Psicologia do trabalho: méritos e desafios.



Psicologia do trabalho: méritos e desafios.


Bruno Baldessarelli

RESUMO


Sempre na história da humanidade as atividades de trabalho ocuparam um papel importante na subjetivação (desenvolvimento emocional e cognitivo das pessoas). Isto nos permite dizer que as mudanças destas atividades tiveram sempre uma importante influencia na constituição dos sujeitos e da sociedade como um todo (ZANELLI, 2004). E, com o seqüente desenvolvimento tecnológico, a inserção de novos profissionais no mercado de trabalho têm se tornado uma tarefa cada vez mais criteriosa visto que estas vagas de empregos passaram a exigir novas competências e habilidades, o que tem levado a consequente necessidade da sociciedade de se adaptar a estas novas demandas subjetivas.

Palavras chaves: Psicologia, trabalho, subjetividade.


ABSTRACT

Ever in human history the work activities occupied an important role in subjectivity (emotional and cognitive development of people). This allows us to say that the changes of these activities have always had an important influence on the constitution of individuals and society as a whole (ZANELLO, 2004). And with the sequential technological development, the insertion of new professionals in the labor market has become a task increasingly discerning as these job openings now require new skills and abilities, which has led to the consequent need for sociciedade adapt to these new demands subjective.

Keywords: Psychology, work, subjectivity.
UM PERCURTSO HISTÓRICO ENTRE TRABALHO E SUBJETIVAÇÃO


Para destacar para o leitor o quanto esta relação entre o trabalho e a subjetivação é entrelaçada, é pertinente citar como exemplo que, a partir da revolução industrial, onde a produção em massa tornou-se possível, a distribuição de renda passou a ficar cada vez mais desequilibrada, o que interferiu consideravelmente na interação humana visto que tal processo aumentou a necessidade duma competitividade daqueles que ocupavam a maior parcela da população (os pobres) por empregos. Ou seja, tal reorganização social nas formas de trabalho foi mais que suficiente para que se produzisse na população geral sentimentos de frustração, competitividade e outras tensões psicossociais decorrentes desta dificultação das possibilidades de sobreviver adequadamente a sociedade (ZANELLI, 2004).


E com o seqüente desenvolvimento tecnológico, a inserção de novos profissionais no mercado de trabalho têm se tornado uma tarefa cada vez mais criteriosa visto que estas vagas de empregos passaram a exigir novas competências e habilidades. Os postos de trabalho se tornaram mais fluidos, as equipes de trabalhadores e os indivíduos passaram a precisar dominar uma gama cada vez maior de competências múltiplas. Novos modelos de gestão foram construídos devido a necessidade de manter e ampliar os níveis de produtividade num contexto cada vez mais competitivo. Ficando o trabalhador cada vez mais obrigado a aderir aos valores, crenças e propósitos da organização na qual trabalha, levando o mesmo a um intenso desgaste físico e psicológico (ZANELLI, 2004).


Mas tal relação entre a subjetivação e o trabalho é muito mais antiga. E para citar um exemplo temporalmente bem mais distante, vale a pena viajarmos no tempo até a data de 50000 a.C. visto que estudos antropológicos apontam que foi a partir desta época que o homem do meio-oeste parou de se ocupar com a caça ? o que era uma atividade complexa e na qual ele despendia muita energia e tempo ? e passou a se alimentar através de fazendas, sendo esta a mudança no trabalho que tornou possível o desenvolvimento do pensamento que nos levou ao número de invenções e conhecimentos que temos hoje. Pois até então a vida humana tinha um sentido tão objetivo e restrito a necessidade de sobreviver que as possibilidades de pensamento estavam intensamente limitadas. Ou seja, foi somente a partir da possibilidade desta civilização existir para além da subsistência (e isto teve uma forte implicação da localização geográfica da mesma) que tornou-se possível para o homem o desenvolvimento de tecnologias mais avançadas (DIAMOND, 2005).


