O ônibus De Paletó



Paletó era o nome da cidade de Vicentinópolis, no estado de Goiás, antes de sua emancipação. Até então era distrito do município de Pontalina. Tio Saul era motorista do único ônibus que fazia o transporte de passageiros entre as duas cidades. Era uma perua Chevrolet Brasil, com um maleiro de madeira sob o teto, onde eram transportadas as bagagens, às vezes cobertas por uma lona para proteger da poeira ou da chuva.

Todos os dias Tio Saul saía com sua "jardineira" de manhã com destino a Paletó e retornava à tarde para Pontalina. Havia dias em que a lotação era tamanha que alguns passageiros tinham que viajar em cima, no teto, junto às bagagens. Em um desses dias de veículo abarrotado, entre as bagagens estava sendo transportado um caixão de madeira que viria suprir o estoque da funerária do "seu" Eterno.

Chegando ao Morro do Sapato, a uns dez quilômetros, um passageiro aguardava o ônibus. Tio Saul parou e foi logo avisando:

- Se quiser ir tem que ser lá em cima no bagageiro, aqui não cabe nem mais um mosquito.

O rapaz, não querendo correr o risco de não achar carona e temendo o mau tempo, aceitou. Rodaram uns dois quilômetros e começou a chover. O passageiro viu o caixão e não pensou duas vezes. Acomodou-se deitado de costas e puxou a tampa para se proteger da chuva. Chegando na fazenda Abacaxi, outro passageiro à espera. Tio Saul para e esclarece:

- Só tem lugar lá em cima com o outro companheiro, serve? – O rapaz sobe, não vê ninguém. Olhando para o caixão imagina: "o 'outro companheiro' deve ser um defunto aí dentro".

A chuva, que já estava fina, foi parando devagar e quando o encaixotado viajante percebeu que parara por completo levantou a tampa do caixão e se pos de pé de uma vez. No que ele se aprumou o outro saltou gritando de cima do ônibus em movimento. Ainda bem que a velocidade do velho Chevrolet Brasil lotado era pequena. Ao ouvir o grito Tio Saul parou o "possante", desceu com mais alguns passageiros e foram socorrer o acidentado. Felizmente só sofrera alguns esfolões nos braços e pernas por causa do cascalho fino da estrada. Limparam os ferimentos, acomodaram o rapaz meio espremido dentro do ônibus e seguiram viagem. Quando chegaram ao "ponto final" e os passageiros começaram a descer, Tio Saul observou um fato curioso: o fundo das calças de um senhor que descia apresentava quatro furos redondos e iguais. Tirou os olhos da traseira do passageiro e olhou para o assoalho do veículo onde estava a bateria reserva, com os pólos úmidos de solução de ácido, na qual o infeliz viajante viera assentado durante a viagem. 

Assim findou mais um dia de transporte pela "Viação Leblon".


Autor: Antonísio Siqueira Borges


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