FERIDAS DA ALMA ? abusos e temores



FERIDAS DA ALMA ? abusos e temores
Elma Neves
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Feridas Invisíveis é um livro que indico como uma boa leitura para todos aqueles que labutam no direito de família. O livro em questão traz relatos e resultados de pesquisas realizadas com um grande número de mulheres que passaram por situações delicadas. A autora escreve para as mulheres do mundo inteiro, em especial para aquelas que sofreram e sofrem abusos emocionais e morais, ou seja, abusos que não deixam marcas e que são pouco avaliados no cotidiano forense ? daí minha indicação de leitura àqueles que labutam no direito de família, pois a autora trata o cerne da questão de maneira a abarcar tanto o direito de família como a terapia conjugal, ambos devem andar juntos quando da análise dessas questões no âmbito jurídico. Acredito que essa obra ajudará os estudiosos do direito a atuarem com parcimônia quando atuarem nos casos que envolvam abusos emocionais e morais ? as feridas invisíveis ?, proporcionando às vítimas de abuso se libertarem do medo e da submissão.
Diz o ditado que "roupa suja se leva em casa" ? essa expressão do nosso cotidiano é utilizada quando queremos preservar nossa intimidade. Entretanto, parece-me que, atualmente, a expressão caiu em desuso, pois presenciamos um aumento da exposição da privacidade conjugal.
Analisando os relatos do livro pude observar o grande número de mulheres atingidas na alma por essas feridas, pois quando a violência doméstica atinge o seu intimo, deixa graves seqüelas que muitas vezes a acompanham por toda vida, como o descontrole emocional, o medo e a perda de sua referência. O livro apresenta o relato de casos reais, dentre os quais destaco um que chocou o meu entendimento jurídico e também o meu lado mulher. Conta Judy Kissell ? que trabalhou por seis anos no Schelter for Victims of Domestic Violence (esse caso esta baseado na Justiça americana, mas que não difere muito dos casos que encontramos na justiça brasileira) ? que "uma mulher que, com o filho, abandonou um casamento abusivo buscando a segurança do abrigo", mesmo sendo mãe zelosa, o marido pediu a custódia do filho. Na audiência, o defensor argumentou que se a mulher aprendesse a viver com o marido de maneira mais tranqüila ? o marido que a espancara na frente da criança ?, ela seria uma mãe melhor para o filho. Diante disso, o juiz, baseado no raciocínio distorcido, concedeu a custódia ao pai. A pobre mulher, sem escolhas, voltou para o marido abusivo para não perder a guarda do filho.
Ora, o Juiz se utilizou de raciocínio oposto a tudo que já presenciei no ramo jurídico. Diante do exposto, afirma a autora que seu raciocínio "leva a crer que mesmo apanhando ela vai ser mãe". A decisão ali apresentada pelo juiz não foi o único caso registrado na leitura desse livro. A referência feita por Mary, baseado no romance "O julgamento" ? descrito por Kafka ?, é bastante apropriada, no que tange ao exemplo supracitado, pois "a Vara de Família distorce tanto a realidade, que o certo transforma-se em errado, a verdade em mentira e a lógica em absurdo". A mulher continua sendo vitima, na justiça, de abusos. Paradoxalmente, as histórias expressas em feridas invisíveis são corriqueiras no nosso cotidiano forense (brasileiro). Para a autora a mulher fica sem saída.
Parece-me que o sistema jurídico da vara de família daquele país está desatualizado no que tange tratar de casos conjugais. A obra é a ferramenta da autora para denunciar a desconsideração humana para com o abuso não-físico sofrido pelas mulheres. Em resumo, a autora abre nossos olhos para vermos que todo o sistema social (família, polícia e poder judiciário), da forma com têm atuado, favorece a escalada do abuso não-físico que, em curto espaço de tempo, conduz ao espancamento da vítima e até mesmo ao assassinato. A reação deve ser deflagrada com a quebra de paradigmas amplamente aceitos pela sociedade que conferem ao homem o direito de abuso, alegando, simplesmente, que perdeu o controle.
Espero que através dos olhos de Mary Susan Miller, nós estudiosos do direito, possamos lidar melhor com as questões jurídicas familiares que envolvam abusos emocionais e morais.



Autor: Elma Neves


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