nível. Semelhantemente ao filósofo italiano Pico della Miradola , Dee era um cristão devoto e sua atitude para com os anjos aproximava-se à de Pico.

John Dee possuía integralmente a dignidade e o senso de força operacional do mago da Renascença. É um claro exemplo de como a vontade de operar, estimulada pela magia da Renascença, podia evoluir em direção à genuína ciência aplicada, estimulando tal ciência. Operar com números na mais elevada esfera da magia religiosa podia estimular o ato de operar com números na esfera menos elevada da "magia realmente artificial". (grifo nosso)

Outro intelectual citado por Yates é Paracelso , alquimista que se inspirou na tradição hermético-cabalística da Renascença, e certamente foi muito influenciado pela magia do humanista italiano Marsílio Ficino . De acordo com a autora, Ficino é o mago enquanto médico, operando não só no corpo do paciente, como na sua imaginação, graças ao poder imaginativo, ao qual dá grande ênfase ? o que é reconhecível como um legado da magia ficiniana.
Um tema bastante importante no hermetismo é a "harmonia universal", isto é, o relacionamento harmônico entre o homem ? microcosmo ? e o mundo ? macrocosmo. Era um tema de longa data e básico ao longo do medievo; trata-se da teoria do paralelismo. A tradição pitagórica medieval, o hermetismo e o cabalismo acrescentaram uma imensa riqueza, ampliando as harmonias universais, à discussão do paralelismo. Esta intensa complexidade contribuiu como chave para compreender a natureza, afirmando e preparando o terreno para o pensamento matemático sobre o universo.
Outra característica importante presente na magia renascentista é o culto ao sol ? o chamado "heliocentrismo". O culto à Hermes Trismegisto tendia a atribuir ao Sol a posição de "segundo deus", como forte símbolo religioso. Essa percepção fortaleceu a posição do astro como uma imagem primordial das ideias, concebido como esplendor inteligível. A revolução copernicana foi apresentada sob a atmosfera religiosa, a qual considerava-a como um ato de contemplação do mundo conforme revelação de Deus, ainda que a mesma tenha sido realizada com base num grandioso cálculo matemático. Segundo Yates, a descoberta copernicana veio à luz com a bênção de Hermes Trismegisto.
A nova visão de mundo, como um novo panorama de referências e atitudes, proposta pela hipótese elaborada por Copérnico baseou-se num intenso realce dado ao Sol, induzindo aquele pensador a empreender cálculos matemáticos, sob a ideia de que o Sol estava realmente no centro do sistema planetário. Esta interpretação revolucionária representou a capacidade de intervenção e experimentação humanas como uma prática racional ? atitude que substituiu paulatinamente a ética contemplativa medieval.
Nesse contexto, Giordano Bruno , hermetista intensamente religioso, considerou o Sol, da teoria copernicana, intimamente ligado à magia solar de Ficino. Com base na análise de Frances Yates, o uso da teoria copernicana feito por Bruno demonstra, de forma impressionante, como eram incertas e movediças as fronteiras entre a ciência genuína e o hermetismo durante o Renascimento. Este sensível "hibridismo" entre a magia da renascença e os primórdios da ciência moderna é reflexo de uma grande transformação no modo de ver o homem e o mundo. É neste percalço que Yates apresenta sua tese paradoxal, profundamente inquietante, de que sem os magos muito provavelmente não haveria os cientistas.
A função do mago da Renascença foi ter transformado a "vontade"; era digno e importante que o homem operasse, conforme a religião. Provavelmente a redescoberta da Hermética e da magia promoveu uma nova direção à vontade humana; Trismegisto pode ter desempenhado sobre a mente humana um importante e diferencial papel na formação do destino humano, assim como das bases formadas de uma nova ciência que se consolidaria posteriormente.
É claro que houve fortes contestações ao hermetismo. Contra a magia, a contraposição se deu pelas opiniões católicas e protestantes. Daqueles que desaprovaram os ensinamentos mágicos podemos elencar três importantes figuras. Giovanni Francesco Pico desaprovara com vigor os talismãs de Ficino e a magia de seu tio. O protestante Johann Weir considerava as práticas católicas supersticiosas e desejava uma religião inteiramente livre da magia. O jesuíta Martín Del Rio condenava o uso de talismãs, apesar de que admitisse algumas formas de magia natural.
Outra resistência à magia foi baseada pelas críticas humanistas . Para Yates, a antipatia humanista pelos estudos de matemática e metafísica tornou-se, no século XVI e XVII, um ódio pelo passado e um medo por sua magia; surge, assim, um terror pela magia, pela ignorância e pela não compreensão de tais estudos. O exemplo de Erasmo de Roterdã ilustra essa resistência. Erasmo foi um humanista que valorizava a erudição clássica, a retomada do bom latim e o retorno às fontes cristãs. Este pensador não utilizava os livros herméticos e duvidava dos oráculos caldeus, dando a entender que não tinha grande consideração pela cabala e os ensinamentos herméticos.

Assim, nas vizinhanças da inteligência crítica de Erasmo (que era também inteiramente avessa à ciência), toda a organização do mago da Renascença tal como fora imponentemente formulada por Ficino e Pico, reduzir-se-ia a um sonho vão, alicerçado numa duvidosa erudição. E, como cristão, um seguidor de Erasmo repudiaria a prisca theologia como não sendo a verdadeira fonte dos Evangelhos, à qual um cristão deve se voltar. [...] Se o humanismo secular não foi favorável ao mago, também o humanismo religioso do tipo erasmiano não o foi.

Portanto, segundo Frances Yates, podemos afirmar que todo este processo dinâmico de transformação do olhar e do pensamento humano marcou uma nova sensibilidade, na qual a tradição mágico-hermética foi essencial para a instituição da razão moderna e da moderna ciência aplicada. A aprendizagem da magia envolveu o aprendizado científico, o que abriu novos horizontes para capacidade humana, mediante a experimentação e a acumulação de saberes. Isto significou um novo modo de ver do homem possibilitando a emergência da racionalidade moderna.


Bibliografia

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Autor: Rodrigo Janoni Carvalho


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