Durkheim: principais textos.



O primeiro texto estudado, Sociologia da Religião e Teoria do Conhecimento, refere-se a uma análise e explicação de Durkheim da religião mais primitiva e simples a qual se tem conhecimento, o Totemismo.
Para ele, uma religião deve satisfazer duas condições para ser considerada primitiva:
1) Deve ser encontrada em uma sociedade que seja a mais simples possível, em comparação às demais;
2) Sua explicação deve ser possível sem a introdução de qualquer elemento emprestado de outra religião.
Durkheim justifica esta escolha por religiões primitivas afirmando que não se trata somente de derivar o cristianismo do totemismo, uma vez considerando a consideração do cristianismo como religião superior. Ele rejeita o caráter de superstição e mentira atribuído ao totemismo, alegando que as religiões primitivas devem ser consideradas justamente por estarem fundadas na natureza das coisas. Se estas religiões existem, é porque satisfazem a uma necessidade humana. Ainda, Durkheim aponta que, apesar de existirem religiões mais ou menos complexas, além de serem possíveis de hierarquização, não existem religiões falsas.
O autor aponta a importância da diacronia no estudo de uma determinada instituição, informando que somente com o método histórico pode-se decompor seus elementos constitutivos e entender a sua origem. No entanto, antes de descrever uma ou outra religião, é preciso saber o que é religião de maneira geral. O método dialético, utilizado pelos filósofos (no qual apenas é analisado a idéia que fazem sobre a religião), deve ser abandonado.
Deve ser prestada atenção, segundo o texto, a necessidade de observação não apenas dos caracteres exteriores de uma religião, mas também das representações e atitudes rituais que desempenham as mesmas funções em todos os sistemas de crenças e em todos os cultos, já que são estes elementos que constituem a essência da religião.
Durkheim justifica sua escolha pelas religiões de sociedades simples pois, dada a diversidade das diferentes religiões, é difícil definir os elementos que são comuns às mesmas. Como nas religiões simples as práticas religiosas ainda se encontram nuas, sem o refinamento das religiões complexas, elas se constituem casos privilegiados para o estudo da sua essência. Nelas os fatos são mais simples e as relações entre os fatos são mais evidentes. À medida que as religiões se desenvolvem, as causas que as originaram deixam de ser percebidas, pois são deformadas por uma interferência de um sistema de interpretação.
Quando se trata de origem das religiões, Durkheim afirma que esta não se refere a um começo absoluto, ou seja, a um instante temporal no qual a religião começou a existir. Ela se refere, de fato, a causas. Por ser um dos primeiros sistemas de representação, a religião não somente enriqueceu o espírito humano já formado previamente, como também contribuiu na formação deste espírito. Grande parte das noções essenciais ao processo do pensamento, como as noções de tempo, espaço, gênero, número, causa e personalidade; que correspondem às propriedades mais universais das coisas, são encontradas na religião.
Na obra, o autor define as representações coletivas como produtos de uma multidão de espíritos que se sucedem após gerações sucessivas. E, deste modo, a razão tem o poder de ultrapassar o alcance dos conhecimentos empíricos. Segundo Durkheim, o homem é ao mesmo tempo um ser individual e um ser social. Ainda, o caráter social é o que explica a imposição das categorias ao espírito sem que sejam acompanhadas de alguma prova. Basta apenas que haja o consenso em torno do que as categorias significam. Esse primado do caráter social se dá de forma coercitiva.
Durkheim associa as categorias e sua definição eminentemente social à natureza, quando afirma que a sociedade é a manifestação mais elevada da mesma. Deste modo, evita que as categorias sejam consideradas metáforas quando aplicadas ao restante da natureza. Por fim, o apriorismo e o empirismo são conciliados na teoria do conhecimento elaborada por Emile Durkheim.
O segundo texto se refere à obra de Emile Durkheim, intitulada As Regras do Método Sociológico, é uma de sua principais obras, onde ele define Fato Social e esquematiza a trama metodológica com que estudou os fenômenos sociais.
