Platão E A Distinção Entre O Mundo Sensível E O Mundo Das Idéias



1 – Introdução

O presente trabalho visa abordar a principal teoria platônica, que consiste na criação dos mundos sensíveis e das idéias, desenvolvida para tentar resolver o conflito de Parmênides e Heráclito, criado na antiga Grécia.

Não é um trabalho que visa esgotar o tema, evidentemente, mas apenas aguçar ainda mais o apetite do leitor para um assunto de tão importância para a Filosofia e que até hoje gera discussões.

Se obtivermos esta proeza, o trabalho terá atingido seu objetivo.

2 – Platão: Vida e Obra

Platão nasceu em Atenas, em 427 a.C., filho de Aristo e de Perictona, membros de uma famosa linhagem ateniense, descendente de Sólon, por parte de mãe e do rei Codro (fundador de Atenas) por parte de pai.

Viveu em entre a fase áurea da democracia ateniense e o final do período helênico (seu nascimento se deu, provavelmente, dois anos após a morte de Péricles e sua morte, em 347 a.C., alguns anos antes da batalha da Queronéia, quando Filipe da Macedônia conquistou o mundo grego).

Segundo relato de Aristóteles, Platão conhecera na juventude Crátilo, que afirmava, seguindo as idéias de Heráclito de Éfeso, a impossibilidade de qualquer conhecimento estável.

Também conheceu os ensinamentos dos Pitagóricos em sua primeira viagem a Siracusa, estabelecendo com eles vínculos de amizade, além de ser profundamente influenciado (anos mais tarde, ao fundar a Academia, inscreveu em seu pórtico: "Aqui só entram os que amam a matemática").

O maior acontecimento da juventude de Platão, no entanto, foi o encontro com Sócrates, de quem se tornou discípulo.

Segundo Will Durant[1], com Sócrates, Platão "passara do simples debate para a análise cuidadosa e a discussão proveitosa. Tornara-se um muito apaixonado amante da sabedoria e grande admirador de seu professor".

Atribui-se a Platão a frase: "Agradeço a Deus por ter nascido grego e não bárbaro, homem livre e não escravo, homem e não mulher; mas, acima de tudo, por ter nascido na era de Sócrates".

Quando Platão tinha 28 anos, no entanto, os atenienses decidiram-se pela morte de Sócrates, fato que influenciou todo o posterior pensamento platônico e o encheu de desprezo por aquela espécie de democracia, que precisava ser destruída.

Platão então começa a escrever os seus primeiros diálogos, chamados de "diálogos socráticos", pois tem em Sócrates seu personagem central. Embora considerados diálogos ainda de uma fase imatura de Platão, surgiriam aí algumas de suas obras primas, como "Apologia de Sócrates", "Críton", "Protágoras" e "Górgias", estes dois últimos acerca de dois grandes sofistas.

Além deles, podemos citar os diálogos "Laques", "Lísis", "Cármides", "Eutífron", "Ion", "Hípias Menor" e talvez também o "Hípias Maior".

É possível, também, que nessa época Platão tenha começado a escrever seu principal tratado, "A República".

Por volta de 387 a.C., Platão funda em Atenas a Academia, para rivalizar com a escola de Isócrates, que seguia a linha sofista, bastante criticada por Sócrates e Platão.

Durante cerca de vinte anos Platão dedica-se ao magistério (nessa época recebe em sua Academia o jovem Aristóteles) e à composição de novas obras, chamadas pelos historiadores de filosofia como os "diálogos de transição", já que, sob forte influência pitagórica, há um progressivo desligamento das posições socráticas e a formulação de uma filosofia própria, marcada pela doutrina das Idéias.

Neste período, Platão escreve "Ménon", "Fédon", "Banquete", "Fedro", "Eutidemo", "Menexeno" e conclui "A República".

Esta fase de Platão é interrompida por uma nova viagem a Siracusa, quando tenta implantar o modelo político de "A República", sem sucesso.

Platão entra então na chamada fase madura, onde compõe os diálogos que abordam sua "doutrina das idéias", e afastam-se completamente da doutrina socrática, tanto que no diálogo "Parmênides", Sócrates é representado como jovem e inseguro, diante de um Parmênides que o deixa embaraçado.

São escritos nesta época, além do livro citado acima, " Teeteto", "Sofista" e "Político".

Antes de morrer, aos 81 anos (idade impressionante para aquela época), Platão faz uma nova visita a Siracusa, e novamente retorna à Atenas decepcionado.

Da fase final da obra de Platão, temos ainda "Filebo" e uma grande obra não terminada "As Leis", que demonstrou que o filósofo manteve até o fim um interesse pelos assuntos políticos.

