O medo como dispositivo da propaganda




Globalização é a palavra de ordem do mercado de consumo mundial que tem as multinacionais como produtoras e recriadoras do habito do consumo que toma proporções gigantescas ao extremo do consumismo. Os consumidores que passaram a consumistas são alvejados pelos anúncios publicitários e pela propaganda que oferece variedades crescentes de "realizações" por meio de produtos que transitam do local ao global. Comprar deixou de ser um habito para se tornar uma necessidade quase incontrolável. Os motivadores, que se resumem na busca por realizações por meio das compras, são responsáveis pelos lucros astronômicos das indústrias que contratam as empresas de propaganda e publicidade para vender mais do mais que se produz para o consumo indiscriminado. A propaganda passou, de fato, a ser a "alma do negocio" e a arma contra a concorrência.
A palavra propaganda é proveniente do latim (propagare) que significa algo como "para ser espalhado ou ato de difundir algo". Existem teóricos da área de comunicação que não aceitam o termo propaganda para representar o que o senso comum conhece por "propaganda". Acreditam que o termo correto é publicidade, pois tem relação com o publico em especifico. Porém, os termos se confundem e se complementam. Publicidade está para o publico assim como propaganda está para o popular. Discutir qual é o termo correto para ser utilizado quando a intenção é divulgar algo ou alguma coisa, ideias, doutrinas, produtos e etc., para que possam ser consumidos, não muda a intenção que é atrair a escolha do consumidor. Desse modo trataremos a propaganda e a publicidade por um único termo "propaganda".
A propaganda, que segundo Aranha e Martins (2002), apela para promessas de satisfação de uma necessidade é a mesma que cria necessidades. Esses apelos são sempre emocionais, mesmo que revestidos de uma falsa razão, uma falsa logica que justifica a obtenção de algo ou a adoção de uma ideia. Porém, a única logica da propaganda é vender o que é preciso para aumentar os lucros. Nem sempre o que se oferece é o que o consumidor deseja, sendo assim é preciso se fazer acreditar como necessário, modelar o consumidor segundo uma necessidade que ele adote como sua. Apelar para o que pode despertar satisfação, autoestima, prazer, felicidade, ou evitar frustrações com frustrações é oferecer o que não será recusado.

"Os apelos, portanto, são sempre emocionais. Mesmo quando se revestem de razões lógicas, o fundamento da propaganda é despertar emoções de prazer, alegria, felicidade ou de frustrações, privação ou sofrimento, emoções que dependem da posse de determinados produtos para serem usufruídas ou afastadas" (ARANHA e MARTINS. 2002, p. 51)

A oferta feita pela propaganda é baseada no que pode tornar o indivíduo menos infeliz ou totalmente realizado, quando na maioria dos casos ela oferece apenas momentos de felicidade que serão logo substituídos por frustrações que a própria propaganda cria com o consumo indiscriminado. A ideia do que é necessário para a felicidade e sucesso no amor, nos negócios, nos estudos, na vida de um modo geral, e que pode ser comprado, é um apelo que é entendido como solução pelo consumidor, que se apressa a comprar para experimentar, uma experiência que segue outras de resultados falidos. Mas, que exigem testes constantes para encontrar a formula magica da auto aceitação, da felicidade e do sucesso. Esses apelos tentam moldar o indivíduo para que ele se torne coletivizado, ou seja, a ideia é passada com a impressão de que foi elaborada apenas para quem a absorve, quando na pratica sua abrangência é o coletivo que será, também, fonte de propaganda comercial. Não que a propaganda ideológica seja menos sutil e menos perigosa que a comercial.
A propaganda ideológica é uma ideia apresentada como realidade que precisa de atenção imediata e que exige uma solução instantânea, quando contrariada ela se interpreta o papel de vitima da imprudência, da perseguição, do preconceito, da violência, da incoerência, e se mostra como violentada pela ignorância para justificar mais ainda necessidade de adoção das ideias que ela apresenta como necessária e importante. A neutralidade é uma das características da propaganda ideológica, pois se baseia no senso comum para se fortificar e tenta esconder suas verdadeiras intenções, ou a real situação do que é oferecido como urgente ou como resposta a realidade. O ditado popular "esconder o sol com a peneira", explica categoricamente o que é a neutralidade da propaganda ideológica, muito usada por governos, lideres políticos e pelos meios de comunicação dominantes. Segundo Aranha e Martins, a propaganda ideológica é revestida de interpretações que consideram apenas determinados interesses.