No prefacio da primeira edição Durkheim afirma que o tratamento cientifico dos fatos sociais devem ir alem dos preconceitos tradicionais, pois estes são geralmente contrários aos estudos científicos dos fenômenos sociais. Seu principal objetivo é estudar a conduta humana, o racionalismo científico, pois ao ser analisado no passado, chegar-se-á a reduzi-la a relação de causa e efeito.
No prefacio da segunda edição o autor comenta sobre as controversas que suas proposições causaram e que foram sendo justificadas sistematicamente; existem ainda, algumas controversas salutares, contudo , segundo o autor suas formulações estão destinadas a serem reformuladas no futuro, de acordo com a evolução da realidade social, e o seu método é necessariamente provisório, pois este se modifica a medida que a ciência avança.
Ainda no prefácio da segunda edição, Durkheim diz que os fatos sociais devem ser tratados como coisas (não materiais), e que coisa é todo objeto do conhecimento que a inteligência não penetra de forma natural, tudo o que não podemos formular uma noção adequada pelo simples processo de análise mental, tudo o que o espírito não pode compreender senão sob a condição de sair de si mesmo por meio da observação, experimentação, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores para os menos visíveis. O fato social consiste em maneiras de fazer ou pensar, reconhecível pela particularidade de exercerem influencias coercitivas sobre as consciências particulares.
A história da sociologia busca aprofundar, precisar e desenvolver todas as conseqüências do modo de pensar que afirma que mesmo não sendo materiais os fenômenos sociais devem ser estudados e que os fatos sociais, mesmo tendo em sua gênese o indivíduo, este existe independente do arbítrio individual.
Durkheim ainda ressalta na introdução de sua obra que os sociólogos pouco se preocuparam em caracterizar e definir o método que aplicam ao estudo dos fatos sociais: Spencer ocupou-se com as dificuldades e possibilidades da sociologia; mostrou também, que a lei da evolução universal se aplica às sociedades. Stuart Mill, apenas filtrou, através da dialética, os pensamentos comtianos.; ou seja, não saíram das generalidades sobre a natureza das sociedades, as relações do reino animal e biológico ou a marcha do progresso. A criação de um curso regular de sociologia, na Faculdade de Letras de Bordéus, fez com que Durkheim saísse das questões gerais e abordasse problemas mais particularizados, para tanto, fez-se necessário a formulação de um método mais preciso, adaptado à natureza partícula dos fenômenos sociais.
No capítulo 01, com o tema Que é Fato Social? O autor afirma não ser possível definir o fato social pela sua generalidade na sociedade. Para tanto é necessário desvelar as características distintivas deste fato, quais sejam: 1) É exterior a consciência dos indivíduos; 2) Tem ação coercitiva sobre os indivíduos; e 3) É geral. As correntes sociais, as crenças, as tendências, as práticas do grupo tomadas coletivamente constituem fatos sociais.
No capitulo 02, cujo tema é Regras Relativas à Observação dos fatos Sociais, Durkheim afirma que a primeira e mais fundamental regra é considerar os fatos sociais como coisas. O autor diz também que, antes do fenômeno se tornar objeto das ciências este já foram conceituados, mesmo que grosseiramente; e que a reflexão é anterior à ciência, que a utiliza de maneira mais metódica. Ele diz que o homem formula a idéia sobre as coisas e regula sua conduta a partir dessas idéias; como a noção das coisas está mais próxima ao homem, ele não a questiona deixando de lado qualquer observação, descrição e comparação das coisas. Porém as noções ou conceitos não substituem as coisas, pois como produto da experiência vulgar, são formados pela prática e para a prática. O autor diz ainda que o homem não esperou o advento das ciências sociais para formula suas idéias sobre a sociedade. As coisas só se realizam através do homem e de suas idéias, que são consideradas germe dos fatos, tornando-se desta forma a matéria para a sociologia; esta ate então se ocupava não das coisas, mas dos conceitos. Para Comte os fatos sociais eram fatos naturais submetidos às leis naturais; sua sociologia preocupava-se com o progresso da humanidade e seu maior problema era encontrar a ordem dessa evolução. Para Durkheim a realidade da evolução so poderia ser estabelecida, depois de formada a ciência; e por se tratar de uma representação subjetiva, o progresso da humanidade não existe, o que existe é a concepção que a evolução social é apenas o desenvolvimento de algumas idéias humanas.