3 – A Distinção entre o Mundo das Idéias e o Mundo Sensível

Platão em seus estudos conheceu e se aprofundou nas teorias de dois dos maiores filósofos pré-socráticos, Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eléia. Antagônicas entre si, Platão reconheceu certo acerto na filosofia de ambos os filósofos e procurou resolver o problema criando sua própria teoria.

De Heráclito, Platão considerou correto as percepções do mundo material e sensível, das imagens e opiniões. Para ele, a matéria era algo imperfeito, em constante estado de mudança.

Concluiu, no entanto, que Parmênides também estava certo ao exigir que a Filosofia se afastasse desse mundo sensível, para ocupar-se do mundo verdadeiro, visível apenas ao puro pensamento.

Com um toque de seu mestre Sócrates, de quem Platão aproveita a noção de logos, está criada a teoria platônica e a distinção dos mundos sensíveis e inteligíveis.

Afirma haver dois mundos diferentes e separados: 1) o mundo sensível, dos fenômenos e acessível aos sentidos; e 2) o mundo das idéias gerais (inteligível), "das essências imutáveis, que o homem atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos".[2]

Platão, assim, tenta superar a oposição de Heráclito à mutabilidade essencial do ser e a posição de Parmênides, para qual o ser é imóvel, relacionando o mundo das idéias ao ser parmenídeo e o mundo dos fenômenos ao devir heraclitiano.

Para explicar melhor sua teoria, Platão cria no livro VII da República o mito da Caverna, segundo o qual imagina uma caverna onde estão os homens acorrentados desde a infância, de tal forma que não podem se voltar para a entrada e apenas enxergam uma parede ao fundo. Ali são projetadas sombras das coisas que se passam às suas costas, onde há uma fogueira. Platão afirma que se um dos homens conseguisse se libertar e contemplar a luz do dia, os verdadeiros objetos, ao voltar à caverna e contar as descobertas aos companheiros seria dado como louco.

No mito podemos associar os homens presos à população e o homem liberto a um filósofo. Os homens presos conhecem apenas o mundo sensível, já o liberto conheceu a verdadeira essência das coisas, conheceu o mundo das idéias.

Marilena Chauí define o pensamento socrático, para quem "o mundo sensível é uma sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do mundo inteligível das idéias ou essências".[3]

O mundo material, assim, somente se torna compreensível através da hipótese das idéias, mas tal afirmativa deixa em voga um problema, já que a existência do mundo das idéias não basta a si mesmo. É necessário admitir um conhecimento das idéias incorpóreas que antecedem o conhecimento fornecido pelos sentidos, que por sua vez, somente alcançam o corpóreo.

Platão procura responder este problema no "Mênon", quando explica que o intelecto pode aprender as idéias porque ele é, também, como as idéias, incorpóreo. A alma, antes de prender-se ao corpo, teria contemplado as idéias com os deuses. Com isso Platão afirma a imortalidade.

Daí, no entanto, surge outro problema, que o próprio Platão levantou no diálogo "Parmênides".

Se a imortalidade liga a alma às idéias, como explicar o relacionamento entre as formas e os objetos físicos, entre o incorpóreo e o seu oposto, o corpóreo?

A relação entre as formas e os objetos físicos que lhe são correspondentes é a outra grande questão levantada por Parmênides. Platão procura resolvê-la através das noções de participação (por exemplo: um animal só é um animal enquanto participa da idéia de animal em si) e a de imitação, mas ele próprio cria diversas objeções a essas noções, muitas das quais serão usadas por filósofos posteriores, incluindo seu discípulo Aristóteles.

4 – Conclusão

A teoria apresentada por Platão, embora tenha deixado algumas perguntas em aberto (fato que motivou duras críticas de Aristóteles), e algumas respostas ainda hoje não totalmente compreendidas (como é o caso da imortalidade da alma e reencarnação), é, sem dúvida, um grande marco para a Filosofia.

A construção do conhecimento platônico é uma conjugação de intelecto e emoção, de razão e vontade; a episteme é fruto de inteligência e de amor.[4]

REFERÊNCIAS

- Platão. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

- ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

- ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1997.

- CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática, 1999.

______. Introdução à História da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

- DURANT, Will. A História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

- HUISMANN, Denis. Dicionário de Obras Filosóficas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

- MANNION, James. O Livro Completo da Filosofia: Entenda os Conceitos Básicos dos Grandes Pensadores – de Sócrates a Sartre. 5ª ed. São Paulo: Madras, 2008.

- PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 2000.




[1] DURANT, Will. A História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

[2] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1997

[3] CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática, 1999.

[4] PLATÃO. Platão: Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000.


Autor: Rafael Augusto Gobis


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