Resgato este exemplo tão distante da existência na contemporaneidade justamente para mostrar o quanto a forma que percebemos o mundo está sempre atrelada as formas de trabalho e conseqüentemente, as possibilidades de existência. O nosso modelo de pensamento encontra-se inundado com as influências das atividades que praticamos. Sendo que, da mesma maneira que os humanos de 50000 a.c, nós também só podemos ver até onde o nosso pensamento alcança. E, para clarificar esta reflexão e levá-la um pouco mais longe, questiono: será que atualmente não estamos nós ainda mais ocupados com buscas relativas a sobrevivência, porém isso acontece duma forma mais complexa, onde ao invés de lutarmos diretamente na selva contra outros animais por alimento, lutamos com homens por empregos (os quais as vezes nos ocupam mais tempo diário que esta luta primitiva) para ganhar o dinheiro que conseqüentemente gastaremos com a compra de alimentos e utensílios? Ou seja, quais as possibilidades e quanto tempo tem o homem contemporâneo para ocupar-se com o ócio criador? Para pensar e problematiza outras coisas? Para existir de outras formas?


E para levar esta reflexão ainda mais adiante, proponho ao leitor imaginar-se numa sociedade na qual a automação industrial e a inteligência artificial fosse tão avançada que não fosse mais necessária a existência de políticos, trabalhos, dinheiro, polícia, etc. Na qual fossemos abastecidos com remeças de alimentos diariamente na porta de nossas casas por robôs. Onde casas pudessem ser construídas em semanas, onde famílias não estivessem mais atravessadas por interesses e necessidades monetárias, pense como isto alteraria a criação de filhos e a relação homem mulher, por exemplo. Enfim, é muito simples visualizar o quanto tal mudança alteraria a configuração das relações humanas da sociedade, seus valores e, principalmente, a produção psíquica desta sociedade.


Acredito que depois destas reflexões estamos prontos para pensar na relação da psicologia nas formas de trabalho da contemporaneidade Pois acredito que já esteja um pouco mais claro visualizar o quanto que as mudanças velozes do mundo contemporâneo como, para citar algumas, o rápido desenvolvimento da tecnologia eletrônica, dos meios de comunicação, dos mecanismos de controle social (como a mídia), da biotecnologia, da fragmentação das grandes religiões, da ampliação do papel social da mulher, das alterações na configuração no núcleo familiar, da retração do estado devido a consolidação das grandes corporações transnacionais, do aumento da pobreza, etc, têm provocado impactos gigantescos na dimensão social e individual do ser humano (ZANELLI, 2002). Afinal, tais mudanças tem uma ligação direta com a alteração das formas de trabalho, e estas conseqüentemente , como vimos no início deste artigo, tem uma ligação direta com a subjetivação.


Portanto, já é possível perceber que a psicologia na contemporaneidade virá cumprir um papel muito amplo e complexo nas organizações, pois visará entender o comportamento das pessoas que trabalham, tanto em seus determinantes e suas conseqüências, como nas possibilidades da construção produtiva das ações de trabalho com preservação máxima da natureza, da qualidade de vida e do bem estar humano. Porém, como a psicologia dificilmente pode interferir na dimensão macropolítica (no capitalismo em si), a qual move todo o sistema social, cria e mantém as formas de trabalho existentes (como a publicidade, por exemplo), pode-se dizer que a tarefa central da psicologia organizacional e do trabalho resume-se a analisar, explorar e compreender como interagem as múltiplas dimensões que caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizações em um mundo crescentemente complexo e em transformação. Tendo como finalidade construir estratégias e procedimentos que possam promover, preservar e restabelecer a qualidade de vida e o bem estar das pessoas. Sendo que, para isto, deverão ser considerados todos os fatores envolvidos em cada situação, inclusive aqueles que independem da vontade ou lógica da organização, mas que do contrario, produzem a lógica da organização.


E por isto, o domínio da psicologia organizacional e do trabalho passou a envolver vários âmbitos de análise e de intervenção justamente para dar conta de entender mais integralmente os respectivos fatores envolvidos na formação do perfil duma organização. Zanelli (2004) propõe que este domínio pode ser subdividido em quatro âmbitos: individual, grupal, organizacional e contextual ou ambiental.