Spencer toma a sociedade e não a humanidade como objeto da sociologia, mas contradizendo-se, este afirma que a cooperação é a essência da vida social e que a sociedade somente existe quando esta se acrescenta à justaposição; e que a cooperação pode ser espontânea (quando seus fins são de caráter privativo) ou instituída (quando seus fins são de interesse público). Durkheim diz, no entanto que é impossível saber por simples inspeção se a cooperação forma o todo da vida social, e que o que Spencer definiu não foi a sociedade, mas a idéia que ele faz desta. Assim como, em cada problema que aborda seu método é o mesmo, os fatos de sua sociologia são usados não para descrever e explicar as coisas, mas para ilustrar analises de noções, para figurarem de argumento.
Durkheim chama a atenção para o fato de que, quando se volta para os fundamentos das ciências sociais encontramos estas noções vulgares, e que o caráter ideológico observado naqueles períodos ainda são encontrado nos estados atuais da moral e da ciência política; e que as razões para ultrapassá-los são: 1) os fatos sociais devem ser tratados como coisas, pois são os dados imediatos das ciências, enquanto as idéias (que são a gênese do fatos sociais) não são diretamente dados; 2) a reforma pela qual passou a Psicologia é o que faz referencia a transformação pela qual pretende passa a sociologia.
O autor comenta que, experiências anteriores evidenciaram que não basta formular uma demonstração teórica para assegurar a realização prática dessa verdade, pois o espírito está tão acostumado à má interpretação que recairá nos mesmos erros se não for submetido à rigorosa disciplina. As regras principais são:
1) Afastar sistematicamente todas as prenoções (isto constitui a base de todo método cientifico);
2) A maneira de constituir o objeto da investigação, que é agrupar os fatos segundo as suas características exteriores comuns;
O autor exemplifica alguns erros ao qual nos expomos ao negligenciarmos essa regra, ou ao aplicá-la mal: a) Spencer e sua teoria sobre o casamento (p. 33); b) Garofalo e sua definição de crime (p.34); c) O erro comum que recusa à moral às sociedades inferiores (p. 36) e; d) Que a exterioridade das características que entram nessas definições iniciais não constituem obstáculo às explicações científicas (p. 36).
3) As características, segundo o autor, devem ser o mais objetivas possíveis. O método para se conseguir isto: apreender os fatos sociais de modos que se apresentem isoladamente das suas manifestações individuais.
O capitulo 03 fala das Regras Relativas à Distinção entre Normal e Patológico, onde Durkheim analisa que a utilidade teórica e prática dessa distinção é que: é preciso que ela seja possível cientificamente para que a ciência possa servir para dirigir a conduta. Que a observação confunde duas ordens de fatos: os fenômenos normais (os que são como deveriam ser) e os patológicos (os que são diferentes do que deveriam ser).
No exame dos critérios correntemente utilizados, a dor não é sinal distintivo de doença porque faz parte da saúde; nem da diminuição das probabilidades de sobrevivência, pois algumas vezes é produzida por fatos normais (velhice, parto etc.) que não resultam necessariamente de doença. A doença em relação à saúde é um fato anormal do normal. O patológico coincide em geral com o conceito corrente de doença: o anormal é o acidental, pois este constitui o ser em estado inferioridade.
O autor afirma que a utilidade que há em verificar os resultados do método procurando as causas da normalidade dos fatos, ou seja, da sua generalidade, não é útil apenas a título de controle (saber o que é normal ou anormal), como também a verificação é rigorosamente necessária, pois a má aplicação do método pode redundar no erro.
