Ingresso e Adaptação na Educação Infantil. Onde está a dificuldade?



INGRESSO E ADAPTAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
ONDE ESTÁ A DIFICULDADE?


Christiane Fontoura Ávila Thums
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Celito Francisco Mengarda
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


RESUMO
A adaptação escolar é um assunto que preocupa sistematicamente pais e educadores. Com as mudanças culturais ocorridas nos últimos anos, principalmente com o ingresso da mulher nos dinamismos da sociedade, as crianças antecipadamente convivem com pessoas que não são, necessariamente, do núcleo familiar. Por conseguinte, considera-se de significativa relevância o estudo do assunto para compreender o estabelecimento das relações significativas com outros sujeitos diversos da rede social primária O objetivo do presente estudo é conhecer os comportamentos de apego/desapego da criança e de seus cuidadores primários no processo de adaptação à Educação Infantil, analisando e compreendendo estes comportamentos em crianças em processo de adaptação à Educação Infantil bem como observar o que interfere na adaptação das crianças pequenas em escolas infantis. A presente pesquisa teórica partiu de levantamento de bibliografia, artigos publicados, teses e dissertações dos últimos cinco anos, dentro das áreas de ciências humanas e educação, com foco específico na área da Psicologia relacionados com o tema Adaptação Escolar na Primeira Infância. A busca de materiais foi realizada através das bases de dados Scielo, Google Acadêmico e Portal Capes. A análise do material foi realizada individualmente, através de leitura detalhada de artigos, livros e resumos, tendo como guia as questões centrais quanto aos aspectos relacionados ao desenvolvimento do apego entre os cuidadores primários e a criança, o processo de separação-individuação da criança e o ingresso escolar e sua adaptação em Educação Infantil. Com este estudo, espera-se contribuir para melhor entendimento da relação entre a ansiedade de separação infantil e materna e a adaptação escolar de crianças de Educação Infantil, bem como a importância da Psicologia no ambiente escolar, inferindo sobre estratégias de enfrentamento neste processo tanto com as famílias quanto com os educadores envolvidos.
Palavras-chave: apego primário, ansiedade de separação, adaptação da criança, educação infantil.

ABSTRACT.
The school adjustment is an issue that worries parents and educators systematically. With the cultural changes in recent years, especially with the entry of women in the dynamics of society, children live with someone in advance that are not necessarily the family. Therefore, it is of significant importance to study the subject to understand the establishment of meaningful relationships with other subjects of various primary social network. The aim of this study is to understand the behavioral patterns of attachment / detachment of the child and their primary caregivers in the process adaptation to kindergarten, analyzing and understanding these behaviors in children in the process of adjustment to kindergarten and see what interferes with the adjustment of young children in infant schools. This theoretical research came from the literature survey, published articles, theses and dissertations of the last five years, within the areas of humanities and education, with specific focus in psychology related to the topic School Integration in Early Childhood. The search for materials was done through the Scielo databases, Google Scholar and Portal Capes. The data analysis was performed individually, through close reading of articles, books and abstracts, guided by the core issues in the matters related to the development of attachment between the child and primary caregivers, the process of separation-individuation of the child and the entrance school and their adjustment in kindergarten. With this study, we hope to contribute to better understanding of the relationship between separation anxiety and maternal and school adjustment of children in kindergarten, and the importance of psychology in the school environment, inferring on coping strategies in this process both with the with educators and families involved.

Keys Word: primary attachment, separation anxiety, child adjustment, child education.

INTRODUÇÃO

Atualmente, cada vez mais cedo as crianças deixam seu lar em razão da vida dinâmica que sua família se encontra. O contexto das últimas décadas, em que as mulheres estão entrando cada vez mais no mercado de trabalho tem exigido novas opções para o cuidado alternativo de bebês e crianças pequenas. (RAPOPORT, 2001)
As mulheres assumem diferentes papéis dentro da sociedade e necessitam dividir seu tempo entre o trabalho, o trânsito, o mercado, a escola, o cuidado da casa, da família, do marido e dos filhos. E muitas vezes, restando ausente de casa por períodos maiores do que gostaria. Desta forma, os cuidados passam a ser delegados a terceiros como fazer compras pela internet, secretária doméstica para os afazeres caseiros, divisão das compras e outras atividades antes apenas das mulheres, com o seu companheiro. E não poderia ser diferente com a maternidade.
O trabalho com crianças pequenas requer cuidados especiais e o planejamento do atendimento é diferente do realizado com as crianças maiores. Deste modo, estudos nesta área são fundamentais, principalmente dentro do novo contexto social em que muitas mães precisam retornar ao trabalho poucos meses após o nascimento do filho. (RAPOPORT, 2001)
Desta forma, é necessário rever a relação mãe-bebê para posteriormente entender a separação desta relação e os fatores que interferem na adaptação das crianças ao ingressar na escola.
Destarte, a adaptação a este novo mundo se faz necessário. Tanto para as crianças que ingressam neste ambiente desconhecido bem como para os pais que deixam seu filho e passam, muitas vezes por um misto de ansiedade e necessidade e, da mesma forma, aos professores que recebem estas novas crianças e seus pais.
E nestas adaptações, as reações não são idênticas: algumas crianças aceitam a ideia de possuir outro cuidador que não a sua mãe do qual possui vínculo forte, simbiótico. Já para outras, esse tornar-se indivíduo, é mais doloroso e sofrido, algo mais difícil, podendo marcar até a vida adulta, sendo, muitas vezes, necessário um profissional da Psicologia para que desfaça a ideia de abandono que pode ter surgido em sua primeira separação da pessoa-base.
A presente pesquisa teórica tem como objetivo geral conhecer os comportamentos de apego e desapego da criança e de seus cuidadores primários no processo de adaptação à Educação Infantil. E especificamente analisar e compreender os diferentes comportamentos de apego e desapego em crianças em processo de adaptação à Educação Infantil, tentar expressar o que interfere na adaptação das crianças pequenas em escolas infantis, pesquisar sobre estratégias de enfrentamento do processo de adaptação tanto com a família bem como os professores envolvidos além de inferir sobre os principais procedimentos utilizados no processo de separação e independização na primeira infância. Para tanto, a pesquisa teórica partiu de levantamento de bibliografia, artigos publicados, teses e dissertações dos últimos cinco anos, dentro das áreas de ciências humanas e educação de modo geral, com foco específico na área da Psicologia relacionados com o tema Adaptação Escolar na Primeira Infância. A busca desses materiais realizou-se através das bases de dados Scielo, Google Acadêmico e Portal Capes. A análise do material foi realizada individualmente, através da leitura detalhada e minuciosa de artigos, livros e resumos, tendo como guia os eixos norteadores ou questões centrais que se relacionam com o tema da pesquisa. Tais eixos foram definidos como aspectos relacionados ao desenvolvimento do apego entre os cuidadores primários e a criança, o processo de separação-individuação da criança e o ingresso escolar e sua adaptação em educação infantil.

