CULTURA: UM MODO PELULIAR DE PENSAR SOBRE SI E SOBRE O OUTRO



Cultura: um modo peculiar de pensar sobre si e sobre o outro

É muito interessante observarmos as diferentes formas de pensamento do ser humano sobre aspectos semelhantes de seu comportamento. Quando se fala em cultura, muitos acreditam ser algo que só se adquire por meio de uma instrução formal, realizada num âmbito escolar. Que apenas pessoas que possuem uma renda financeira mais favorecida é que são pessoas cultas. Essa forma de se pensar a cultura como uma formação sistematizada, escolar, seria uma visão talvez equivocada do que venha ser cultura.
Ao comparar entrevistas realizadas com pessoas de diferentes formações, fica claro entender esse tipo de pensamento. Ao perguntar a uma pessoa que tem uma graduação, sobre o que seja cultura, ela responde "é a junção dos elementos característicos de um povo, tais como elementos étnicos, regionais, religiosos, musicais...", uma outra resposta para a mesma pergunta foi: "Cultura é aquilo que vivemos em nossa localidade" e por fim, ao entrevistar uma senhora que vive no espaço rural de uma cidade do interior pernambucano, a mesma responde que cultura é "a maneira de vestir, de se arrumar e de conversar". Observando todas as respostas, é notório que ambas a pessoa entrevistada, independente de sua formação escolar, possui dentro de si um conceito de cultura. Mesmo sendo diferentes as formas de se pensar a cultura, mas ambos têm seu ponto de vista coerente com o que seja a cultura.
Quando vemos a cultura como um instrumento de transformação do mundo por meio da ação humana, entendemos que os vários elementos característicos citados pela primeira entrevistada, são complementados pela terceira, ao falar que a maneira de vestir e conversar também compõe esses elementos característicos.
Outra questão bastante interessante de se observar nas respostas dos entrevistados foi ao perguntar "onde podemos encontrar a cultura?" e as respostas dos dois primeiros entrevistados foram a mesma: "onde habitar vida humana, encontra-se cultura", diferenciando-se da terceira pessoa, que ao ser indagada sobre a questão responde: "numa escola! Eu acho que em casa ninguém tem cultura não, em casa você se sente a vontade, eu acho que só os ricos têm essas frescuras". Ou seja, percebe-se claramente o reflexo de um pensamento das classes dominantes, ao afirmar que só quem tem um determinado poder aquisitivo é quem tem cultura, como cita Laraia:

"Num País como o nosso, onde as formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite sempre esteve disposta a auto flagelar-se dizendo que não temos uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício antropológico de descobrir que a forma negativa - esse dizer que não temos cultura é, paradoxalmente, um modo de agir cultural..." (Laraia ? 2001)