Uma vez constatado a generalidade do fenômeno pode-se constatar os resultados do primeiro método fazendo ver como ele funciona, a partir da formulação de três regras: a) um fato social é normal para um tipo social determinado, numa fase determinada de seu desenvolvimento, quando se produz na média da sociedade dessa espécie, na sua fase correspondente de evolução; b) Pode-se verificar os resultados do método precede fazendo ver que a generalidade do fenômeno se prende às condições um aspecto social que ainda não cumpriu sua evolução integral.
Para o autor as aplicações destas regras se adéquam a qualquer caso, designadamente à questão do crime. Este tem reconhecimento unanime de sua morbidade, porém, para o estudo sociológico é um fato normal, pois é encontrado em todas as sociedades; este so passa a ser visto como anormal quando apresenta taxas anormais. O crime é normal porque seria totalmente impossível uma sociedade ser isenta a ele, e é sociologicamente normal por afirmar que é um fato de saúde pública, é uma parte integrante de toda sociedade sã. Durkheim ainda diz que, quando afastado o critério da generalidade (para distinguir o caráter normal ou anormal dos fatos) está-se expondo à confusões e a erros parciais, assim como torna-se impossível a própria ciência.
Nas Regras Relativas à Constituição dos Tipos Sociais demonstradas no capítulo 04, a constituição do normal e do anormal implica na formulação de espécies sociais (resumo dos indivíduos). A regra para constituí-la seria a classificação. O princípio da classificação diz que parte constitutiva da sociedade são sociedades mais simples que as resultantes; conhecendo como estas se ajustavam ficaríamos sabendo como se ajustarão os compostos que dela derivam. Sociedade simples é aquela que não engloba outra mais simples que ela (HORDA), é o protoplasma do reino social e a base natural de toda classificação. A partir do método da classificação confirma-se a existência de espécies sociais. A diferença da natureza da espécie da biologia a na sociologia, está que, na primeira uma força interna os fixa independente do que vier do exterior; na segunda não existe essa causa interna.
Nas Regras Relativas à Explicação do Fato Social (cap. 05) o autor afirma que a constituição das espécies é um meio de agrupar os fatos para facilitar a interpretação. A morfologia social (que constitui e classifica os tipos sociais) é um caminho na direção explicativa da ciência e seu método consiste em que a utilidade de um fato não explica sua existência; para explicar um fenômeno social é preciso buscar separadamente a causa que o produz e a função que desempenha (causa e efeito).
Segundo Durkheim, o método de explicação geralmente seguido, tem caráter psicológico e desconhece a natureza do fato social que é irredutível aos fatos puramente psíquicos em virtude de sua própria definição (poder exercer do exterior a coerção). Os fatos sociais só podem ser explicados por fatos sociais.
A principal importância dos fatos da morfologia social nas explicações sociológicas está em que, o meio interno é a origem de todo o processo social de alguma importância. O problema sociológico está em encontrar as propriedades deste meio que tem mais influencia sobre os fenômenos sociais; duas características aqui se relacionam: o volume das sociedades ( número de unidades sociais) e a densidade dinâmica ( grau de concentração da massa).
Durkheim destaca em alguns pensadores suas concepções da sociedade; para Hobbes, a ligação entre o psíquico e o social é sintética e artificial, o homem é refratário à vida comum e a atividade social consiste na instituição e organização da coerção ao homem. Para Spencer e os economistas, a ligação é natural mas analítica, o homem está naturalmente inclinado à questões sociais, daí derivam as organizações sociais. Para Durkheim, é natural e sintético, o ator faz da coerção a característica de todo fato social. As regras aqui expostas permitiriam construir uma sociologia que veria no espírito da disciplina a condição essencial da vida em comum, fundando-a na razão e na verdade.
No capitulo 06, onde Durkheim discute as Regras Relativas à Administração da Prova, o autor afirma que o método comparativo ou experimental indireto é o da prova na sociologia; o método histórico de Comte se mostrou inútil, pois ao fragmentar o conhecimento humano pode-se depois perder a seqüência. Stuart Mill declara que a experimentação mesmo indireta é inaplicável em sociologia, pois para ele causa e efeito são heterogêneos sem existir qualquer relação lógica entre eles. Durkheim reafirma que ao utilizar o método comparativo de maneira científica deve-se tomar por base que: a um mesmo efeito corresponde sempre a mesma causa.