REVISÃO HISTÓRICA SOBRE A IMPORTÂNCIA DA PRIMEIRA RELAÇÃO

Através de uma breve revisão histórica, pode-se dizer que o início do entendimento sobre o desenvolvimento da relação mãe-bebê deu-se através do trabalho de Freud. Lembram Brum e Schermann (2004) que em seu artigo "Instintos e suas vicissitudes" (1915), Freud argumenta que a criança possui necessidades fisiológicas que devem ser satisfeitas de alimento e conforto, se interessante principalmente pela mãe por ser esta a fonte de sua satisfação. E a vinculação com a figura materna seria um impulso secundário, ficando o bebê ligado à mãe afetivamente como consequência de ser esta a agente de suas satisfações fisiológicas básicas. Já René Spitz (1945), através de suas pesquisas em um orfanato, (apud BRUM E SCHERMANN, 2004) observou que mesmo os bebês sendo alimentados e vestidos, porém não recebendo afeto dos pais, prejudicado ficava o desenvolvimento destes. Erikson (1998), mesmo partilhando de alguns aspectos da teoria de Freud, aborda a grande importância dos anos iniciais para o desenvolvimento, não dando ênfase aos instintos e impulsos, e sim, ao senso de identidade da interação do sujeito com seu meio ambiente, apresentando oito diferentes estágios. Diz que no primeiro estágio, o comportamento do principal provedor de cuidados (comumente, a mãe) é fundamental ao estabelecimento, pela criança, de um senso de confiança básica. Mas para que isso ocorra, a mãe precisa amar com consistência e reagir de maneira previsível e confiante para com o bebê. Caso contrário, tais bebês podem desenvolver desconfiança. Já Winnicott (1963), também psicanalista como os anteriores, ensina que o desenvolvimento emocional passa da dependência à independência, propondo três categorias: dependência absoluta, dependência relativa e autonomia relativa. Para este autor, é na fase de dependência absoluta que a mãe desenvolve a preocupação materna primária, entendendo o bebê e identificando suas necessidades. E Bowlby (1969), psicanalista inglês e teórico das relações objetais, a partir da ideia da importância das primeiras relações, formulou a teoria do apego, descrevendo as relações do bebê com sua mãe ou cuidador desde o nascimento até os seis anos de idade, mostrando a importância do vínculo da criança com a mãe, que para ele, trata-se de apego. Ainda comenta que, ao longo do desenvolvimento, a criança passa a revelar um comportamento de apego facilmente observado, demonstrando a formação de uma relação afetiva com as principais figuras deste ambiente. Contrapondo-se a Freud, sustenta que o ato da mãe de nutrir o seu bebê, desempenha um papel apenas secundário no desenvolvimento, restando claro a Bowlby que a formação do apego não é uma consequência da satisfação das necessidades fisiológicas e sim, a existência de uma relação de afeto e de apego como fator primário para um adequado desenvolvimento. Sendo respaldo sobre esta questão na teoria psicossocial do desenvolvimento de Erikson (1998). Não há como negar que inicialmente todo bebê é extremamente dependente de sua mãe para sobreviver, mas não está ainda apegado a ela. E Winnicott ensina que esta dependência é máxima no nascimento, diminuindo ao longo da vida, mantendo-se de alguma forma presente. Na teoria de Bowlby, o apego está ausente no nascimento e aumenta com o passar dos meses. Bowlby (1969) infere que a fase sensível de apego não comece antes das seis semanas, tornando-se mais evidente depois dos seis meses de idade da criança e, completamente clara a existência por volta dos dezoito e vinte e quatro meses. Porém, através dos pesquisadores atuais, observa-se que não é apenas o comportamento do bebê ajustado pelo comportamento da mãe, mas também o da mãe pelo do comportamento do bebê.
Nesse sentido, Bee (2003) cita que para a formação do elo afetivo e da oportunidade de pais e bebês desenvolverem entrosamento mútuo de comportamento de apego se faz importante um mínimo ambiente propício.
O trabalho de Ainsworth et al. (1978 apud BRUM e SCHERMANN, 2004) foi de muita importância para identificação dos diferentes padrões de apego. Brum e Schermann comentam que Ainsworth (1978) sugeriram que as reações das crianças a situações de estranhamento poderiam ser classificadas em três tipos: seguramente apegados à mãe; ansiosamente apegados à mãe e esquivos e ansiosamente apegados à mãe e ambivalentes.
Outros pesquisadores, também, afirmam a importância dos primeiros meses de vida da criança, sendo primordiais ao desenvolvimento da conduta de apego entre o bebê e sua mãe (AINSWORTH et AL, 1978; MAHLER, 1982; BRAZELTON, 1988; GOLSE, 1998; KLAUS, KENNELL e KLAUS, 2000; RAPOPORT, 2001; ABREU, 2005).

