Identidade Amazônica: o enigma da esfinge







IDENTIDADE AMAZÔNICA: O ENIGMA DA ESFINGE

Ismael Soares Machado
Universidade Federal do Pará



RESUMO: este artigo se propõe a discutir a identidade amazônica na literatura nacional, no contexto da pós-modernidade.
Palavras-Chaves: pós-modernidade, literatura, Amazônia..


ABSTRACT: This article intends to discuss identity of amazon literature in the context of post-modern.
Keys words- post modern, literature, Amazon.

















1- Decifra-me ou te devoro: o enigma amazônico

Ocupando praticamente a metade do território brasileiro a Amazônia adentra o século 21 ainda como uma esfinge cujo enigma parece continuar a lançar o desafio: ?decifra-me ou te devoro?. Sua complexidade territorial, ecológica, biológica e humana traz em si pressupostos que fazem com que seja sempre vista e revista como um desafio a ser suplantado, como um Eldorado perdido ou como um vazio a ser integrado ao resto da nação.

Os olhares sobre a Amazônia geralmente são estrangeiros, alienígenas, que pretendem abarcar uma totalidade na qual o olhar nativo muitas vezes é ignorado. Fazem parte de uma concepção que reveste a região ora de um exotismo primitivo, ora de uma terra sem lei, fadada a ser alvo eterno de ameaças exploratórias.

Imiscuir-se nesse território com esse olhar enviesado ? e consequentemente, viciado- é certeza quase absoluta de incorrer no mesmo erro já tantas vezes cometido. A Amazônia é sempre mais do que se espera e menos do que se pode entender.

Isso pode ser creditado ao fato de que, em nenhuma outra região do País, podem-se encontrar duas metrópoles urbanas, Belém e Manaus, tão próximas da floresta. Essa dicotomia entre o primitivo e o urbano esfacelado traz características significativas à região. Desde a década de 1970, a região amazônica teve dois movimentos populacionais. O primeiro, um aumento geral da população; o segundo, um aumento de cidades e de população vivendo nelas. De 1950 a 2005, a população da Amazônia Legal cresceu 518%. A média nacional do período foi de 255%1. A urbanização cresceu 18%, e 70% da população da Amazônia já vive nas cidades. O maior índice, de 54,54%, foi constatado em 1999.

Essa mudança da característica populacional ocasionado, em muitos aspectos, por uma migração desordenada, causou efeitos profundos em cidades como Belém, Manaus, Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco, Macapá, Santarém e Boa Vista. Esse fenômeno é mais intenso no Amazonas, Roraima, Acre e Amapá, cujas capitais chegam a ter metade ou até mais da metade da população do Estado.

Uma imagem recorrente e que pode simbolizar essa dicotomia amazônica entre uma modernidade tardia e uma pós-modernidade incipiente, é a que mostra o pescador ribeirinho remando em sua canoa, chegando na casa de madeira à beira do rio, acionando o motor a diesel que vai permitir a iluminação elétrica e ligando o aparelho de TV, captando, a partir de uma antena parabólica que está fincada no quintal úmido de sua residência, as imagens do mundo. Deitado na rede enquanto cozinha o peixe trazido, o pescador pode, ao mesmo tempo, saber quem irá para o ?paredão do Big Brother?, quem está na frente das prévias das eleições norte-americanas, ver imagens de conflitos étnicos em países do Oriente Médio e adotar algumas gírias praticadas na novela das 21 horas.

Embora a situação descrita acima seja teoricamente imaginária, ela faz parte do universo real vivenciado por milhares de famílias ribeirinhas na região amazônica. Esse personagem ribeirinho parece estar inserido num universo paralelo, mas ao mesmo tempo dentro de um sistema econômico político e social aos moldes do que Hall (2005, p. 49) define como "cultura nacional", ou seja, a que "contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições nacionais, como por exemplo, um sistema educacional nacional".