O terceiro e último texto é referente a alguns trechos da obra Da Divisão do Trabalho Social.
Inicialmente, nas reflexões de Durkheim em Método para determinar a Função da Divisão do Trabalho, é sentenciado que os serviços econômicos que a divisão do trabalho produz são de pequeno valor, em comparação ao efeito moral que ela causa. Sua verdadeira função é criar um sentimento de solidariedade entre as pessoas. Através da divisão do trabalho é que se tornam possíveis as sociedades, estabelecendo uma ordem moral e social específica. Ou seja, analisada sob essa ótica, a divisão do trabalho garante a coesão social.
Para verificar o papel da divisão do trabalho, geradora de solidariedade social, e assim conseguir analisá-la, é preciso estudar o seu símbolo mais visível, que é o Direito. A vida social sempre que existe de maneira durável, tende inevitavelmente a assumir uma forma definida e a se organizar. O Direito é o que a própria organização tem de mais estável e conciso. No que concerne ao argumento do qual nem toda vida social é regulada por formas jurídicas, Durkheim defende que, se em dado momento não se evidencia o direito, a regulamentação fica a cargo dos costumes. Todo preceito jurídico pode ser definido assim: uma regra de conduta sancionada. Existem diferentes formas de direito (classificados em dois tipos), e por conta disso há diferentes tipos de relações sociais.
Em seguida, com o título Solidariedade Mecânica, Durkheim coloca a questão da solidariedade mecânica ou por similaridade. E nesta busca, lembra que a quebra do elo de solidariedade significa a existência do crime.
O nome Solidariedade Mecânica advém que esta não consiste somente numa ligação geral e indeterminada do indivíduo ao grupo, mas torna também harmônicos os pormenores desta conexão.
Neste capítulo, define-se o que é crime. Para Durkheim "crime é todo ato, que em qualquer grau, determina contra seu autor, esta reação característica chamada pena". Lembramos que a definição de crime é algo controverso. O próprio CPB não consta a definição de crime, visto que a definição do mesmo está amarrada na Teoria do Resultado e no da Anterioridade da Lei, conforme o Art. 1o do CPB. Ou seja, o crime deve estar previsto na lei. "Quem não incorrer na violação da lei, cujo núcleo do tipo é expresso pelo próprio verbo (ex. Subtrair coisa alheia móvel), não estará suscetível às penalidades que este ato representa na esfera da hermenêutica criminal" (CUNHA, 2009).
De acordo com Durkheim, não se define o crime quando se diz que ele consiste numa ofensa aos sentimentos coletivos; porque alguns destes podem ser ofendidos sem que haja crime. Exemplos: incesto, adultério feminino, etc. Deste modo, os sentimentos coletivos aos quais corresponde o crime devem se diferenciar de outros por alguma propriedade distinta: devem ter uma intensidade média. O crime consiste de emoções e tendências profundamente enraizadas no ser humano. Segundo o autor, uma prova deste exposto é a lentidão em que o Direito Penal evolui. As inovações em matéria de Direito Penal são raras e restritas, ao contrário do Direito Civil.
Nota: os autores deste seminário estudaram a evolução do Direito Penal Brasileiro, para esta aula, a fim de se verificar a veracidade desta última afirmação de Durkheim para o período pós-1917. Realmente verificou-se o fato, além da resistência dos juristas em se modificar o CPB.
A consciência coletiva ou comum, para Durkheim, é o conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade, que forma um sistema determinado e com vida própria. Ela permanece nas gerações, em diferentes regiões geográficas, profissões, etc. Ainda que seja realizada no indivíduo, ela é inteiramente diferente das consciências particulares, e forma o tipo psíquico da sociedade (a consciência social). Ambas não devem ser confundidas. Deste modo, um ato é criminoso quando ofende as condições consolidadas pela consciência coletiva. Ou seja, um ato não é reprovado por ser crime, mas é um crime porque o reprovamos.