DESENVOLVIMENTO DO APEGO ENTRE OS CUIDADORES PRIMÁRIOS E A CRIANÇA

Apego, de acordo com Mary Ainsworth (1973, In BERGER, 2004), pode ser definido como um laço afetivo que uma pessoa ou animal forma entre ela mesma e outra pessoa específica - um laço que os une no espaço e perdura no tempo. Reforçam Ortiz, Fuentes e Lópes (2004) que este apego é o vínculo emocional mais importante, principalmente na primeira infância. Complementa Rossetti-Ferreira (2008) que o apego pode ser caracterizado como um conjunto de comportamentos, por meio dos quais o indivíduo inicia ou mantém uma relação estável com um ou mais de seu grupo social, surgindo durante o primeiro ano de vida da criança, em especial a partir dos seis meses de idade. Newcombe (1999) também entende que as crianças, após seu primeiro aniversário, constroem um modelo interno da interação do eu, ou self, e sua figura de apego. Pela sua importância, o apego é assunto constante de pesquisas tendo em vista que a comunicação entre o bebê e seus pais, principalmente sua mãe, é determinante ao desenvolvimento emocional e social das crianças e, posteriormente, da vida adulta.
A relação positiva mãe-criança, explica Zamberlan (2002), vem sendo associada à segurança do apego no primeiro ano de vida. Mussen, Conger e Kagan (1995) utilizam a expressão ligação afetiva para designar a tendência do bebê, durante os primeiros vinte e quatro meses de vida, a se aproximar de determinadas pessoas, a ser receptivo ao máximo aos cuidados dispensados por aquele que cuida dele e, principalmente, sentir-se pouco amedrontado quando está na companhia desta pessoa, que em geral, é a sua mãe. A função do apego, do ponto de vista do bebê, é garantir segurança psicológica, como ensina Newcombe (1999). Os sinais da existência de apego entre um bebê e a pessoa que cuida dele estão evidentes em três fenômenos. Primeiramente, a figura de apego é mais capaz do que qualquer outra pessoa de aplacar e satisfazer os bebês. Em segundo lugar, é mais provável que os bebês se aproximem das figuras de apego do que de outras pessoas para brincadeiras ou consolo. Finalmente, a probabilidade de que os bebês fiquem com medo é menor na presença de figuras de apego do que quando estas pessoas estão ausentes. E comenta que o objetivo do comportamento de apego é reduzir sentimentos desagradáveis através da interação com a figura de apego. Esta interação auxilia o bebê a criar um esquema mental, ou seja, criar uma ideia de cuidado, de zelo e atenção, fazendo com que este se sinta mais seguro e saiba que o seu maior foco ? sua mãe ou cuidadores - estará, potencialmente, disponível mesmo quando ela ou eles não estiver presente de fato. Diferentes autores estudados (BOWLBY, 1989, NEWCOMBE,1999, MAHLER, 1982) descrevem três padrões principais de apego: crianças cujo apego é seguro onde procuram a mãe ou os cuidadores quando um deles retorna após uma breve separação. Há apego inseguro e evitativo quando as acrianças ignoram a mãe ou seus cuidadores quando retornam. O apego é inseguro e resistente quando as crianças alternam a vontade de se aproximar com rejeição à pessoa que ama. Um quarto padrão, denominado desorganizado, foi delineado mais recentemente (NEWCOMBE, 1999).
Ainsworth (1978) descobriu ainda que praticamente todos os bebês normais desenvolvem formas de apego especiais com as pessoas que cuidam deles e que alguns bebês são muito mais seguros nesses laços de apego que outros. (NEWCOMBE, 1999)
Durante toda a primeira infância, o apego permanece de forma intensa, forte e aos três ou quatro anos, essa intensidade entra em declínio ou se modifica em suas formas de serem expressas, quando os comportamentos da criança quanto à demonstração de apego tornam-se menos evidentes em intensidade e frequência porém, continuam durante toda a existência como parte importante do comportamento humano. Desta forma, essa influência do comportamento parental sobre o comportamento da criança, motivou Bowlby (1989) a estudá-la, mostrando que a personalidade humana está muito influenciada pelos primeiros relacionamentos da infância visto que, como dizem Mussen, Conger e Kagan (1995), os objetos primários de ligação afetiva de uma criança têm o imenso poder de aquietá-lo e de protegê-la do medo, quando ela passa por um acontecimento não familiar ou uma situação desconhecida. Para Zavaschi, Brunstein e Costa (2001), o apego emocional pela mãe ou por quem a substitua nessa relação inicial é de tamanha intensidade, que esta figura de apego é mais capaz do que qualquer outra pessoa para perceber e satisfazer o bebê e ser sensível aos seus sinais mais sutis de desconforto e de bem-estar. Desta forma, esta será a pessoa a quem o bebê recorrerá mais adiante para aplacar sua necessidade de consolo ou de brincadeira interativa espontânea. E os comportamentos de apego estabelecidos são característicos de cada bebê que, inicialmente, desenvolve o apego por sua mãe, o que garante a segurança psicológica, tão essencial para o desenvolvimento pleno da pessoa. Desta forma, traços como a empatia, a estabilidade emocional, a capacidade para se colocar no lugar do outro e a auto-estima estão significativamente correlacionados com a segurança do apego de seus filhos (COLL, 2004). Lembram ainda Zavaschi, Brunstein e Costa (2001) que a absoluta dependência que o bebê possui de seus cuidadores vai cedendo lugar a um longo processo de desprendimento e desenvolvimento do qual é reforçado pelos diferentes encontros e separações progressivas que culminará em sua independência como indivíduo. O desenvolvimento pleno de um bebê só poderá ocorrer se contar com o amor de seus pais, que é a expressão da íntima relação do que os estudiosos denominam de apego. Os autores mostram que há diferentes formas de apego, estabelecidos desde o início da relação entre a mãe e o bebê. Em torno dos dezoito meses podem ser definidas diferentes reações de bebês frente à aproximação e ao distanciamento da mãe, não sendo possível definir os motivos que levam a diferentes tipos de apego. Observa-se que na presença de uma pessoa estranha, diante do afastamento e do retorno da mãe, algumas crianças manifestam um padrão de apego seguro, procurando-a em seu retorno e sendo facilmente confortadas por ela, mesmo tendo protestado à sua saída. Este padrão de apego sendo mantido, em geral, favorece a adequação de relacionamentos posteriores tanto na infância como na vida adulta. Por outro lado, alguns bebês demonstram um apego inseguro que pode ser observado com diferentes manifestações. As crianças que não reclamam o afastamento da mãe, evitando-o ao seu retorno e continuando a brincar como se nada de incomum tivesse acontecido, são identificadas com tendo um apego evitativo à figura de referência. O apego resistente, por sua vez, é manifestado pelos bebês que, quando a mãe sai, ficam aflitos e, quando volta, aproximam-se e afastam-se dela alternadamente. A persistência do apego evitativo e do apego resistente levam a consolidar a busca de relacionamentos inseguros e instáveis, nos quais o indivíduo dificilmente alcança um padrão satisfatório de trocas afetivas baseadas em relações de confiança mútua. Zavaschi, Brunstein e Costa (2001) apresentam um quarto tipo de apego onde pode ser identificado entre crianças que parecem confusas e com medo diante do afastamento e da aproximação de suas mães. Esse padrão pode ser chamado desorganizado e parece frequente entre crianças maltratadas, filhos de mães deprimidas e crianças cujas mães sofreram perdas precoces de suas próprias figuras de apego. Mães que tiveram apego inseguro com suas próprias mães tendem a repetir esse padrão com seus filhos. O prejuízo emocional dessas crianças, geralmente, é bastante evidente, sendo comum entre elas o desequilíbrio entre as diversas áreas do desenvolvimento.

