Banalização dos bebês de proveta gera arrependimentos e responsabilidades



Banalização dos bebês de proveta gera arrependimentos e responsabilidades

Há muito se discute a legalização da inseminação artificial, o número de embriões a serem inseridos a cada tentativa, o que fazer com os embriões não utilizados, entre outros inúmeros assuntos como a barriga de aluguel e a clonagem. Mas, de forma inédita no Brasil, tem-se notícia de um caso em que bebês gerados in vitro, após a gestação múltipla e nascimento são dados para adoção porque os pais desistiram de criá-los. Independente de condição financeira, saúde dos bebês, o que pretendiam estes pais ao buscarem um tratamento para infertilidade? Não foram avisados das suas reponsabilidades?

Pressupõe-se que tinham plena ciência da possibilidade da gravidez ser geminar, mas ao contrarário do que acontece com casais que recebem material genético de estranhos, consideraram os pais que poderiam esquivar-se dos efeitos jurídicos de gerarem artificialmente seus próprios filhos, como se natural fosse o arrependimento, a desistência do laço parental para colocá-los para adoção.

A lei não é omissa, só não acompanhou a evolução da sociedade, que agora tem mais acesso a procedimentos antigamente restritos por se tratarem de tratamentos caríssimos, de tecnologia avança e pouco difundida no país. Mas depois de mais de 30 anos desde o primeiro "bebê de proveta", o que se tem, naturamente, é a evolução e disseminação da possibilidade de reprodução assistida, que hoje atinge até mesmo na rede de saúde pública.

É claro que o assunto ganhou repercussão nacional, pois além da responsabilidade, ficou evidente a insensibilidade ao desistir de uma das crianças por que esta tinha problemas de saúde dada a imaturidade no nascimento, comum a muitos bebês nascidos prematuros, ainda mais quando se trata de gravidez geminar. E ao se depararem com impossibilidade de desistência de apenas um dos bebês, desistiram, então, dos outros dois, como se fosse possível esquecer-se que três vidas foram geradas para suprir a "vontade" de duas pessoas se tornarem pais.

Há como responsabilizar estes pais? Sim, claro que há. Cada julgador busca um caminho, defensores e promotores exploram suas teses profundamente e em segredo de justiça. No Direito de Família há muito por onde se percorrer para se chegar por analogia ao "espírito da lei", ou com base no que diz a doutrina, quando nos deparamos com casos inéditos como este.

"O doador, portanto, será apenas genitor biológico (genético), despido de direitos e deveres em relação à criança, produto da concepção medicamente assistida, submetendo-se, no entanto, aos efeitos jurídicos negativos, comparativamente a um estranho, em relação à pessoa resultante do seu gameta. Desse modo, diante da sua própria vontade, no ato da doação do embrião ou do gameta, o genitor biológico estaria renunciando a qualquer direito em relação à criança a ser concebida através de técnica de reprodução assistida, também não sofrendo deveres, apenas restrições peculiares à sua condição de genitor. Do mesmo modo, o casal que se dispôs a perpetuar a família através de método de reprodução assistida, sem fornecimento de material fecundante próprio, tendo manifestado expresso consentimento, não poderá esquivar-se dos efeitos jurídicos decorrentes do vínculo parental constituído."[1]

Sentimentos como medo, ou insegurança são naturais aos pais "de primeira viagem", totalmente compreensíveis, principalmente, quando surpreendidos por uma gravidez múltipla inesperada. No entanto, não é aceitável esse comportamento de pais que geraram sua prole in vitro, para satisfação pessoal, por livre e espontânea vontade, pois fizeram essa opção previamente e portanto devem ser responsabilizados. Sendo assim, têm direitos e deveres em relação às crianças, inclusive de pensão alimentícia a quem quer que fique com a guarda, pois não parece possível que estes tenham de imediato a capacidade de tê-la plenamente.

O arrependimento demonstra que a repercussão do caso, no mínimo, causou vergonha e constrangimento pelo comportamento insensível e mesquinho que tiveram ao pensarem só no ônus de criar estes filhos e não no bônus que teriam ao ver estas crianças crescerem, se desenvolverem, darem os primeiros passos, tudo aquilo que inicialmente deve ter sido o que os motivou a fazer a inseminação artificial.

Uma boa forma para demonstrar tal arrependimento é assumir inicialmente a responsabilidade patrimonial e posteriormente solicitarem em ações revisionais de visitas e guarda, até ganharem novamente a confiança da sociedade, que exige amparo dessa crianças inocentemente trazidas à vida por pessoas que não demonstraram o amor esperado pela maioria, mas são os pais e podem de fato estarem arrependidos e por isso devem comprovar.

Adicionalmente, estes pais poderiam se associar a instituição que mantêm crianças as quais os pais perderam o poder familiar e estão há anos em busca de pais adotivos e assim tomarem ciência de como vivem as crianças em abrigos que aguardam anos por adoção e que no caso de irmãos a dificuldade é aumentada. E se há o risco de nascer trigêmeos na fertilização, por que não adotar irmãos?

Esse é o primeiro caso no nosso ordenamento jurídico e deveria ser norteador para inibir abandono de mais incapazes e motivar as adoções como primeira opção, uma vez que não faltam crianças disponíveis nos abrigos do país.

[1] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit, nota 28, p. 534-535

Artigo elaborado por:
Fátima Antunes
Advogada e jornalista
[email protected]

Autor: Fátima Cilene Chaves Antunes


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