Nota: em Da Divisão do Trabalho Social, o termo consciência coletiva é amplamente utilizado. Após esta obra, Durkheim o emprega raramente, substituindo por representação coletiva.
Em relação à vingança, Durkheim admite que é um ato de defesa, e não é de todo dotada de aspecto negativo e estéril. Discute igualmente se uma pessoa que tenha antecedentes criminais violentos não teria outra forma de ser corrigida senão pela privação total da liberdade. Em verdade, a pessoa nestas condições será acompanhada da vergonha como condição. A passionalidade de muitos dos crimes tende no entanto a gerar convencimento de jurados e árbitro, ao reconhecer as condições em que determinada ação foi admitida tentada e/ou consumada.
Assim organizam-se os clãs de maneira a dar como resposta em caráter de vingança por injustiça praticada contra seus membros, toda vez que estas adversidades sociais não assumem controle, e extrapolam os limites da convivência social pacífica e diplomática. Deixar os cidadãos na impunidade pelos atos que praticam contra o corpo social é, no entanto, uma arbitrariedade ainda maior, se reconhecemos no Estado, aquele a quem cabe dar resposta a estes atentados. A pena, para Durkheim, consiste essencialmente numa reação passional, de intensidade gradual, que a sociedade exerce por intermédio de um corpo constituído sobre aqueles de seus membros que tenham violado certas normas de conduta. É importante ressaltar que a lei deve ser aplicada contra todos os que a violarem de maneira objetiva e direta, independente de qualquer diferença social.
Nota: em relação às últimas duas linhas do parágrafo anterior, no Brasil este fato não ocorre na prática. É comum dizer que há um CP para os pobres e outro para os ricos.
Para concluir este capítulo, Durkheim retoma que a Solidariedade Mecânica, assentada em similaridades sociais (crenças, valores e sentimentos), une diretamente o indivíduo com a sociedade. A estabilidade da vida social, deste modo, advém da existência de regras de conduta determinadas por estados de consciência coletivos que estruturam a integração social. A materialização desta essência estará no Direito e no aparelho jurídico.
A palavra mecânica não quer dizer que ela foi produzida por meios mecânicos e artificialmente. É assim denominada por analogia com a coesão que une os elementos dos corpos brutos.
Em Solidariedade Orgânica, Durkheim inicia o capítulo explicando que as ações que regulam o direito cooperativo com sanções restitutivas e a solidariedade de que delas exprimem resultam da divisão do trabalho social. O que pretende afirmar, deste modo, é que a solidariedade está intimamente relacionada com o Direito.
Notas:
- Direito cooperativo significa o sistema jurídico composto pelas partes do direito restitutório (doméstico, contratual, comercial, administrativo, constitucional, etc).
- Aqui se coloca o princípio da sucumbência: o pagamento das custas por processo que tenha a parte derrotada sido em verdade responsável em termos de gerar a expectativa de direito a outra parte.
Durkheim afirma que a divisão do trabalho gerou, com o tempo, tarefas cada vez mais especializadas, as quais afastam os indivíduos uns aos outros. Assim, as tarefas especiais escapam à ação da consciência coletiva e cada vez menos indivíduos possuem consciência de cada uma das tarefas existentes.
Deste modo, na solidariedade orgânica, a sanção restitutória visa apenas a restauração da situação anterior, prescindido da função expiatória e do castigo. Suas regras exprimem estados periféricos ou externos à consciência coletiva. A solidariedade social que gera estas regras jurídicas liga apenas indiretamente o indivíduo à sociedade. O indivíduo, assim, vincula-se somente a setores restritos da sociedade.
Em seguida, Durkheim resume e compara os dois tipos de solidariedade positiva (mecânica e orgânica), deste modo:
1) A primeira liga diretamente o indivíduo à sociedade, sem nenhum intermediário. Na segunda, ele depende da sociedade.