A SEPARAÇÃO MÃE-CRIANÇA

O apego tem um papel muito importante ao longo do ciclo vital e, em torno dos três ou quatro anos indo até a adolescência, a rede de amizade vai adquirindo uma importância cada vez maior. Lembrado por Coll (2004), o estabelecimento de vínculos de apego adequados com pessoas adultas que cuidam de nós e nos educam, bem como os vínculos de amizade com aqueles com quem compartilhamos experiências e brincadeiras, é fundamental para o desenvolvimento humano. Para a teoria do apego de Bowlby (1982), o principal determinante da segurança do vínculo afetivo é a sensibilidade que a figura de apego possui pela criança, sendo a disposição de prestar atenção aos sinais desta, interpretá-los adequadamente e responder a eles rápida e apropriadamente, sendo esta disposição muito relacionada com a empatia que temos enquanto adultos. E, como também citam Mussen, Conger e Kagan (1995), a proximidade a um objeto de ligação afetiva inibe o medo, como se a criança se sentisse mais segura, quando próxima de sua mãe. E no caso de ausência ou perda das figuras de apego, no melhor exemplo, a mãe, essa é percebida pela criança como algo ameaçador, como uma perda irreparável, como uma situação de desproteção e desamparo, como uma situação de completo risco. Para cumprir essas funções básicas (sobrevivência e segurança emocional), cita Coll (2004), que o vínculo de apego deve possuir quatro manifestações fundamentais:
a) Buscar e manter a proximidade;
b) Resistir à separação e protestar caso esta se consuma;
c) Usar a figura de apego como base de segurança, explorando o mundo físico e social;
d) Sentir-se seguro buscando na figura de apego o bem-estar e o apoio emocional.
E o bebê ao "estranhar", mostra claramente que já é capaz de distinguir o familiar do não-familiar, o que é fundamental para o seu desenvolvimento cognitivo e social e para sua organização emocional posterior, como lembra o autor anteriormente citado (2004).
A partir do primeiro ano de vida, uma vez estabelecido o vínculo de apego, a criança inicia a sua conquista da independência das figuras de apego graças a suas novas capacidades verbais, intelectuais e de locomoção. E esse processo torna-se conflitivo uma vez que exige readaptações constantes, com ganhos e perdas, o que leva a criança e muitas vezes seus pais, a avançar e a retroceder em seus movimentos. Para Mahler (1982), o processo de separação criança-mãe é pré-requisito para a individuação normal. A separação-individuação normal possibilita à criança realizações em separado, na presença da mãe, enquanto é sucessivamente confrontada com temores e ameaças mínimos de perda objetal. E a separação-individuação normal ocorre em situação de aptidão desenvolvimental ? bem como de prazer ? para o funcionamento independente.
A criança entre doze e quinze meses encontra-se na segunda subfase de separação-individuação proposta por Mahler (1982), constituída pelo período de exploração, que é quando os adultos com quem a criança está familiarizada são geralmente aceitos como substitutos da mãe em ambientes com os quais esteja acostumado. E neste caso, pode-se citar a escola de educação infantil. E nesta subfase, há constante e crescente investimento na prática de habilidades motoras e na exploração do ampliado ambiente circundante. É quando a criança explora o ambiente através do engatinhar e tocar. É então, que sobrevém a necessidade de reabastecimento através da proximidade com a mãe. De forma contínua, ingressa a criança na terceira subfase, a reaproximação. Para Mahler (1982), neste período, em torno dos quatorze e vinte e dois meses, começa o domínio do caminhar, do ficar em posição vertical. A criança ingressa no mundo dos gestos e expressões afetivo-vocalizadas, principalmente da negação - do não. O relativo esquecimento da presença materna, característica da subfase anterior de exploração, é substituído pela conduta de aproximação ativa e pela visível e constante preocupação com a presença da mãe. Como já sabe caminhar e verbalizar seus desejos, o bebê demonstra a necessidade específica de sua mãe; muitas vezes, os substitutos não são aceitos com facilidade, especialmente no que diz respeito ao toque, como o colo. É quando as palavras mim e meu possuem grande significado afetivo. A quarta subfase proposta pela autora (1982), entre os vinte e cinco e trinta e seis meses, é alcançado grau de constância objetal, tendo em vista que a criança começa a, progressivamente, a aceitar mais uma vez a separação da mãe (como aconteceu no período da exploração).
Assinala Newcombe (1999), que o medo do bebê de se separar temporariamente de alguém conhecido que cuida dele aparece entre os sete e os doze meses, atingindo um pico entre os quinze e dezoito meses e então declina gradativamente. O medo da separação aparece claramente quando o bebê é deixado em uma sala pouco familiar ou na presença de uma pessoa desconhecida. A aflição causada pela separação tende a diminuir após os dois anos de idade, provavelmente porque a criança mais velha é capaz de entender cognitivamente o evento ou estimar o retorno de sua mãe. Para Newcombe (1999), as experiências da criança durante o segundo ano de vida produzem conhecimentos que possibilitam a resolução de problemas que geravam ansiedade quando a criança era mais jovem. A ansiedade de separação tende a desaparecer quando a ausência da mãe não é mais uma dificuldade de ser entendido ou quando a criança pode fazer alguma coisa a esse respeito. E estas as mudanças ocorrem com o aumento da idade. À medida que a criança cresce, experimenta separações mais frequentes de sua mãe, tornando-se aos poucos capaz de interpretá-las, entendo que esta voltará. Mussen, Conger e Kagan (1995) salientam que o choro frente à separação por volta de um ano, não tem o mesmo significado que o choro de uma criança de três anos, quando sua mãe a deixa, pela primeira vez, numa escola maternal. Nesse caso, os medos da criança são muito mais complexos. Ela pode estar com receio de que sua mãe não a venha buscar na saída da escola, também podendo temer as outras crianças ou os professores. As separações breves, as hospitalizações, os ingressos na escola infantil, as viagens dos pais, não são facilmente entendidas na idade, tendo em vista que as crianças exigem a presença, a disponibilidade e acessibilidade das figuras de apego e têm muitas dificuldades para entender o sentido das separações, para compreender que quem foi voltará em um tempo determinado. Para Coll (2004), manter a disponibilidade e a acessibilidade das figuras de apego nas separações (demonstrando-lhes que, se estão aflitas, socorrerão logo) é muito importante durante esse período. E indicam Zavaschi, Brunstein e Costa (2001), que quando a criança possui a habilidade de discernir que a mãe é uma pessoa em separado, e que essa separação lhe provoca uma enorme falta, tem início o processo de pensamento, do progresso cognitivo. É a percepção da falta, da necessidade vinculada à pessoa amada, aquela que o alimenta e o cuida, no caso a mãe, o pai e os demais cuidadores conhecidos, que leva o bebê a desenvolver o pensamento e a capacidade de armazenar a figura de sua mãe e cuidadores. Entre os quatro e doze meses, muitas vezes se estendendo por um período maior, a criança utiliza a chupeta (bico), se agarra a uma fralda ou um a pedaço de cobertor ou ainda a um bichinho de pelúcia ou pano, põe os dedos na boca, produz sons e se apega fortemente a esses objetos. Lembram Zavaschi, Brunstein e Costa (2001), que Winnicott (1983) chamou tais fatos de fenômenos ou objetos transicionais. Seriam formas de defesa contra a ansiedade de separação da mãe ou contra as ansiedades depressivas. Tais objetos, sons ou sensações representam a mãe, objeto vivenciado como bom, ao qual a criança se apega intensamente. A criança terá a impressão de que o objeto a protege, se move, lhe dá calor, possuindo mais qualidades do que estes objetos realmente têm. Ou seja, estes objetos possuem as qualidades de sua mãe, de cuidado e proteção. Aproximadamente em torno dos trinta e seis meses de idade, o bebê já possui dentro de si a base para seus relacionamentos futuros. A capacidade simbólica da criança, em pleno afloramento, ainda precisa do olhar parental, mas agora, de forma intensa. A linguagem determina uma grande mudança nesse aspecto da vida emocional, já que proporciona às crianças um novo modo de expressão de seus sentimentos, contribuindo para uma sensível diminuição das expressões abertas de cólera e de choro. (COLL, 2004)

