Natureza e Cultura



1. INTRODUÇÃO


Dada a proposta do painel, iremos trabalhar neste texto com a temática "Natureza e Cultura", problematizando as questões que a envolvem. Em caso específico, trataremos de discussões a respeito da superioridade de raças sobre as outras, que volta a um debate aparentemente superado, com o geneticista James Watson, vencedor do prêmio Nobel por ajudar a desenvolver e a descobrir a duplicidade do DNA; iremos tomar os argumentos também de Charles Murray, cientista político norte-americano, escritor do livro "A curva do sino" (1994), que irá revelar indícios da maior inteligência do homem branco em relação ao homem negro. Além desta questão, achamos pertinente também discutir a respeito dos Serial Killers, hoje discutidos no mundo inteiro; nesse sentido, procuraremos descobrir qual a relação da causa dos assassinatos em série com a biologia do ser humano, ou também, de grande monta, com a sua cultura, o modo de sua criação. Assassinos em série são seres humanos doentes, que nascem com ímpeto de sangue? Ou então o que determina seu comportamento é seu processo de culturação, começando desde a infância até a fase adulta? É disso que trataremos neste trabalho.
A questão das causas biológicas ou culturais estão presente em diversos aspectos da problemática humana, começando este debate desde séculos atrás e se estendendo até os dias de hoje. Desse modo, podemos inferir que não há verdades universais em relação a este tema, uma vez que se entender o ser humano é demasiado complexo, envolvendo paixões e ideologias.














2. A QUESTÃO DAS RAÇAS ? UM DEBATE AINDA VIVO

O conceito de "raça" é usado para caracterizar diferentes tipos de grupos humanos, com bases nas suas peculiaridades envolvendo aspectos físicos, mentais e culturais. Essa discussão vem desde o séc. XVI, com a expansão marítima europeia e a sua consequente dominação de outras terras, encontrando por lá povos já habitantes. Nesse sentido, cabia ao homem europeu encontrar argumentos que justificassem seu poderio diante daquelas pessoas até então nunca vistas. Estudiosos e acadêmicos da época, apoiados por uma gama de fatores, propuseram teorias discriminatórias que tratavam o "outro" como seres não humanos, sob à luz do eurocentrismo, o qual revela a superioridade do homem europeu em relação aos outros povos.
Sendo assim, esta questão se entendeu durante toda a história ocidental, e foi com a Antropologia que ganhou argumentos a favor destes atos ? em algum momento ? e depois contrários à existência das raças. No séc. XX, o fervor em relação à superioridade de determinada raça se fez com a eugenia, teoria usada depois por Hitler para justificar seus massacres e assassinatos contra judeus, homossexuais, negros e deficientes físicos e mentais. Estes acontecimentos, devidamente questionados pela comunidade internacional vistos suas consequências desastrosas para a humanidade, fez surgir teorias que viessem questionar e destituir a veracidade da existência de raças humanas. É com Franz Boas que isso toma força.
Em seu livro "Antropologia Cultural", Boas argumenta de diversas formas, fazendo um estudo histórico e comparativo de diferentes sociedades em torno do mundo, como a ideia de raça é falsa, uma vez que os grupos humanos, tratados de forma universal na sua existência, são comparativamente semelhantes uns aos outros, no que diz respeito à sua capacidade mental, física, psicológica e emocional ? salvo, é claro, a cultura de cada povo, que irá interferir no modo como os seres encaram o mundo.
Tomando por base a força de seus argumentos, instituídos de provas antropológicas e biológicas, o conceito de raça foi cada vez mais perdendo espaço no mundo acadêmico e no imaginário das pessoas, já que as políticas dos Estados, bem como a formação da cultura dos países, vêm ajudando a difundir a ideia de uma "unidade humana", onde o que há são diferentes etnias e culturas, visto as particularidades de cada povo, e não diferentes raças dentro de um mesmo grupo humano. Assim, a ideia que se tinha era o fim desse debate e a chegada de um consenso, no âmbito mundial, da inexistência de raças humanas. Porém, na segunda metade do séc. XX, com o desenvolvimento da genética e da biologia e o consequente estudo do ser humano, argumentos de alguns teóricos voltam a ganhar força. Trataremos, pois, de analisar as ideias de dois influentes acadêmicos dos EUA, isto é, do geneticista James Watson e do cientista político Charles Murray. Comecemos pelo primeiro.