"O que a maioria das vezes não percebemos é que há sempre uma seleção previa de aspectos da realidade que vão ser apresentados e uma interpretação dessa realidade a partir de um ponto de vista que serve a determinados interesses. As informações, assim, são fragmentadas, retiradas do seu contexto histórico e social." (ARANHA e MARTINS. 2002, p. 51)

A interpretação da realidade, do ponto de vista da propaganda, é voltada para a "necessidade do consumo de algo" que as pessoas precisam sentir como solução de suas vidas medíocres e infelizes, e assim se exigirem adquiri o que se apresenta como a fórmula magica da existência. O ser humano passou a ser condicionado pelas propagandas que prometem a felicidade a preços módicos ou em valores impensáveis, essa relação do preço com a felicidade faz as empresas trabalharem produtos que personalizam a personalidade de quem os adquire e elevam a condição social desses que "podem mais" no topo do conceito de felicidade pela posse. Sennett entende que no reino do consumo os produtos apresentam outro fascínio para consumidor que é possuir o que ele ainda não tem, e isso faz do consumidor um possessivo que assisti a si mesmo num teatro dos horrores da existência que pode ser superado pela compra disso ou daquilo.

"O reino do consumo é teatral porque o vendedor, como um dramaturgo, precisa contar com a crença no faz-de-conta para que o consumidor compre. ( ...) um teatro em que a simples massa de produtos em oferta altera a compreensão do espectador-consumidor sobre as coisas em si mesmas. Hoje, a paixão consumptiva tem uma força dramática: para o espectador-consumidor, o uso possessivo é menos estimulante que o desejo de coisas que ainda não tem; a dramatização do potencial leva o espectador-consumidor a desejar coisas que não pode utilizar plenamente." (SENNETT. 2006, p. 147)
A dramatização da existência se passa pela propaganda que tudo oferece para todos que sentem como necessidade o que é propagado para não viverem o drama, o horror de se sentir excluído do mundo, de se depararem consigo mesmo dentro de uma sociedade em que todos são iguais pelo consumo ou se diferenciam pelo que consomem. O ser humano passou a ser criado com base em modelos de existência apresentados como essencial, se não indispensável. Uma criação de seres humanos para seres humanos se sentirem humanidade.
A humanidade é produto de sua própria criação, as ações humanas demonstram que o descontrole de sua existência parte da sua própria ânsia por alcançar felicidade. Mas, essa busca constante por felicidade encontra um limite que é a própria humanidade. Jung (2008, P. 33) diz que "(...) a humanidade encontra-se sempre no limiar das ações que ela mesma faz, mas não controla. Para citar um exemplo: todos querem a paz e o mundo inteiro se prepara para a guerra, segundo o axioma Si Vis Pacem, para Bellum." (JUNG. 2008, p.33). Transportando essa ideia para o tema propaganda, o que é oferecido pelos anúncios é uma satisfação instantânea com a aquisição de um produto que é carregado de ideais relacionados à busca incessante de felicidade pelo consumidor, mas que depois de adquirida se transforma em um vazio que exige um imediato preenchimento, compra-se a infelicidade pela felicidade.
Felicidade essa que é oferecida em embalagens esteticamente sugestivas, que alicia o ser humano para o consumo de algo que se desvanece com novos produtos nas prateleiras da concorrência pela consciência de cada um. A falsa impressão de que somos conscientes ao adquiri algo vendido pela propaganda nos torna o resultado de nossas próprias crenças sobre ser consciente, mas quando olhamos nos olhos da realidade descobrimos que somos apenas um objeto do resultado de nossas ações consumistas, somos produtos que compram produtos. Somos a mercadoria da propaganda, e o que fazemos é nos comportar como objetos que aplicam lucros comprando objetos que fazem o lucro das empresas capitalistas se multiplicarem. Jung (2008, p. 33) sobre a consciência, nos informa que "Na consciência, somos nossos próprios senhores, aparentemente somos nossos próprios ?fatores?. Mas se ultrapassarmos o pórtico da sombra, percebemos aterrorizados que somos objetos de fatores". Se os resultados das ações humanas é o próprio ser humano e se a consciência de si é consciência de uma ação desejada ou pensada como desejada, então qual objeto de condução do consumo pela propaganda? A necessidade de sobrevivência? O status quo? O medo?