O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO À ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Mesmo que a mãe tenha que dividir sua "função materna" com outras pessoas, preocupa-se com os cuidados físico, afetivo e desenvolvimental de seus filhos. Ao ingressar na escola, a criança, principalmente quando se trata de criança de pouca idade e que ingressa na Educação Infantil, encontra um novo mundo, com ambiente e pessoas muito diferentes daquelas em que estava acostumada a estar: sala de aula, professoras, outras crianças, gritos, choros, disputas de brinquedos, lanches coletivos. Este ingresso em um novo ambiente é gerador de ansiedade tanto nas crianças como em seus pais. Neste momento, a escola deve propiciar uma boa acolhida desta família e fazer ambos, tanto a criança quanto seus pais, sentirem-se apoiados e valorizados, seguros e compreendidos neste novo desafio. Há algum tempo atrás, as creches e pré-escolas e até mesmo as escolas de ensino fundamental (antigo 1º grau) pareciam não se importar com o ingresso de uma criança: ou a criança se adaptava ou não se adaptava à escola. No caso de criança pequena, esta "precisava" ficar na escola (creche) porque a mãe "precisava" ir trabalhar. Ambas precisavam do auxílio de uma creche, de uma "tia" cuidadora. E o senso comum era de que a criança, mais cedo ou mais tarde, acabaria por se acostumar com a situação. O choro, com certeza, iria passar e dar lugar à "felicidade" de compartilhar o dia a dia na escola. Sofrimento, insegurança, desamparo, a ideia de abandono e esquecimento surgiam mas eram desconhecidas. Ou se eram entendidas, eram ignoradas. E nos primórdios da psicanálise a adaptação só significava uma coisa, satisfazer as necessidades instintivas da criança (WINNICOTT, 1983). Lentamente esta situação começou a despertar o interesse de educadores e Psicólogos e estudos foram iniciados para poder compreender e auxiliar neste processo sofrido não só pelas crianças mas também pelos pais e professores envolvidos, refletindo na turma de sala de aula.
Assim, propostas diferentes surgem visando receber a criança e sua família da melhor forma possível, suavizando o máximo esse ingresso ao mundo escolar. Para Rapoport (2001), o trabalho com crianças pequenas requer cuidados especiais e o planejamento do atendimento é diferente do realizado com as crianças maiores. Deste modo, estudos nesta área são fundamentais, principalmente dentro do novo contexto social em que muitas mães precisam retornar ao trabalho poucos meses após o nascimento do filho. Desta forma, o ingresso na escola infantil, quando não bem orientado, mostra-se estranho, sendo gerador de ansiedade e medo para as crianças, aos pais e às professoras. Neste momento, surge um profissional pronto a auxiliar nesta passagem: o Psicólogo Escolar, que através de seus conhecimentos técnicos, auxilia no processo de adaptação. Pelas palavras de Novaes (1976), o Psicólogo escolar desempenha papel importante no processo educativo através de sua atuação profissional fundamentalmente preventiva. E sua atuação num serviço de Psicologia escolar atingirá alunos, professores e pais, cabendo a ele a tarefa da avaliação, diagnóstico e orientação psicológica.
A escola de educação infantil pode representar a primeira experiência da criança como participante de um grupo de iguais, criando-lhe a capacidade de desenvolver relações harmoniosas no grupo. Desta forma, é fundamental que a mãe sinta-se bem nesse espaço, acolhida, e que desperte nela a vontade de ver seu filho integrado nesse ambiente (PEREIRA, 2003). E para Tierno (2007), a incorporação da criança ao meio escolar constitui um importante passo para sua socialização. A função da escola de educação infantil não é a de ser um substituto para uma mãe ausente, mas de suplementar e ampliar o papel que, nos primeiros anos, só a mãe ou o pai desempenham. Sabe-se que a partir do estabelecimento de uma boa relação da criança com seus pais, sua personalidade estruturar-se-á gradualmente e será possível uma satisfatória relação desta criança com o mundo externo (PEREIRA, 2003). O ambiente desconhecido, as novas rotinas, a alimentação, as pessoas não familiares, as separações diárias e a ausência da mãe colocam-lhes uma significativa exigência social e emocional. Porém, a adaptação muitas vezes é difícil não só para a criança, mas também para a família e a educadora, pois implica em reorganizações e transformações para todos (RAPOPORT, 2001). As crianças com frequência reagem à novidade e à estranheza de um lugar desconhecido. Algumas ficam agitadas e correm pela sala à vontade; se retraem