2) A sociedade não é vista do mesmo aspecto nos dois casos. A primeira é do tipo coletivo e a segunda um sistema de funções diferentes e especiais.
3) Desta diferença do item anterior, permite-se caracterizar e denominar os dois tipos de solidariedade.
No item seguinte, Preponderância Progressiva da Solidariedade Orgânica, Durkheim mostra o fato de que a solidariedade orgânica se torna pouco a pouco preponderante.
Essa preponderância pode ser comprovada das seguintes maneiras:
- Pela modificação das normas sociais, consagradas no incremento do direito cooperativo.
- Pelas alterações formais da consciência coletiva.
- Pelas transformações do conteúdo da consciência coletiva, como por exemplo a secularização da sociedade, restringindo a religião.
A partir deste capítulo, Durkheim passa a fazer a distinção entre os dois tipos de solidariedade no sentido de se determinar sinais de demarcação da transformação social. A transição das sociedades amorfas e desorganizadas ao mundo atual decorre de uma lei histórica: a preponderância progressiva da solidariedade orgânica.
Colocam-se dois conceitos no capítulo: horda e clã.
Horda corresponde ao grau máximo de similitudes. Supõe-se uma semelhança completa entre os indivíduos, uma massa absolutamente homogênea, e com sobreposição da consciência individual pela coletiva.
Clã é a horda que deixou de ser independente para se tornar membro de um grupo mais extenso. Ele destaca-se da horda pela presença, ainda que mínima, de uma especialização responsável por uma diferenciação de funções, no que tange à divisão sexual (case da relação familiar) e a estruturação do poder (base da organização política). É isto que mantém o clã unido. O clã é um prolongamento da horda.
O tipo social constituído pela associação de clãs é denominado sociedades segmentares. Estas são formadas seguindo dois arranjos distintos: um justapõe os clãs numa série linear, e o outro os insere em grupos mais vastos, encadeamentos que formam associações dotadas de nome e vida próprios (aldeias, tribos, confederações).
As sociedades segmentares são organizadas de forma mista, por meio de alianças ao mesmo tempo familiares e políticas. Derivam de uma confluência e de uma junção entre as afinidades geradas pelos laços ancorados na comunidade de sangue e os vínculos resultantes da unidade política entre os chefes de clãs. Durkheim cita, em destaque, que há uma representação fictícia entre os membros de diferentes clãs, que se tratam como parentes.
Cada clã possui sua fisionomia própria e se distingue dos outros. Nelas, a religião penetra toda a vida social (a religião mistura, além das crenças religiosas, os preceitos de moral, do direito, da organização política, e até mesmo a ciência. Regulamenta também os detalhes da vida privada).
A aparição da divisão do trabalho virá então a modificar a estrutura social segmentar, levando à sua centralização sob um poder absoluto (déspota, senhor, patriarca). Deste modo, a sociedade sofre uma transformação essencial: não vincula mais o indivíduo diretamente ao grupo, mas àquilo que sua imagem encarna, a uma autoridade central investida com atributos que são próprios da sociedade.
Nota: Durkheim reconhece o mesmo fenômeno que Marx descreveu por meio do conceito de alienação.
Já a estrutura social a que corresponde a solidariedade orgânica possui características e disposição distintas da sociedade segmentar, base da solidariedade mecânica. O tipo social organizado caracteriza-se pela interdependência e complementação funcional entre órgãos diferenciados e específicos.
Os elementos desta estrutura estão coordenados e subordinados em torno de um órgão central. O órgão central do tipo organizado não possui o caráter transcendente e sobrehumano (atributo da religiosidade) característico do tipo social composto pela articulação de segmentos homogêneos. Ou seja, há uma interdependência entre o órgão central e os demais. Sua função é apenas coordenar e regular a vida social.
Segundo Durkheim, a sociedade orgânica somente se fortalece na medida em que a mecânica enfraquece. O incremento da divisão do trabalho social promove uma progressiva substituição do vínculo social: os indivíduos não são mais agrupados pela descendência, e sim em função da atividade social que praticam. Durkheim recorre a exemplos na História para poder comprovar sua tese.
