A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
MARIANA DE FREITAS RASGA
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho acadêmico consiste em sistematizar as idéias da doutrina e da jurisprudência nacionais e estrangeiras sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas.
O tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também denominado de eficácia privada, direta ou externa, surge para determinar que em algumas hipóteses os direitos fundamentais devem ser invocados também nas relações jurídicas entre particulares.
A questão nodal do estudo reside em saber com que intensidade os direitos fundamentais são aplicados nas relações privadas, já que vigora como regra em ditas relações a autonomia da vontade.
Com efeito, sabe-se que a trajetória de todo pensamento humano perpassa o estudo dos direitos fundamentais. Assim, a idéia dos direitos humanos é tão antiga como a própria história das civilizações. (1) Impende assinalar a diferença terminológica entre direitos humanos e direitos fundamentais. Os primeiros são aqueles reconhecidos no cenário internacional, tendo como marco inicial a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Já os segundos são aqueles previstos dentro do sistema jurídico interno de cada Estado, variando de local para local.
Segundo Gilmar Ferreira Mendes (2), os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Desta forma, enquanto direitos subjetivos impõem obrigações ao Estado (dimensão vertical) e na sua acepção de elemento da ordem constitucional forma a base de um estado democrático de direito.
Nota-se que a violação a um direito fundamental não é privativa dos Estados. Nesse sentido, busca-se demonstrar que também nas relações privadas (dimensão horizontal) pode-se valer da invocação dos direitos fundamentais.
Finalmente, lança-se mão de breve consideração da jurisprudência dos tribunais pátrios, revelando qual é a importância jurídica e fática na indicação em quais hipóteses são oponíveis os direitos fundamentais do indivíduo.
DOUTRINA DO STATE ACTION
Esta teoria foi criada pelo direito norte-americano estabelecendo que não há vinculação dos particulares nos direitos fundamentais estatuídos na Constituição. Assim, para essa concepção não haveria eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, já que o Estado seria o único sujeito passivo desses direitos. (3).
É importante salientar que para os seguidores desta corrente os direitos fundamentais previstos na Constituição (norte-americana) só teriam eficácia em relação aos Poderes Públicos, já que a própria Constituição admite uma única exceção, que é a escravidão. Além disso, argumentam que os Estados teriam competência para legislar sobre direito privado e não a União, podendo ocasionar vulneração a sua autonomia se as cortes federais pudessem intervir nas relações entre particulares a pretexto de proteger direitos fundamentais
Entretanto, em meados da década de 40 do século passado, a Suprema Corte americana passou a entender que em algumas relações privadas, em que se pudesse determinar a predominância de atividade de natureza estatal, estariam também sujeitas a observar os direitos fundamentais. Passou-se então a adotar Public Function Theory.
Exemplo da aplicação da teoria da função pública foi o caso Marsh v. Alabama (4), julgado em 1946, em que Marsh, uma testemunha de Jeová, foi presa por distribuir panfletos no interior de uma cidade construída por uma empresa para abrigar seus funcionários. Invocou-se, à época, o direito à liberdade religiosa e a Suprema Corte norte-americana encampou a tese dando, portanto, eficácia ao direito fundamental numa relação privada.
Outro exemplo ocorreu no caso Burton v. Wilmington Parking Authority, 365 (5) U.S. 715 de 1961, em que um restaurante, situado em local público, recusou-se a servir comida a um negro. A Suprema Corte norte-americana com base no princípio da isonomia proibiu o restaurante de discriminar por motivos raciais.
Com efeito, ainda que a jurisprudência norte-americana tenha evoluído, no que concerne à eficácia horizontal dos direitos fundamentais ainda padece de um tratamento adequado, vez que não é apenas o Estado o ator violador de tais direitos, mas a sociedade como um todo.
TEORIA DA EFICÁCIA INDIRETA E MEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES
Tal teoria (6) foi adotada na Alemanha e Áustria, sendo utilizada em termos na França. Segundo seus adeptos, os direitos fundamentais, previstos na Constituição, devem ser relativizados em favor da autonomia privada. Desta forma, segundo esta teoria haveria a supremacia da autonomia da vontade entre as partes que não poderia ser afastada para se fazer incidir os direitos fundamentais. Assim, a aplicabilidade das normas constitucionais se daria tão-somente de forma mediata ou indireta.
TEORIA DA EFICÁCIA DIRETA E IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS(7)
Tal teoria tem como fundamento a aplicação imediata dos direitos fundamentais (eficácia horizontal) (8) nas relações privadas. (9) Neste aspecto, os direitos fundamentais não só vinculariam o Estado, mas também os particulares. De qualquer maneira, para se atingirem os particulares em suas relações privadas há necessidade, no caso concreto, de se estabelecer ponderação de princípios constitucionais (10).
O Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário 201.819 teve a oportunidade de fazer incidir a teoria da eficácia direta visando a reforma do acórdão proferido anteriormente (11).
A grande dificuldade em relação à teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais é até que ponto deve e pode ser aplicada numa relação privada. A fim de tornar possível o seu emprego, podem ser adotados alguns princípios tais como o da concordância prática ou harmonização e o da razoabilidade/proporcionalidade.
