Cancelamento dos gravames de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, sem a necessidade de sub-rogação



A cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade temporária estabelece sobre os bens a proibição de venda, permuta, hipoteca, ou por qualquer motivo alienação do bem durante a existência da pessoa beneficiada.
Não se tendo estabelecido, no ato de liberalidade, duração ao vínculo, interpretar-se-á este como vitalício. Com o óbito da pessoa favorecida, extingue-se o ônus e para o seu cancelamento basta simples petição dirigida ao juiz competente, que a deferirá.
Ocorre que, conforme reiterada jurisprudência, atenta ao fim social do direito, à exigência da justiça e da eqüidade, que constituem o seu fim, tem-se entendido que referida vedação poderá ser mitigada, sempre que se verifique a presença de situação que recomende a liberação das restrições instituídas pelo doador.
Significa dizer que, havendo, portanto, comprovada necessidade e interesse do donatário de vender o imóvel que esteja gravado, a melhor solução poderá efetivamente vir a ser a atenuação ou o afastamento dos gravames. Com a morte do donatário, ou do herdeiro, passam os bens, inteiramente livres e desonerados, aos respectivos sucessores.
Passemos a analisar os dispositivos legais que tratam sobre o tema:
"Art. 1.676 (antigo Código Civil). A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de nulidade".
"Art. 1.911 (Código Civil de 2002). A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Parágrafo Único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros".
Acaso se faça uma interpretação puramente gramatical dos dispositivos suso transcritos, chegar-se-á a conclusão de não ser possível pleitear, diante do ordenamento jurídico brasileiro, a autorização para o cancelamento da cláusula de inalienabilidade que, por alguma razão (seja através de testamento ou de doação), grave o imóvel.
Ocorre porém, que as normas acima transcritas devem ser avaliadas com temperamento, uma vez que a proibição de alienação do bem, em determinados casos, pode ser contrária à finalidade para a qual foi criada.
Até porque, não pode ser encarada de forma absoluta, devendo antes ser consultado o interesse maior do clausulado, de modo a não impedir a legítima disponibilidade do patrimônio, pela prudente análise das circunstâncias demonstradas em juízo.
Ademais, a exegese da lei não pode prescindir de uma análise socialmente justa e dos fins para os quais a norma foi criada (art. 5º, LICC), sopesado o fato deste dispositivo, como preceito de elevada importância, funcionar como instrumento para amenizar dispositivos extremamente restritivos e cuja incidência, em determinados casos, pudessem permitir o cometimento de injustiça para com a parte.
Daí por que é assente que o rigorismo imposto no art. 1676 do Código Civil de 1916 (atual art. 1911) deve ser atenuado, de modo a que os direitos do proprietário - destacadamente a livre disposição e administração de seus bens - restem também preservados, por meio da observação das peculiaridades de cada caso concreto.
Assim, a vedação prevista pelo legislador deve ser mitigada pelo bom senso, de modo a se permitir que o gravame seja transferido para outros bens (parágrafo único do art. 1911 do Código Civil de 2002 ) ou, até mesmo, em caráter excepcional, excluído, quando evidente que tal medida seja a única a atender necessidade comprovada e premente do donatário ou testamentário.
Nesse rumo de idéias, a indisponibilidade dos bens prevista no art. 1676 do Código Civil de 1916 (art. 1911 do novel Código Civil) não pode ser vista hoje como uma proibição absoluta, pois existe o interesse social e até público na circulação dos bens, tendo em mira, inclusive, os preceitos constitucionais que asseguram o direito de propriedade e, mais do que isso, de que a propriedade deve ter uma finalidade social (art. 5º inc. XXII e XXIII, da nossa Carta Política de 1988).
À vista destas considerações, entendo ser perfeitamente possível a retirada (cancelamento) dos gravames de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, sem a necessidade de sub-rogação, conforme determina o parágrafo único do art. 1911 do novel Código Civil, visto que está-se diante de "indeterminação do preceito", cabendo ao magistrado decidir no caso concreto, à luz dos princípios de direito, ex vi art.1.911 do CC, art. 1109 do CPC, art. 5º, LICC, art. 5º inc. XXII e XXIII, da da Constituição da República.
Até porque, como é de curial sabença não pode a autonomia da vontade privada prevalecer ilimitadamente sobre o interesse social.


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