Âmbito individual


Neste âmbito são consideradas as características que diferenciam as pessoas em termos de personalidades, atitudes, valores crenças, aptidões, habilidades, competências e os processos psicossociais básicos (percepção, motivação, aprendizagem e outros) que constituem fatores explicativos para a ação humana no trabalho e para os resultados que ela produz, como a história do indivíduo.


Âmbito grupal


Aqui os processos que configuram as dinâmicas dos grupos e das equipes nos contextos de trabalho constituem um segundo âmbito de exame no qual são encontrados importantes elementos sobre os produtos humanos e organizacionais. Pertencem a este âmbito a analise dos estilos de liderança, dos processos de comunicação, dos conflitos, do exercício de poder, das normas grupais, entre outros.


Âmbito organizacional

Trata-se da análise das arquiteturas organizacionais e suas características estruturais, a dinâmica cultural e política, o modelo de organização do trabalho, o desenho das tarefas, pois tais características interagem com os processos grupais e individuais na determinação dos mesmos resultados.


Âmbito contextual ou ambiental


Aqui entram as influências da sociedade e das características ambientais como mudanças tecnológicas, políticas, sociais, culturais, econômicas no perfil da organização. Afinal, cada vez mais percebe-se o quanto é importante não pensarmos a organização num vácuo social.


A psicologia organizacional e do trabalho pensou em diversas estratégias para lidar com os problemas relacionais derivantes das formas de trabalho existentes. Sendo que tais estratégias atravessaram, segundo Zanelli (2004), basicamente três movimentos de transformação que geraram as seguintes tarefas e procedimentos: análise do trabalho, recrutamento e seleção, treinamento, avaliação do desempenho, administração de pessoal, qualificação, condições de trabalho e higiene, relações do trabalho, mudanças organizacionais. Descreverei resumidamente cada um destes movimentos e cada uma destas atividades para que o leitor possa entender melhor sobre a prática da psicologia dentro das organizações.


PRIMEIRO MOVIMENTO


Este ocorre no interior das práticas tradicionais e que constituem o núcleo central da representação do que significa ser psicólogo organizacional. São estas práticas a análise do trabalho, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento e a avaliação de desempenho.


Análise do trabalho


Trata-se de uma atividade básica que fundamenta muitas outras intervenções no campo. Para maior sucesso nesta atividade, psicólogos organizacionais têm recorrido a um uso crescente de técnicas devido as transformações que ocorreram na natureza do trabalho humano e ao crescente impacto da tecnologia. Pois estas técnicas permitem que tais análises deixem de ser meras descrições do estado atual e incorporem uma visão prospectiva, capaz de capturar as mudanças que estão ocorrendo.


Recrutamento e seleção


O recrutamento e seleção passou a ser fortemente terceirizado pelas empresas, o que tem levado ao crescente numero de consultorias e pequenas empresas prestadoras de serviços que agregam psicólogos autônomos ou contratados. As transformações organizacionais e a demanda de um novo perfil de trabalhador têm levado a inovações nos processos de seleção, como a aplicação do espaço de técnicas capazes de avaliar melhor habilidades e competências interpessoais, por exemplo.


Treinamento e desenvolvimento


Este campo tem experimentado um forte crescimento devido ao crescimento da demanda de educação continuada e pela consciência de que o conhecimento e a permanente atualização é fator primordial devido a competitividade organizacional. Desta forma, tem se buscado treinar o trabalhador para ser um agente ativo dos processos de desenvolvimento de suas competências profissionais e pessoais.


Avaliação de desempenho


As transformações no sistema de gestão de pessoas tem a levado a assumir um papel cada vez mais central neste sistema, incorporando avaliações de diversos atores (não somente do supervisor ou do chefe), se vinculando mais estreitamente com analises de desempenho das próprias equipes e grupos, incorporando assim uma dimensão que também considera o potencial de cada trabalhador e não apenas o seu desempenho real.