Para James Watson, com base na hipótese genética, os brancos são mais inteligentes que os negros. Ele afirma, para justificar sua ideia, que os seres humanos têm 96,9% de semelhança entre seus genes, mas que essa pequena diferença pode causar grandes impactos entre eles, como no caso da inteligência. Ainda segundo ele, os "genes da inteligência" serão descobertos em 10 ou 15 anos (tomando que seu argumento é do final do séc. XX), e isso possibilitará um estudo sistemático destes genes, para que suas ideias tenham base científica.
Entretanto, sua afirmação é desprovida de provas empíricas, e ele apenas tem em mente algumas ideias e experimentos como cientista para sua afirmação. Nesse sentido, os argumentos de James Watson foram severamente combatidos por vários acadêmicos e até mesmo por geneticistas de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil. Para o geneticista Sérgio Pena, professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, "Watson está gagá e/ou quer aparecer". Segundo o pesquisador, a genética tem mostrado nos últimos 20 anos que raças humanas não existem do ponto de vista científico. A variabilidade está concentrada dentro das populações continentais e não entre continentes. Assim, Watson não leva em conta os primórdios da distribuição humana pelo mundo, como indica diversos estudos, os quais revelam que ela se deu do continente africano para o resto do mundo. Desse modo, não é forçoso afirmarmos que todos nós temos uma descendência africana, em se tratando dos nossos ancestrais de milhões de anos atrás.
Outro acadêmico que corrobora as ideias de Watson é o cientista político Charles Murray, também se referindo à superioridade dos brancos sobre os negros, no que se refere à inteligência. Nesse terreno, Murray argumenta que a inteligência é a chave do sucesso das pessoas e, por esse motivo, os brancos seriam superiores economicamente e socialmente aos negros. Com isso, Murray exclui de forma tola toda uma série de aspectos que determinam ou influenciam a vida das pessoas, tanto economicamente como socialmente. Os negros não são, na grande maioria, menos favorecidos socialmente e economicamente por serem menos inteligentes, mas sim por todo um processo histórico que se dá por séculos de dominação e opressão dos colonizadores brancos, justificados justamente pelo ideal do homem branco.
Murray, nesse caso, é proprietário de argumentos ultrapassados, como, por exemplo, considerar a inteligência fator único determinante para o desenvolvimento econômico de um país, tomado em conjunto. Outro exemplo: para ele, filhos de pais inteligentes serão naturalmente inteligentes, por características genéticas e por viverem em um ambiente que propicie isso. Desse modo, filhos de pais pobres raramente serão inteligentes, pois, tomando por base a pobreza de seus pais, podemos concluir que eles são menos inteligentes, logo seus filhos também serão.
É evidente que esses argumentos, mesmo falados por pessoas com carreira na comunidade científica, são desprovidos de provas empíricas e carregados de ideologias e preconceitos. Desse modo, tais ideias são facilmente combatidas por estudos sistemáticos, mesmo com Boas, até os demais antropólogos que tratam dessa temática. Logo, podemos perceber que esse debate em torno da Natureza e Cultura, no caso da superioridade de raças, geralmente é usado como trunfo racista e justificatório, tentando explicar aspectos sociais e econômicos, que deveriam ser resolvidos através de uma mudança no sistema político, por fatores biológicos e sem provas comprovadamente testadas.