Ainda analisando as entrevista, foi perguntado aos entrevistados qual era a cultura deles, onde a primeira pessoa respondeu: "acredito que tenho aspectos culturais tipicamente ocidentais, contudo adaptados a aspectos regionais que nos diferem das outras, mesmo que pertençamos ao mesmo país". Já a segunda pessoa, diz que "minha cultura é a nordestina, o que houver do Nordeste eu aprovo!" como que reprovasse o que não pertence à cultura dele, numa visão etnocêntrica de ver a cultura. Já a terceira pessoa entrevistada, permaneceu com um pensamento de inferioridade a respeito de sua própria cultura, que respondeu: "Minha cultura? Que eu me acho? Eu não acho que eu tenho cultura não! Culto é quem sabe comer de garfo e faca, eu já tentei, mas não inenche a barriga não! E não gosto de usar aqueles sapatos altos não!
É interessante analisar as diferentes culturas, observando semelhanças e diferenças, mas tendo sempre uma visão de comparar ou entender o comportamento das diferentes comunidades existentes e não observar por meio do etnocentrismo, querendo mostrar essa ou aquela cultura como sendo a melhor. Até por que, mesmo não sendo determinista, mas é muito comum que as pessoas adaptem-se aos costumes que lhe foi imposto desde criança, pois "uma criança está apta ao nascer, a ser socializada em qualquer cultura existente. Esta amplitude de possibilidades, entretanto, será limitada pelo contexto real específico onde de fato ela crescer".
Está inserido numa cultura, implica dizer que está inserido num conjunto de regras, com comportamentos semelhantes entre os habitantes de um determinado lugar. Se uma criança aos quatro anos de idade começa a freqüentar uma escola, ela vai ser inserida numa cultura diferente da que ele está acostumado, pois passará a frenquentar no mesmo horário diariamente um espaço diferente do habitual para ele, tendo que se adequar as normas vividas dentro desse espaço, como ter um horário especifico para realizar as atividades, para brincadeiras, para sua alimentação, ou seja, terá que se adequar a uma forma de vida, baseada na organização que outras pessoas já vivem, na cultura da escola que o mesmo começou a frenquentar. Inclusive adotar uma vestimenta que será o uniforme, para se igualar aos outros estudantes que freqüentam o mesmo espaço.
Na atual sociedade onde nos deparamos com um mundo repleto de novas tecnologias, onde muitas vezes damos às máquinas, mais importância que ao próprio ser humano, onde essa prática nos distancia de culturas ou sociedades ditas como tribais que vivenciam mais as questões humanas. Essa diferença entre uma parte da sociedade, nos faz refletir sobre um etnocentrismo arraigado em nosso pensamento que chega a contrapor tecnologia e humanismo. Faz-se necessário então no mundo globalizado, rever e transformar o pensamento que se tem de cultura, em acreditar haver culturas superiores, para mostrar que o que existe são culturas diferentes, cada uma com suas características peculiares, e o que vale mesmo é respeitar essas diferenças, resgatando "a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos".
O que aconteceria com uma pessoa que fosse tirada de sua realidade, ou seja, de sua cultura, e por experiência mergulhasse em uma vida onde o comportamento das pessoas fosse totalmente diferente do seu? É interessante analisarmos o filme "Minha Bela Dama" e ver as dificuldades de uma florista que é tirada de seu habitat, para que possa ser moldado o seu modo de falar. Como primeiros resultados de sua experiência, o professor de inglês mostra que ela modificou seu modo de falar, porém não era suficiente que sua forma de falar lhe inserisse num mundo diferente do seu, era preciso que ela modificasse também o conteúdo de sua fala, sua conduta nos ambientes sociais. O que acontece não é apenas uma alteração em seu modo de falar, aos poucos ela deixa de pertencer a um grupo que era o de sua origem, precisando moldar-se ainda mais para ser aceita num outro grupo.
Diversas são as tentativas de conceituação do que venha a ser cultura: O modo de vida global de um povo; o legado social que o indivíduo adquire de seu grupo; uma forma de pensar, sentir ou acreditar em alguma coisa; é a junção dos elementos característicos de um povo; é a maneira de se vestir, de se arrumar e de conversar, entre outros. O destaque aqui é para uma interpretação feita por Geertz sobre um conceito de Weber em que o homem estar amarrado a teias de significados, onde a cultura é uma ciência interpretativa em busca de respostas a esses significados. Quando partimos para conhecer uma cultura diferente da nossa, ela pode nos parecer a princípio algo estranho ou até errado, porém ao passo que nos aproximamos dessa cultura, conseguimos respostas às contradições vividas por nossos próprios costumes, ela vai se tornando menos diferentes para nós.

"Nada mais necessário para compreender o que é a interpretação antropológica, e em que grau ela é uma interpretação, do que a compreensão exata do que ela se propõe a dizer ? ou não se propõe ? de que nossas formulações dos sistemas simbólicos de outros povos dever ser orientadas pelos atos." (Geertz, 1989 ? p. 24 e 25).



Importante também é refletirmos sobre a cultura, vista não apenas pela ciência, mas ao mesmo tempo pelo senso comum. A ciência tenta explicar o que é cultura e nos deparamos com uma infinidade de conceitos elaborados por pesquisadores, mas quando observamos a cultura pelo viés do senso comum, percebemos tanto semelhanças como diferenças, é o caso da entrevistada que disse que não tinha cultura, que a cultura é encontrada na escola, que apenas pessoas estudadas possuem cultura, porém também disse que cultura é a maneira de se vestir e de conversar, então ela possui a compreensão do que venha a ser cultura. Mas o que seria o senso comum senão a compreensão do mundo resultante das experiências vividas dentro de um grupo social descrevendo crenças e proposições aparentemente normais, sem uma investigação detalhada para se obter verdades mais profundas como as científicas.
Referências


ALVES, Adjair ? Conceitos e Métodos da Antropologia.
GEERTZ, Clinfford ? A interpretação das culturas ? Rio de Janeiro - 1989.
LARAIA, Roque de Barros ? Cultura um conceito antropológico ? Jorge Azar Editor ? Rio de Janeiro ? 2001.
MATTA, Roberto da ? Você tem Cultura? ? Jornal da Embratel ? Rio de Janeiro ? 1981.
Entrevistas realizadas:
1ª pessoa* ? Graduada em Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco
2ª pessoa * ? Graduando em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
3ª pessoa * ? Ensino Fundamental completo.








_________
* Os entrevistados não foram citados para resguardar seu direito de imagem.

Autor: Sandra Sandra Das Chagas Figueirêdo


Artigos Relacionados


A Importância Da Cultura E Suas Transformações

A Importância Da Cultura Na Sociedade

O Desafio De Se Conviver Com A Diferença

Etnocentrismo & Relativismo Cultural

Cultura Organizacional

Considerações Sobre A Cultura

O Relativismo Na Antropologia.