Se afirmarmos que a propaganda utiliza a necessidade do ser humano de sobreviver para vender alguma coisa, seja um produto ou uma ideia ou ambas, estaremos desconsiderando o significado da palavra sobrevivência que está relacionada ao ato de continuar a viver, a existir, resistir a alguma adversidade, infortúnio, como é o caso das vitimas de um acidente que sobreviveu a casualidade não essencial da existência, dizer que a propaganda expõe as ferramentas necessárias para o ser humano sobreviver é se distanciar do principal foco da própria propaganda que é vender. Apesar de a propaganda fazer uso da mentira para incrustar uma necessidade, não se pode afirmar que é a "sobrevivência" o objeto, a sensação, o sentimento fabricado pela propaganda para resgatar a atenção do consumidor e torná-lo um consumista que absorve tudo tão rápido quanto o adquirido é descartável em substituição a outro produto melhor e com promessas mais convincentes. Os cavalos de troia são os produtos que mais oferecem benefícios ao consumidor, seja ele aquele que vai consumir uma ideia ou um enlatado. A verdade é que a propaganda não expõe as fraquezas do produto porque se assim fizessem comprometeriam um grupo empresarial que pretende comer uma fatia do mercado ou se fortificar ainda mais no comercio nacional e internacional. A propaganda não se utilizar da necessidade de "sobrevivência" para vender o produto que se pretende como indispensável, por ser a "sobrevivência" algo que vai além do mero consumo transformado em consumismo; poderíamos, então, afirmar que a propaganda (comercial ou ideológica) usa o que o senso comum chama de "status quo" para se referir a uma posição social admirada e invejada. Comumente se diz que "fulano" ou " ciclano" tem status por ser uma homem de posses caras, mas o fato é que status quo na sua tradução literal não significa posição social e sim "estado atual das coisas". Esse termo é usado em direitos, em politica e/ou assuntos diplomáticos e está relacionado a conservação do poder de um determinado Estado-Nação, como diz Morgenthau (2003, p.89) o status quo é uma "expressão diplomática que engloba as usuais cláusulas dos tratados de paz que dispõem sobre a evacuação do território de tropas inimigas e sua restauração à soberania do período anterior às hostilidades."
Dizer que "fulano" muito lutou para adquiri seu status quo e só o obteve após ter adquirido "isso" ou "aquilo", que o classifica como importante socialmente, é se debruçar na ignorância que não corresponde à realidade do termo jurídico, diplomático e/ou politico. Desse modo, o status quo é dispensado da lista de possibilidades de sensações, sentimentos, de objeto da propaganda para se fazer perceber e vender o que pretende. O que nos resta é o medo como influenciador do consumo, como objeto de condução do consumidor até as compras, objeto pelo qual a propaganda se faz importante para a sociedade consumista. Objeto fabricado e disfarçado de promessas de felicidade, sucesso e bem estar. Mas, o que é o medo e como ele está relacionado à propaganda comercial e a ideológica?
A ideia do medo tem relação direta com o a duvida, com o mal estar desconhecido, com estímulos físicos ou mentais. A sensação de medo causa reações diversas e ansiedade, que por sua vez é uma resposta a algo que se considera perigoso, seja este algo real ou imaginário. O medo pode ser condicionado por algo que na mente do indivíduo precisa ser evitado, mesmo que na realidade o objeto do medo não exista de fato. O fundador da Psicanalise Sigmund Freud (1856 ? 1939) entende que o medo é proveniente de um objeto que existe e representa perigo, enquanto a ansiedade é uma situação de espera do perigo; e completa sua definição apontando um terceiro elemento que é o "susto"; este é uma reação de quando alguém entrou em perigo de surpresa.

