Do Império à República: Tensões Políticas no Brasil na Segunda Metade do Século XIX



O advento da República Brasileira (1889) foi permeado de lutas políticas e de interesses de vários setores na criação do novo estado. Evidenciaram-se opiniões diversas, entre elas as dos: militares, dos republicanos parlamentaristas, dos republicanos presidencialistas, dos chamados jacobinos, dos monarquistas etc. A explicação que prevaleceu excluiu as outras opções e projetos: o que predominou foi uma memória na qual o novo regime teria sido aceito num clima de consenso nacional. Bem típico do que por muito tempo foi escrito e dito sobre nossa história: uma história pacífica, uma independência pacífica, uma história sem conflitos. Todavia, sabemos que a História não é assim: é feita de debates, de conflitos, de prevalências, mudanças ou permanências.

Entretanto, o clima político "pré-proclamação" foi bastante tenso na passagem da Monarquia para a República. Identificam-se posições monarquistas, republicanas positivistas de cunho ditatorial, nacionalistas patriotas, republicanos liberais etc. Algumas tentativas de rompimento com o mencionado consenso "pacifista" podem ser identificadas ao longo da produção historiográfica brasileira.

Em 1910, o conflito entre militares e civis, na disputa entre Rui Barbosa e o Marechal Hermes da Fonseca, foi reascendido. Na década de 1930, destacam-se novas tendências historiográficas como Caio Prado Jr. e sua análise marxista da república oligárquica (República Café com Leite). Além disso, há outras análises como as de Sérgio Buarque e Raymundo Faoro, que contrapõem o "discurso pacifista". Em 1960 encontramos respostas de historiadores que viveram a Revolução de 30, o Estado Novo e a ditadura militar, como Emília Viotti. Outro momento de reflexão foi na década de 1980 com a ampliação dos objetos e a crítica em se romper com o padrão.
Na tessitura dos embates e dos diálogos sobre a política brasileira no último quartel do século XIX, o discurso civil republicano que prevaleceu, dos projetos vencidos, foi absorvido pelo discurso burguês na construção do mito da paz, consenso e fatalidade da implantação da República. Não há participação popular nessa visão. Nas documentações da época predominavam palavras de ordem: reforma, transformação, progresso e crise da Monarquia.
Todavia, a República foi somente consentida numa dinâmica de forças e debates. Houve formação de opinião pública nos espaços públicos, que foram ampliados para além do Parlamento e abrangeram a rua, as associações, os clubes etc. O povo aprendeu a reivindicar seus direitos pela imprensa. Como exemplo, temos a imprensa negra e os jornais operários, que denunciavam condições de vida e segregações raciais e sociais, etc. Nesse contexto, cidadania e modernização são conceitos que foram agregados paulatinamente à palavra República.
O abolicionismo nunca se vinculou ao republicanismo. O maior exemplo disso foi a atuação da Guarda Negra. Por outro lado, os fazendeiros não viam com bons olhos o movimento abolicionista, uma vez que os escravos eram a força motora de suas propriedades. Na "questão militar", quem, de fato, apoiava a República eram os jovens militares positivistas e não a Velha Guarda que lutou na Guerra do Paraguai. Os veteranos tinham uma boa relação e reconhecimento com o imperador. Mesmo assim, os primeiros anos de república foram presididos por dois marechais veteranos.
O palco de instalação da República foi permeado por um fluxo constante de mudanças que atingiram a vida material e os valores na virada dos séculos XIX e XX. Foram mudanças drásticas no mundo moderno com o processo de internacionalização da economia mundial. Os investimentos em obras públicas, políticas higienistas e sanitárias são reflexos desse processo de modernização, composto por diversos projetos.
Para aqueles que viveram o período da transição política, do Império à República, as mudanças traziam uma certeza de "progresso e melhorias" que era reproduzida pela imprensa. O melhoramento era visto como algo da república. As tensões que compuseram esse cenário, como a situação nos bairros pobres de São Paulo, permitem a discussão de uma ideia de pertencimento, ou seja, de inclusão das camadas sociais nos projetos de modernização. Outro exemplo foi a transformação do Rio de Janeiro e seus desdobramentos como a reforma do porto, o saneamento, a formação de favelas e a Revolta da Vacina.
Essas desestabilizações na sociedade brasileira são reflexos das tentativas das elites em promover a modernização "a qualquer custo", como ocorrido na Revolta de Canudos. O olhar de Euclides da Cunha nos fornece uma visão daquele episódio (Canudos), em sua obra Os Sertões. A referência de Euclides de que "estamos condenados à civilização" representa a modernização da nação que invoca o abandono dos pobres dentro do projeto liberal republicano.
Canudos representou uma contradição na lógica liberal que governa o mundo ocidental. Citando Euclides, sobre esse momento histórico de transformações, não somente políticas, mas sociais e econômicas: "ou progredimos ou desaparecemos". Em outras palavras, ou "abafamos" os focos de tensão ou "perdemos o trem" rumo à civilidade... ao menos esta noção foi um dos pilares que compuseram as bases do "novo" regime republicano no Brasil oitocentista.

Autor: Rodrigo Janoni Carvalho


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