A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO



Antonia Sousa de Jesus Neta

Sumário: Introdução. 1. Jurisdição: aspectos gerais. 2. Jurisdição privada e Jurisdição estatal: breves considerações 3. A fundamentação das decisões judiciais como direito fundamental do cidadão. 4. Considerações Finais. 5. Referência Bibliográfica.

RESUMO

O presente paper tem por escopo discutir, brevemente, sobre o dever de fundamentação das decisões judiciais. E como essas decisões se caracterizam como um direito fundamental do cidadão em saber qual a razão que motivou a decisão, especialmente, quando lhe for desfavorável.

Palavras Chaves: Jurisdição. Fundamentação. Direito Fundamental.


INTRODUÇÃO



O presente trabalho de breve pesquisa bibliográfica se propõe a discutir, ainda que de forma rápida, a origem da necessidade de fundamentação das decisões judiciais, além de sua importância haja vista a cobertura de direito fundamental que se reveste esse dever de fundamentação das decisões judiciais. Abordar-se-á sobre a transição da Jurisdição Privada para a Estatal e suas principais características.
O nascedouro da Jurisdição será abordado não somente em sua peculiar característica que é pertencer a um Poder Estatal, mas demonstrar que um órgão ou pessoa com poderes para resolução de conflitos de interesse existe antes mesmo da idéia de um Estado politicamente organizado, tal qual se conhece nos dias atuais. Falar-se-á, também, como a consolidação da Justiça Estatal se confunde com as origens do próprio Estado politicamente organizado. Para consubstanciar os argumentos foram utilizadas bibliografias diversas, tais como: livros, artigos científicos e posicionamentos dos tribunais.



1. Jurisdição: aspectos gerais



A finalidade do sistema judicial desde muito foi o de harmonizar as relações sociais intersubjetivas a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste. O critério utilizado deve orientar essa coordenação ou harmonização, este deverá ser justo e equitativo, de acordo com a convenção prevalecente em determinado momento e lugar. (GRINOVER, 2008, p. 25)
A justiça e a equidade eram observadas como peculiar a cada momento histórico, motivo pelo qual não se devem julgar determinados critérios de justiça aplicados em povos antigos, haja vista que a forma como a força legitimada para impor condutas sócias, só deve ser observada e julgado de acordo com o momento vivenciado. Isto por que, sabe-se que o Direito é uma ciência em constante desenvolvimento e sua principal característica ou sua essência é a sociedade para qual existe, pois reflete os valores nela incutidos. Nesse sentido, muda com o decorrer dos tempos e sua aplicação varia de civilização em civilização.
No inicio, nas frases primitivas dos povos, inexistia a figura do Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o Direito (as regras de conduta) acima das vontades individuais (GRINOVER, 2008, p. 25). Nesse período não existia um órgão estatal que, com soberania e autoridade pudesse fazer cumprir a lei, ate mesmo por que, neste período não havia poder centralizado e imparcial e, muito menos, reconhecido por todos. Ainda que houvesse a figura do Poder, esta era descentralizada.
Assim, quem quisesse algo de outrem se valia da própria força para satisfazer sua vontade. A esse período convencionou-se chamar de Autotutela. Com isso, observa-se que muitos eram carentes de justiça, pois a vitoria que dava ensejo ao exercício do direito subjetivo era do mais forte que impunha sua força sobre o mais fraco.
As características desse regime são: Ausência de juiz distinto das partes, imposição da decisão por uma das partes à outra por meio da força. Nesse período não há a figura do juiz, logo, não há jurisdição e nem Estado. (GRINOVER, 2008, p. 28-29)
Entretanto, com o passar dos tempos as pessoas foram se apercebendo dos males desse sistema e começaram a preferir uma solução amigável e imparcial em detrimento das soluções parciais (das partes). Essa forma de solução de litígio era realizada por meio de um arbitro (terceiro não participante do conflito de interesse), que seria uma pessoa de confiança de ambas as partes em litígio, cujo papel era solucionar o conflito, ou seja, aplicar a regra que devesse ser cumprida pelas partes.
Carlos Guilherme Lima (2002) esclarece que:
Essas pessoas em geral, eram sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas, de acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciãos, que conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados. E a decisão do arbitro, pauta-se pelos padrões acolhidos pela convicção coletiva, inclusive pelos costumes. Historicamente, pois, surge o juiz antes do legislador.

Posteriormente, segundo Ada Pellegrine Grinover (2008, p. 28-30), à medida que o Estado foi se firmando enquanto poder, impositivo aos particulares, nasceu gradativamente o poder de resolver conflitos. A história mostra, diz a autora, que no direito romano arcaico (das origens do direito romano até o século II a.C, sendo dessa época a Lei das XII Tábuas), o Estado já participava, na medida da autoridade então conseguida perante os indivíduos, dessas atividades destinadas a indicar qual o preceito a preponderar no caso concreto de um conflito de interesse.