"?Susto?, ?medo?, e ?ansiedade? são palavras impropriamente empregadas como expressões sinônimos; são de fato, capazes de uma distinção clara em sua relação com o perigo. A ?ansiedade? descreve um estado particular de esperar o perigo ou prepara-se para ele, ainda que possa ser desconhecido. O ?medo? exige um objeto definido de que tenha temor. ?Susto?, contudo, é o nome que damos ao estado em que alguém fica, quando entrou em perigo sem estar preparado para ele, dando-se ênfase ao fator da surpresa." (FREUD. 1996, p. 23)

Por essa ótica, não podemos afirmar que a ansiedade é indutora do consumo e que é utilizada pela propaganda para favorecer o produto ou a ideia que ela propaga sobre o uso do produto apresentado, porque a ansiedade não tem um objeto de perigo iminente, tem uma espera de um perigo que nem sempre corresponde a o que é real. Enquanto que o medo se baseia em algo que se conhece e que se teme o que é conhecido como objeto causador de perigo. Até pode existir uma relação entre ansiedade e medo causado pela propaganda, em certo sentido quando o indivíduo teme e anseia, mas isso não é obvio para o objetivo dessas analise.
A propaganda oferta a felicidade por meio de produtos que se apresentam em anuncio em que pessoas que são estereótipos de beleza, ou que expressam alegria quando consomem algo ou ainda que vivem a sensação de liberdade quando utilizam certo produto. Na pratica todo aquele que não estiver na "onda" do momento estão fadados a serem tristes, rejeitados, solitários, infelizes, em resumo fracassados. E o que se teme numa sociedade consumista é entrar lista dos excluídos, dos fracassados. Baudrilllard (1996, p. 22) diz que "(...) o miraculoso do consumo serve (...) de sinais de felicidade", ou seja, o milagroso consumo pode tornar o consumidor mais feliz. Felicidade que se propõe embutida na significação do objeto para o consumidor. Segundo Baudrilllard (996), "Raros são os objeto que hoje se oferecem isolados, sem o contexto de objetos que os exprimam. Transformou-se a relação do consumidor ao objeto: já não se refere ao objeto em sua utilidade específica, mas ao conjunto de na sua significação total". Para o consumidor o objeto, o produto, a ideia oferecida pela propaganda traz em si significações que são interpretadas como sinônimo de felicidade, de sucesso e não consumir, não comprar é se arriscar a ser infeliz e fracassado. O medo de ser infeliz e fracassado se impõe ao ponto de levar o consumidor a consumir e consumir cada vez mais em menos tempo, pois a cada nova propaganda novos símbolos de felicidade e sucesso são apresentados.
Não importa o produto em si, sua utilidade, e sim o que ele significa para a sociedade em que está inserido o consumidor alvo da propaganda. O sentido que tem adquirir um veículo, por exemplo, que se insere no imaginário como condutor de liberdade ou libertador das solidões é dar sentido para o "mundo" criado pelo individuo em cumplicidade com o coletivo que absorve a propaganda e reproduz os mesmos significados imaginários da posse e utilização do produto. Ruiz (2003, p.59) diz que "[...] por meio do sentido, transformando-as de elementos insignificantes em objetos carregados de significação cultural. O mundo do ser humano é sempre um sentido de mundo". O sentido de mundo é um sentido de justificação da existência social, de existir socialmente, de se sentir sócio, de estar em coerência com o comportamento humano. Segundo Ruiz (2003, p. 67): "o sentido é sempre social. Ele se organiza em teias e estruturas de significados, a fim de estabelecer suturas simbólicas que dêem coerência à ação humana".
A propaganda, seja ela comercial ou ideológica, se utiliza do medo de não ser do ser humano, e oferece falsas soluções para que ele possa se sentir sendo ou não sendo pela adoção de uma ideia ou produto trabalhado para criar imagens significantes de si em relação a si mesmo e ao outro. E o ser se determina pelo consumo, o mesmo ser que é fabricado pela propaganda que nega a infelicidade e o fracasso, mas que induz o confronto entre o que se é e oque pode ser. O que "você" é agora e que poderia "ser", se está entre os felizardos ou se está entre os reclusos que fracassam por não ousarem mais, e consumirem cada vez mais.


Referencia Bibliográfica
ARANHA; MARTINS, Maria Lúcia de Arruda, Maria Helena Pires. Filosofando. 2ª edição. São Paulo: Moderna, 2002
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade do Consumo. São Paulo: Editora Edições 70, 1996
FREU, Sigmund. Além do principio do prazer; Psicologia de grupo e outros trabalhos. Edição Standad brasileira. Volume XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6ª edição. Petrópolis: Vozes, 2008.
MORGENTHAU, H. A política entre as Nações. Brasília: Funag/IPRI, EdUNB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.
RUIZ, C.B. Os paradoxos do imaginário. São Leopoldo: Editoria Unisinos,2003.
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Autor: Chardes Bispo Oliveira


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