e exploram com seus olhos, enquanto seus corpos permanecem inertes. Outras parecem gostar da novidade da situação, da excitação de estarem com outras crianças da sua idade e do prazer dos novos brinquedos. No entanto, na maioria das crianças reage de alguma maneira forte a novos ambientes, ainda que esta reação possa não ser revelada (BALABAN, 1988). Segundo Böck (1996), a figura materna é de extrema importância e influência, no fato da criança permanecer ou não, no ambiente escolar. Ensina Balaban (1988) que a separação é uma experiência que ocorre em todas as fases da vida humana. Em cada circunstância, o indivíduo está deixando um território familiar e está entrando no desconhecido, no ainda não experimentado. Existe um potencial de crescimento e de mudança em cada experiência de separação, ainda que predomine uma sensação temporária de perda. E na escola, o Serviço de Psicologia esclarece essa nova porta que se abre à criança e aos pais. E acolhemos esta família quanto a essa separação e sensação de perda temporária. As crianças, lembra Rosseti-Ferreira (2008), sobretudo as pequenas, têm poucos recursos para se expressar, visto que ainda não se comunicam verbalmente. Assim, manifestam seus sentimentos através do corpo. Durante o processo de adaptação à creche, elas vivenciam momentos de separação, insegurança e outros sentimentos que, nessa situação, podem desencadear diversos tipos de comportamentos. Ela estará expressando suas dificuldades e buscando o auxílio e cuidado do adulto. Além de chorar, ela pode adoecer frequentemente, recusar alimentos, não dormir ou dormir demais, etc. Para Balaban (1988), as crianças precisam de tempo para colocar esse novo tipo de adulto dentro do seu esquema intelectual de trabalho. Precisam de tempo para diferençar o que acontece em casa daquilo que acontece na escola. Precisam de tempo para separar as diferenças entre o comportamento da nova cuidadora do comportamento de sua mãe. A presença da mãe e a necessidade de reabastecimento emocional através da proximidade desta é o que Mahler (1982) apresenta na terceira subfase de reaproximação. O relativo esquecimento da presença materna é substituído pelo comportamento de aproximação da criança e pela preocupação com a real presença da mãe. Para essa autora, a necessidade do bebê é especificamente por sua mãe e aqueles que tentam substituí-la, não são prontamente aceitos, especialmente quanto ao contato físico. Conforme Böck (1996), os pais podem ter sentimentos ambivalentes com relação à ida do filho para a escola: por um lado eles desejam isso, para que possam ter um tempo livre; por outro lado amam seus filhos e querem tê-los por perto para protegê-los. Desta forma, ainda que deseje que dê certo este processo, inconscientemente a mãe, pode estar sabotando esta adaptação, dando mensagens de forma errada à criança. Balaban (1988) lembra que Winnicott (1957) chama os objetos de transicionais haja vista que tais não são em si objetos transicionais e sim, representantes da transição do bebê de um estágio em que está incorporado à mãe, para o estágio de estar em relação com a mãe como algo exterior e separado. Desta forma, tal objeto se faz necessário e importante no processo de adaptação, pois ajudam a criança na trajetória do crescimento principalmente para sentir-se segura, pois tal objeto é a ligação com a familiaridade da sua casa diferentemente da infamiliaridade da escola. Balaban (1988) lembra que os objetos trazidos de casa por elas são freqüentemente mais importantes do que as atividades em que se envolvem na escola. E ainda diz que as crianças, às vezes, usam coisas da própria sala de aula como objetos transicionais, num esforço para dominar os seus sentimentos relacionados com a separação. E quando os pais voltam, os comportamentos são diferentes entre as crianças. Algumas abraçam sorridentes seus pais como forma de agradecimento pelo retorno deles e por não terem o "esquecido" na escola. Outras correm pela sala para mostrar as novidades e o que realizaram enquanto estiveram fora. Já outras, ignoram as presenças, evitando os pais e seus carinhos. E, muitas vezes, as crianças verbalizam que não querem ir para casa, grudando-se às pernas das cuidadoras. Para Balaban (1988), o vínculo com a mãe deve ser preservado, mas a autoconfiança surge de separações bem conduzidas. E a Psicologia tem um papel fundamental na realização destas, oferecendo apoio e acolhimento às crianças, aos seus pais e às educadoras envolvidas. E, desta forma, ver a criança completamente integrada com os demais na escola e, principalmente feliz, torna-se gratificante.