2. Jurisdição privada e Jurisdição estatal: breves considerações



Após a abordagem histórica, pode-se afirmar que a figura da arbitragem (jurisdição privada) é anterior a jurisdição advinda do Estado. No decorrer dos períodos da historia da humanidade, verifica-se uma fase embrionária da solução de conflitos de interesses, a autotutela, já mencionada, que era a prevalência de uma das partes, por meio da força, em detrimento da outra. Hoje não mais aceita pelo Direito dos povos civilizados, tendo em vista já existir nos dias atuais a figura do Poder Jurisdicional do Estado.
Passada essa fase de autotutela as partes passam a submeter-se a intervenção de um terceiro, esse terceiro é a figura de um arbitro por elas escolhido, que imparcialmente solucionará o conflito de interesses em questão. É importante observar que no começo, a arbitragem era exercida pelos sacerdotes, pois se acreditava que estes tinham ligação com os deuses, num segundo momento, a arbitragem foi exercida pelos anciãos que, por serem as pessoas mais antigas da comunidade, possuíam respeito desta, que os considerava dotadas de sabedoria dos ancestrais, e conhecedores de todos os costumes (Augusto César Ramos: Mediação e Arbitragem na Justiça do Trabalho: Disponível em: HTTP//WWW.jusvi.com.br ? 2001)
Segundo Isabele Jacob (1998):
A arbitragem, contudo perde sua força para pacificação social privada com a publicização do Estado Romano, oportunidade em que foi instaurado o Poder Absoluto, que vigorou até o fim do Império e durante qual a composição das lides passou a ser função estatal, fazendo com que o processo romano perdesse o seu caráter privado.

Sendo assim, observa-se que a Jurisdição como meio de solução de litígios é anterior ao próprio Estado, pois os cidadãos em conflitos compareciam perante o pretor, comprometendo-se a aceitar o que este impunha as partes. Vale ressaltar que, embora o pretor atuasse como um magistrado, pois era ele que conhecia ou não da demanda, ele não se confundi com a figura do juiz, mesmo tendo amplo poder dentro do processo civil.
Nisso, verifica-se que a justiça privada na forma de arbitragem é um dos mais antigos institutos que se tem na história do Direito e, especificamente, acerca da jurisdição privada, noticiado na Babilônia de 3.000 anos a.C, na Grécia antiga e em Roma. Assim, continua a fase que conhecemos por "justiça privada", todavia não mais exercida pela vítima ou ofendido e sim pelo grupo social ou por terceiros designados especialmente para dirimir determinadas controvérsias. Apenas em momento histórico muito posterior é que vem à tona a justiça pública oferecida pelo Estado. (GRINOVER, 2008). Essa justiça privada exercida por um terceiro era totalmente diferente do terceiro que hoje exerce a função da Jurisdição. Esse terceiro, nos dias atuais e o Estado.
Vale enfatizar que segundo Chiovenda, citado por Joana Câmara Fernandes de Oliveira, "jurisdição é a função do Estado que tem por escopo atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva". Observa-se nessa passagem que o Estado é um terceiro, mas, diferentemente da justiça privada, o Estado aplica a lei, concretizando sua vontade.
Vale pontuar que, como se percebe, a idéia de Jurisdição Estatal não pode ser desassociada da idéia de Estado Organizado, já que o exercício da jurisdição é aplicar a lei que por sua vez, foi criada por um órgão denominado legislativo que caracteriza a fase de um Estado Legalista e formal.
Nas palavras de Rosemiro Pereira Leal, citado por Joana Câmara Fernandes de Oliveira:
O Processo, como instituição jurídica deste mesmo ordenamento, define-se como bloco de condicionamentos do exercício da jurisdição na solução dos conflitos e da validade da tutela jurisdicional, que, não mais sendo um ato ou meio ritualístico, sentencial e solitário do Estado-Juiz, é o provimento construído pelos referentes normativos da estrutura institucional constitucionalizada do processo.
Não se pode deixar de comentar que, com a publicização da justiça, esta veio a ser perseguido por todos os povos para evitar despautérios por parte do poder publico, fazendo se consolidar a idéia de um Estado que resguarda os direitos individuais, realizando justiça de forma publica para que todos possam ter acesso às informações e dessa forma, serem protegidos de arbitrariedades cometidas pelo ente Estatal Jurisdicional.