A preponderância da solidariedade orgânica enfraquece, mas não extingue, a solidariedade mecânica. O tipo segmentar persiste e subsiste, por exemplo, nas divisões políticas dos territórios em estados, províncias, e municípios. Apesar da divisão territorial ser fruto de uma convenção, Durkheim não deixa de atribuir a homogeneidade moral e cultural nestas circunscrições.
Nota: Durkheim ignora, nesta obra, o conceito de nacionalismo. Apenas refletiu sobre este fenômeno em seus últimos escritos, inspirado no início da primeira Grande Guerra.
Por fim, tem-se o texto Divisão do Trabalho Anômica.
Anomia é uma situação social onde falta coesão e ordem, especialmente no tocante a normas e valores.
Durkheim inicia o texto afirmando que as regras do método são para a Ciência o que as regras do Direito são para o comportamento. Elas dirigem o pensamento do sábio como estas governam as ações do homem.
A divisão do trabalho estabelece uma rede de vínculos que, aos poucos, se tece por si mesma. Deste modo, a solidariedade orgânica surge como um prolongamento natural da divisão do trabalho social, instituindo uma regulamentação suficientemente desenvolvida que predetermina as relações entre as diferentes funções.
Por anomia, Durkheim designa uma situação em que isto não ocorre espontaneamente. São casos de surgimento de uma defasagem, em que essa regulamentação ou não existe, ou não possui relação com o grau de desenvolvimento da relação do trabalho. Como exemplos de ausência de unidade, podem ser citados a ciência, as crises econômicas e o antagonismo entre capital e trabalho assalariado.
A passagem do tipo segmentado ao tipo organizado germina um mercado globalizado. Nesta, a divisão de funções entre a produção e o consumo deixa de ser contígua, e esta situação predispõe ao surgimento de formas anômicas, que tomam forma nas crises econômicas.
Assim, Durkheim utiliza-se do conceito de anomia para indicar os principais problemas do mundo moderno. Ele não considera essas mazelas como inerentes ao capitalismo, e sim como patologias a serem sanadas, ou como desvios de suas condições próprias de funcionamento. Ele confia que a situação de anarquia econômica seja temporária, consistindo apenas num momento de transição para um estado futuro de normalidade.
Já a anomia caracterizada pela intensificação do antagonismo entre o capital e o trabalho, pela prevalência de lutas e conflitos em detrimento da cooperação, decorre não pela ausência de contigüidade, mas pelo fato de que o advento da grande indústria é um fenômeno demasiado recente. Segundo Durkheim, a relação de trabalho contratual não é a forma adequada de regulação da atividade econômica, já que os contratos estabelecem vínculos temporários, de curta duração, e ensaiam apenas uma trégua temporária no conflito entre as partes.
Além da anarquia econômica e do conflito entre patrões e operários, Durkheim também cita a rotina do trabalho entre os fenômenos que considera anormais no capitalismo. Por conta da superespecialização, o trabalho se torna monótono, maquinal, e desprovido de sentido (alienação de Marx).
A diversidade funcional, especialização resultante da divisão do trabalho, desencadeia a emergência e o fortalecimento do individualismo, que é um processo gradual de afirmação das diferenças que tem como um de seus subprodutos a diversidade moral. Este processo enfraquece as crenças comuns e prospera na medida em que passam a predominar, no âmbito da consciência coletiva, sentimentos abstratos e indeterminados. No mundo moderno, o próprio conteúdo da consciência comum assume a forma de culto ao indivíduo, voltado mais para a defesa da dignidade individual do que para os valores da coletividade.
Finalizando, Durkheim supõe que o ideal do homem universal, próprio das sociedades tradicionais, venha a ser substituído por uma nova figura encarregada de debelar a anomia: o indivíduo que faz da especialização profissional a fonte de sua autonomia.

Autor: Frederico Cesarino


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