FATORES QUE PODEM INTERFERIR NA ADAPTAÇÃO DO BEBÊ À ESCOLA

Ocorre que ao se relacionar com o bebê e criar o vínculo de apego, lembra Coll (2004), o adulto é uma pessoa com uma determinada história afetiva, com uma personalidade formada e com determinadas expectativas e crenças sobre as capacidades e necessidades infantis, sobre a criação e a disciplina. E dependendo da forma que está resolvida sua história afetiva, de como sua infância em relação aos seus cuidadores e, em especial, a criação do vínculo de apego materno, podem colaborar para que a desvinculação à criança e a entrega a novos cuidadores, seja difícil, muitas vezes sofrível ao adulto e a quem está recebendo esta criança. A entrada na escola de educação infantil pode representar a primeira experiência da criança como participante de um grupo de iguais, criando-lhe a capacidade de desenvolver relações harmoniosas no grupo. Lembra Pereira (2003) que é fundamental que a mãe sinta-se bem nesse espaço, acolhida, e que desperte nela a vontade de ver seu filho integrado nesse ambiente. Conforme Böck (1996), os pais podem ter sentimentos ambivalentes com relação à ida do filho para a escola: por um lado eles desejam isso, para que possam ter um tempo livre; por outro lado amam seus filhos e querem tê-los por perto para protegê-los. Desta forma, ainda que deseje que dê certo este processo, inconscientemente a mãe, pode estar sabotando esta adaptação, dando mensagens de forma errada à criança. Aos poucos as crianças vão abandonando os pais como objetos de amor e substituindo-os por outras figuras importantes, como coleguinhas, professores e parentes próximos. E para muitos pais, isso se torna difícil de ser suportado. Muitas vezes, remetendo às próprias experiências de ingresso escolar. E a adaptação da criança depende também da forma como esta é acolhida e aconchegada na sala. Desta forma, é muito importante a professora procurar o bem-estar, o conforto físico e emocional da criança, amparando-a quando necessário e levando-a a descobrir os diferentes espaços que está ingressando. E a qualidade do acolhimento é o que garantirá a qualidade da adaptação da criança a partir do oferecimento de condições de integração ao grupo, permitindo que esta cresça e alcance a maturidade desenvolvimental. O professor precisa lembrar o quanto é importante naquele momento àquela criança haja vista a ideia e fantasia de abandono que esta possui, até adequar-se ao novo. Quando bem acolhida, bem recebida, a criança tende a ter uma reação de simpatia e abertura, esperando o melhor daquele ambiente e daquelas pessoas. Caso contrário, quando não bem recebida, a tendência é também ignorar, não se envolver, não se comprometer e assim, reagir ao desconhecido e ameaçador ambiente. Pelas palavras de Novaes (1984), o Psicólogo escolar desempenha papel importante no processo educativo através de sua atuação profissional fundamentalmente preventiva. E sua atuação num serviço de Psicologia escolar atingirá alunos, professores e pais, cabendo a ele a tarefa da avaliação, diagnóstico e orientação psicológica, em razão de seus conhecimentos técnicos. Para Balaban (1988), o vínculo com a mãe deve ser preservado, mas a autoconfiança surge de separações bem conduzidas. E, desta forma, ver a criança completamente integrada com os demais na escola e, principalmente feliz, torna-se gratificante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, com as mudanças nos papéis familiares, precocemente as crianças deixam seus lares para ingressar na escola. Este ingresso é um acontecimento significativo tanto para os pais quanto para a criança. Desta forma, a adaptação ao novo mundo se faz necessária, tanto para as crianças quanto para os pais, professores, enfim,todos aqueles que de alguma maneira estiverem envolvidos.
E nestas adaptações, cada criança tem sua própria maneira de reagir ao desconhecido: algumas, quando bem estimuladas e preparadas em casa, não apresentam qualquer resistência, aceitando o outro cuidador que não a sua mãe, a qual possui vínculo simbiótico. Porém, aquelas menos incentivas e encorajadas por parte de sua família, enfrentam certas dificuldades ocasionadas por diferentes situações, tornando o processo mais doloroso, podendo marcar até a vida adulta, através da ideia de abandono que pode ter surgido. Este início da vida escolar pode ser uma ocasião excitante ou uma ocasião desagradável, dependendo de como é considerado e sentido.
Entender este momento como um processo complicado e delicado é o primeiro passo para não torná-lo comum e sem importância, sendo indispensáveis atitudes para que esta ocasião seja uma experiência o mais agradável possível.
Não há dúvida que a separação afeta a criança. E também afeta seus pais, além de fazer nascer alguns sentimentos nos professores como ansiedade, medo e receio. Ansiedade para que a adaptação ocorra de forma rápida, sem muitas demandas. Medo que aqueles pais que estão ali, dentro da sala, observem e avaliem seus métodos e comportamentos com as crianças e receio que a criança não se adapte, o que pode acionar sentimento de falha, fracasso ou incapacidade por parte da educadora. Veem-se crianças que choram e pais muitos tensos e nervosos. Pais ficam curiosos quanto a quem está com seu filho, seu preparo e competência. Há também o ciúme e o receio de serem avaliados os cuidados despendidos à criança. Também se manifestam as próprias experiências infantis. Por sua vez, veem-se educadoras que se sentem coagidas pelas manifestações das crianças, pelas exigências de cuidados dos pais e, também, por suas convicções, temores pessoais e muitas vezes, por completo despreparo técnico.