SEGUNDO MOVIMENTO


O segundo movimento caracteriza-se por ser um alargamento das possibilidades de inserção do psicólogo nas organizações, passando a assumir atividades até então desempenhadas por outros profissionais. Sendo que os cursos de especialização ou mestrado em administração foram um dos principais responsáveis por tais mudanças, pois alargou as competências destes profissionais consideravelmente. Estas novas atividades são: administração de pessoal, qualificação, condições de trabalho e higiene, relações de trabalho e mudanças organizacionais.


Administração de pessoal


Este campo trata-se do planejamento de cargos, movimentação de pessoal, remuneração e benefícios e, até mesmo, planejamento global de necessidades de recursos humanos.


Qualificação


Aqui aparecem as atividades de desenvolvimento de carreiras, desenvolvimento gerencial e desenvolvimento de equipes que expandem o conceito de treinamento clássico.



Condições de trabalho e higiene


Este é um novo campo de trabalho que tem se consolidado de tal forma que tem ocupado uma parcela significativa dos psicólogos organizacionais e do trabalho. Entre as atividades está a análise das condições de trabalho e seus impactos na saúde do trabalhador. Porém, não devemos confundir esta função com a atuação em acidentes de trabalho, problemas de bem estar e na assistência psicossocial a trabalhadores. Pois para estas tarefas, sua atuação é bem menor. Sua atuação nesta área extrapola os muros das organizações. Aqui o psicólogo precisa conhecer as questões diversas desencadeantes do adoecimento do trabalhador.


Relações de trabalho


Neste campo a atuação do psicólogo visa produzir mudanças na cultua organizacional, como possibilitar a socialização, integração, a regulação de conflitos, a preparação de novos padrões de ação gerencial, visando assim alcançar novos modelos de estruturação organizacional.


Mudanças organizacionais


Este é o processo que constitui-se como o objeto privilegiado do estudo e das intervenções psicológicas. Pois trata-se do produto final de todas funções do psicólogo.


TERCEIRO MOVIMENTO


O terceiro movimento destaca transições que configuram intervenções do psicólogo de âmbito mais complexo que a própria organização. A psicologia organizacional e do trabalho passou a contribuir para decisões em nível estratégico. A dimensão psicológica ou comportamental adquiriu novas demandas de sistematização e complexidade. O psicólogo passou a atuar na integração multiprofissional combatendo autoritarismos, privilégios, preconceitos, injustiças, aceitando as diferenças e conciliando os múltiplos interesses com vista ao bem c0oletivo. Ou seja, passou-se a compreender a organização como um fenômeno psicossocial em todas as suas implicações.



CONCLUSÃO


A psicologia organizacional e do trabalho tem contribuído muito para a compreensão dos fenômenos organizacionais, assim como para o entendimento da relação do trabalho com a subjetividade. A análise feita por esta disciplina cada vez mais busca em disciplinas externas a própria psicologia auxilio para garantir um melhor entendimento dos processos organizacionais. O que tem permitido um avanço significativo para a teoria e para as técnicas psicológicas usadas neste campo de intervenção. Sendo algumas destas disciplinas a sociologia, administração, antropologia, ciências políticas, economia, educação e educação.


Desta forma, podemos concluir que o psicólogo organizacional e do trabalho deixou a muito tempo de se tratar de um profissional apto para entender de um campo de saber específico. Pois é exigido, pela complexidade de sua tarefa nas organizações, que o psicólogo seja capaz de analisar e compreender todos processos organizacionais imbricados no contexto em que atua, mesmo que estes não sejam o alvo de sua atuação técnica. Afinal, precisa ter desenvolvida a capacidade de avaliar os respectivos impactos da interferência de tais fenômenos.












REFERÊNCIAS


DIAMOND, Jared. Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed. 2005


ZANELLI, J.C. (1994). O Psicólogo nas Organizações de Trabalho. Porto Alegre. Artmed, 2002.


ZANELLI, J.C; BORGES-ANDRADE, J.E e BASTOS, A. V. B. Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. Porto Alegre. Artmed, 2004.


Autor: Bruno Baldessarelli


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