Doença (in)curável



A pergunta que o Brasil inteiro faz, não é o que leva um jovem a matar crianças, mas sim, o que leva a imprensa a explorar um fato como este desta forma como explorou e está explorando. O rapaz era psicótico ou esquizofrênico e vivia dentro de uma outra realidade. É muito difícil absorvermos a impossibilidade de culpar alguém diretamente por esse triste fato, pois, a doença mental não é entendida como algo que impede a pessoa de agir segundo os nossos sentimentos de justiça e fraternidade. Não que o psicótico não raciocine, ao contrário, o planejamento para a barbaridade é meticuloso e racional dentro da lógica do doente. É uma triste realidade patológica, por mais revoltante que possa ser. E entendo que, por outro lado, não há como exigir de pais, mães e parentes dessas pequenas vítimas que raciocinem dessa forma neste momento de comoção. Só posso me unir à dor dessas pessoas.

Já a imprensa, diferente de um doente incurável, explora a dor dos pais, parentes e amigos das vítimas até as últimas consequências, mesmo diante de um caso ao qual podemos até atribuir outras culpas além da doença do rapaz, mas em nenhum momento ela se preocupou em fazer o seu papel de respeitar o público e valorizar os seres humanos, como manda o juramento do profissional de comunicação:

"A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade"

O que se vê é uma imprensa sedenta por audiência e, (i)lógico, preferindo mostrar cenas chocantes e "exclusivas" que chamam mais a atenção do público do que promover a discussão do que pode ser feito para minimizar a ocorrência de fatos semelhantes. Esta sim, uma opção que dignificaria a nobre missão do profissional de comunicação.

E quais seriam essas discussões produtivas? Alertar claramente a população sobre o comportamento comum desses doentes, discutir sobre a própria doença e sobre a segurança nas escolas, abrindo até uma oportunidade para se conversar sobre a violência como um todo, num país onde uma pessoa a cada 12 minutos morre por homicídio. São 48 mil vitimas anuais da violência que NÃO SÃO mortas por psicóticos esquizofrênicos, mas pela banalização da violência tolerada pelas autoridades governamentais, transformando o direito à vida em mera sorte de permanecer vivo.

O que leva então os veículos de comunicação a mostrar closes de choros e sangue, gritos de pavor e correr atrás de cenas exclusivas da parte interna mais ensanguentada do colégio? O que leva esses veículos a dedicar 90% do seu jornalismo para edições chocantes como as que vimos ontem, ao invés de ajudar na busca de soluções que seria o seu principal papel dentro da sociedade que os sustenta?

Fica para depois, lógico! Depois que o ponteirinho do IBOPE baixar e a audiência voltar ao normal. A discussão nessa hora será utilizada como recurso para recordar as cenas que um dia nos chocaram e ajudará a subir um pouco mais a audiência estagnada. Triste e contínua realidade!

Entre as doenças do rapaz e da imprensa, a dessa última ainda pode ser curada com a vacina inoculada da própria consciência.


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Autor: José Cláudio Guimarães


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