Com efeito, a característica marcante desta corrente é a falta de intermediação das normas de direito privado na interpretação das diretrizes constitucionais, cuja aplicação se dá prontamente com base no parágrafo 1º do artigo 5º, da Constituição Federal. Aliás, Paulo Bonavides (12) ressalta que o papel da nova hermenêutica constitucional é o de viabilizar a concreção das normas constitucionais, facilitando a resolução do caso concreto.
Desta forma, pode-se concluir que a autonomia privada encontra limites na ordem constitucional, pois não pode ser exercida com prejuízos aos direitos fundamentais.
NOTAS
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 17.
2 MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na Ordem Constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ ? Centro de Atualização Jurídica, n° 10, janeiro, 2002. Disponível na internet: . Acesso em 10 de janeiro de 2009.
3 DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, v.1, 9ª ed. jusPODIVM, 2008, p.31
4 U.S. Supreme Court
Marsh v. Alabama, 326 U.S. 501 (1946)
Argued December 6, 1945
Decided January 7, 1946
326 U.S. 501
Syllabus
1. A state can not, consistently with the freedom of religion and the press guaranteed by the First and Fourteenth Amendments, impose criminal punishment on a person for distributing religious literature on the sidewalk of a company-owned town contrary to regulations of the town's management, where the town and its shopping district are freely accessible to and freely used by the public in general, even though the punishment is attempted under a state statute making it a crime for anyone to enter or remain on the premises of another after having been warned not to do so. Pp. 326 U. S. 502, 326 U. S. 505.
Page 326 U. S. 502
2. Whether a corporation or a municipality owns or possesses a town, the public in either case has an identical interest in the functioning of the community in such manner that the channels of communication remain free. P. 326 U. S. 507.
3. People living in company-owned towns are free citizens of their State and country, just as residents of municipalities, and there is no more reason for depriving them of the liberties guaranteed by the First and Fourteenth Amendments than there is for curtailing these freedoms with respect to any other citizen. P. 326 U. S. 508. 21 So.2d 558, reversed.
APPEAL from the affirmance of a conviction for violation of a state statute challenged as invalid under the Federal Constitution. The State Supreme Court denied certiorari, 246 Ala. 539, 21 So.2d 564.
5 U.S. Supreme Court
Burton v. Wilmington Parking Authority, 365 U.S. 715 (1961)
Argued February 21, 23, 1961
Decided April 17, 1961
365 U.S. 715
Syllabus
A restaurant located in a publicly owned and operated automobile parking building refused to serve appellant food or drink solely because he was a Negro. The building had been built with public funds for public purposes, and it was owned and operated by an agency of the State of Delaware, from which the private operator of the restaurant leased its premises. Claiming that refusal to serve him abridged his rights under the Equal Protection Clause of the Fourteenth Amendment, appellant sued in a state court for declaratory and injunctive relief against the restaurant and the state agency. The Supreme Court of Delaware held that he was not entitled to relief, on the ground that the restaurant's action was not state action within the meaning of the Fourteenth Amendment and that the restaurant was not required by a Delaware statute to serve all persons entering its place of business. An appeal was taken to this Court on the ground that the state statute had been construed unconstitutionally.
Held:
1. The appeal is dismissed, since the judgment did not depend for its ultimate support upon a determination of the constitutional validity of the state statute; but, treating the papers whereon the appeal was taken as a petition for writ of certiorari, certiorari is granted, since the case presents an important constitutional question under the Fourteenth Amendment. Pp. 365 U. S. 717, 365 U. S. 721.
2. In view of all the circumstances of this case, including the facts that the restaurant was physically and financially an integral part of a public building, built and maintained with public funds, devoted to a public parking service, and owned and operated by an agency of the State for public purposes, the State was a joint participant in the operation of the restaurant, and its refusal to serve appellant violated the Equal Protection Clause of the Fourteenth Amendment. Pp. 365 U. S. 721-726.
3. When a State leases public property in the manner and for the purpose shown to have been the case here, the proscriptions of Page 365 U. S. 716 the Fourteenth Amendment must be complied with by the lessee as certainly as though they were binding covenants written into the agreement itself. P. 365 U. S. 726.
6 Também denominada de teoria dualista (ou teoria da eficácia indireta ou mediata)
7 Também denomidada de teoria monista
8 Os primeiros a defenderem esta corrente foram Leisner e Nipperdey
9 "A Constitucionalização das relações privadas e sociedade" . Universidade Estácio de Sá Curso de Pós-Graduação. Disciplina on line. RJ:2009
10 Idem.
11 Na hipótese, a União Brasileira de Compositores (UBC) interpôs recurso extraordinário visando à reforma do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que invalidou seu ato de exclusão de associado ao argumento de que a recorrente não teria respeitado o princípio constitucional da ampla defesa
12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
1. Apostila "A Constitucionalização das relações privadas e sociedade" . Universidade Estácio de Sá Curso de Pós-Graduação. Disciplina on line. RJ:2009
2. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006.
3. DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, v.1, 9ª ed. jusPODIVM, 2008.
4. MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na Ordem Constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ ? Centro de Atualização Jurídica, n° 10, janeiro, 2002. Disponível na internet: . Acesso em 10 de janeiro de 2009.
5. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
Autor: Mariana De Freitas Rasga
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