3. A fundamentação das decisões judiciais como direito fundamental do cidadão


O Estado Democrático de Direito surgiu para resguardar e garantir o direito de qualquer cidadão, assim como limitar o exercício desse direito, impedindo que alguém possa violar o direito de outra pessoa ao exercer o seu, vale à máxima "o meu direito termina quando começa o de outro". Esse limite também é destinado ao poder público, e é característico do Estado de Direito, quer seja no âmbito Executivo, Legislativo ou Judiciário. Para que os cidadãos, pertencentes a este Estado não ficasse a mercê da arbitrariedade de um julgador foi que o diploma constitucional de 1988, no artª 93, IX positivou o dever ? jurídico / político de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas. Isso implica dizer que o juiz, deve dizer o que o motivou a tomar tal decisão.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado por José Renato Nalini (2000), pg. 111, afirma que é um obstáculo ao arbítrio, que repugna ao Estado de Direito, mesmo que exercido por juizes. Essa fundamentação, diz ainda o autor, deve ser compreendido como uma das garantias predispostas pelo Estado Democrático de Direito para impedir o arbítrio dos juizes, logo do próprio Estado. Isso quer dizer que hoje, a fundamentação dos atos jurisdicionais constitui um postulado constitucional inafastável, que traduz poderoso fator de limitação ao exercício do próprio poder Estatal, alem de configurar instrumento essencial de respeito e proteção às liberdades públicas.
No HC 69.013 ? 1 ? PI, onde o ministro relator Celso de Melo, afirma que:
O ordenamento jurídico brasileiro, ao tornar a exigência de fundamentação das decisões judiciais um elemento imprescindível e essencial à válida configuração dos atos sentenciais, refletiu, em favor dos indivíduos, uma poderosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz, e impôs como natural derivação desse dever, um fator de clara limitação dos poderes deferidos a magistrados e Tribunais.
O juiz pronunciante deve, sempre, motivar a sua decisão, quer para decretar, quer para revogar, quer para deixar de ordenar a prisão provisória do réu pronunciado.
Não há, em tema de liberdade individual, a possibilidade de se reconhecer a existência de arbítrio judicial. Os juízes e tribunais estão, ainda que se cuide do exercício de mera faculdade processual, sujeitos, expressamente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status libertatis que pratiquem no desempenho de seu ofício.
A conservação de um homem na prisão requer mais do que um simples pronunciamento jurisdicional. A restrição ao estado de liberdade impõe ato decisório suficientemente fundamentado, que encontre suporte em fatos concretos. (HABEAS CORPUS N. 69.013-1-PI, rel. min. Celso de Mello, 1ª turma do STF, j.24.03.1992 ? DJU 1º 07.1992, p. 1.556).
(grifos).
Cumprindo com o mandamento constitucional do dever de fundamentar as decisões judiciais, o juiz concretiza o principio do acesso à justiça. Quando tem a obrigação de explicitar os argumentos que o conduziram a conferir à demanda o resultado contido na sentença, o julgador, também se aproximará do ideal de justiça apregoado pelo Estado Democrático de Direito assim com respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso atual Estado.
Alem da aproximação com a justiça, o dever de fundamentação das decisões, cumpre também a finalidade de indicar o rumo correto da aplicação do direito. Essa é uma dimensão docente do desempenho jurisdicional. Ao fundamentar, o juiz necessariamente exterioriza o raciocínio que o levou à conclusão adotada (NALINI, José Renato ? O Juiz e o Acesso a Justiça ? 2002 - pg.112).


4. Considerações Finais


Observa-se que com a passagem das fases históricas denominadas justiça privada para justiça publica, deu-se devida à necessidade de se ter um sistema que pudesse garantir uma maior efetivação e resguardo dos direitos e garantias individuais em detrimento do poder Estatal. Essa passagem foi um marco importante para a historia do Direito, pois de que adiantaria existir um poder para o qual fosse determinado que lhe dirimissem os conflitos se não existisse uma forma de controle desse mesmo poder?
É justamente neste ponto que se observa a necessidade de fundamentação das decisões judiciais, pois o Juiz representa o Estado Jurisdição e, portanto, se submete a restrições de ordem constitucionais como a que foi comentada no bojo deste trabalho. Além disso, a fundamentação das decisões judiciais se constitui uma forma de exteriorização da própria justiça, pois a parte vencida tem o direito de saber o que fundamentou a decisão judicial para que não amparasse a sua pretensão, assim como a parte vencedora, terá por meio do seu processo, oferecido a toda a comunidade jurídica e social, um direcionamento de como o judiciário trata questões semelhantes, criando assim o famoso "precedente", orientação jurisdicional, fazendo do Poder Judiciário, na pessoa do juiz, um órgão pedagógico para toda a sociedade.


5. Referência Bibliográfica.



NALINI, José Renato. O Juiz E O Acesso a Justiça; Ed. Revista dos Tribunais SP ? 2002.
SIDNEI, Agostinho Beneti. Da Conduta do Juiz; Ed. Saraiva ? 2ª Edição ? SP ? 2000.
Constituição da Republica Federativa do Brasil ? Texto promulgado em 5 de outubro de 1988.
OLIVEIRA, Joana Câmara Fernandes. Artigo: A arbitragem na sociedade anônima, acessível em http//www.ambitojuridico.com.br , acessado em 31/05/2010 às 14h00min.
LIMA, Carlos Guilherme Abreu. Artigo: Lei de Arbitragem ? quebra do monopólio Estatal, acessível em http//www.jus2.com.br, acessado em 31/05/2010 às 15:00.
MORGADO, Isabele Jacob. A arbitragem nos conflitos de trabalho. São Paulo: LTr, 1998.
Augusto César Ramos: Mediação e Arbitragem na Justiça do Trabalho ? Disponível em http//www.jusvi.com.br ? 2001 acessado em 31/05/2010 às 14:40.
GRINOVER, Ada Pellegrine. Teoria Geral do Processo. Edt. Revista dos Tribunais, SP ? 2008.
Autor: Antonia Sousa De Jesus Neta


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