Cada criança é única e vive essa fase de forma diferente e intensa. Deste modo, são necessários compreensão e paciência. Compreensão quanto ao momento do desenvolvimento em que a criança se encontra; paciência para esperar que a criança viva, no seu ritmo, esta grande mudança em sua vida. E saber esperar é saber acolher, preservando a criança e seus pais, das aflições perfeitamente esperadas, compreensíveis e aceitáveis. O período de adaptação escolar é gradual, quando aluno e educador vão se conhecendo.
A criança precisa compreender que este novo lugar é diferente de seu espaço restrito, familiar e confortável. Precisa entender que neste ambiente extraordinariamente diferente, há adultos confiáveis e que suas educadoras estão ali para ajudá-la a ser feliz, porém, são pessoas diferentes de seus pais. E é na escola que encontrará outras crianças, da mesma idade disputando brinquedos e atenções destes adultos, ocasião que precisará aprender a dividir, a emprestar, a pedir emprestado, a respeitar os outros. Enfim, criar confiança naqueles que a acolhem. E a escola não substitui seus pais, mas serve de complemento à construção da individuação.
Decorre que, enquanto uma criança está na presença da sua figura principal de apego, tendo fácil acesso a esta, é incontestável que se sentirá segura e tranquila. E a menor ameaça de perda desta figura, levará à ansiedade, fomentando o medo e a necessidade de proteção e cuidado. E mesmo na presença de sua mãe, lembra Bowlby (1989), o bebê pode demonstrar receio de um estranho, sendo claro que este medo de estranhos é uma reação à ansiedade de separação.
Recai àquela que está recebendo a criança e os pais, no caso a educadora, interpretar os sinais de sofrimento da criança, respondendo de forma continente, com atenção e expressão de afeto, mostrando-se disponível a atender quando solicitada, lembrando que o apego seguro estimula a criança à sociabilidade e à independência. E o contrário, infelizmente, faz com que a criança procure cautela, agredindo e procurando conservar a dependência em sua figura de apego por não conseguir lidar com a situação sozinha para enfrentar a separação. É importante ter atenção ao estágio do desenvolvimento em que a criança se encontra, para verificar a sua capacidade de agir por si mesmo e de rumar à autonomia. Para Brazelton (1988), as aquisições autônomas são a base para a confiança do bebê em si mesmo, formando os ingredientes de seu ego.
Pensando no processo de adaptação, verificou-se que as crianças de três e quatro anos de idade manejam com a separação de maneira diferente daquelas de dois anos, tendo em vista o estágio de desenvolvimento diferente em que se encontram, sendo as primeiras mais capazes de representar seus pais ausentes de uma maneira mentalmente segura. Entendem em razão de seu desenvolvimento cognitivo que, ao não estar sob a visão, não significa que a figura de apego e apoio não existe. Aquela que lhe dá proteção só não está presente no momento, mas que agora está na memória da criança.
Restou claro que os pais também precisam estar preparados a essa adaptação escolar, pois o modo como, principalmente a mãe age em relação à criança, suportando o pesar da primeira separação, pode afetar a intensidade com que se manifestará o comportamento de apego e a dificuldade desta separação para ambos. E, segundo Maia e Alencar (2008), pai que confia, e que confia porque constatou que pode confiar, sofre bem menos. E para a criança que está se adaptando, é muito importante ter a experiência de ver sua mãe ou pai e sua nova cuidadora em uma relação amigável e de confiança mútua.
Cabe citar Balaban (1988) que entende que a separação é uma experiência que ocorre em todas as fases da vida humana. E, em cada circunstância, um indivíduo está deixando um território familiar e está entrando no desconhecido, no ainda não experimentado. Existe um potencial de crescimento e de mudança em cada experiência de separação, ainda que predomine uma sensação temporária de perda, desproteção e desamparo. E não é diferente no processo de separação criança-mãe. Somente com esta separação, ocorrerá o que Mahler (1982) denomina de separação-individuação normal, quando possibilita à criança enfrentar as ameaças de perda objetal, da perda da figura materna e assim, funcionar de forma independente. Perder a figura materna não é perder o vínculo afetivo e sim, perder a base inicial de segurança e proteção.
Enfim, a adaptação é um período difícil, pois ela está diretamente vinculada aos sentimentos de perda, medo, desconfiança, desproteção que representam a separação. Compartilhando das ideias de Zavaschi, Brunstein e Costa (2001), todos os movimentos evolutivos da criança, que conduzem a um desenvolvimento saudável, parecem estar ligados ao tipo de apego que se estabelece desde o início da relação entre a mãe e o bebê, nas diversas fases do ciclo de vida, principalmente como forma de assegurar a proteção. E as formas diferentes de reações dos bebês frente à aproximação e ao distanciamento da figura de apego se dão em razão do tipo de apego estabelecido entre estes. Quanto melhor e mais saudável a ligação de apego, melhor e mais tranquila será a separação: sem medos ou receios. Apenas a ansiedade normal, do retorno de sua base protetora, qual seja, seus vínculos primários.



REFERÊNCIAS

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Autor: Christiane Fontoura Ávila Thums


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