Por outro lado, mesmo inserido nesse universo, o ribeirinho está à parte. Vivencia valores diferentes de tempo e espaço. Se pode assistir as novelas e a programação cotidiana da televisão, está imune aos apelos da propaganda comercial, já que ela inexiste na transmissão captada a partir de antenas parabólicas. Se é convocado a votar para prefeito, vereador, governador e presidente, pouco ou quase nada recebe em termos de cidadania em troca de seu voto.

Situado então nesse tempo-espaço diferente, tendo diante de si a metrópole urbana, com seus caóticos signos, ruídos e vozes polifônicas, e atrás de si a floresta, com seus mitos, mistérios, lendas e riquezas exploradas de forma extrativista convencional ou de modo predatório, o homem amazônico acaba por sintetizar uma forma peculiar de se incluir no mundo. Mas poucas vezes é a sua voz que representa esse mundo vivenciado. Eis o enigma da esfinge a ser decifrado.

2- Migração: novas identidades a descoberto

O crescimento demográfico na região ? e sobretudo no Pará- deve levar em consideração o componente migração, que teve papel de grande importância na conformação do atual perfil demográfico da Região, sobretudo a partir dos anos 70, período em que o governo brasileiro estimulou a vinda de famílias de outros centros regionais, com a missão de "povoar e desenvolver" a Amazônia.
Segundo Raimunda Monteiro (2001) "a marcha para o Norte e para o Oeste, teve seu ápice com a construção de Brasília e as vias rodoviárias que se conectaram a partir da nova capital federal, abrindo o acesso para as distantes regiões da Amazônia, do Nordeste e do Sudeste: Belém-Brasília, BR-364 (ligando São Paulo ao Acre) e, nos anos 70, a BR-230 (Transamazônica) e BR-163 (Cuiabá- Santarém) e as estradas para Salvador, Belo Horizonte e Fortaleza".
Com esses novos caminhos, impulsionados pela idéia de desenvolvimento, abriu-se para a exploração a região que abriga a maior biodiversidade do planeta, nos mesmos moldes como se extraíram as matérias-primas da Mata Atlântica por 500 anos: madeira, seguido de pecuária extensiva, sucedida por produção agrícola em escala industrial. Na sucessão produtiva, é patente a exaustão ecológica dos ambientes em que se essas práticas produtivas são desenvolvidas, seguida da migração da atividade para terras novas ou da substituição por sistemas de produção intensivos com elevada carga de insumos, acessível para um número reduzido de complexos agroindustriais, altamente subsidiados pelo Estado (Monteiro, 2001)2.
Além de impactar ambientalmente a floresta, essa atividade causa impactos sociais e econômicos, uma vez que a mão-de-obra que não é absorvida pela indústria e serviços dos centros urbanos busca nessas novas fronteiras o sonho de independência e a propriedade da terra. Dá-se aí o confronto pela posse da terra, já que os madeireiros e pecuaristas que migram para o sul e sudoeste do Pará encontram nessas regiões as condições ideais para se instalar e ganhar dinheiro fácil por ciclos que variam de 10 a 20 anos, com apoio, em grande parte de órgãos federais como a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Nesse novo Eldorado, madeireiros, fazendeiros e pecuaristas obtêm terras novas com alta fertilidade nos primeiros anos, dependendo da qualidade dos solos; terras baratas ou griladas, geralmente públicas, que são legalizadas através de cartórios coniventes3; mão-de-obra subordinada a condições de trabalho similares a de escravidão4 e financiamentos públicos descomprometidos com os efeitos socioeconômicos e ambientais dos empreendimentos. Além disso, esses mesmos migrantes foram favorecidos com a ausência ou presença permissionária e legitimadora do Estado, seja ignorando os conflitos, seja pela impunidade dos assassinatos dos trabalhadores rurais que também buscam oportunidades nessas áreas.
Não seria então à toa que há um movimento cada vez mais crescente em determinados municípios para conseguir a emancipação territorial do Pará. Além de óbvios fatores políticos e econômicos que certamente subjazem a esses discursos separatistas, podemos ser levados a pensar que há também a inadequação dessa população migrante a uma identidade cultural amazônica, já que grande parte des
Autor: Ismael Soares Machado


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