Adesão à Ata de Registro de Preços - Existe amparo legal?



A Administração Pública, deve, via de regra, realizar o procedimento licitatório, objetivando assegurar tratamento equivalente a todos os licitantes, observando-se a ampla participação dos interessados, selecionando a proposta mais vantajosa para o Poder Público.

Além de observar a legislação aplicável, o procedimento licitatório deve respeitar as condições estabelecidas no ato convocatório (Edital), bem assim os princípios constitucionais e administrativos balizadores da matéria.

O Decreto nº 3.931/01 (hoje com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 4.342/02), previsto no art. 15, § 3º, da Lei Federal nº 8.666/93, em seu art. 8º, trata da criação da figura do "carona" e consiste na possibilidade de que qualquer órgão ou entidade da Administração Pública, que não tenha participado do certame licitatório, possa fazer uso da licitação realizada por outro, mediante adesão à Ata de Registro de Preços.

Em face deste dispositivo surgiram diversos questionamentos, tornando o tema, ora em análise, não unânime. Assim, diante da ausência de entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, entendo ser necessário à reavaliação das regras atualmente adotas pelo Decreto nº 3.931/01.

É cediço que, por ser algo mais cômodo, porquanto desobriga a realização do procedimento licitatório, a prática do "carona" é utilizada, em alguns momentos, pela Administração Pública e, inclusive, defendida por alguns autores. No entanto, conforme entendimento do renomado Professor Marçal Justen Filho, bem como vislumbrado pelo Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1.487/07 ? Plenário e pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, na Decisão nº 2.392/07, "não preserva os princípios norteadores da licitação".

Nesta senda, a figura do "carona" não encontra amparo legal, vez que viola os princípios da legalidade e da isonomia, pois pressupõe contrato sem licitação, bem assim o da obrigatoriedade de licitar, eis que compete somente à lei a criação de hipóteses de contratação direta. Fere, ainda, o princípio da isonomia, em razão das alterações que provoca na licitação que originou a ata de registro de preços a ser aderida, afrontando, ainda, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, vez que a prática do "carona" permite contratação não prevista no ato convocatório, e o da publicidade, porque a contratação excedente não foi tornada pública, contrariando o próprio direito fundamental à igualdade e o princípio da livre concorrência.

Para elucidar a questão, temos a decisão do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, em sessão datada de 06 de agosto de 2007:

"6.2 Responder à Consulta nos seguintes termos:

6.2.1 O Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 15 da Lei (federal) nº 8.666/93, é uma ferramenta gerencial que permite ao Administrador Público adquirir de acordo com as necessidades do órgão ou da entidade licitante, mas os decretos e as resoluções regulamentadoras não podem dispor além da Lei das Licitações ou contrariar os princípios constitucionais;

6.2.2 Por se considerar que o sistema de "carona", instituído no art. 8º do Decreto (federal) nº 3.931/2001, fere o princípio da legalidade, não devem os jurisdicionados deste Tribunal utilizar as atas de registro de preços de órgãos ou entidades da esfera municipal, estadual ou federal para contratar com particulares, ou permitir a utilização de suas atas por outros órgãos ou entidades de qualquer esfera, excetuada a situação contemplada na Lei (federal) nº 10.191/2001". (Decisão n.º 2.392/07. Relator Wilson Rogério Wan-Dall)

Na mesma linha, os Tribunais de Contas dos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, segundo Luiz Cláudio Santana (2007, p. 5):

"Nesse particular, vale a referência à recente regulamentação do SRP a que procedeu o Egrégio Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio do Ato Normativo n.º 92/07, que se ateve aos termos da Lei [...]. Outro aspecto a ser ressaltado, nessa regulamentação, é a não previsão do carona, nem dar e nem pegar carona foi permitido.

Foi essa também a solução encontrada pelo E. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Resolução nº 01/2006, o que denota a preocupação das Cortes de Contas com o Sistema e, ao nosso ver, com a essa anômala figura do carona."

Demais disso, não se pode perder de vista que a figura jurídica da adesão à Ata do Registro de Preços foi criada de forma autônoma, por meio de Decreto (regulamentador do sistema de registro de preços), sem previsão em Lei.

Sobre esse ponto, conclui Joel de Menezes Niebuhr (2006, p. 4):

"A figura do carona é ilegítima, porquanto por meio dela procede-se à contratação direta, sem licitação, fora das hipóteses legais e sem qualquer justificativa, vulnerando o princípio da isonomia, que é o fundamento da exigência constitucional que faz obrigatória a licitação pública."

É oportuno expor que a figura jurídica da adesão à Ata do Registro de Preços, que permite que qualquer ente ou órgão da Administração Pública contrate o objeto consignado em ata sem que tenham participado da licitação, salvo melhor juízo, nada mais é do que uma "contratação direta" não prevista em Lei (considerando tão somente as exceções: a dispensa e a inexigibilidade).

A Carta Federal, em seu art. 37, inciso XXI, versou sobre o princípio da obrigatoriedade de licitar, normatizando o princípio constitucional do dever de licitar, como regra, excepcionado apenas pelas hipóteses previstas na Lei Federal nº 8.666/93 (dispensa e inexigibilidade).

Assim, entendo que a figura do "carona" não encontra amparo legal e viola os princípios norteadores do procedimento licitatório.


Autor: Daniela Cunha


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