3. SERIAL KILLERS: NATURAL OU CULTURAL?

Um assassino em série (também conhecido pelo nome em inglês, serial killer) é um tipo de criminoso de perfil psicopatológico que comete crimes com uma certa frequência, geralmente seguindo um "modus operandi"e às vezes deixando sua "assinatura", como por exemplo coleta da pele das vítimas.
Desse modo, fica evidente que pessoas com essas características são um grande problema para a sociedade, uma vez que destroem famílias, causando dor e morte. Desde a evolução do sistema investigativo da polícia, ficaram mais comuns as descobertas de assassinos em série em todo o mundo, que também é comprovado a existência dessas pessoas durante grande parte da história, como por exemplo alguns reis e duquesas do séc. XIII e XIV. Porém, a discussão que se tem em pauta é qual a causa fundamental que propicia certas pessoas a cometerem tais barbaridades? É da natureza humana de certos indivíduos acharem legítimos atos tão cruéis? Ou se trata de uma vingança contra a sociedade, justificada pelo passado funesto desses assassinos? A questão, dada a sua complexidade, é passível de grande investigação e argumentos de neurologistas, psicólogos, geneticistas, antropólogos e sociólogos. Aqui, tomaremos as ideias principais de neurologistas, como o médico Jonathan Pincols, doutor na Universidade de Washington.
Segundo o médico, a causa para pessoas se tornarem assassinos em série pode ser determinada em 3 níveis, por 3 fatores: lesão cerebral no lobo frontal; doença mental; e, por fim, infância perturbada. Assim, pessoas que detêm esses três fatores, provavelmente se transformarão em pessoas ruins, capazes de matar ? em suma, serial killers.
Analisando o primeiro fator ? lesão cerebral no lobo frontal ?, o neurologista afirma que esta parte do cérebro, responsável pelo controle dos impulsos nervosos, é de fundamental importância para determinar diversos atos dos indivíduos. Diversos assassinos em série, pesquisados pelo doutor, apresentavam, através de exames de ressonância magnética, uma lesão nessa parte do cérebro. O seu funcionamento, como explica o doutor, está no controle dos impulsos; pessoas que sofreram pancadas ou traumatismo nessa região, ou mesmo que nasceram com deficiência, não conseguem impor um limite a ações onde está presente emoções fortes, como a raiva, o medo, a excitação. Nesse sentido, ele explica que serial killers não apresentam quadros normais que geralmente os indivíduos possuem, como se abster de uma ação violenta que poderiam ocasionar. É como se fosse um "alarme" para nós antes de chegarmos ao pico da raiva. Serial killers têm uma "falha" nesse "alarme", segundo o neurologista.
Em se tratando do segundo fator ? doença mental ?, o médico analisa o quadro de diversos serial killers que apresentavam essa "anomalia". Para ele, pessoas com doenças mentais detêm um padrão de julgamento distorcido da moral e ética da sociedade, fazendo com que suas ações sejam consideradas corretas, mas somente para eles. Ou seja, serial killers não têm julgamento de valores, não conseguem distinguir a realidade da imaginação, como diversos exemplos estudados por ele. Nesses termos, essa análise do médico se dá em uma relação com a loucura, estado no qual as pessoas vivem em um mundo paralelo à verdadeira realidade.
Por último ? infância perturbada -, Jonathan Pincols traz o fator cultural para o campo de análise (já que os dois primeiros tratam de aspectos naturais desses indivíduos). Para ele, com base na investigação de vários serial killers, a grande maioria teve traumas sexuais na sua infância, ocasionados por pais e mães que os maltratavam, submetendo a experiências desastrosas para uma criança. Assim, o neurologista tem em mente que, na cabeça desses serial killers, dado seu sofrimento, é de sua obrigação uma vingança contra a sociedade, justamente por terem passado por atos grotescos. Desse modo, os assassinos em série, na maioria das vezes, procuram vítimas mais frágeis e incapazes de se defender, como crianças e mulheres, submetendo-as, nesse caso, a monstruosidades impensáveis à sociedade.
Entretanto, como escrevemos, o médico acompanhou essa tendência na maioria dos casos, e não na sua universalidade. Como exemplo, podemos citar Tedd Bundy, um indivíduo que foge à regra. Bundy teve uma infância tranquila; não há verificação de lesão no lobo frontal de seu cérebro, bem como de doença mental; porém, este serial killer, dotado de charme e bom status social, matou cerca de 30 mulheres entre as décadas de 70 e 80. Isso só indica que não há uma universalidade para indicar que pessoas se tornarão assassinos. Não há evidências universais para diagnosticar psicopatas na nossa sociedade. Nesse sentido, vemos que determinados indivíduos são condicionados a matar por diversos fatores, atuando uma simbiose entre Natureza e Cultura, pois há fatores psicológicos e sociais para explicar o porquê de determinadas pessoas se tornarem criaturas maléficas, levando em conta, claro, a particularidade de cada uma.







4. CONCLUSÃO

Vimos que a problemática envolvendo Natureza e Cultura se dá por séculos na história da humanidade. Tem início com a expansão marítima e a dominação das potências europeias por povos indígenas, ocasionando diversas teorias que justificassem essa exploração. Depois disso, percorre todo o séc. XX, tendo sua maior força no conceito de eugenia e raças humanas, as quais foram argumentos para as ideias nazistas que discriminavam judeus, negros, homossexuais e deficientes físicos e mentais. E, após isso, ainda atua com força na comunidade acadêmica, como vimos em James Watson, que propõe uma superioridade da inteligência de indivíduos brancos em relação aos negros. Trabalhamos também com assassinos em série, procurando, com vista em argumentos de especialista médico, identificar fatores que levam pessoas a cometerem assassinatos e maldade, que contêm uma junção de fatores, tanto biológicos, como culturais.
Nesse sentido, podemos concluir, tomando também diversas outras questões envolvendo o gênero humano, que os debates, aparentemente mortos e concluídos, sempre estarão vivos de alguma forma, mesmo que tenham um caráter ideológico, racista, ou controverso, ao dar valor somente ao sujeito, e esquecer que ele é formado em uma sociedade com bases complexas, permeada por uma cultura específica, um sistema econômico e diversos valores simbólicos, que notadamente têm grande influência na formação de seu caráter. Assim, portanto, cada ciência tentará explicar os temas envolvidos na academia por seu viés, mas não podendo esquecer da existência de outras ideias teóricas e práticas envolvendo o ser humano.

Autor: Leonardo Caieiro Geyer


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